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PODER JUDICIÁRIO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU

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Academic year: 2021

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Processo: 0011245-67.2018.8.16.0030

Vara: 2ª Vara da Fazenda Pública de Foz do Iguaçu Classe Processual: 120 - Mandado de Segurança

Assunto Principal: 8961 - Antecipação de Tutela / Tutela Específica Nível de Sigilo: Público

Impetrante: GABRIEL DIAS TITTON, ANISIO ANTUNES DE SIQUEIRA

Impetrado: INSTITUTO DE TRANSPORTES E TRANSITO DE FOZ DO IGUACU - FOZTRANS

D E C I S Ã O I N T E R L O C U T Ó R I A

I. GABRIEL DIAS TITTON e ANISIO ANTUNES DE SIQUEIRA

impetram mandado de segurança contra o Diretor do INSTITUTO DE TRANSPORTES E TRANSITO DE FOZ DO IGUACU - FOZTRANS alegando que são motoristas cadastrados na plataforma de prestação de serviços de transporte individual Uber, através da qual prestam serviços de transporte remunerado privado individual de passageiros na cidade de Foz do Iguaçu tendo sido na data de 18/04/2018 autuados por agentes da autoridade impetrada com fundamento no o art. 61-A, da Lei Municipal nº 223/14. Requereram a concessão de tutela provisória de urgência. É o breve relato. DECIDO.

II. Pois bem, a questão básica no presente writ é decidir sobre a

legalidade da conduta da autoridade impetrada em realizar a autuação e apreensão dos veículos de propriedade dos impetrantes.

III. Os agentes da autoridade impetrada realizaram a autuação e

apreensão dos veículos dos impetrantes (mov. 1.6) com fundamento no art. 61-A da Lei Complementar Municipal nº 223/14, que dispõe sobre o serviço público de transporte por táxi:

"Art. 61-A Os condutores e/ou proprietários dos veículos que estiverem explorando a atividade de transporte de passageiros remunerado sem a prévia permissão no Município de Foz do Iguaçu, sem prejuízo às demais infrações de trânsito

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previstas na legislação em vigor, ficarão sujeitos às seguintes penalidades:

I - apreensão e remoção do veículo e multa administrativa na importância de 40 (quarenta) UFFI`s;

II - em caso de reincidência o valor da multa será aplicado em dobro".

IV. Contudo, a princípio, não se pode dizer que os impetrantes estejam

submetidos ao regime jurídico da legislação local já que, efetivamente não se pode tratar os veículos vinculados à plataforma “Uber” como serviço público de transporte por táxi.

V. Aos motoristas vinculados à plataforma “Uber” se aplica o regime

jurídico especial da Lei Nacional nº 12.587/12 que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e que assim dividiu os serviços de transporte urbano:

Art. 3o O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município.

§ 2o Os serviços de transporte urbano são classificados:

I - quanto ao objeto: a) de passageiros; b) de cargas;

II - quanto à característica do serviço: a) coletivo;

b) individual;

III - quanto à natureza do serviço: a) público;

b) privado.

VI. Por sua vez, o art. 4º, X da mesma lei deu o conceito de transporte

remunerado privado individual de passageiros, diferenciando-o claramente da hipótese do inciso VIII que trata do transporte público individual:

Art. 4o Para os fins desta Lei, considera-se:

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VIII - transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas;

X - transporte remunerado privado individual

de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros,

não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. (Redação dada pela Lei nº 13.640, de 2018)

VII. É evidente que a única interpretação cabível ao art. 61-A da Lei

Complementar Municipal 223/14 é a de que a vedação somente tem aplicação ao serviço público de transporte individual, isto é, aquele que o Município de Foz do Iguaçu detém competência constitucional para regular (CRFB, art. 30, V), pois, efetivamente, o serviço de táxi pode ser enquadrado como serviço de transporte coletivo.

VII. Já a plataforma “Uber” e similares, não tem natureza jurídica de

transporte público, mas sim, como firmado pela Lei Nacional nº 12.587/12, de transporte privado, não podendo ser restringido ou impedido por normal local, mas, no máximo regulamentado (CRFB, art. 30, I) para adequá-lo às peculiaridades da comunidade local.

IX. E mesmo essa atuação da administração pública deve ser

interpretada à luz do paradigma constitucional vigente do Estado Democrático de Direito que tem por fundamento os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CRFB, Art. 1º, III) e em cujos princípios fundantes da ordem econômica asseveram que esta deve ser “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna” (CRFB, art. 170).

X. Se percebe que a atividade econômica na Constituição de 1988 opta

pelo modelo capitalista, fundamentado na livre iniciativa, que, não só deve ser admitida, mas, nas palavras da Constituição, deve ser “valorizada” ou seja, a livre iniciativa foi elevada pela Constituição à fundamento do Estado Democrático de Direito e da ordem econômica nacional. Como já dizia Celso Ribeiro Bastos:

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“A liberdade de iniciativa é uma expressão ou manifestação no campo econômico da doutrina favorável à liberdade. O liberalismo vem a ser um conjunto de ideais, ou concepções, com uma visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da sociedade (...) A liberdade de iniciativa consagra tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado (...)” XI. Como defendeu o Ministro Carlos Veloso no 422.941:

“A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica.”

XII. Ainda que se reconheça que no sistema constitucional nacional a

livre iniciativa não é, como nenhum outro, valor absoluto, se deve ter em conta que é valor que impõe ao interprete a sua aplicação quando da aplicação das normas legais, somente podendo admitir as limitações ao princípio que fundadas em outros valores de ordem constitucional. Na lição de Eros Grau1

"livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta (...). O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada”. XIII. Mais relevante se torna a livre iniciativa, quando se percebe que,

no plano individual, foi também elevada à direito fundamental pelo art 5º, XIII da Constituição:

1 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 13ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 203

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Art. 5º. XIII - É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

XIV. O art. 5º, XIII, da CR como a livre iniciativa é norma de aplicação

imediata e eficácia contida que pode ser restringida pela legislação infraconstitucional, mas ainda que se admita, no plano geral, a existência de limitações à livre iniciativa todas as limitações legais à valores constitucionais somente se legitimam quando submetidas ao filtro de razoabilidade, não se podendo admitir limitações que ultrapassem as necessidades já estabelecidas nos próprios incisos do art. 170 da Constituição. Na lição de Ingo Wolfgang Sarlet2:

"Considerando a finalidade da autorização constitucional para a restrição da liberdade de profissão, a

fixação de exigências e qualificações profissionais

evidentemente deverá guardar relação com a peculiaridade das funções a serem desempenhadas, não se tolerando, de resto, restrições de caráter discriminatório." .

XV. A interpretação que o Município de Foz do Iguaçu vem dando ao

art. .61-A da Lei Complementar Municipal 223/14 é claramente violadora da livre iniciativa e representa verdadeira violação do predicado constitucional da livre iniciativa, priorizando interesses corporativos em detrimento dos interesses da coletividade.

XVI. A reiterada conduta da administração municipal em praticar atos

arbitrários de apreensão de veículos com base em interpretação, no mínimo heterodoxa, da norma local implica em clara violação à liberdade econômica que é valor constitucional tão relevante que está elencado como fundamento da própria República (CRFB, art. 1º, IV) e não está sujeito a transigência por parte do Poder Judiciário que tem a missão constitucional de garantir as liberdade públicas. A respeito da liberdade econômica e os riscos que envolve é de ser citada a lição de Pontes de Miranda nos deu em seu “Comentários à Constituição de 1967”3:

2 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 3. ed. rev. ampl.

São Paulo: RT, p. 512

3 Ed. Rt, São Paulo, 2ª Ed. 2ª Tirage, 1974, p. 29

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“O homem precisa das liberdades, de um mínimo, e conquistou aquela que a vida em comum lhe permitia e lhe permite. Não são todas as “liberdades”. O liberalismo econômico consistiu exatamente em levar a setores a que não devia os princípios de liberdade. Quando, depois, Mussolini chamou a liberdade de “cadáver pútrido’, em vez de curar o doente, estrangulou-o. Visão de quem não podia compreender a solução política sem ser em termos de violência. Temos, pois, a primeira conclusão: as liberdades fundamentais precisam ser mantidas.”

XVII. Vedar aos impetrantes a exploração de seus veículos privados

como fonte de renda e trabalho é ferir de morte o art. 5º XIII da Constituição posto que impede o livre exercício de sua profissão, não se podendo deixar de considerar que exercício de qualquer profissão se encontra dentro do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, reflexo direto da dignidade da pessoa humana.

XVIII. Em relação ao livre desenvolvimento da personalidade e seus

limites decidiu a Corte Constitucional da Colômbia na Sentença C-404 de 19984, em

lição exemplar que, em tradução livre, cito abaixo:

“Os limites ao livre desenvolvimento e personalidade ", não só devem ter respaldo constitucional, mas também não pode anular a possibilidade das pessoas a construírem de forma autônoma o seu modelo de realização pessoal." Portanto, qualquer decisão que afete a esfera privada do indivíduo, que lhe interessava sozinho, deve ser excluída de

qualquer tipo de intervenção arbitrária. "5.

XIX. A interpretação efetuada pela autoridade impetrada não diferencia

o transporte público individual do transporte remunerado privado individual de

4 http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/1998/C-404-98.htm

5 No original “Los límites al libre desarrollo e la personalidad, "no sólo deben tener sustento constitucional, sino que, ademá s, no

pueden llegar a anular la posibilidad que tienen las personas de construir autónomamente su modelo de realización personal." Por tanto, cualquier decisión que afecte la esfera íntima del individuo, aquélla que sólo a él interesa, debe ser excluida de cualquier tipo de intervención arbitraria.”

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passageiro, se trata, portanto, de aplicação arbitrária da norma que viola o direito do impetrante ao livre exercício de sua profissão.

XX. A arbitrariedade aqui está no conceito que lhe dá o Tribunal

Constitucional Federal Alemão6 com o sentido de ato irrazoável, que é a situação que

se está presente, posto que a interpretação que o Município de Foz do Iguaçu faz da norma implica em vedação absoluta ao exercício da profissão do impetrante dentro dos seus limites técnicos.

XXI. Portanto, presente a relevância da fundamentação bem como o

risco da ineficácia da medida, consistente na impossibilidade de exercício da atividade profissional do impetrante deve ser concedida a liminar pleiteada.

XXII. Ante todo o exposto, na forma do art. 7º, III da Lei 12.016/09, CONCEDO A LIMINAR pleiteada para SUSPENDER os autos de infração n.º 203 e 205 lavrados pela autoridade impetrada e DETERMINAR A IMEDIATA restituição dos veículos apreendidos aos impetrantes.

XXIII. Comunique-se à autoridade impetrada, SERVINDO A PRESENTE DECISÃO DE OFÍCIO, para que dê imediato cumprimento à decisão, sob

pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por veículo, sem prejuízo das sanções, de natureza pessoal, pelo descumprimento da decisão, na forma do art. 77, IV, e §§ 1º e 2º do CPC, e das sanções do art. 26 da Lei 12.016/10.7

XXIV. Ademais, NOTIFIQUE-SE a autoridade impetrada para que preste as informações, no prazo legal.

XXV. Defiro, por ora, os benefícios da justiça gratuita. XXVI. Cumprida a liminar:

a) Dê-se ciência nos termos do art. 7º, II, da Lei nº 12.016/09 ao

Município de Foz do Iguaçu e ao INSTITUTO DE TRANSPORTES E TRANSITO DE FOZ DO IGUACU - FOZTRANS.

6 Alexy, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 389.

7 Art. 26. Constitui crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o não

cumprimento das decisões proferidas em mandado de segurança, sem prejuízo das sanções administrativas e da aplicação da Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, quando cabíveis.

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b) Abra-se vistas ao Ministério Público, pelo prazo de 10 (dez) dias, na forma do art. 12 da lei 122.016/10.

c) Após, voltem conclusos para sentença.

Intimações e diligências na forma do CNCGJ. Foz do Iguaçu, 19 de abril de 2018.

Assinado digitalmente ROGERIO DE VIDAL CUNHA

Juiz de Direito Substituto

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