• Nenhum resultado encontrado

HERVIEU-LÉGER, D. O PEREGRINO E O CONVERTIDO: A RELIGIÃO EM MOVIMENTO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "HERVIEU-LÉGER, D. O PEREGRINO E O CONVERTIDO: A RELIGIÃO EM MOVIMENTO"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. 2. ed.

Petrópolis: Vozes, 2015. APRESENTAÇÃO DA OBRA

A

obra O peregrino e o convertido foi publicada originalmente em 1999, pela so-cióloga francesa Danièle Hervieu-Léger, presidente da École de Hautes Études em Sciences Sociales (Paris) e diretora da revista Archives des Sciences Sociales des Religions. A autora analisa os “processos de construção e transmissão das identidades religiosas na Modernidade” (p. 22). Tem como objetivo explicitar “o processo de recomposição do imaginário religioso num tempo marcado pela crise das instituições tradicionais e de sua gestão da `memória autorizada´” (p. 24), sobretudo na pós-modernidade.

Para a autora, as características, dentre outras, que demarcam o panorama religioso atu-al, são: a disjunção das crenças e das pertenças confessionais, a diversificação das trajetórias percorridas por crentes passeadores, a desregulação institucio-nal da religiosidade e a disseminação de novas formas de expressão religiosa (que se apresenta com inédito sincretismo).

Carolina Teles Lemos**, Wolmir Terezio Amado***

–––––––––––––––––

* Recebido em: 05.05.2019. Aprovado em: 22.05.2020.

** Doutora em Ciências Sociais e da Religião (UMESP). Mestre em Ciências da Religião (UMESP). Graduação em Pedagogia e Psicologia (PUC Goiás). Professora titular no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião da Pontifícia Uni-versidade Católica de Goiás. E-mail: cteleslemos@uol.com.br

*** Mestre em História (UFG). Professor adjunto e Reitor da PUC Goiás. E-mail: wolmir@ pucgoias.edu

R

E

S

E

N

H

A

HERVIEU-LÉGER, D.

O PEREGRINO E O

CONVERTIDO: A RELIGIÃO

EM MOVIMENTO*

(2)

Sobre a possibilidade de que seja possível um diálogo profícuo entre religião e pós-modernidade, Brandão (2016), afirma que existem duas correntes de autores que discutem o tema: aqueles que excluem o discurso religioso, tais como Baudrillard e Lyotard; e os que defendem a religião na pós-modernidade, a exemplo de Jaques Derrida, Gianni Vattimo e Eugênio Trias.

O livro está organizado em seis capítulos: religião despedaçada; o fim das identidades religiosas herdadas; a emergência de um novo personagem histórico, o pere-grino, uma figura religiosa em movimento; a figura do convertido; as comu-nidades sob o regime do individualismo religioso; as instituições em crise e a laicidade em pane.

TEMAS DE DESTAQUE DA AUTORA

Sobre a Sociologia da Religião, a autora afirma que o interesse pelo tema surgiu a

partir de 1930, com o “desmoronamento da civilização paroquial”, (p. 19), com Gabriel Le Bras (1931), e se expandiu após a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, os estudos e análises ainda “reduziam” a religião ao fenômeno de sua expulsão das sociedades modernas. O secularismo parecia ser a única abordagem científica possível para analisar a crise do catolicismo. Foi no final da década de 1960 e começo de 1970, que os pesquisadores e as abordagens da sociologia religiosa, movidos pela eclosão ou rejuvenescimento da religião, começaram a “reavaliar e a reformular o modelo da incompatibilidade e da exclusão mútua que governava até então a análise das relações entre religião e modernidade” (p. 20). Houve, então, uma migração do enfoque de “desencan-tamento racional” para aquele de análise sobre “o processo de decomposição e de recomposição das crenças”. Através da temática da `bricolagem´, da `bra-conagem´ e outras ´colagens´, avança-se progressivamente rumo a uma des-crição extensiva da paisagem moderna das crenças” (p. 22). A autora termina esse tópico afirmando que, na Alta Modernidade, emerge uma “religiosidade flutuante” mas, também, já não circunscrita ao âmbito privado; “a religião está em toda a parte”, sem institucionalidade. É uma religião “a la carte”, que escolhe o menu de crenças que os fiéis desejam crer e praticar segundo suas próprias conveniências e necessidades.

Refletindo sobre a mesma temática da pós-modernidade, Brandão (2016) afirma que as instituições religiosas – “representações oficiais” – na pós-modernidade, perdem sua hegemonia em deliberar no campo da política, da cultura, da ética, enfim, das instâncias reguladoras do cotidiano, uma vez que perdem o poder de dotar de significado o mundo moderno. E Bauman (2013, p. 222-223) afir-ma que: “[...] A incerteza de estilo pós-moderno não gera a procura da religião [...]. As pressões culturais pós-modernas, enquanto intensificam a busca de

(3)

‘experiências máximas’ ao mesmo tempo as desligaram dos interesses e preo-cupações propensos à religião [...]”.

Outro aspecto que despertou a atenção da autora foi o fenômeno da bricolagem de

crenças que parecia não anular a tradição religiosa, transmitida aos crentes de sucessivas gerações. Para ela, a “memória autorizada” da tradição cumpre, assim, a sua função de instituir, organizar, preservar e reproduzir a crença. Essa tradição chega à pós-modernidade e nela é ativada, reativada, inventada e reinventada num novo “imaginário religioso de continuidade” (p. 27). E o pa-norama religioso pós-moderno “é marcado pela difusão do crer individualista, pela disjunção das crenças e das pertenças confessionais e pela diversificação das trajetórias percorridas por `crentes passeadores´” (p. 28). Mas esse plu-ralismo não implica, necessariamente, no enfraquecimento da vida religiosa comunitária.

Para a autora, três grandes características delineiam a modernidade. A primeira é o

imperativo da racionalidade, sobretudo da razão científica, com a exigência de explicações do mundo mediante o vínculo entre causa e efeito. Dela é decor-rente a ascensão pela via do mérito, conquistado pela “própria competência, adquirida pela educação e a formação e não como herança ou por atributos pessoais” (p. 31).

A segunda característica da modernidade é a “autonomia do indivíduo-sujeito”, capaz de `fazer´ o mundo no qual ele vive e construir ele mesmo as significações que dão sentido à sua própria existência” (p. 32). A terceira característica da moder-nidade ocorre com a “diferenciação das instituições”, nos diferentes “domí-nios da vida social”. “Nestas sociedades, o político e o religioso se separam; o aspecto econômico e o doméstico se dissociam; a arte, a ciência, a moral, a cultura constituem igualmente registros distintos nos quais os homens reali-zam a sua capacidade criativa” (p. 33).

Nas sociedades laicizadas ocorre uma certa emancipação (ou distanciamento?) das

normas da instituição religiosa. “A religião deixa de fornecer aos indivíduos e grupos o conjunto de referências, normas e símbolos que lhes permitem dar um sentido à sua vida e a suas experiências” (p. 34). Ocorre, então, uma sepa-ração entre o público e o privado, o sujeito e objeto, a consciência e mundo; e a crença passa a depender da consciência individual, como opção pessoal. O paradoxal nisso é que a laicização não ocorreu como uma ruptura; foi o conceito de consciência, desenvolvido pelo judaísmo e pelo cristianismo, que suscitou, em parte, a noção de autonomia e, consequentemente, desencadeou a laicização sóciocultural.

Quatro proposições fundamentam a afirmação que “o universo religioso tradicional constituiu as sociedades seculares” (p. 36). A primeira proposição é que as

(4)

sobre-tudo dos escombros do Antigo Regime e pelos embates com o iluminismo anticlerical. A segunda proposição é que “a maneira que a Modernidade en-controu para pensar a história continuou dentro da visão religiosa da qual ela se afastou para conquistar a sua autonomia” (p. 38). A terceira proposição é que a Modernidade reproduz a utopia religiosa do “já” e do “ainda não”, a incorporação escatológica do “estado permanente de antecipação”, do pro-gresso infinito para chegar a algo mais, da inovação para chegar a um ideal de perfeição, da realização histórica dos sonhos almejados. A quarta proposição (decorrente da terceira) é que a Modernidade se alimenta de uma “aspiração utópica”, continuamente reaberta e acelerada para “conhecer sempre mais, comunicar-se sempre mais e sempre mais depressa” (p. 39).

Para a autora, é do coração da Modernidade que “emergem as novas representações do sagrado ou novas apropriações das tradições das religiões históricas” (p. 40), suscitadas pela ânsia do progresso infinito e pela crise dos vazios sociais e culturais, acompanhados pelos desiquilíbrios econômicos, sociais e políticos. Assim, a Modernidade desestrutura os sistemas de crenças e suscita o surgi-mento de novas crenças. A secularização, então, “não é, acima de tudo, a perda da religião no mundo moderno. É o conjunto dos processos de reconfiguração das crenças que se produzem em uma sociedade [...]” (p. 41).

Nesse sentido, segundo Bauman (2013, p. 226; 228-229), a reconfiguração das crenças próprias da pós-modernidade é o fundamentalismo, por ser “[...] uma forma especificamente moderna de religião, nascida das contradições internas da vida pós-moderna [...]”. Advindo das alegrias e tormentas, dos empreendi-mentos e das inquietações pós-modernas, o fundamentalismo religioso publi-cita a ansiedade e a premonição normais à condição da pós-modernidade, ele é uma solução totalitária para os que se deparam com a liberdade individual, que lhe é excessiva e insuportável.

Destaca a autora que o fenômeno do secularismo não é um indiferentismo religioso. Ao contrário, verifica-se uma “proliferação incontrolada das crenças”, que foge ao controle das igrejas e instituições religiosas. Há uma “tendência geral à indivi-duação e à subjetivação das crenças religiosas” que afeta as “formas da expe-riência, da expressão e da sociabilidade religiosa” (p. 42). São cristãos “à sua maneira”, que revelam a passagem de uma “religião instituída” a uma “religião recomposta”, com crenças emprestadas, remanejadas e combinadas e com uma acentuada individualização, relativização e pragmatismo. Um dos exemplos mais contundentes dessa bricolagem é o tema da reencarnação, assimilado di-fusamente nas grandes religiões e, também, nas correntes esotéricas, espíritas, teosóficas e antroposóficas do Ocidente. No entanto, a bricolagem se diferencia de acordo com as classes, os ambientes sociais, o sexo, as gerações” (p. 47). Há, pois, duas tendências: de um lado, as crenças tradicionais são submetidas a

(5)

“metamorfização e à “intelectualização” para ter credibilidade cultural; de outro lado, ocorre a “dessimbologização das crenças”. O caso mais emblemático é a crença no diabo: as instituições religiosas o ressignificam e muitos dos fenôme-nos, antes atribuídos ao diabo, são transferidos para a paranormalidade ou para a psiquiatria; os indivíduos, porém, à revelia das instituições religiosas, reafirmam para si a crença nas forças demoníacas. “[...] A experiência cotidiana que os in-divíduos fazem da complexidade de um mundo em que eles não encontram mais suas referências” (p. 49) os leva a acreditar na intervenção cotidiana do diabo, em seu poder de manipular e possuir as pessoas.

Falando sobre a desregulação da religião, afirma a autora que “as crenças se

dissemi-nam. Conformam-se cada vez menos aos modelos estabelecidos. Comandam cada vez menos as práticas controladas pelas instituições” (p. 50). É crescente a dissociação entre identidade confessional, conteúdo da fé e pertença eclesial. Ocorre, então, em desencaixe entre crença, pertença e referência identitária. E firma-se o “crer sem pertencer e o pertencer sem crer”.

Sobre esse aspecto, afirma Martin (1996, p. 33-34), que, com a pós-modernidade, a re-ligião, ou ao menos suas representações institucionais, tornou-se coadjuvante no debate sobre temas relevantes, como: ecologia, bioética etc.

Nesse contexto, destaca a autora, na outra face da Modernidade, o pluralismo por

ela suscitado pede a reafirmação das identidades, dos símbolos (emblemas identitários) e da organização comunitária, para que os indivíduos minimizem “os efeitos da desestabilização psicológica e do aniquilamento dos vínculos sociais que dela decorrem” (p. 55).

Sobre esse aspecto, afirma Pierucci (1997), a humanidade prossegue vivendo dimensões religiosas, cada vez mais particulares e subjetivas, tendo como referência a pró-pria lógica da modernidade – a autonomia racional –, só que, dessa vez, com um novo incremento que é a autonomia emocional, compondo seu próprio mundo, sua realidade. A religião não mais ordena a realidade de forma totalizante, contu-do, continua influenciando a vida sociocultural e escolhas dos indivíduos.

Referências

BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. BRANDÃO, S. H. Religião na Pós-Modernidade. História e sociedade, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 56-72, jan./jun. 2016.

MARTIN, D. Remise en question de la théorie de la sécularisation. Paris: La Décou-verte, 1996.

PIERUCCI, A. F. Reencantamento e dessecularização: A propósito do autoengano em sociologia da religião. Revista Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v. 1, n. 49, p. 99-117, 1997.

Referências

Documentos relacionados

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi

Segundos os dados analisados, os artigos sobre Contabilidade e Mercado de Capital, Educação e Pesquisa Contábil, Contabilidade Gerencial e Contabilidade Socioambiental

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

O presente artigo se propôs a estabelecer as bases fundamentais do Direito & Literatura e, a partir delas, examinar relevantes aspectos da obra literária “1984” de

Foram consideradas como infecção relacionada ao CVC os pacientes que apresentavam sinais locais de infecção (secreção purulenta e/ou hiperemia) e/ou hemocultura

Período Unidade de Ensino Professor aplicador Dia Horário Sala.. Filosofia do

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, O conhecimento da história dos conceitos matemáticos precisa fazer parte da formação dos professores para que tenham elementos