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Pesca artesanal: culturas litorâneas na produção de riquezas e desigualdades / Artisanal fishing: coastal cultures in the production of wealth and inequality

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761

Pesca artesanal: culturas litorâneas na produção de riquezas e

desigualdades

Artisanal fishing: coastal cultures in the production of wealth and

inequality

DOI:10.34117/bjdv6n4-143

Recebimento dos originais: 09/03/2020 Aceitação para publicação: 09/04/2020

Acaahi Ceja de Paula da Costa

Especialista em Gestão Pública (UEMA), bacharel em Ciências Econômicas (UFPI) e Estudante de Psicologia (UFPI)

Instituição: Universidade Federal do Piauí

Endereço: Av. São Sebastião, nº 2819 - Nossa Sra. de Fátima, Parnaíba - PI, 64202-020 E-mail: acaahicosta@gmail.com

Diêgo Stéfano Araújo Souza

Licenciado em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Especialista em História (UFPI), Estudante de Psicologia (UFPI).

Instituição: Universidade Federal do Piauí

Endereço: Av. São Sebastião, nº 2819 - Nossa Sra. de Fátima, Parnaíba - PI, 64202-020 E-mail: diegoyyz@outlook.com

Cleber Sales Pereira

Estudante de Psicologia (UFPI) Instituição: Universidade Federal do Piauí

Endereço: Av. São Sebastião, nº 2819 - Nossa Sra. de Fátima, Parnaíba - PI, 64202-020 E-mail: salllescleber@gmail.com

RESUMO

Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 90% da mão de obra da atividade pesqueira extrativa provêm dos profissionais da pesca artesanal, mesmo exercendo um importante papel na produção alimentar mundial, essa classe trabalhadora enfrenta dificuldades diversas. Diante do reconhecimento internacional da precariedade da profissão da pesca artesanal, o objetivo principal desta pesquisa foi conhecer a realidade socioeconômica e cultural dos pescadores artesanais do município de Cajueiro da Praia-PI, uma vez que a pesca artesanal representa uma das principais atividades econômicas do município.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761

ABSTRACT

According to the United Nations Food and Agriculture Organization (FAO), 90% of the workforce of the extractive fishing industry comes from artisanal fishing professionals, even though they play an important role in world food production, this working class faces diverse difficulties. Given the international recognition of the precariousness of the artisanal fishing profession, the main objective of this research was to know the socioeconomic and cultural reality of artisanal fishermen in the municipality of Cajueiro da Praia-PI, since artisanal fishing represents one of the main economic activities of the municipality.

Keywords: Artisanal fishing. Poverty. Material culture. Inequality.

1 INTRODUÇÃO – CAPITALISMO E PESCA EXTRATIVA: PRECARIZAÇÃO E ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

Em 2011 o então Ministério da Pesca1, apontava dados sobre a produção de pescados do

Brasil, mais de um milhão e quatrocentas mil toneladas, um aumento de 13,2% em relação a 2010. Estes dados colocavam a pesca brasileira extrativa na 25ª posição mundial. No final de 2010 os números da economia brasileira eram otimistas, a produção de riquezas estava em plena expansão, contudo, as condições de pobreza e dificuldades de ascensão social da classe trabalhadora pesqueira preservava algumas questões de difícil superação.

Números que parecem contradizer ou pelo menos indagar os resultados levantados em 2010 e 2011, neste biênio a região Nordeste obteve destaque na produção de pescado, seguido da região Sul, sendo os maiores produtores de pescado os estados de Santa Catarina, Pará e Maranhão, representando na época, respectivamente 13,6%, 10,7% e 7,2% da produção nacional. O estado do Piauí estava na 13ª posição, com uma produção, em 2011, de 6.419,8 toneladas de pescado advindas da rica pesca extrativa marinha e continental (MPA, 2011), resultados insuficientes para assegurar situação de segurança alimentar pondo em questão ideias de riqueza e desenvolvimento humano.

A Lei n° 11.959 de 2009 regula a atividade pesqueira sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável (PNDR). O então Ministério da Integração Nacional declarou que a PNDR tem como intuito promover a redução das desigualdades regionais, esta compreensão foi bastante importante para época, pois incluía como forma de política pública de desenvolvimento de populações, o incremento as formas de trabalho de extração. Dessa forma, a Lei que regula a atividade pesqueira garantiria o uso sustentável dos recursos pesqueiros, além de pretender otimizar os benefícios econômicos para a preservação do meio

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 ambiente. A lei também era parte da tentativa do estado de promoção do desenvolvimento econômico – que no capitalismo muitas vezes é entendido com acumulação e concentração de capital –, cultural e profissional dos profissionais da atividade pesqueira bem como das comunidades pesqueiras.

Geralmente, as comunidades que dependem da pesca artesanal atuam em áreas remotas, com acesso limitado à políticas públicas que garantam o amplo acesso a direitos, esta realidade faz parte do município de Cajueiro da Praia, no estado do Piauí, apontando-nos uma problemática a ser estudada: a produção de riqueza e desigualdades no capitalismo, compreendido não apenas como modelo político e econômico, mas também de apropriação da natureza e maximização das formas de exploração da força de trabalho de mulheres e homens.

A promoção da pesca artesanal sofre com a “flutuação dos preços e pela extrema perecibilidade do pescado, que uma vez capturado deve ser vendido rapidamente” (DIEGUES, 1999, p. 371) e faz com que o pescador tenha que fazer acertos comerciais nem sempre favoráveis, ou seja, a precarização desta forma de trabalho engendra produção de lucro. Além disso, tem a situação comum e cotidiana da classe que nem sempre adquire o suficiente para sobreviver de forma digna (NISHIDA et al., 2008).

2 DESENVOLVIMENTO - CARACTERÍSTICAS SOCIOCULTURAIS E

ECONÔMICAS DA PESCA EXTRATIVA

Neste trabalho compreende-se que a atividade pesqueira não apenas como uma atividade econômica, ela contribuiu para o surgimento de “inúmeras culturas litorâneas regionais” (DIEGUES, 1999, p. 362), como a do jangadeiro no litoral nordestino, a do caiçara no litoral sudeste e no litoral sul a figura do açoriano (DIEGUES, 1999). Dessa forma, além de contribuir no processo cultural, a pesca extrativa assume caráter socioeconômico (SANTOS

et al., 2005). Rodrigues e Giudici (2011) acrescentam que essa atividade é uma importante

fonte de renda, no entanto está ligada à baixa especialização das comunidades litorâneas e elevados níveis de pobreza e precariedade apesar de, como os números apontados acima, esta população produzir uma riqueza material abundante a partir de sua força e técnicas de extração muitas vezes desenvolvidas longe do aparato técnico-cientifico das universidades e transmitida pelas gerações.

A atividade da pesca artesanal é predominantemente familiar, com maior participação de homens, de baixa escolaridade, com elevada média de idade, e que normalmente precisam

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 complementar a renda com outras atividades, geralmente ligadas à agricultura (SOUZA; NEUMANN-LEITÃO, 2000; SANTOS et al., 2005; SANTOS; SAMPAIO, 2013). Por ser uma atividade econômica tradicional, os pescadores começam desde muito cedo a trabalhar para ajudar na renda familiar, o que colabora no baixo nível escolar desses profissionais e crianças afastadas da escolarização na idade almejada pelo planejamento escolar, o que nos aponta mais uma característica da precarização vivida por estas comunidades.

Os profissionais da pesca artesanal desenvolvem outras atividades paralelamente à pesca artesanal, principalmente no período do defeso. Vários estudos mostraram essa tendência, pois a justificativa das famílias é a necessidade de complementar a renda, que geralmente é limitada se depender somente da pesca artesanal. Garcez & Sanchez-Botero (2005) destacam que a baixa renda do pescador artesanal é devido à complexidade da cadeia produtiva e a falta de capital de giro para o pescador manter a produção por si só, recorrendo quase sempre à um investidor que custeie sua produção.

Souza & Neumann-Leitão (2000) estudaram a comunidade do Estuário do Rio São Francisco, em Brejo Grande, estado de Sergipe, e constataram que os pescadores que viviam exclusivamente da pesca estavam reduzindo acentuadamente. Os autores agregam isso à infraestrutura inadequada para conservação e comercialização do pescado. Santos et al. (2005), Lima & Velasco (2012), Nishida et al. (2008) e Diegues (1973) mostram que as principais atividades que geram complemento na renda desses profissionais são ligadas à construção civil, trabalhos domésticos, turismo, agricultura e pequenas criações de animais o que exige destes trabalhadores jornadas duplas ou triplas na luta pela sobrevivência. Assim, a riqueza material que eles produzem apenas se expressa pela concentração de renda de outros agentes que participam dessa cadeia assentada no tripé: produção, distribuição e consumo.

Uma das formas desenvolvidas para combater a exploração desumana destas atividades é a percepção da importância na articulação e fortalecimento organizacional como condicionantes para alavancar o desenvolvimento local e preservação das tradições construídas na comunidade (ARAGÃO; SOUZA, 2009). Souza & Neumann-Leitão (2000), observaram que em uma comunidade de Sergipe, grande parte dos pescadores não era filiada a colônias, cooperativas ou sindicatos, dificultando a capacidade de pressão para obter melhor qualidade de vida.

A FAO (2014) mostra a importância das Colônias de Pescadores quando bem organizadas e articuladas, não só para fins econômicos mas para a preservação do meio ambiente e biodiversidade, assim como para a promoção da segurança alimentar, capacitação

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 de trabalhadores e erradicação da pobreza. Para isso, é importante fomentar a cultura de organização e de mobilização dos pescadores, pois as organizações dos pescadores podem tornar movimento de lutas para promoção de políticas públicas (FAO, 2014) articulando o estado com as demandas da população.

2.1 CAJUEIRO DA PRAIA: TRABALHO E COMPLEXIDADE DA VIDA LITORÂNEA Cajueiro da Praia localiza-se ao extremo nordeste do estado do Piauí, ao sul e a oeste do município de Luís Correia e faz divisa a leste com o estado do Ceará. Segundo os moradores do município, o nome Cajueiro da Praia “se deu em decorrência de um famoso cajueiro que havia na beira da praia” (MACEDO, 2011, p. 85). Segundo dados do IBAMA/SEAP-PR/PROZEE (2006), a produção de pescado em 2005 foi a menor no município de Cajueiro da Praia, contabilizando somente 128,8 toneladas, ou seja, 4,9% da produção total do estado do Piauí. Cajueiro da Praia tem como principal atividade econômica a pesca artesanal, mas a atividade turística contribui na renda da região (CARVALHO, 2010; MACEDO, 2011), assim como pela agropecuária, indústria e serviços. Em relação à atividade industrial desenvolvida na região, Carvalho (2010) faz referência a 12 empresas envolvidas com atividade pesqueira que, em 2004, empregavam 267 trabalhadores. Segundo a pesquisadora, “no município ainda há atividades de agricultura, pecuária, silvicultura2 e exploração florestal que contam com duas empresas” (CARVALHO, 2010, p. 56).

Carvalho (2010, p.57) acrescenta que “a população da sede municipal empregada formalmente trabalha, basicamente, no setor público (Prefeitura Municipal)”, mas complementam sua renda com a pesca, agricultura ou criação de animais (CARVALHO, 2010). Em 2007, a produção de caju e coco da baía (coco da praia) obteve destaque, com uma produção de 38 toneladas do primeiro, que rendeu R$ 27.000,00, enquanto que o coco da baía obteve produção de 99.000 frutos, rendendo R$50.000,00 naquele ano. A população também complementa a renda com a “roça”, que Stella Carvalho (2010) chama de “lavoura temporária”.

O Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da Bacia do Parnaíba (PLANAP) desenvolvido ainda em 2006, planeja políticas públicas para a organização da pesca artesanal do Território da Bacia Litorânea. Organização da pesca e dos pescadores em um APL;

2 Segundo dicionário eletrônico Houaiss 3.0, silvicultura “ciência que se dedica ao estudo dos métodos naturais

e artificiais de regenerar e melhorar os povoamentos florestais e que compreende o estudo botânico das espécies, além da identificação, caracterização e prescrição da utilização das madeiras”.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 expansão de mercado para produtos nobres, com qualidade e ecologicamente correto; geração de trabalho e renda; envolvimento do jovem na atividade pesqueira; melhoria na qualidade de vida dos pescadores e de suas famílias (CODEVASF, 2006, p. 56). No entanto, nenhuma dessas ações faz parte da realidade do município mesmo depois de anos, o que nos leva a pensar sobre a importância da organização dos povos e comunidade para exigir o cumprimento de direitos garantidos.

2.2 ESPECIFICIDADES E ORGANIZAÇÃO PESQUEIRA EM CAJUEIRO DA PRAIA Com este estudo notou-se que, os donos das canoas são exclusivamente homens e não se sabe de mulheres donas de canoas, segundo os relatos colhidos3. Nascimento e Sassi (2007) perceberam a divisão de gênero na pesca artesanal, pois, segundo esses pesquisadores as mulheres trabalham na zona entre-marés com o intuito de capturar mariscos e ostras, recursos pesqueiros com menos valor de mercado “e os homens atuam, preferencialmente, no espaço aquático.” (p. 150), em mar aberto ou nos estuários Rio Timonha/Ubatuba (MACEDO, 2011). Sabe-se que possivelmente as mulheres usam as embarcações dos companheiros, dispensando a aquisição de outra, pois pesa no orçamento familiar estas características apontam para uma importante divisão sexual do trabalho e, consequentemente, diferentes níveis de acesso a renda, escolarização e saúde advindas dessa restrição nas formas de trabalho. Além disso, a atividade das esposas dos pescadores, quando estas são registradas como marisqueiras, não é organizada nesta região4.

Santos & Sampaio (2013) também retratam que na comunidade de Fernão Velho, estado de Alagoas, a atuação dos homens é predominante na captura do pescado e as mulheres atuam no beneficiamento deste. Em Cajueiro da Praia, os pescadores também relataram o mesmo, suas esposas ou companheiras ajudam no tratamento do pescado, reservando um trabalho “mais doméstico” a elas.

Outros estudos como Condini et al. (2007) e Harayashiki et al. (2011) observaram a maior predominância do gênero masculino no Rio Grande do Sul, porém o estudo de Garcez & Sánchez-Botero (2005, p. 22), revela que existe “considerável atuação das mulheres na

3 Destaca-se que os resultados obtidos e dados levantados correspondem a pesquisa realizada no ano de 2014 e

que passaram por revisão para esta publicação.

4 Estas características que predominam na divisão sexual do trabalho são importantes vetores para outros

estudos que não pudemos abordar neste breve texto, mas que poderiam alcançar problemáticas especificamente elaboradas pelas mulheres que, como sabemos, sofrem de diferentes formas pela restrição ao trabalho típico destas regiões, bem como dificuldades no acesso a renda e possivelmente vivem implicadas em situações de violências.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 atividade pesqueira, inclusive profissionalmente documentadas.” Mas quando não profissionalizadas “(...) desempenham importante papel na pesca, acompanhando seus maridos na embarcação, confeccionando e/ou reparando os materiais de pesca e preparando o pescado para a venda”.

Em Cajueiro da Praia, têm-se a informação de que os homens reparam seu próprio material, mas não foi abordado se as mulheres faziam o mesmo. Santos et al. (2011) quando traçaram o perfil dos pescadores do município de Raposa, no Maranhão, observaram que 100% da amostra era do gênero masculino e explica: “(...), pois a atividade da pesca em virtude do esforço e perigos que oferece acabam sendo limitante para as mulheres” (p. 5), este argumento parece proteger as mulheres de certos esforços que supostamente não seriam tão capazes quanto os homens, o que parece-nos uma explicação pouco cabível.

2.3 CONHECENDO DE PERTO A COMUNIDADE: RESULTADO DE ALGUMAS QUESTÕES POSSÍVEIS

Em fevereiro de 2014, consultou-se o sistema Registro Geral da Pesca, no sítio eletrônico do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), para identificar a quantidade de pescadores artesanais que constava no sistema. Verificou-se que existiam 1.082 pescadores artesanais cadastrados no município de Cajueiro da Praia. No entanto, em maio do mesmo ano, percebeu-se que esse dado caiu para 1.046 pescadores. No mesmo mês, em reunião do Projeto Laços de Cidadania Litoral do Piauí, o presidente da colônia Z-7, do município de Ilha Grande, relatou que as colônias estavam em processo de recadastramento e que isso poderia ocorrer no sistema do Ministério.

Para a confecção dos questionários semiestruturados, o estudo baseou-se em revisões bibliográficas sobre análises da pesca artesanal, organização de pescadores artesanais, redes de articulação solidárias, comunidades tradicionais e artes da pesca. Além desses, questionários semiestruturados de diagnósticos realizados por projetos em outros estados, como o Projeto Pirarucu Gente da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e o Diagnóstico socioeconômico da pesca artesanal do litoral de Pernambuco (2010), do Instituto Oceanário de Pernambuco – Universidade Federal Rural do Pernambuco (UFRPE) serviram de apoio para a realização do questionário semiestruturado. No entanto, priorizaram-se quatro vertentes conforme os objetivos da pesquisa: perfil socioeconômico, atividade econômica, tecnologia (artes da pesca) e organização solidária dos pescadores artesanais.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 Utilizou-se a observação como instrumento de pesquisa, uma das técnicas mais representativas do enfoque etnográfico, com objetivo de recolher informações, do contexto histórico, sociocultural e natural do lugar onde ocorreram os acontecimentos da análise. Foram observados acontecimentos com registros, coletadas informações e elaboradas conclusões. No estudo, foi utilizada a observação participante de forma sistemática, individual e trabalho em campo (LAKATOS; MARCONI, 2003). O trabalho em campo no município de Cajueiro da Praia (PI) se deu por observação sistemática, pois se coletou os dados dos indivíduos pesquisados de forma planejada, assim como se registrou os fenômenos observados durante o processo de aplicação dos questionários. A pesquisa realizou a observação individual, o que pode causar distorções em função de estar envolvido com o objeto de estudo e com outros instrumentos de pesquisa. Além disso, fez uso da observação de forma artificial, ou seja, integrando-se aos pescadores e comunidade para obter as informações locais.

Questionando os pescadores se eles gostariam que seus filhos ou netos seguissem a mesma profissão. Dos pescadores entrevistados, 81% disseram não querer que seus filhos ou netos seguissem sua profissão. Entre eles, alguns deram como justificativa o fato de terem apenas filhas, o que mostra que o ofício na visão deles é exclusivamente masculino. Outra justificativa foi a deque a atividade pesqueira não está mais possibilitando às famílias uma vida digna financeiramente, assim como observado por Nascimento & Sassi (2007) que destacam que “as dificuldades listadas pelos pescadores (...) de Cajueiro da Praia estão ligadas a causas naturais (...), e a situação socioeconômica, como pouca circulação de dinheiro, peixe barato, entre outros.” (p. 147).

O resultado de 81% não foi surpreendente, já que se percebe evasão dos jovens na atividade pesqueira, provavelmente instigados pelos pais a seguir outras profissões. Santos & Sampaio (2013) justificam essa evasão em relação às políticas públicas federais de inclusão social do país “e também ao cumprimento da legislação brasileira5, que está punindo os pais

ou responsáveis pela negligência na educação dos filhos” (p. 517).

Alguns pescadores comentaram a presença do Juizado da Infância e Juventude do município nas praias para constatar se as crianças estavam trabalhando, inclusive na execução deste trabalho os pesquisadores e colaboradores foram confundidos como se trabalhassem nesse órgão. Santos et al. (2011) relatam que 100% dos pescadores entrevistados em Raposa (MA) responderam não querer que seus filhos seguissem a mesma profissão. Esse resultado

5 Art. 246 do Código Penal - Decreto Lei 2.848/40; Art. 22 e 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente -

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 se constata em outros estudos de outras regiões (SANTOS et al., 2005; SANTOS; SAMPAIO, 2013), assim como se torna evidente que “os componentes culturais contidos na comunidade estão deixando de ser transmitido para as novas gerações” (SANTOS; SAMPAIO, 2013, p.517). Este fato pode estar associado a falta de políticas públicas que possam garantir as novas gerações condições de preservação de sua cultura sem que isso possa comprometer sua renda, dentre outras condições que a vida exige, fazendo com que as novas gerações tenham que buscar em outras localidades melhores condições de vida.

Nas nossas observações foi possível notar que a casa do pescador geralmente é simples, sendo 85% das casas construídas de alvenaria e o teto de telha de cerâmica e somente 15% dos entrevistados possuem a casa de taipa e teto de telha. Dos entrevistados, 88% possuem casa própria, enquanto que os 12% adquiriram sua casa por meio de herança. Além disso, o piso da casa é revestido de piso morto (cimento) (50%) ou de cerâmica (azulejo) (50%). Esses resultados assemelham-se com os de outros estudos (SANTOS et al. 2005; GARCEZ; SÁNCHEZ-BOTERO, 2005; SANTOS; SAMPAIO, 2013; SOUZA; NEUMANN LEITÃO, 2000; NISHIDA et al., 2008).

O município não dispõe de água encanada equânime para sua população. Devido a essa realidade, 50% dos pescadores possuem poço artesiano em suas casas e relataram que a água encanada “quando chega não é boa”, pois vem com aspecto barrento (escura e de cor marrom). Os outros 50% dependem da água distribuída pelo serviço público e dos poços que a região dispõe, assim como retratado por Macedo (2011): O sistema (de tratamento de água) em Cajueiro da Praia é extremamente precário. Existem seis poços e, no entanto, apenas um funciona: um poço do tipo cacimbão muito raso (...). A água é bombeada do poço diretamente na adutora, sem qualquer tratamento (MACEDO, 2011, p. 122).

A autora ainda relata que o Plano Diretor do Município de 2008 expõe que a sede do município e a comunidade de Barra Grande, esta desde 2001, tem disponibilidade da rede pública de abastecimento gerida pela empresa de Águas e Esgotos do Piauí S/A (AGESPISA). Os pescadores entrevistados acrescentaram que é necessário deixar a água “de repouso”, para que haja a sedimentação e assim possam usá-la.

Além da distribuição de água em rede pública, o saneamento básico é outro importante fator de condições sanitárias. Porém, 92% dos entrevistados relataram não possuir encanamento para tratamento do esgoto e todos possuem uma fossa no quintal de casa, construída na maioria das vezes por eles mesmos. Os outros 8%, não possuem fossa e os dejetos residenciais são eliminados sem nenhum tipo de cuidado. Dessa forma, é provável que

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 os poços artesianos construídos para fornecimento de água estejam contaminados, com chances de causar doenças como amebíase, cólera, doenças diarreicas agudas, febre tifoide, giardíase, hepatite A, entre outras.6

No que concerne ao lixo doméstico, 88,5% relataram ter a coleta de lixo realizado pela prefeitura. Os outros 11,5% possuem duas alternativas: enterram ou queimam o lixo, pois o “carro do lixo não vem até aqui”, como retratado por alguns moradores. Essas formas de descarte do lixo também foram relatadas por outros estudos desenvolvidos no município (NASCIMENTO; SASSI, 2007; CARVALHO, 2010; MACEDO, 2011).

Em relação ao quesito de maior dispêndio na renda mensal, foi pedido para que os entrevistados colocassem em ordem de prioridade: alimentação, compra de materiais para a pesca, manutenção dos materiais utilizados na pesca, pagamento de contas (energia, água, telefone etc.), compra de roupas e sapatos e com a saúde (compra de medicamentos, pagamento de consultas etc.)

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No município de Cajueiro da Praia (PI) a atividade da pesca artesanal é exercida quase que exclusivamente por homens, de baixa escolaridade, baixa renda e pouca articulação. A atividade é composta por mão de obra familiar, de baixa produtividade e individualista. Essas características são responsáveis pela atual situação da atividade pesqueira no município, pois se pode inferir que um dos motivos da baixa produtividade e consequente “atraso” tecnológico é a fragilidade da organização social dos pescadores. Um exemplo é a inoperância da fábrica de gelo na comunidade de Barra Grande de aproximadamente 3 anos. No decorrer do estudo, percebe-se a importância do gelo produzido na fábrica para a conservação do pescado.

É importante destacar que a baixa escolaridade causa retração dos pescadores na participação social, sendo notada em vários outros estudos. Essa característica das comunidades tradicionais que vivem da pesca artesanal é um gargalo que causa o enfraquecimento da cadeia produtiva, pois muitos pescadores não sabem ou não têm interesse em exigir por seus direitos. Assim a cadeia produtiva da pesca, que envolve o manejo do pescado, armazenamento, transporte e comercialização precisa de articulações estruturadas para a melhoria do desenvolvimento profissional e local.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n.4,p.18594-18606 apr. 2020. ISSN 2525-8761 É importante destacar que os profissionais da pesca artesanal fazem e mantêm o seu próprio apetrecho de pesca. Karl Marx em seu clássico “O Capital” prescreve uma linha histórica e evolutiva que se inicia no artesanato até a grande indústria manufatureira do século XIX. Para Marx, o artesão é dono de um ofício, que produz todas as etapas da produção, sem divisão do trabalho e sem assalariados, produzindo um produto único e individual (DIEGUES, 1973). No raciocínio de Marx, percebe-se o pescador artesanal, dono do seu próprio meio de produção e com mão de obra familiar.

A Universidade tem um importante papel neste fortalecimento, na medida em que oferece os pilares de Ensino, Pesquisa e Extensão. A extensão se destaca nesse âmbito por ser uma prática acadêmica que interliga a universidade em suas atividades de ensino e pesquisa com as demandas da sociedade, sendo, portanto, um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social (RENEX, 2005). Assim, é importante que projetos de extensão da Universidade sejam construídos em conjunto com a comunidade para que desperte o espírito empreendedor e organizacional dos pescadores, além de perpetuar um novo olhar dos jovens locais para a pesca artesanal.

REFERÊNCIAS

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sustentável do turismo no município de Cajueiro da Praia (PI), 2010. 164f. Dissertação

(mestrado) – Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Piauí (PRODEMA/UFPI/TROPEN), Teresina, 2010.

CODEVASF. Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da Bacia do Parnaíba,

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Referências

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