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MURILLO CRUZ WIPO Paris Convention1883

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(“Brazil´s Ratification of the Paris Convention of 1883”)

Murillo Cruz (A.C.Bandeira) 1982

(Industrial Property, WIPO Geneva,

23rd year; No.11; november 1984, p.369)

INTRODUÇÃO

Em 20 de março de 1883, firmava-se, em Paris, através da assinatura representativa de 11 nações, a Convenção Internacional para a Proteção da Propriedade Industrial, mais conhecida como a "Convenção de Paris". O Brasil era uma dessas 11 nações signatárias originais.

Esta Convenção foi o resultado de várias reuniões e conferências diplomáticas que buscavam o reconhecimento internacional das patentes e marcas, dentro de um quadro mais homogêneo e igualitário aos diversos dispositivos, leis e normas dos vários países que já protegiam suas invenções através do instituto da patente, e suas marcas.

Obviamente, os motivos pelos quais as 11 nações signatárias originais do texto da Convenção aderiram a este Acordo - Bélgica, Brasil, Espanha, El Salvador, França, Guatemala, Países Baixos, Portugal, Sérvia e Suíça – podem ser de natureza e características muito diferentes entre si. Da mesma forma, a não assinatura da Convenção de Paris, em 1883, de nações importantes e que participaram ativamente dos debates sobre a matéria, podem ter razões variadas e singulares.

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Duas ressalvas devem ser feitas inicialmente. Em primeiro lugar, este trabalho é de natureza analítico-interpretativa, isto é, possui ilações e interpretações de ordem histórica, cujos resultados podem ser contrapostos com outras visões. Em segundo lugar, as referências feitas a outras nações neste trabalho enquadram-se no enunciado acima, ou seja, qualquer referência aos países neste ensaio situa-se na análise do autor, dentro da perspectiva histórica do próprio trabalho.

Dois eixos interdependentes são fundamentais para compreender os motivos pelos quais o Brasil assinou a ConvençãodeParis, em 1883.

.1 O primeiro diz respeito ao quadro institucional do País no último quartel do século passado, bem como a importância das nossas relações políticas externas, e a inserção do Brasil na economia internacional. Conforme veremos, o quadro de reforma de nosso legislativo durante grande parte do Império se fazia pela experiência e pela jurisprudência de outras nações. Este quadro típico de assimilação legal irá se verificar também na matéria da propriedade industrial com a mudança das nossas leis de patentes e de marcas, integrando-se os novos textos legais à própria Convenção de Paris.

.2 0 segundo eixo de compreensão à matéria em apreço é o próprio desdobramento da matéria da propriedade industrial nos vários países no século passado, e os motivos geradores das várias reuniões e conferências que precederam a Convenção de Paris de 1883. Constata-se neste eixo de análise quais os principais temas e os objetos centrais de controvérsias entre as diversas nações com relação à proteção da propriedade industrial, temas estes que serão fundamentais para a própria cristalização do texto definitivo da Convenção. Conforme adiantedescrito, o Brasil, ao participar destas várias conferências (da mesma forma que todas as outras nações), contrapunha estes debates à sua lei e prática interna, e destes debates obtinha resultados passíveis de serem integrados em uma nova lei ou decreto. Não há dúvida em afirmar que, entre nós, a Convenção de Paris gerou, através de suas ideias e discussões, modificações importantes em nosso "sistema" interno de proteção à propriedade industrial.

PARTE I

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Aspectos Econômicos Relevantes

Os historiadores e economistas brasileiros são unânimes em afirmar que a segunda metade do século XIX assinala um dos períodos de grandes transformações econômicas do País. É certo que se trata de um prolongamento da etapa anterior, resultante da emancipação do Brasil da tutela política e econômica da metrópole portuguesa. Mas a primeira metade do século XIX é de transição, fase de ajustes à nova estrutura gerada pela independência e autonomia nacional. A crise econômica, política e social que se desencadeia desde o momento da transferência da Corte portuguesa em 1808, e principalmente da emancipação política de 1822, prolonga-se até meados do século; e se é verdade que já antes deste momento elaboram-se os fatores de transformação, é somente depois dele que amadurecem e produzem todos os frutos que modificariam tão profundamente as condições do Brasil.

Isto já se começa a observar nitidamente logo depois de 1850. A abolição do tráfico africano de escravos consumada naquele ano terá por efeito desencadear as forças gestadas no período anterior. O País entra bruscamente num período de franca prosperidade e larga ativação de sua vida econômica.

O aparecimento das primeiras companhias e sociedades, com seu ritmo acelerado, assinala o início de um processo de concentração de capitais, que embora ainda acanhado, representa ponto de partida para uma fase inteiramente nova. Sem contar os grandes empreendimentos como estradas de ferro e empresas de navegação a vapor, instalam-se embora ainda muito rudimentares, as primeiras manufaturas de certo vulto. O comércio se expande; mas é sobretudo na agricultura que se localizará este crescimento da produção brasileira. A lavoura de café, produto então de grandes perspectivas nos mercados internacionais, contará com uma base financeira e de crédito, assim como um aparelhamento comercial suficiente que lhe permitirá considerável expansão.

Todo este progresso, intercalado por crises momentâneas de ajustamento, se estenderá daí por diante até o século XX. Interrupção mais grave e de conseqüências mais profundas será a guerra em que o Brasil se empenha, ao lado da Argentina e do Uruguai, contra o Paraguai, e que envolve o País durante os anos que vão de 1865 a 1870.

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sistema econômico. O surto de atividades observado desde 1850 ganha novo impulso, mas fator digno de ressalva é a substituição intensiva dos escravos por trabalhadores livres. Os grandes fazendeiros já não precisarão - como anteriormente se verificava - investir a maior parte dos seus recursos em escravos, recorrendo muitas vezes para isto a créditos onerosos; assim, grandes disponibilidades de capital até então fixos tornam-se circulantes e livres para outras aplicações.

Observe-se que o impulso econômico do País encontrava-se organicamente vinculado à sua inserção no próprio quadro expansivo internacional de após 1850. Tanto assim que o próprio sistema financeiro e tributário assentava-se - neste vasto período -, sobre os direitos aduaneiros de importação e exportação. Ou seja, apenas para efeitos ilustrativos, os impostos de importação e exportação significavam nos seguintes exercícios financeiros: 80% em 1840/41; 74% em1869/70; e 64% em 1889/90.

Tudo isto resultará numa completa remodelação material do Brasil: O Império, quando em 1889 se extingue e é substituído pela República, terá coberto uma larga e importante etapa da evolução econômica do País.

Esta inserção do Brasil no contexto exterior, anteriormente descrita, não é de pouco significado. Se, ao nível econômico, os impulsos do comércio internacional geram as receitas cambiais necessárias à própria expansão interna do sistema (via a possibilidade de expansão das importações necessárias), ao nível sociocultural tal integração se faz presente de forma igualmente marcante.

A vinculação econômica e financeira do Brasil verificava-se de forma mais densa com a Inglaterra (apesar das significativas transformações que se processavam no final do Império a favor dos Estados Unidos da América); mas a vinculação cultural com a França era plena e predominante nas classes dominantes do País.

Esta vinculação cultural terá reflexos incomensuráveis em todo o período que estamos considerando. E na matéria da propriedade industrial - conformeveremos mais adiante - tal integração será facilmente constatada.

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por outro lado gerava um alheamento quase que total da realidade que nos cercava e uma grande artificialidade. Pudemos promulgar uma segunda lei de patentes no País, em 1882, tida como das mais avançadas para a época, ao mesmo tempo em que ingressávamos na Convenção de Paris, um ano depois, em 1883, em um período no qual ainda se mantinha o trabalho escravo como força importante de um segmento econômico do País. E note-se que a abolição definitiva da escravidão no Brasil verifica-se apenas em 1888.

Breves Tópicos da Evolução da Propriedade Industrial no Brasil no Século XIX até a 1ª. Conferência Diplomática para a Proteção Internacional da Propriedade Industrial, em 1873

O Brasil parece possuir um tropismo, uma tendência, a implantar relações jurídicas e institucionais adiante das suas reais condições socioeconômicas. Não restam dúvidas de que tal tendência extemporânea dos fenômenos viabiliza posteriormente atitudes que pareciam impossíveis à época das decisões. Isto possui uma explicação teórica que, embora simples, é bastante descuidada.

Nossas relações e práticas jurídicas - enquanto segmento de pensamento de uma classe intelectual cuja inspiração básica encontrava-se na Europa - relações estas consolidadas fundamentalmente no Parlamento do século passado, encontram-se também indissoluvelmente atreladas às idéias "externas".

Este pólo (externo) de pensamento é, nesta fase, claramente superior ao pólo interno do ponto de vista doutrinário. Em outras palavras, o caráter imitativo - única experiência válida para decisões de caráter jurídico em uma economia organicamente vinculada a uma outra mais avançada - conduz à "institucionalização avançada" e muitas vezes

prematura relativamente à realidade econômica e social.

Tal quadro é perfeitamente verdadeiro quando analisamos a evolução da propriedade industrial no Brasil no século passado até a assinatura da Convenção de Paris.

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“... sendo muito conveniente, que os inventores, e introdutores, de alguma nova máquina, e invenção nas artes gozem do privilégio exclusivo além do direito que possam ter ao favor pecuniário, que sou servido estabelecer em beneficio da indústria, e das artes, ordeno, que todas as pessoas, que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta do Comércio; e que esta, reconhecendo a verdade e fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo por 14 anos, ficando obrigadas a publicá-lo depois para que no fim desse prazo toda Nação goze do fruto dessa invenção ...".

O Brasil, portanto, foi o 4º. país do mundo a estabelecer a proteção dos direitos do inventor,antecedendo-se a Inglaterra, pelo Estatuto dos Monopólios, de 1623; os Estados Unidos pela primeira lei de 1790; e a França, pela lei de privilégio de invenção, de 1791. Este antigo Alvará (brasileiro) de 1809 inspirou-se, sem dúvida, no Estatuto dos Monopólios da Inglaterra, e contém as linhas fundamentais de proteção legal das invenções, visando o progresso das indústrias. Ou seja, já se verificam neste primeiro Ato as relações existentes entre a concessão de patentes com o objetivo de estimular a industrialização local, aspecto central de todas as legislações sobre patentes do século XIX (e das práticas comuns desde o século XII d.C. aproximadamente).

Afastando-se da tutela da metrópole portuguesa através da independência em 1882, o Império brasileiro promulgou sua primeira Constituição em 1824. E, no artigo 179, alínea 26, encontramos: "Os inventores terão a propriedade de suas descobertas ou das suas produções. A Lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer pela vulgarização".

Interessante observar na Constituição Imperial de 1824, a utilização jurídica quase que total de uma experiência exterior ao País. No caso, a utilização simbiótica da legislação francesa, uma vez que o reconhecimento da propriedade das invenções aparecia, neste texto constitucional, como resultado ou complemento da "abolição das corporações de oficio e de seus juízes, escrivães e mestres" (artigo 179, alínea 25); exatamente igual como ocorrera na França, no processo revolucionário de 1789.

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isto é, contra as corporações de oficio ou guildas. Os grêmios medievais freqüentemente opunham-se às patentes de invenção, e perseguiam os inventores, alheios que estavam àquelas regras de produção.

Na França, a agitação contra as rígidas regulamentações corporativas medievais monopolísticas aumentou bastante ao longo do século XVIII. Em 1776 foram suprimidas as corporações medievais através do famoso Edito de Turgot. Mas foi durante a Revolução de 1789 que definitivamente aboliram-se, na França, as regulamentações corporativas, liberando a indústria e o comércio das velhas restrições, e vindo surgir a primeira lei de patentes francesa, em 1791, como resultado desta complexa evolução. O Brasil, sendo palco de um outro processo de formação, onde as relações medievais das corporações de ofício não tiveram nenhum papel importante entre nós, ao relacionar em sua Constituição de 1824 a proteção às invenções e às produções intelectuais, com a abolição das restrições corporativas, aplicava, simplesmente, uma experiência jurídica externa e extemporânea, a um quadro sócio-político-cultural totalmente diferente.

De acordo com os princípios constitucionais de 1824 acima descritos, promulgou-se a Lei de 28 de agosto de 1830, regulando-se a concessão dos privilégios industriais e os direitos decorrentes. Esta lei declarava em seu artigo primeiro a garantia ao descobridor ou inventor de uma indústria útil, a propriedade e o uso exclusivo de sua descoberta ou invenção; reconhecia direitos idênticos às pessoas que aperfeiçoassem as descobertas e as invenções; estabelecia em seu artigo terceiro um prêmio em favor de quem implantasse, no País, alguma indústria estrangeira, prêmio este proporcional à dificuldade e à utilidade da dita introdução.

A duração dos privilégios, de acordo com a natureza da descoberta ou invenção, variava de 5 a 20 anos, podendo-se estabelecer um prazo ainda superior, mediante lei especial para tal fim.

Segundo esta lei de1830, a patente incorria em caducidade se o titular:

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.2 se o titular ou licenciado - se assim fosse o caso - não explorasse a invenção no prazo de dois anos.

Este aspecto do prazo de caducidade de dois anos por falta de uso efetivo é muito interessante. Conforme veremos adiante, a questão da caducidade relacionada à falta de uso do objeto protegido, foi um dos temas centrais das conferências diplomáticas que deram origem à Convenção de Paris de 1883. Também, conforme adiante descrito, o Brasil, ao participar dos debates nestas conferências, acabou adaptando o prazo de caducidade de nossa lei, com os prazos que, embora não constantes do próprio texto final da Convenção, em 1883, - foram prazos reivindicados durante as discussões preliminares.

Em 22 de fevereiro de 1881, por consultas e pressões de partes interessadas para que o prazo de dois anos contido na lei de 1830 fosse alterado, o Conselho de Estado do Império declarou que o Governo não podia prorrogar o prazo fixado na lei para ser explorada a invenção. Tais debates suscitaram, entretanto, a alteração da própria lei de 1830, em um novo texto, aprovado em 1882. Conforme este novo texto de 1882, o prazo para a caducidade por falta de exploração do objeto protegido foi estendido para três anos (artigo 54, §2o.), fruto dos debates que ocorriam a nível internacional sobre a necessidade deampliação dos prazos necessários à industrialização local dos objetos patenteados. Interessante observar ainda que, de acordo com a antiga lei de 1830, incorria em caducidade o objeto protegido pela patente, se o titular ou licenciado tivesse obtido, anteriormente, a mesma patente no estrangeiro, cabendo-lhe, tão somente, nestes casos, o direito ao prêmio como introdutor daquela invenção ou descoberta no Brasil. Já o texto legal de 1882. (Lei no. 3129 de 14 de outubro de 1882), introduzia modificações importantíssimas também neste aspecto, aparecendo já em seu artigo 24, §14, o próprio princípio da "prioridade unionista", que viria concretizar-se com a Convenção e a União de Paris somente no ano seguinte, de 1883.

Este artigo assim prescrevia:

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§ 1º. - A prioridade do direito de propriedade do inventor que, tendo requerido patente em nação estrangeira, fizer igual pedido ao Governo Imperial dentro de sete mezes, não será invalidada por factos, que ocorram durante esse período, como sejam outro igual pedido, a publicação da invenção e o seu uso ou emprego“...

Assim, curiosamente, o Brasil encontrou-se (e “entrou”) na Convenção de Paris antes mesmo dela existir (!). Ao menos no que tange ao reconhecimento da prioridade

unionista.

No que diz respeito à proteção às marcas industriais ou comerciais no Brasil, a primeira lei sobre tal objeto em nosso País foi promulgada somente em 1875, 45 anos, portanto, depois da primeira lei sobre patentes de invenção. Até 1875 não havia dispositivo específico de proteção às marcas no Brasil.

Também, no que diz respeito às marcas, uma vez mais aparece a utilização jurídica da experiência francesa em nosso território. A Comissão de Justiça Criminal da Câmara dos Deputados, em parecer de 19 de março de 1875, estudou a possibilidade de promulgar uma lei especifica de proteção às marcas, baseando-se nos princípios da doutrina e jurisprudência francesas. E de acordo com o exposto neste parecer, esta Comissão apresentou um projeto de lei composto de 16 artigos, o qual, com poucas modificações, converteu-se na lei de 1875 sobre marcas.

A propriedade das marcas, de acordo com o sistema da lei de 1875, dependia de registro prévio, de acordo com o seu artigo 24. Entretanto, o projeto original da lei era distinto, pois apesar da lei apresentar o registro como o próprio fundamento da propriedade, a orientação da Comissão que elaborou o projeto original era bem diferente, e apoiava-se - como dito acima - no direito francês, como se pode depreender da própria Exposição de Motivos: "Não cria, porém, o registro, a propriedade da marca, que, como a propriedade do nome patronímico, não encontra limitação nem no tempo, nem no espaço. A propriedade preexiste ao registro; mas este é exigido como condição do exercício da ação criminal”.

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Deve-se ter em mente que a lei sobre privilégios de invenção de 1830 vigorou em nosso País, quase sem aplicação, durante mais de 50 anos. Segundo G. Bailly, nos cinco primeiros anos da vigência da lei, apenas uma patente foi expedida; e, nos 15 anos

seguintes, o número de privilégios concedidos não passava de cinco. Ainda, como a

primeira lei de marcas do País somente foi promulgada em 1875, e levando-se em conta que a primeira conferência que se ocupou da proteção da propriedade industrial a nível internacional teve lugar em Viena, em 1873, pode-se constatar que, ao início dos debates internacionais sobre a matéria, a posição do Brasil situava-se num plano bastante reduzido (ou quase nulo) comparativamente aos demais países interessados na matéria, detentores dos grandes acervos de patentes e outros objetos da propriedade industrial à época. Foram estes próprios debates que conduziram às reformas subseqüentes em nosso, sistema interno (a lei de patentes de 1882; e a 2ª. lei de marcas, em 1887).

Faz-se mister, neste ponto, apresentar os principais temas de controvérsia entre os principais países industriais da época, no sentido de ultimar o Acordo Internacional procurado, pois são estes debates que explicam os motivos pelos quais o Brasil - enquanto país de reduzida participação no “mundo” da propriedade industrial da época - acabou sendo país signatário original da Convenção. E são estas mesmas evoluções que explicam, por outro lado, os motivos pelos quais os grandes países patenteadores da época (à exceção da França e da Bélgica)-, não assinaram a Convenção originalmente, em 1883 (Ver Tabela I).

PARTE II

ASPECTOS DA EVOLUÇÃO DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA A PROTEÇÁO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

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A Primeira Conferência: Viena, 1873

A primeira Conferência internacional relativa à proteção dos inventores ocorreu em Viena, em 1873. É interessante observar que desde esta primeira conferência, o tema do uso obrigatório das patentes registradas em cada País, ou como se expressa na atualidade, o uso efetivo destes privilégios, ganhou destaque. E pode-se afirmar que

foi o motivo chave das discussões posteriores e da formulação final do próprio texto da Convenção de 1883.

O fato gerador desta primeira reunião internacional foi que, em 1873, ocorreria uma exposição internacional sob os auspícios do governo austro-húngaro; e determinadas empresas e inventores de alguns países - principalmente dos EUA - argumentavam que a lei austríaca não fornecia proteção suficiente para a exposição pública de objetos extremamente novos como os que se propunham apresentar. Entre os dispositivos da lei austríaca que recebiam críticas dos EUA estava precisamente o requisito do uso obrigatório, segundo o qual um objeto patenteado na Áustria teria que ser

manufaturado no próprio território austríaco dentro de um ano, a contar da data de expedição da patente, sob pena de ver seu privilégio revogado.

Aqui já podemos perceber a concepção simétrica existente entre os direitos conferidos

aos titulares de patentes tanto para um País como para outro: Os grupos americanos argumentavam claramente a favor de um princípio de vantagens relativas industriais,

isto é, reivindicavam o direito de importação como um dos direitos decorrentes da concessão de patentes; em outras palavras, argumentavam os EUA que o uso (por importação ou fabricação interna) era o limite da possibilidade de aplicação da caducidade a um direito conferido. O não uso poderia eventualmente justificar a revogação de um direito adquirido, mas necessariamente dever-se-ia incluir a venda (independentemente da origem da fabricação) como um dos elementos caracterizadores do uso efetivo do privilégio.

E a Áustria, por seu turno, não compreendia a extensão do direito de importação como decorrente da concessão dos privilégios.

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aprovada, no qual se recomendava a licença obrigatória das patentes (e não a caducidade imediata) "nos casos em que o interesse público assim o determine".

Embora a delegação oficial dos EUA tenha sido fortemente contrária a esta determinação (por ser rigorosamente contrária a qualquer limitação), é interessante observar que Arthur P. Greely, um dos membros da comissão para a reforma da lei de patentes dos EUÁ na época, admitiu, (com referência à cláusula aprovada das licenças obrigatórias nesta conferência), que: .... "De qualquer forma não deixa de ser um princípio sábio".

A Segunda Conferência: Paris, 1878

A segunda Conferência internacional para o estabelecimento da Regulamentação e Proteção entre nações da propriedade industrial ocorreu em Paris, em 1878.

A principal decisão e diferença com relação à Conferência anterior de 1873, em Viena, foi que esta admitiu o direito de um determinado Estado revogar uma patente caso não se realizasse a produção no País concedente (da patente) dentro de um determinado tempo.

Em outras palavras, esta Conferência aprovou o que se conhece atualmente como uso obrigatório e a aplicação da caducidade por falta de uso efetivo, entendido este como

produção interna no País concedente das patentes. Até mesmo a licença obrigatória

como sanção por não usar a patente foi abandonada, ao contrário do ocorrido na reunião de Viena.

Esta conferência adotou outras resoluções importantes que foram posteriormente incluídas no texto definitivo da Convenção Internacional, como por exemplo, o princípio de que os estrangeiros devem ser tratados igualmente como os nacionais, sem distinção; e o princípio de que devem ser independentes os direitos sobre uma mesma invenção em diferentes países.

Projeto da Convenção e seus Resultados Principais

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para a Proteção Internacional da Propriedade Industrial”. E em 1883, uma nova Conferência em Paris estabeleceu e aprovou finalmente a Convenção.

Certamente as demandas iniciais e o alcance dos dispositivos da Convenção estavam restritos aos interesses de alguns poucos países à época altamente industrializados, detentores da maior parte dos privilégios industriais em vigor, visando, todos, a proteção de mercados externos cativos para suas manufaturas. Por esta razão, todos os debates - prévios e os que culminaram com o texto da Convenção de 1883 - circunscreveram-se em torno da ação e da participação ativa das delegações da França, da Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Bélgica, Suíça e Áustria. Certamente, também, o fato de terem prevalecidas as teses francesas acerca do artigo 5, isto é, de ficar a cargo da vontade de cadanação a aplicação e a correção dos abusos eventualmente decorrentes de um privilégio concedido e dos conceitos de exploração local dos produtos patenteados,

fez com que, à exceção da França e da Bélgica, todos os demais países industrializados importantes e principais detentores de privilégios industriais à época, não tenham assinado originalmente a convenção. Tanto os Estados Unidos, como a Grã-Bretanha, Alemanha, Canadá, Hungria e Áustria não são signatários originais. (Ver Tabela I). O texto original do Artigo 5 da CUP é o que segue:

"Art. 5 - Item 1 - A introdução pelo dono da patente, no País que a concedeu, de objetos manufaturados em qualquer dos países da união, não acarretará a caducidade. Item 2 - Entretanto, o detentor da patente estará sujeito à obrigação de trabalhá-la de acordo com as leis do País onde haja introduzido os objetos patenteados".

Sem dúvida, o texto final deste artigo demonstra a "solução de cavalheiro" encontrada entre a posição extrema norte-americana (item 1) e a posição de uma série de outras nações (França e Suíça, por exemplo) contrárias à extensão dos direitos das patentes (à importação, por exemplo) (item 2).

"A questão de se o titular da patente tem o dever de trabalhar (manufaturar

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Conforme descrito anteriormente, os dispositivos do Art. 5 da Convenção relativos aos direitos dos países de tomarem certas medidas, especialmente as relativas ao uso obrigatório e à aplicação de licenças obrigatórias ou a caducidade destinadas a prevenir o abuso do monopólio conferido, foram os dispositivos mais controversos da Convenção de Paris.

Esta foi exatamente a natureza do conflito citado anteriormente entre as principais potências industriais a época da configuração e assinatura da Convenção em 1883. Por exemplo, a lei francesa (princípio corroborado por uma série de outras nações) praticamente obrigava os titulares das patentes concedidas a fazerem uso local efetivo, isto é, industrializarem os objetos privilegiados, para impedir que o sistema de patentes pudesse vir a conformar o território francês em simples mercado cativo de exportações inglesas, alemãs, americanas, etc.

Quando se afirmou acima que prevaleceram as teses francesas (e de outros países, como por exemplo a Suíça), isto significou exatamente ter vingado o princípio da vontade soberana de cada nação utilizar certos mecanismos de controle dos privilégios concedidos (pelo próprio Estado), sempre que tais privilégios individuais pudessem conflitar direta ou indiretamente com os objetivos superiores do sistema de propriedade industrial, sendo que um deles - dos mais importantes nos seus efeitos sociais - é exatamente a utilização efetiva local, o uso obrigatório dos objetos patenteados.

CONCLUSÕES

Historicamente, as razões que levaram o Brasil a participar, tanto das Conferências preparatórias, como da própria Conferência de Paris, em 1883, e a assinar esta importante Convenção na área de propriedade industrial quando ainda se estruturava não só a produção, mas toda a sociedade brasileira na base do trabalho escravo, foram de dois tipos:

.1 na perspectiva externa - as naturais composições políticas internacionais com seus principais parceiros europeus. Em termos econômicos e financeiros, a presença constante da Inglaterra; e, em termos culturais, o predomínio incontestável da França.

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inclusive, de D. Pedro II, manifestações estas que tendiam a trazer para o Brasil uma série de progressos tecnológicos importantes das nações mais desenvolvidas.

Todos os debates que acabariam por gerar o texto final da Convenção de Paris de 1883, embora não totalmente incluídos nas redações dos artigos aprovados, puderam servir de orientação extremamente positiva para a reforma das antigas leis brasileiras de patentes, de 1830, e de marcas, de 1875.

A reforma da antiga lei de patentes de 1830 incluiu os avanços e os debates à época já conhecidos relativos às Conferências de Viena (1873), e Paris (1878 e 1880), sendo aprovada em outubro de 1882.

Atitudes idênticas ocorreram nas avaliações e modificações da lei de marcas, sendo promulgado, finalmente, em 1887, novo texto sobre a matéria.

Interessante observar que a utilização destes instrumentos internacionais coadunava-se com a própria política externa do Brasil. Em 21 de julho de 1880, o Ministro de Estrangeiros Pedro L. Pereira de Souza assim se expressava:

"O Brasil não deve ser uma terra clausa, pelo contrário, deve desdobrar suas fronteiras, alargar seus horizontes, abrir de par em par as suas portas. O equilíbrio ainda passa pela manutenção de uma comunhão íntima e cordial com a Europa de onde nos vêm grandes elementos de progresso".

Assim, o Brasil do final do século XIX, enquanto País interessado em estimular a industrialização de setores já maduros internamente, principalmente aqueles com experiências acumuladas pelas importações regulares, não encontrou na solução fornecida pelo texto original da Convenção de Paris aprovado em 1883 - principalmente em seu artigo 5 - qualquer obstáculo (ao menos jurídico) para ultimar tais intenções. Assinava então o Brasil, sem reservas, através do Ministro na Bélgica - Conde de Villeneuve - a Convenção de Paris de 20 de março de 1883, mantendo-se, até hoje, nesta importante Convenção.

BIBLIOGRAFIA

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.2 Ladas, Stéphane, "La Protection Internationale de la Propriété Industrielle" (1933) .3 Penrose, Edith T. "The Economics of the International Patent System" (1951)

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.6 Bogsch, Arpad, "The First Hundred Years of the Paris Convention for the Protection of Industrial Property" (1983)

.7 Cruz, Murillo, "Convenção de Paris: Centenário e Revisão Conceitual" (1983) .8 Rodrigues, Clóvis da Costa, A Inventiva Brasileira (1973)

.8 Savignon, François, e Plasseraud, Yves, "Paris 1883 - Genèse du Droit Unioniste des Brevets" (1983)

Charles Jagerschmidt

(delegado francês, responsável pelo texto básico da Convenção de Paris de 1883)

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Paris – março de 1883 -

α

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TABELA I

Patentes de Invenção

Concessões por País – 1883 - (15 primeiros)

.01 Estados Unidos 21.162

.02 França (*) 7.724

.03 Alemanha 4.848

.04 Reino Unido (***) 3.962

.05 Bélgica (*) 3.695

.06 Áustria 2.620

.07 Canadá 2.178

.08 Itália (*) 1.094

.09 Espanha (*) 800

.10 Suíça (*) 240 (1888)

.11 Noruega 226 (1886)

.12 Suécia 206 (1885)

.13 Índia 192

.14 (URSS) 188

.15 Brasil (*) 109

TOTAL 35.582 13.662

Fonte: “100 Years of Industrial Property Statistics”; WIPO. 1983. (*) país signatário original da Convenção (em 1883)

(**) os anos entre parênteses são os de informações disponíveis (***) “instrumento de adesão” (mas não signatário original)

Referências

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