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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

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Academic year: 2021

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Instituto de Filosofia,Artes e Cultura Programa de Pós-graduação em Filosofia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO Instituto de Filosofia, Artes e Cultura Programa de Pós-Graduação em Filosofia

Mestrado em Estética e Filosofia da Arte

ADORNO E O BELO NATURAL

Dissertação apresentada ao Mestrado em Filosofia do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial para obtenção do título de mestre em filosofia. Área de concentração: Estética e Filosofia da Arte

Orientador: Prof. Dr. Romero Alves Freitas

Ouro Preto 2020

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Oliveira, Sara Ramos de .

OliAdorno e o belo natural. [manuscrito] / Sara Ramos de Oliveira. - 2020.

Oli89 f.

OliOrientador: Prof. Dr. Romero Alves Freitas.

OliDissertação (Mestrado Acadêmico). Universidade Federal de Ouro Preto. Programa de Pós-graduação em Estética e Filosofia da Arte. Programa de Pós-Graduação em Filosofia.

OliÁrea de Concentração: Filosofia.

Oli1. Adorno, Theodor W., 1903-1969 . 2. Arte - Filosofia. 3. Linguagem. 4. Negatividade (Filosofia). I. Freitas, Romero Alves. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Título.

Bibliotecário(a) Responsável: Paulo Vitor Oliveira - CRB6 / 2551

SISBIN - SISTEMA DE BIBLIOTECAS E INFORMAÇÃO

O482a

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é dedicado à vida e à memória de todos os povos colonizados, dizimados e refugiados de todo o mundo.

"Só é cantador quem traz no peito o cheiro e a cor de sua terra, a marca de sangue dos seus mortos, e a certeza de luta de seus vivos..." (François Silvestre).

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“A arte gostaria de com meios humanos realizar o falar do não-humano.”

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RESUMO

“Adorno e o Belo Natural” possui como objetivo investigar a forma como Adorno propõe em sua obra​Teoria Estética uma nova forma de se pensar o conceito de belo natural na estética e na filosofia da arte, considerando que a linguagem é o seu elemento determinante, uma vez que no belo natural trata-se de pensar a natureza como expressão de algo que não pode expressar-se pelos próprios meios. Adorno parte do pressuposto de que a tradição filosófica ocidental herdou uma visão não autêntica sobre a relação estética do ser humano com a natureza, começando pela relação do sujeito transcendental de Kant, que observava a natureza ora como lugar de afirmação daquilo que foi dominado pelo homem, ora como lugar de contemplação daquilo que ainda não foi dominado. Para Adorno, essa relação com a natureza do sujeito kantiano inaugura o belo natural como campo de expressão de uma subjetividade burguesa, que tem como principal objetivo manter as relações de poder na sociedade esclarecida. Para oferecer uma alternativa a esta visão, Adorno considera que o belo natural é um campo de expressividade negativa, ou seja, ele oferece a possibilidade de se trazer o não-idêntico à sociedade esclarecida através da experiência estética, expressa de maneira dialética no belo artístico.

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ABSTRACT

“Adorno and the natural Beauty” has the objective to investigate about Adorno’s propose on the concept of natural beauty in his book Aesthetic Theory in creating a new form to conceive it, considering language as its basic element, once that natural beauty is about to think nature as the expression of something that cannot do it by its own resources. Adorno considers first that occidental philosophic tradition has inherited a not authentical vision on the aesthetic relation between human being and nature, starting in the relation of the Kant’s transcendental idealism, that has observed nature sometimes as a place of affirmation of what has been dominated by men, sometimes as a place of contemplation of what has not been so yet. To Adorno, this relation with nature by kantish idealism starts the conception of natural beauty as a field of expression of a bourgeois subjectivity, that has as its mainly objective to keep the power relations on the enlightened society. To offer an alternative vision to that, Adorno considers that natural beauty is a field of negative expression, what means that it offers the possibility to bring the non-identical object to the enlightened society through the aesthetic experience, which is expressed dialectically in the artistic beauty.

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SUMÁRIO

DICIONÁRIO DE SIGLAS ………..………….. 9

INTRODUÇÃO ……….. ​10

CAPÍTULO 1 - O BELO NATURAL NA TEORIA ESTÉTICA ……….. 14

1.1. Condenação do Belo natural ………...... 14

1.2. O Belo natural como “emergência” ……...... ​16

1.3. Paisagem cultural ………... ​18

1.4. Articulação do belo natural e do belo artístico ……….. 20

1.5. Deformação histórica da experiência da natureza ………..……. 26

1.6. A percepção estética é analítica ……….…..…….... 28

1.7. O Belo natural como história interrompida ………..……... 29

1.8. O indefinível determinado ………..…………. 31

1.9. A Natureza como cifra do reconciliado ………..…………. 33

1.10. Metacrítica da crítica hegeliana do Belo natural ………..…………. 34

1.11. Transição do Belo natural para o Belo artístico ……….………... 36

CAPÍTULO 2 - ORIGENS E INFLUÊNCIAS DO BELO NATURAL ADORNIANO: CONTEXTOSIDEALISTA, CLÁSSICO, JUDAICO-CRISTÃO E BENJAMINIANO ...​………..………... 38

2.1. A situação do Belo natural no idealismo ……….... 39

2.1.1. Kant: A estética como preceito moral ……….. 41

2.1.2. Hegel: A insuficiência do Belo natural ……….... ​45

2.2. Thesei e Physei no pensamento clássico ………. 48

2.3. A interdição vétero-testamentária ……….…….………….. 52

2.4. A linguagem como elemento determinante: Benjamin ​apud​ Adorno .…….…………... 56

CAPÍTULO 3 - O BELO NATURAL COMO POSSIBILIDADE ………. 63

(10)

3.2. O belo natural e as linguagens artísticas ………. ​69

3.3. Belo natural e subjetividade burguesa ………. 75

CONCLUSÃO ……… ​82

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DICIONÁRIO DE SIGLAS USADAS NO TEXTO

TE - Teoria Estética BN - Belo natural BA - Belo artístico

DE - Dialética do Esclarecimento CFJ - Crítica da Faculdade de Julgar

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INTRODUÇÃO

O Outro lado da vida mediada

O BN como conceito é explorado de maneira ampla na obra de Theodor W. Adorno na ​TE​, obra publicada postumamente em sua edição original em 1970 pela Suhrkamp Verlag (Frankfurt am Main) pelos editores Gretel Adorno e Rolf Tiedemann. Esta é uma obra que tem sido estudada e difundida muito recentemente - a edição em português foi publicada pela primeira vez em 1982 pelas Edições 70, sendo suas reimpressões mais recentes de 2008 e 2011 -, o que dificulta qualquer trabalho sobre os temas ali trabalhados. Além da dificuldade de referências para se estudar a TE, existe a dificuldade sobre a linguagem adorniana em si e, ainda por cima, sem o devido tratamento que foi impossibilitado pela sua morte precoce em 1969. Mas, seu estilo intuitivo e paratático (MORÃO, 2011; DURÃO, 2003) de escrita possui algo além da dificuldade: ele nos possibilita perspectivas de análise sobre temas muito diversificados que são abordados de uma maneira muito difusa e ampla, de onde podemos observar tais conceitos trabalhados por Adorno em tensão dialética caminharem para quase-resultados abertos e não-dogmáticos. O fato de que o texto não foi finalizado pelo próprio autor torna-o um trabalho em aberto. A TE ainda está sendo escrita à medida que está sendo estudada, onde cada comentador se torna um co-criador de seus conteúdos imanentes, descriptografando-os enquanto a escavamos ao longo do tempo. O tradutor da versão em espanhol, Jorge Navarro Pérez, destaca em nota uma importante observação sobre a forma com que a TE foi escrita: Adorno ditava o texto a partir de uma guia dos conceitos a serem trabalhados - que é o que se tornou o índice de conteúdo ou sumário em suas publicações -, e a partir desta gravação o texto era transcrito (ADORNO, 2004, p. 6). Isso nos ajuda a compreender um pouco mais o caráter enigmático e monadológico dos conceitos trabalhados na obra, que parecem - e de fato foram - concebidos como verdadeiras palestras que sobrevoam temas muito caros à estética e à filosofia como um todo.

Já o conceito de natureza participa da obra de Adorno há mais tempo. A primeira ocorrência dela foi na palestra ​A ideia de história natural​, proferida pela primeira vez em 1932 na Universidade de Frankfurt e publicada postumamente (COOK, 2011, p. 1), onde Adorno discute a tensão entre o conceito de natureza e de história e propõe um novo olhar à suposta oposição entre eles, sugerindo que esta tensão carrega a fonte da maioria dos problemas que vivemos na sociedade esclarecida e administrada. Os desdobramentos das reflexões desse texto são desenvolvidos ao longo de várias obras significativas do autor como ​Dialética do

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Esclarecimento ​(juntamente com Max Horkheimer) e Dialética Negativa​. Deborah Cook discute em seu livro ​Adorno on nature (2011) os vários conceitos que participam do pensamento de Adorno sobre a natureza, começando pela forma como o seu materialismo participa das reflexões, passando, entre outros, pelo conceito de história da filosofia ocidental, bem como o pensar sobre o pensamento mesmo, chegando até a relação que Cook faz entre o debate atual de ecologistas radicais (como Murray Boochkin e Carolyn Merchant) e Adorno. Cook descreve ​história natural como um “conceito crítico que torna visível o dano causado na natureza humana e não-humana pela nossa compulsividade em dominar a natureza para satisfazer imperativos de sobrevivência” (COOK, 2011, p. 2).

Natureza no sentido adotado pelo texto de Adorno é desde sempre algo histórico, e a história, se corretamente pensada, é natural no sentido de que não é totalizável. A tese de Adorno se encontra na dupla articulação (dialética) sobre a questão ontológica que envolve o ser natural e o ser histórico. ​Isso significa a dualidade entre natureza e história​. Num segundo momento, depois de “O ser e o tempo”, de Heidegger, a pergunta pelo ser já não possui mais o significado ontológico platônico. Antes, a tensão desaparece: o ente se torna sentido, e no lugar de uma compreensão ahistórica e transcendente do ser, estabelece-se o ser como historicidade. Com isso, o problema não desaparece, mas se desloca da aparente problemática ontologia x historicismo. Primeiramente, do ponto de vista da história, a ontologia é um marco meramente formal, que pode inclusive colocar-se como uma absolutização arbitrária de fatos intra-históricos, que podem até mesmo obter o status de valores eternos e de urgência geral, com fins ideológicos. Em segundo lugar, para a ontologia, a coisa é mais diversa, e essa antítese seria a de que todo pensamento que busque retomar os conteúdos emergentes apenas em condições históricas pressupõe um projeto próprio do ser, o que traz como consequência que a história é a estrutura do ser. Agora, a fenomenologia deixou de lado o platonismo das ideias, e a história é considerada a base fundamental do ser, em sua extrema mobilidade (ADORNO, 1932). Contrariando este ponto de vista e partindo de suas leituras de Lucács e Benjamin, Adorno infere que a ​ontologia se torna um estudo da natureza devido ao fato de que ambas pensam o ser em sua transitoriedade, e por isso mesmo ambas são também história, pois estão na mesma cadeia de acontecimentos: tratamos agora de acontecimentos de natureza humana e não-humana. Ser, natureza e história são diferentes momentos da mesma coisa, seguindo o raciocínio de Adorno. A justificativa histórico-filosófica dessa ideia é essencialmente estética: “A concepção de história natural não

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caiu do céu e sim possui sua legitimação obrigatória em uma área do trabalho histórico-filosófico com determinado material, sobretudo, atualmente, estético” (ibidem), e até este momento Adorno não havia dedicado especial atenção a este fato em seus escritos, além da primeira menção neste ensaio. A partir da transitoriedade dos fatos históricos, que incluem a natureza não-humana, somos levados ao que Adorno chama ainda em ​A ideia de ​história natural ​de ​despertar para o anímico​, e a questão sobre como esse despertar pode ​participar da sociedade esclarecida é sua principal preocupação ao pensar sobre o BN, pois o despertar para aquilo que não é humano nos diz sobre o que de fato nos torna humanos, uma vez que observamos desta forma o nosso lado supostamente antagônico. O despertar para o anímico é uma forma de perceber a natureza, que não pode ser experenciada diretamente, portanto é através da experiência estética que somos levados à ela de forma crítica e dialética.

Em nenhum momento das vinte e cinco páginas dedicadas ao BN na TE Adorno de fato o define enquanto conceito. O que temos são quase-definições a partir do levantamento histórico filosófico do termo, apontando para novas definições que condizem com a realidade que vivemos hoje - um mundo reificado - em suas contradições imanentes, quase como um caleidoscópio de ideias (ADORNO, 2008, p. 114). Sua ideia é fazer com que o tema passe novamente a fazer parte da discussão estética e artística pois assim acredita-se que o BN éuma forma de, nas palavras de Jeanne-Marie Gagnebin, “devolver uma dignidade ontológica e subjetiva à natureza” (BENJAMIN, 2011, p. 70, N. E.). Para mostrar o caminho percorrido ​por Adorno para integrar a natureza novamente à história a partir da experiência estética, iremos começar, no capítulo 1, fazendo uma leitura imanente das principais questões abordadas no texto sobre o BN na TE, destacando os principais pontos do texto a partir de cada subitem na ordem em que aparecem no livro. No segundo capítulo, destacamos algumas das principais referências conceituais que Adorno traz para o debate, que são essencialmente: a) o cenário filosófico do BN no idealismo (Kant e Hegel), considerado por ele como o início da concepção burguesa de BN, b) a concepção da linguagem como ​thesei ​(concebida por convenção) e ​physei (concebida por natureza) na filosofia clássica, c) a interdição vétero-testamentária da imagem nos textos sagrados judaico-cristãos, e, por último, a concepção benjaminiana de linguagem, que oferece uma importante chave de leitura para o elemento determinante - mas não limitante - do BN adorniano. No terceiro capítulo, trazemos algumas reflexões que nos ajudam a pensar o BN como possibilidade na estética atual, considerando as observações de Adorno sobre a tendência das diversas linguagens artísticas em seu tempo (analisando o texto ​A arte e as artes​), a forma como ele pensa dialeticamente a relação da obra de arte com o BN, e por

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último, analisando a relação entre BN e subjetividade burguesa, da forma como Adorno a critica.

O BN se tornou um tema obscuro na estética com o passar do tempo, fruto principalmente de Hegel o ter “condenado” - na medida em que o que é produzido pelo Espírito se torna superior ao que não é fabricado, nas palavras de Adorno (2011). Pensando a partir da DE é possível observar que tal obscurantismo é análogo ao obscurantismo que os temas relacionados à natureza ganham na sociedade esclarecida, e que ele é generalizado em nossa cultura. Trazer o BN de volta à discussão é uma forma de recuperar, de forma crítica e dialética, uma relação menos obscura com o meio, seja ele natural - o que é chamado na filosofia de Adorno de ​reconciliação com a natureza - ou social, pois os dois estão em tensão dialética, e ao nos voltarmos para um, nos remetemos necessariamente ao outro. Isso significa também recuperar uma nova forma de pensar nossas próprias relações subjetivas e interpessoais - marcadas pelo estigma da sociedade administrada, em termos adornianos. Olhar para o BN é, desta forma, olhar para o outro lado da vida mediada.

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1. O BELO NATURAL NA ​TEORIA ESTÉTICA​.

Na introdução, mostramos os primeiros passos que Adorno dá em direção a uma filosofia sobre a relação estética do ser humano com a natureza pensada no mundo administrado - começando em ​A ideia de história natural -, como parte essencial de uma reconciliação com a natureza. Neste primeiro capítulo, analisaremos cada parágrafo, ou subitem, do capítulo destinado ao BN na TE de Adorno. Vamos tomar como principal referência a tradução portuguesa de Artur Morão (2008), mas usando também a tradução inglesa de Hullot-Kentor (1997) e a espanhola de Jorge Navarro Pérez (2004) como referências, modificando gramaticalmente as citações diretas quando necessário para fins de melhor compreensão do texto. Iremos enumerar cada um dos parágrafos de acordo com o nome dos conteúdos do índice-guia usado por Adorno para ditar o texto - no original intitulado ​Übersicht ​-, em sua ordem original.

1.1. Condenação do Belo natural

Neste primeiro momento, Adorno faz uma introdução aos motivos pelos quais considera necessário reaver o BN no contexto contemporâneo. Para isso, o autor parte de uma análise das estruturas estéticas do Idealismo, considerando que ali foram consolidadas as tradições que herdamos na filosofia ocidental como um todo. Segundo o autor, Kant e Hegel consolidaram a condenação ao BN que observamos até os dias de hoje. Mais especificamente, Adorno observa principalmente a tradição de Kant, herdada por Schiller e Hegel. Assim, o objetivo declarado de Adorno é dissolver o BN da estética moderna, onde ali havia tomado “certo aspecto ideológico” (ADORNO, 2008, p. 100). O cenário moderno pode ser resumido da seguinte maneira em suas palavras: a estética de Schelling se concentra nas obras de arte - renunciando todo o resto que se aplica como experiência estética -, enquanto o BN, “a que se religavam ainda as definições mais penetrantes da CFJ , dificilmente continua a ser objeto 1 temático para a teoria” (idem). No entanto, ainda é abordado de certa forma, pois a doutrina de Hegel diz que ele, o BN, havia sido superado pelo espírito e se transformado em “algo maior” : “foi recalcado”, nas palavras de Adorno. 2

1 Cf. KANT, Immanuel. ​Crítica da faculdade de julgar 2​Cf. HEGEL, G. W. F. ​Cursos de estética

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A hipótese inicial de Adorno é a de que o BN é latente na experiência artística pois ele foi transformado neste conteúdo recalcado, e deve ser retomado caso se pretenda pensar numa experiência estética autêntica no mundo administrado, que não esconda as sombras do passado da arte. BN não é natureza, tampouco a mera representação pictórica da mesma que quer ser incluída aos sistemas simbólicos da arte. Adorno aponta para a necessidade de se recuperar o BN enquanto conteúdo indiscernível da ​promessa de reconciliação​:

O conceito de belo natural toca numa ferida e pouco falta para que o confundam com a violência que a obra de arte, puro artefato, impõe ao natural. Totalmente feita pelos homens, a obra de arte contrapõe-se pela sua aparência ao não fabricado, à natureza. Como puras antíteses, porém, referem-se uma à outra: a natureza à experiência de um mundo mediatizado, objetivado; a obra de arte à natureza, ao representante mediatizado da imediatidade. Por isso, a reflexão sobre o belo natural é inalienável na teoria da arte. (ADORNO, 2008, p. 100-101)

Portanto, considerando a reflexão de Adorno, esse é um importante conteúdo que falta à toda teoria da arte que pretende fazer alguma crítica à filosofia transcendental, ou que almeja uma experiência estética autêntica, e não de dominação da natureza humana ou não-humana. Adorno ainda ressalta que, enquanto a temática em si causa a impressão de ser “antiquada, monótona, arcaica” (Idem, p. 101), a teoria tradicional da arte acaba por incorporar em si o sentido dado pela antiga estética – a estética grega – à natureza. Assim, ela se mantém como pura imanência (idem).

A tradição de Kant sobre a liberdade e dignidade humanas consolidou o BN como somente um instrumento através do qual é possível certificar-se da dominação da natureza pelo homem (idem). Assim, seguindo tal tradição, Schiller e Hegel perpetuam a afirmação do BN como o atestado de que não se deve respeitar mais nada no mundo “a não ser o sujeito autônomo a si mesmo” (idem), pois a dignidade do espírito que aprecia uma bela paisagem, segundo as estruturas de formação do sujeito moderno, já é o suficiente de animalidade no ser civilizado.

A verdade de tal liberdade para si é, porém, ao mesmo tempo inverdade: servidão para outro. (...) Se se fizesse um processo de revisão legal do belo natural, ele respeitaria à dignidade enquanto auto-engrandecimento do animal-homem acima da animalidade (ADORNO, 2008, p. 101).

Adorno mais uma vez ressalta que o abandono do BN na discussão estética moderna traz consequências para a forma como pensamos a arte e experiência estética no mundo até hoje. Para ele, uma estética emancipada deve observar a natureza imanente que há na experiência artística, seja pensada como natureza interna, humana, ou como a natureza

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externa, não-humana. A partir disso, Adorno aponta ao longo do capítulo como se dá a possibilidade desta vivência, e quais são suas implicações morais e práticas.

1.2. O Belo natural como “emergência”

Neste momento, Adorno aborda um problema da filosofia grega em conflito com a modernidade. A obra de arte é interamente algo humano: Θεσει (Thesei), ou seja, algo oriundo das faculdades do espírito, porém, elas representam o que seria φυσει (physei), ou

seja, algo que já existe na natureza antes de qualquer participação humana. Isso em termos

kantianos significa sua existência não apenas como coisa para o sujeito, mas também como algo externo, como coisa em si. No contexto adorniano da TE, entendemos a partir disso que a obra de arte vai muito além do idealismo e da filosofia do sujeito, e que ela tem algo do que os gregos chamavam de ​φύσης (physis). Ela se identifica com o sujeito, tanto quanto outrora ela foi natureza - antes da cisão do espírito e da natureza, antes da cultura: quando a arte era natureza nas sociedades mítico-mágicas.

Dando continuidade, Adorno comenta que a libertação das leis externas da arte que ditavam os seus materiais e usos, principalmente a libertação dos objetos naturais, a possibilidade de qualquer objeto poder compor uma experiência artística, compuseram o cenário que proporcionou sua autonomia. Porém, a trilha deixada por este processo, onde se condenava tudo o que não lhe era semelhante, mostrou-se como igualmente desastrosa. Adorno cita o trabalho de Karl Kraus (1874-1936), dramaturgo de origem austríaca, como possibilidade de correspondência para a reorientação da TE em BN: se referir à tudo aquilo que é subjugado pelo capital - a mulher, a paisagem, o animal. Trazer estes temas na arte significa observar aquilo que é dominado pelo Espírito, e subverter suas intenções dominadoras.

Hegel não teve a sensibilidade necessária para reconhecer que a experiência autêntica da arte não é possível sem a experiência do BN, mas ele continuou profundamente presente na arte moderna, com ou sem o conhecimento dos filósofos idealistas - Adorno cita o exemplo de Marcel Proust, que frequentemente cita experiências estéticas na natureza em sua obra. As obras de arte autênticas, ou seja, que se apoiam na ideia de reconciliação da natureza, transformam-se completamente em uma segunda natureza, e sentem a ânsia de saírem de si mesmas, “como que para tomar fôlego” (ADORNO, 2008, p. 103). Podemos

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entender este “sair de si mesma” como uma saída da forma? Ou seria ela um passo adentro da

physis como que para se reincidir da heteronomia antes mencionada por Adorno? De todo modo, é preciso observar a reconciliação como uma promessa, pois a obra ainda se anuncia como ​thesei​, ou seja, um produto inteiramente humano. Aqui consideramos a ideia de Adorno, interpretada por alguns comentadores, de que a reconciliação com a natureza é na verdade uma reconciliação irreconciliável (ALVES JÚNIOR, 2001) que se sustenta como promessa, pois seria inviável ao sujeito consciente retornar a um dito estado de natureza, tendo em vista a vivência racional e civilizadora. Confrontamos isto à visão de que a obra ainda contém algo da ​thesis grega, ou seja, remeter algo inteiramente humano à natureza produz paradoxos.

De toda forma, a identidade não é o sentido final da obra de arte, como entendido por Adorno: ela se manifesta na ​não-identidade​. Assim, ela buscou a ​primeira natureza como 3 conforto, ou seja, aquele momento onde não haveria interferência da racionalidade, o que para Benjamin (2011) seria o tempo antes da Queda. Evidentemente, esta busca pelo conforto depende do mediatizado, do mundo das convenções.

O sentimento do BN, por sua vez, intensificou-se com o sofrimento do sujeito perante um mundo administrado e mutilado. Este sujeito olha pela janela um pequeno recorte de uma natureza distante, e uma espécie de nostalgia inconsciente de uma possível lembrança de consonância é estabelecida. Este sujeito “leva a marca do ​Weltschmerz​” (ADORNO, 2008, p. 102): um mundo enfadado, bucólico.

Neste momento, Adorno chega à questão de Kant sobre a evidência das obras de arte do seu tempo, e de alguns trechos da CFJ, sobre o ​gesto da emergência​. “Kant alimentava ainda algum desdém a respeito da arte feita pelos homens, que se contrapõe convencionalmente à natureza” (Idem, p.103). Adorno considera que Kant atribuiu o sublime à natureza, o que se contrapõe à distinção clara entre belo e sublime. Contrastivamente, Hegel e seus posteriores elaboraram o conceito de uma arte que não “entretinha” (idem) a vaidade e alegrias sociais - como parecia apropriado ao filho do século XVIII -, ou seja, uma arte castradora e administradora da moral e bons costumes. Contudo, eles negligenciaram a

3 ​O conceito de primeira natureza aqui é extraído do texto de Walter Benjamin: ​Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem dos homens ​. In: Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). Trad: Suzana Kempff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Duas cidades/Editora 34, 2011. pp. 49-73. A distinção básica entre primeira e segunda natureza, no texto, seria a que a primeira remete ao possível momento antes da cisão do sujeito com a natureza, antes da cultura, e o segundo seria sua racionalização. Tal conceito será esmiuçado mais adiante na

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experiência que, em Kant, ainda se inspira no espírito burguês revolucionário, o qual considera aquilo que é fabricado como algo falível, e, porque o fabricado nunca foi pensado como convertido em segunda natureza, mantém a imagem de uma natureza primeira. Esta é a imagem farsante da arte burguesa do século XVIII: ela está mantendo uma posição de pura expressão do espírito não-fabricado, o qual, no entanto, é apenas um disfarce do espírito que cultiva o domínio da natureza primeira.

1.3. Paisagem cultural

Agora, Adorno circunda o conceito de paisagem cultural, sob a luz de sua aparente oposição ao conceito de BN. Ele diz que o mesmo foi ampliado apenas durante o século XIX, através da concepção do domínio artificial da paisagem cultural, que é o domínio material no qual uma sociedade se constitui culturalmente. As obras históricas – descritas por Adorno como constituintes da paisagem cultural, ou seja, as instituições de mercado, igreja, etc – não possuem uma lei formal central como nas obras de arte, porém ainda assim são consideradas como belas: “(...) raramente são planeadas, embora a sua ordenação em volta da igreja ou da praça de mercado produza por vezes um efeito com a maneira como condições materiais e econômicas favorecem as formas artísticas” (ADORNO, 2008, p. 104). “Sem dúvida, não possuem o caráter de intangibilidade que é associado atualmente ao BN” (idem): mais uma vez, Adorno refere-se ao abandono do BN na corrente estética de seu tempo, herdeira do idealismo.

Contudo, o filósofo destaca, apesar do idealismo ser o ponto de partida para o abandono do BN, o romantismo seria o começo do retorno às instituições históricas, que são o ponto de partida para a continuidade histórica como forma, fatores fundantes da dimensão estética sobre a qual construímos a história ocidental. O culto à ruína propagado pelos românticos incrustou-se como a tendência da qual não escapamos até hoje, e é o retorno ao passado constante e duro, não a fluidez do tempo em constante transformação, que temos nas nossas bases. Disso também se trata o retorno ao BN: a natureza é inconstante, dinâmica, e observar esta mobilidade como negativa é efeito causado em nossas percepções pela preservação dos símbolos de dominação que conservamos nos museus e nos livros de história. Assim, com o declínio do romantismo, o domínio híbrido e institucionalizador da paisagem cultural também decai, e se torna “imagem-propaganda para concertos de órgão e de melhoria

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na segurança urbana” (idem, trecho modificado). Aqui, o autor coloca uma questão interessante sobre o cruzamento das questões que envolvem o urbanismo como paisagem cultural. Ele escreve: “o urbanismo predominante absorve como seu complemento ideológico qualquer coisa que preencha aquilo que é desejado pela vida urbana que não carrega os estigmas da sociedade de mercado em sua linha de frente” (idem, trecho modificado). Ou seja, ele se refere à ​publicidade como complemento ideológico na vida sem propósito nas metrópoles, algo que serve como um recheio à falta de sentido no ritmo urbano. A paisagem cultural cumpre seu destino como nada mais que a ​imagem nostálgica da promessa ​que o progresso faz aos aderentes do estilo de vida moderno. Porém, de outro modo, sobrevive uma desconfiança que, como uma brasa restante de uma fogueira, permanece à espreita: a de que o que se situa para além do olhar nostálgico diante das ruínas, que inaugura nossas instituições históricas, pode ser “mais humano e melhor” (idem).

Atentando para tal nostalgia, o texto agora se refere às tendências do olhar para o passado que obedece aos mecanismos de controle, ao status quo, e à tendência reacionária, nas palavras do próprio Adorno. Na observação da paisagem cultural enquanto expressão histórica, enquanto elemento formal que nos mantém atentos ao constrangimento do passado, Adorno encontra uma possível resposta do porquê ela perdura até os dias de hoje. O sofrimento real do passado não pode ser esquecido e, basicamente, manter tais sofrimentos como ​mementos é uma forma de fazer expressar-se o lamento existente à própria cultura, quando a “natureza sofria emudecida” (Idem, p. 105). Contudo, não seria uma consciência estética ahistórica que resolveria o problema, muito pelo contrário; e neste momento surge a seguinte questão: como manter a consciência histórica e com ela a paisagem cultural sem, no entanto, nos manter diante do sofrimento do passado sem qualquer possível mecanismo de ação e transformação?

O que parece indomável na natureza e afastado da história, pertence, polemicamente falando, a uma fase histórica na qual a teia social era tão densa que os vivos temiam a morte por asfixia. Nos períodos em que a natureza se contrapõe com a sua onipotência aos homens, não há nenhum lugar para o belo natural; as ocupações agrícolas, para as quais a natureza é objeto imediato de ação, não permite muita apreciação da paisagem. ​O belo natural, pretensamente a-histórico, possui o seu núcleo histórico; isso legitima-o tanto como relativiza o seu conteúdo. Onde a natureza não era realmente dominada, a imagem da sua não-dominação suscitava o terror. Daí, a predileção durante muito tempo surpreendente pelas ordenações simétricas da natureza. A experiência sentimental da natureza deleitou-se no irregular, no não-esquemático, em simpatia com o espírito do nominalismo (ADORNO, 2008, p. 105, trecho modificado, grifo meu).

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Aqui Adorno volta a se referir ao momento histórico anterior ao progresso civilizacional, nas sociedades pré-agrícolas, e também para a necessidade de observação do BN como elemento histórico. Onde “a verdade de tal liberdade para si é, porém, ao mesmo tempo inverdade: servidão para outro” (Idem, p. 101), ou seja, o retorno ao BN não deve ser ingênuo em acreditar na possibilidade da reconciliação como abdicação da racionalização e da cultura, pois nada muda o fato de que ela é radicalmente Outro, e ali estamos em terreno inóspito e desconhecido - não-idêntico. Sobre isso, ele prossegue:

Contudo, o progresso da civilização facilmente engana os seres humanos sobre o quão vulneráveis eles são, mesmo agora. O deleite na natureza estava ligado com a concepção do sujeito como ser-para-si e virtualmente infinito em si; assim, o sujeito projetou a si mesmo na natureza e em seu isolamento se sentiu próximo a ela.; ​a impotência do sujeito na sociedade petrificada em segunda natureza se torna o motor da fuga para uma suposta primeira natureza​. Em Kant, como resultado da consciência da liberdade do sujeito, o medo da força da natureza se torna anacrônica; esta consciência de liberdade deu lugar para a ansiedade perante a servidão perpétua. Na experiência do belo natural, a consciência da liberdade e a ansiedade se tornam uma só. Quanto menos segura a experiência do belo natural, mais ele é afirmado na arte. A frase de Verlaine “ ​la mer est plu belle que l’as catedrales ” é entoada do alto de uma civilização, e cria um medo saudável (Idem,4 p. 105-106, trecho modificado, grifo meu).

Neste trecho encontramos indicativos mais sólidos do motivo pelo qual buscar a experiência do BN, ou seja, a natureza primeira, na sociedade contemporânea. O sujeito transcendental de Kant se encontra impotente na sociedade administrada, e assim se volta para outros horizontes conquistáveis. Esta consciência da liberdade do sujeito é a causa da ansiedade perante sua prisão, que acontece pela falta de domínio de si e do entorno ,sendo que no retorno à primeira natureza tal consciência e a ansiedade se tornam uma coisa só. Quanto mais radical a experiência do BN, mais ele é afirmado pela arte, e é somente através dela que conseguimos vivenciar de fato uma experiência estética da natureza. O que seria então uma genuína experiência do BN? Quais suas consequências para a arte?

1.4. Articulação do Belo natural e do Belo artístico

Este pode ser considerado um dos momentos mais importantes do BN na TE: o momento no qual a definição estética de BN se aproxima da experiência artística. A experiência do BN nada mais é do que uma experiência de imagens, onde a natureza se torna beleza aparente, e não é instrumentalizada enquanto objeto de ação, da mesma forma como a

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indústria a transforma em matéria-prima. A diferenciação entre as duas formas do belo, para Adorno, não é tão evidente pelo ponto em comum de renunciarem aos fins da autoconservação. Observa-se mais uma vez Adorno encontrando definições do que não seria o BN tendo como referência sua negligência e/ou concepção através dos preceitos de dominação do idealismo, porém, não chegando às possíveis definições de BN em si.

A experiência artística encontra a renúncia aos fins da autoconservação na retirada para si mesma, o que não a define como natureza, ao contrário do que se pensava no idealismo. Isto é apontado como o que pode ser considerado verdadeiro no teorema hegeliano, segundo o qual a arte é inspirada pela negatividade, especificamente pelo o que falta no BN.

“A própria natureza fenomenal, logo que não sirva de objeto de ação, fornece a expressão de melancolia ou de paz ou sempre de alguma coisa” (ADORNO, 2008, p. 107). Aqui podemos observar o modo como a natureza é - ou se se torna -, expressão. E desta forma, ela se transforma em um elemento essencial da percepção estética. Enquanto subjugarmos a natureza, ela não passará de matéria prima da vida reificada; a partir do momento que a observarmos em sua totalidade autônoma, ela se torna expressão. Por isso, a necessidade de retomar o BN no contexto contemporâneo, segundo um princípio utópico inerente em toda a TE: a promessa de reconciliação.

Ainda sobre como a expressão artística expõe o que se quer dizer na natureza, Adorno prossegue: “as obras de arte realizam o que deseja em vão a natureza: abrem os olhos” (Idem, p. 106). Isso significa que o olhar que pretende atribuir à natureza algo de expressivo se frustra perante a natureza autônoma, levando o sujeito a completar tal expressão na experiência artística. Adorno aponta para a arte autêntica em consonância com a natureza enquanto expressão pura em si mesma, e não enquanto representação figurativa, e deste ponto de vista podemos dizer que Adorno condena a arte naturalista: “A arte representa a natureza mediante a sua eliminação ​in effigie​; toda a arte naturalista só falaciosamente se aproxima da natureza porque, tal como a indústria, a reduz a matéria-prima” (Idem, p. 107).

O sujeito, então, resiste à experiência diante da obra autônoma, como uma forma de também resistir à aparência imediata da natureza. Pois a percepção do que é evidente na natureza não coincide mais com a realidade empírica, da mesma forma como a coisa em si não coincide com o mundo dos fenômenos - segundo a concepção paradoxal de Kant. O BN se originou do progresso histórico da arte no começo da era burguesa, e como tal, a

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apreciação da beleza natural foi depreciada aos poucos - em nome da admiração pelo fazer humano, em sua forma: o fazer artístico -, sendo possivelmente Hegel o precursor de tal depreciação, em função de seu desprezo direcionado a tal.

A racionalidade que se tornou estética é uma disposição sobre os materiais que os combinam de acordo com suas próprias tendências imanentes - esta pode ser considerada uma definição de arte. Esta relação é, em última análise, semelhante à relação entre o elemento natural e o comportamento estético - ou seja, a natureza vinda à apreciação de forma não-dominante é um ato de observá-la segundo sua própria imanência. Aqui levantamos um importante problema: o do ​antropocentrismo​. Pois, observar o elemento natural dentro do domínio estético, significa também atribuí-lo como elemento do campo simbólico, que é dependente do pano de fundo racional-histórico-cultural. Portanto, como é possível observar a natureza dentro de sua totalidade, reconhecendo sua autonomia, sem atribuí-la como um objeto, uma matéria prima, da forma como Adorno busca apontar? O próximo parágrafo sugere tais questionamentos e algumas possíveis respostas:

As tendências quase racionais da arte - o resultado da subjetivação - assim como a rejeição crítica aos​topoi​, se aproximam progressivamente do elemento natural que tem sido velado pelo domínio do sujeito onipotente através da organização interna das obras de maneira individual, todavia, não pela imitação. Se isto pode se manifestar em qualquer lugar, logo é na arte onde a “ ​origem é o alvo​” (ADORNO, 2008, p. 107, trecho modificado)

Logo, é no domínio estético onde o elemento natural pode ser resgatado, de maneira análoga como acontece na arte com os materiais, como resultado de tendências quase-racionais, ou seja, que trazem a tona elementos imanentes da subjetividade sem no entanto sistematizá-los de forma linear e/ou totalmente racional - o que os tornaria elementos da utilidade. Podemos considerar que é na arte onde se origina toda a possibilidade de recuperação do BN, assim como sua retirada, através da afirmação de que nela “a origem é o alvo” (Idem, p. 107).

Em seguida, Adorno aponta a possibilidade de observar a força e a fraqueza do BN por se manter aquém da dominação da natureza, e sua relação com a liberdade:

O fato de a experiência do belo natural, pelo menos segundo a sua consciência subjetiva, se manter aquém da dominação da natureza como se ela fosse originalmente dada, parafraseia sua força e sua fraqueza. A sua força, porque ela relembra o estado de não-dominação, que provavelmente nunca existiu; a sua fraqueza, porque ela se dissolve precisamente assim no amorfo de onde se elevou o gênio que só podia caber em sorte àquela ideia de liberdade realizada num estado de não-dominação. A anamnese da liberdade no belo natural induz em erro porque espera a liberdade da servidão antiga. O belo natural é o mito transposto para a imaginação e, talvez por isso, liquidado. (Idem)

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Aqui podemos observar três colocações:

1) O BN indubitavelmente se mantém aquém da dominação da natureza, pressuposto que parte do fato de que tal dominação é dada em nossa cultura;

2) A força em estar aquém de tal dominação, mora no resgate do estado de reconciliação​, ou seja, do estado de natureza no ser humano anterior à cisão homem-natureza - que provavelmente nunca existiu, no sentido de que não temos acesso ao campo simbólico pertinente a tal momento, porém, nos cabe a responsabilidade de um resgate de uma relação com a natureza que não termine em catástrofe;

3) A fraqueza se encontra no fato de que a experiência do BN, neste movimento de retournons​, se dissolve na “liberdade da servidão antiga”, pois tal liberdade é uma farsa, não havia liberdade na dependência do sortilégio da natureza. O BN possui a chave para o esgotamento do mito - o momento de natureza, anterior à cultura -, pois ele é capaz de transpor o mito para o campo do simbólico, da experiência estética. A apreciação do BN é algo cultural, observação afirmada pela frase: “O canto das aves a todos parece belo; nenhum homem sensível existe, ​no qual sobreviva algo da tradição europeia​, que não fique comovido com o canto de um melro depois da chuva” (Idem, p. 107). A cultura europeia burguesa é o que está por trás da apreciação utilitarista da natureza. Contudo, o BN espreita também o terrífico, pois no canto das aves após a chuva mora a “obediência ao sortilégio que o subjuga”. Portanto, Adorno se mantém atento ao fato de que o BN não se trata de uma visão ​romântica sobre a natureza, que sustenta o ego burguês perante a apreciação de uma bela paisagem, ou dos cantos de aves. O resgate da discussão do BN no contexto contemporâneo mora justamente na necessidade de romper com os elos burgueses da relação com a beleza natural da tradição europeia e suas derivações.

A plurivocidade do belo natural tem essencialmente a sua gênese nos mitos. Por isso, o gênio, uma vez desperto para si mesmo, já não pode satisfazer-se com o belo natural. No seu crescente caráter prosaico, a arte subtrai-se totalmente ao mito e, assim, ao sortilégio da natureza que, no entanto, se prolonga novamente na sua dominação subjetiva. (ADORNO, 2008, p. 108, trecho modificado)

Considerando que o que Adorno chama de “gênio” é o sujeito desperto para si mesmo e para o BN, ele aqui se encontra na posição de não obedecer aos entraves das experiências do

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BN nem do BA, uma vez que indo em direção a um ou a outro, tudo o que ele encontrará será o sortilégio. ​A relação entre o BN e o BA é dialética​, e portanto, indiscernível uma da outra. E é justamente no domínio da arte, onde a experiência real é articulada em sua “racionalidade não-racional”, percebida enquanto natureza fenomenal, que é possível encontrar a experiência do BN. “Só o que se esquivasse da natureza como destino ajudaria na sua restituição” (Idem, p. 108). E ainda: “O ponto de fuga deste desenvolvimento, sem dúvida apenas um aspecto da nova arte, é o conhecimento de que a natureza, enquanto bela, não se deixa reproduzir. ​Pois o belo natural enquanto fenômeno é ele próprio imagem​” (Idem, p.108).

Até então, podemos concluir que:

1) O BN é uma experiência de imagens, pois tal experiência se articula através da consciência de seu comportamento fenomenal;

2) É uma tarefa ​tautológica pensar em representações imagéticas do BN, devido ao fato anterior. Ele não pode ser imitado, transposto, ou assim podemos dizer, ​dito​, pois isso o faria desaparecer enquanto fenômeno;

3) O único modo de movimentar-se na direção do BN seria desviá-lo estando consciente de sua existência, sem recalcá-lo, o que pode ser conseguido indo em direção ao BA; 4) É na relação da experiência artística com a imanência subjetiva dos materiais que

encontramos a forma como o BN se relaciona com os elementos da natureza: também em sua imanência subjetiva, portanto, o que se cala na natureza expressa-se enquanto elemento externo da subjetividade humana.

5) E agora, nos próximos parágrafos, que “a coisificação das relações entre os homens contamina toda a experiência e se erige literalmente em absoluto” (Idem, p. 108). Adorno agora discute o fato de que, inevitavelmente, as relações industriais do ser humano com os meios assola a relação do ser humano com as imagens, tendo em vista que

O belo natural, na época de sua total mediatização, transforma-se na sua caricatura; o respeito da natureza incita antes, perante a sua contemplação, a exercer um ascetismo enquanto o belo natural estiver impregnado das marcas da mercadoria​. A pintura da natureza, também no passado, só foi autêntica enquanto nature morte​: onde ela sabia ler a natureza como cifra de algo histórico, se não da fragilidade de tudo o que é histórico. (ADORNO, 2008, p. 109, grifo meu)

A palavra ​ascetismo ​neste trecho possui uma forte conotação, sugerindo que para de fato observar o BN, neste momento histórico tão impregnado com o caráter mercadológico da

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vida, é preciso rigor e direcionamento objetivo, para que não nos deixemos cair no caráter utilitário possível (e em andamento) do BN nos tempos administrados em que vivemos.

A interdição vétero-testamentária das imagens possui, além do seu aspecto teológico, um aspecto estético. O fato de não ser permitido fazer-se uma imagem, nenhuma imagem do que quer que seja, exprime ao mesmo tempo que uma tal imagem não é possível. O que aparece na natureza é, através do seu desdobramento na arte, privado desse ser-em-si com que se sacia a experiência da natureza. ​A arte é fiel à natureza fenomenal só quando representa a paisagem na expressão da sua própria negatividade​ (...) (ADORNO, 2008, p. 109, grifo meu)

Este trecho da parte final direcionada à articulação do BN e do BA expõe a necessidade da negatividade do BN enquanto ​representação​. Aqui cabe a importante distinção entre​representação e ​expressão​, pois o que se exprime apenas existe enquanto tal, ao invés de elencar imagens que falem por si. Tratar do BN significa interrompê-lo na tendência corrente de transformá-lo em imagens palpáveis como símbolos, tarefa essa tautológica pois o BN é em si mesmo experiência de imagens, para então apreendê-lo enquanto fenômeno, e, portanto, reeducar os sentidos dominados pelo mundo administrado. O termo​vétero-testamentário ​será retomado adiante, pois elenca um importante problema para a discussão do BN na TE: o cenário cultural judaico-cristão enquanto pano de fundo da discussão.

A arte contempla e, portanto, resgata o BN, enquanto reconhece em sua expressão sua negatividade. O escritor Rudolf Borchardt é usado por Adorno como exemplo “insuperável e impressionante” (Idem, p. 109) de tal feitio, ao dedicar-se em seus versos os esboços de contemplação de paisagens. E aqui é interessante o seguinte fato: enquanto Borchardt é reconhecido por Adorno como autêntico e brilhante no resgate da natureza fenomenal em seus versos, as pinturas realistas de paisagens do francês Jean-Baptiste Camille Corot são consideradas “marcas do efêmero”:

(...) os versos escritos na contemplação de esboços de paisagem de Borchardt exprimiram isto de maneira insuperável e impressionante. Se a pintura parece felizmente reconciliada com a natureza como, por exemplo, em Corot, tal reconciliação tem a marca do efêmero: o perfume eterno é paradoxal (ADORNO, 2008, p. 109, trecho modificado)

Deste ponto de vista, concluímos que a ausência de imagens, a imagem negativa, ou a expressividade emudecida - no sentido de não articulada enquanto ​representação imagética -, é ponto culminante para a retomada do BN na discussão contemporânea. A proibição bíblica de imagens é o correspondente imediato para Adorno de tal assimilação, e dentro do

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pensamento adorniano temos exemplos de formas artísticas que assumem tal correspondência nas ​artes escritas​, na ​música atonal e na ​pintura abstrata​, por exemplo. Se a interdição vétero-testamentária possui aqui um aspecto também estético além de teológico, concluímos que, se transpormos as relações de expressividade teológicas para o campo estético:

- Deus é o que comunica-se no antigo testamento, e ele o faz através da palavra, sendo as imagens proibidas - pois assim elas ​destruiriam a existência de Deus;

- da mesma forma, no campo estético, o que comunica-se - subjetividade, história, experiência - o faz através da ​linguagem​, e não através das imagens, pois assim o se comunica é ​liquidado​.

1.5. Deformação histórica da experiência da natureza

Neste momento, Adorno assinala como a necessidade de adentrar a natureza fenomenal, sem a observação de suas necessárias contradições dialéticas que envolvem a técnica e a paisagem cultural, induz em erro. Não somente historicamente a natureza reduzida a matéria prima constrange o sujeito que abre a consciência da impossibilidade de vivenciá-la enquanto fuga, como também resgatá-la em um horizonte real de consonância com a experiência humana depende de um olhar que a observa enquanto história. “O belo natural na natureza fenomenal está diretamente comprometido pelo rousseauísmo do ​retornons​” (Idem, p. 109), é uma frase que nos leva diretamente ao círculo que origina a posição criticada por Adorno desde a DE - Rousseau, um pré-romântico, cunha o termo ​retornons a la nature em

seus escritos sobre educação, sobre a necessidade do resgate do contato com a natureza. Ora, tal “resgate” se mostra no entanto falacioso, uma vez que o sujeito civilizado rousseauniano que retorna à natureza o faz sem nenhuma consciência crítica do que significa tal retorno - uma vez que um retorno significa uma separação, e uma separação definida por uma relação de dominação -, e por isso mesmo, ele está condenado a repetir o ciclo vicioso de separação e retorno.

A consciência só acede à experiência da natureza quando, como acontece na pintura impressionista, inclui em si os seus estigmas. O conceito fixo do belo natural põe-se assim em movimento. Amplia-se através do que já não é natureza. (...) Pois em qualquer experiência da natureza está envolvida toda a sociedade. Não só ela desenvolve os esquemas da percepção, mas estabelece de antemão, por contraste e semelhança, o que se chamará respectivamente a natureza. (ADORNO, 2008, p. 110)

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Portanto, o BN inclui em seu exame toda a sociedade, pois é imprescindível incluir os estigmas que participam dele historicamente, sendo que ele próprio participa da sociedade como tal. Adorno critica o esquecimento do BN apontando-o como sintoma, se tratando em primeira instância de uma sociedade dominadora que trabalha para seus sujeitos se tornarem cada vez menos conscientes de si e do mundo. Deste modo, é importante também trazer ao exame seus contrastes, mais do que suas definições positivas.

Por isso, é importante ressaltar a iminência do ​retornons a la nature como apologia

ideológica:

Com a expansão da técnica, e mais ainda com a propagação da totalidade do princípio de troca, o belo natural torna-se cada vez mais sua função contrastante e integra-se na essência reificada combatida. O conceito de belo natural, outrora trocado pelo pedantismo e lugares comuns do absolutismo, perdeu a sua força porque, desde a emancipação burguesa em nome dos pretensos direitos naturais do homem, o mundo da experiência não está menos, mas mais reificada do que no século XVIII (ADORNO, 2008, p. 110) .

O sujeito subsumido à cultura burguesa esclarecida - basicamente, todos nós -, que vai de encontro à experiência da natureza consonante com os princípios de dominação e troca, está fadado a repetir a experiência mediatizada. “A experiência imediata da natureza, liberta da sua intransigência crítica e subsumida na relação de troca” - ou seja, assumida como o que é no nosso contexto atual, sem as observações críticas necessárias a ela - “(prova-o o termo de indústria turística), tornou-se informalmente neutra e apologética: a natureza transforma-se em reserva natural e em álibi” (Idem, p. 110, trecho modificado). Portanto o resgate do BN, já assumido anteriormente que não se trata de um resgate do tema da natureza ao BA, não se trata também de mero resgate dos passeios ecológicos, ou seja, da relação pedante e utilitária burguesa existente no século XVIII entre o “bom gosto” pela bela natureza e o sujeito de bem, moralmente falando. Aqui se encontram uma das bases mais importantes da crítica de Adorno à relação de Kant com o BN. O sujeito consciente que acede ao BN não se contenta com as simples relações de troca, que tratam a experiência da natureza como produto, pois assim tão somente revertemos o interesse pela natureza em subsídio ideológico para o maquinário social que nos subjuga sob a condição narcisista presente nesta relação.

Como então tratar do BN na relação de experiência da natureza não comercialmente explorável, já tendo em vista a articulação com o BA? A resposta não há de ser única, e sim, a

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princípio contraditória e dialética, como um prisma. Adorno inicia agora uma antítese da experiência do BN:

A expressão “Que belo!” perante uma paisagem fere a sua linguagem muda e diminui a sua beleza; a natureza fenomenal quer silêncio (...) O belo natural permanece alegoria deste ​para-lá​, apesar da sua mediação através da imanência social. Mas, se esta alegoria for erradamente considerada como o estado de reconciliação alcançado, degrada-se em meio de emergência para mascarar e justificar o estado irreconciliado em que, no entanto, tal beleza é possível” (ADORNO, 2008, p. 111, trecho modificado)

Deste modo, é preciso atenção às armadilhas imanentes ao exame do BN, na condição em que nós, sujeitos do mundo administrado, estamos. Por enquanto, Adorno aponta a necessidade de manter o BN como “alegoria deste ​para-lá​” (Idem, p. 111), pois as possíveis mediações da natureza fenomenal na imanência social induzem a erros, mesmo que não em todos os casos. Por isso, justifica-se a importância de análise dos ​contrapontos​: se o BN é o aquém/além, o que se encontra do lado de cá? Tendo em vista que num escopo geral, o que se encontra nas bordas é a sociedade como delimitador, quais são as possíveis constelações dentro de tais limites?

1.6. A percepção estética é analítica

Adoro conclui, portanto, que é perante a obra de arte, e não à natureza objetivada, que se concentram os esforços ideais de contemplação do BN dentro da nossa discussão. “Quanto mais intensamente se contempla a natureza, tanto menos se penetra na sua beleza, exceto se ela espontaneamente já coube em sorte a alguém” (Idem, p. 112). Nesta frase, observamos novamente o caráter cultural-social do BN, ou seja, ele é sim uma experiência estética possível, porém ela está sendo apontada como ameaçada dentro do nosso contexto de sociedade esclarecida. E como sempre em Adorno, não podemos nos deixar enganar pela simples conclusão aparente de forma resolucionista:

À eloquência da natureza é prejudicial a objetivação, que a contemplação atenta leva a efeito; no fim das contas, o mesmo vale também para as obras de arte, que só são inteiramente perceptíveis no ​temps durée​, cuja concepção provém, em Bergson, da experiência artística (ADORNO, 2008, p. 112).

Portanto, a percepção de que a contemplação das obras de arte aproximam o BN da experiência estética real, diferentemente do que a mera contemplação da natureza fenomenal, não induz à conclusão de que esta é a solução final. As obras de arte serão, então, examinadas

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enquanto parte de uma totalidade contraditória de relações dialéticas entre o BN e o BA, porém levarão a outras observações que complementarão as presentes, e assim por diante.

Mas, se a natureza só pode, por assim dizer , ver-se de um modo cego, então a percepção e a lembrança inconscientes são esteticamente inalteráveis e constituem ao mesmo tempo rudimentos arcaicos, inconciliáveis com a crescente maioridade racional. A pura imediatidade não é suficiente para a experiência estética. Além da espontaneidade, necessita também da intencionalidade, da concentração da consciência; não se pode eliminar a contradição (Idem, p. 112).

É necessário observar os aspectos inconscientes da experiência estética, sendo a própria contradição de fazê-lo no âmbito da racionalidade inerente ao processo.

Perante o belo, a reflexão analítica reconstitui o ​temps durée através da sua antítese. A análise desemboca num belo, tal como deveria aparecer à perfeita percepção não-consciente e esquecida de si. Assim, ela descreve mais uma vez subjetivamente a via que a obra de arte descreve em si de modo objetivo: o conhecimento adequado do elemento estético é a realização espontânea dos processos objetivos que, em virtude das suas tensões, ocorrem no seu interior. (Idem, p. 112)

Uma sugestão final de prática de integração e familiaridade com o BN, seria a educação estética atenta à tal integração, observando os artefatos como forma de afastamento do aspecto ideológico do ​retornons à la nature​.

1.7. O Belo natural como história interrompida

Agora, Adorno critica o cenário onde, até então, os apontamentos de análise do BN - sob aspectos kantianos de grandiosidade, no sublime matemático -, levam ao entendimento de seu valor nos parâmetros de quantificação, assim como também critica a medida de seu valor no dito “​sensorium​ artístico” (Idem, p. 113).

Também a grandeza abstrata da natureza, que Kant ainda admirava e comparava à lei moral, é olhada como reflexo da megalomania burguesa, do gosto pelo recorde, da quantificação, e também do culto burguês dos heróis. Acima de tudo, não se vê que esse momento na natureza proporciona ao espectador algo de inteiramente diferente, algo onde a dominação humana tem os seus limites e que recorda a impotência da engrenagem humana. (Idem)

O que é sugerido por Adorno aqui, além de uma projeção narcisista do sentimento de grandiosidade burguês perante os parâmetros de grandeza da natureza, é ainda o recalque, apontado por Nietzsche em Sils-Maria e lembrado por Adorno: “dois mil metros acima do mar, para não dizer acima dos homens” (Idem). O BN não se sustenta, portanto, em qualquer conceito invariante, pois a descrição é capaz tão somente de torná-lo vazio, “beirando a

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pseudopoesia” ou “caindo no ridículo como Husserl” (Idem). Adorno considera pedantismo distinguir o belo e o feio na beleza natural, porém, sem tais distinções o conceito de BN se torna vazio. Para tanto, o caminho apontado pelo autor não passa pelos parâmetros dos conceitos universais, tampouco pelos parâmetros de grandeza formal:

A sua indeterminação essencial é manifesta no fato de que cada parte da natureza, assim como tudo o que é feito pelos homens e se petrifica em natureza, pode tornar-se belo (...) Tal expressão tem pouco ou nada a ver com proporções formais (Idem, trecho modificado).

Porém, cada objeto natural experimentado como belo possui algo dos parâmetros kantianos de singularidade e satisfação universal - mesmo que não explicitamente Adorno cite-o neste momento. “A consciência, que mergulha amorosamente numa coisa bela” (Idem, p. 113) se vê coagida a uma distinção entre o belo e o não-belo, mesmo que tal categorização não seja possível.

Um elemento qualitativamente diferente no belo da natureza, se é que ele existe, deve ser procurado no grau de eloquência daquilo que não é fabricado pelos homens:​na sua expressão​. Belo, na natureza, é o que aparece como algo a mais do que existe literalmente em seu lugar (Idem, p. 114, trecho modificado, grifo meu).

O objeto natural apreciado como belo - considerando todos os apontamentos anteriores, onde não é objetivando a apreciação do belo na natureza que se alcança tal apreciação - portanto, se manifesta enquanto expressão daquilo que está além/aquém de qualquer distinção literal que caberia em seu lugar.

Sem receptividade, não existiria uma tal expressão objetiva, mas ela não se reduz ao sujeito; o belo natural aponta para o primado do objeto na experiência subjetiva. Ele é percebido ao mesmo tempo como algo de compulsivamente obrigatório e como incompreensível, que espera interrogativamente a sua resolução. Poucas coisas se transferiram tão perfeitamente do belo natural para as obras de arte como este duplo caráter. ​Sob este seu aspecto, a arte é, em vez de imitação da natureza, uma imitação do belo natural​. Este último desenvolve-se juntamente com a intenção alegórica, que se manifesta sem o decifrá-lo, em conjunto com significados que não são objetivados como na linguagem significativa (Idem, trecho modificado, grifo meu).

Nesta passagem temos duas questões:

1) O BN não depende unicamente da percepção subjetiva, ela também aponta para o primado do objeto, e como tal, ele não é passível de auto-percepção, porém assim ele existe sem determinação considerável, permanecendo então no campo do incompreensível, como cifra;

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2) A segunda questão se refere ao fato de que este duplo caráter do BN é imitado pelas obras de arte: elas não são ​mímesis da natureza, e sim, mímesis do BN, ou seja, da natureza fenomenal observada pelo sujeito, respeitando seu caráter de coisa em si. Tal atribuição desenvolve-se com a intenção alegórica - provavelmente um termo que define o intuito descritivo da obra em caráter de suas alegorias -, reunindo significados não objetivantes como o são na linguagem.

O elemento natural participa, portanto, das atribuições subjetivas, enquanto nos remetem a memórias, passado, enfim, expressões da subjetividade. E como tal ele é elemento histórico: “No belo natural, entram em jogo intimamente ligados, ora de modo musical, ora à semelhança de um caleidoscópio, elementos naturais e históricos. Um assume o lugar do outro e é na flutuação, e não na univocidade das relações, que vive o belo natural” (Idem, p. 114). Por isso, portanto, o BN é história (ou devir) interrompido, e está em suspensão porquanto se encontra na flutuação entre determinações subjetivas e o objeto natural propriamente dito. É importante, também, ressaltar seu caráter fugaz: “Só que esse sentimento, apesar de todo o parentesco com a alegorese, é fugaz até ao ​dejà vu e é mesmo

sumamente efêmero” (Idem, p. 115).

1.8. O indefinível determinado

O naturalista Alexander von Humboldt (1767-1835) é tido por Adorno como intermediário entre Kant e Hegel, por concretizar o BN através da experiência na natureza, em conformidade com o espírito de sua época. Tal espírito, por sua vez, é ingênuo, apesar de apontar para a possibilidade de uma relação absolutamente mais profunda com a paisagem, do que a sua simples contemplação satisfeita.

A racionalização da paisagem não pressupõe apenas o racional-harmonial gosto epocal que assume a tendência de sintonizar o humano com o extra-humano. Além disso, a razão está vivamente impregnada de uma filosofia da natureza que interpreta a natureza como algo de muito significativo em si, ideia que Goethe compartilhava com Schelling. Tal como essa concepção, a experiência da natureza que a inspira é irrecuperável. (...) Sem dúvida, a irrelevância do belo natural acompanhou a decadência da filosofia da natureza (Idem, trecho modificado).

Enquanto filosofia da natureza, Adorno denomina tal época de “crítica da natureza”, e, como tal, decaiu juntamente com a teoria do TE. Neste momento, Humboldt lança o juízo sobre os objetos da natureza - ou seja, tal paisagem é mais bela que outra -, o que é suspeito

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ao exame de Adorno, assim como a posição de Goethe e Schelling de que “tudo é belo” induz a um “aforismo banal”. O caminho seria nem um nem outro, e sim, a ​indeterminação determinada​ do que é belo na natureza, principalmente se tratando de seu objeto.

A crítica da natureza - tendo como referência Humboldt - é o hibridismo do espírito da época que se exaltou como absoluto, mas não somente, pois ele não opera somente no conceito, como também possui bases no objeto: mais uma vez, Adorno ressalta o primado do objeto na anamnese do TE. E desta forma, a decadência do BN que acompanha a decadência da filosofia da natureza, traz consigo a decadência da ​experiência na natureza​, aquela usada como base para tais.

o BN sofre do mesmo destino que a educação/cultura: decaiu com a inevitável consequência de sua expansão. Tal momento histórico, que suportava o espírito em sintonia com a natureza a nível da experiência e portanto elaboração, sustentava tal experiência de uma forma não perdurável cinquenta anos depois. Contudo, atestar a inferioridade do BN perante o seu esmaecimento - da forma como Karl Wilhelm Solger e Hegel fizeram -, também induz em erro. A “má sorte da teoria do belo natural” não se deve à fraqueza das reflexões sobre ele, nem à uma possível pobreza do objeto, e sim na não confiança de sua natureza indeterminada.

O belo natural define-se antes pela sua indeterminação, imprecisão do objeto não menos do que do conceito. Enquanto indeterminado, em antítese com as determinações, o belo natural é indefinível; aparenta-se nisso com a música que, em Schubert, a partir de tal similaridade inobjetiva arranca os mais profundos efeitos. Como na música, também na natureza resplandece o que é belo para, logo a seguir, desaparecer perante a tentativa de o petrificar (Idem, p. 116).

Pode-se dizer, através deste trecho, que o aspecto de nossa cultura onde o que prevalece é aquilo que pode ser facilmente determinável, é o que fragilizou o lugar do BN na tradição estética. É justamente seu caráter fugidio que é duplamente sua virtude e sua condenação. Enquanto tentar-se petrificar os conceitos de TE, ele continuará recalcado; e o que Adorno se esforça para fazer é apontar aquilo que ele não é, tendo como base as estruturações que o colocaram em tal lugar.

A arte não imita nem a natureza, nem um belo natural singular, mas o belo natural em si. Denomina-se aqui não apenas a aporia do belo natural, como também a aporia da estética em geral. O seu objetivo define-se como indeterminável, negativamente. Por isso, a arte necessita da filosofia, que a interprete, para dizer o que ela não consegue dizer, enquanto que, porém, só pela arte pode ser dito, ao não dizê-lo. Os paradoxos da estética são ditados pelo seu objeto (...) (Idem).

Referências

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