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Programas de socialização para cachorros: uma só saúde

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Academic year: 2021

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Programas de Socialização para Cachorros:

Uma Só Saúde

Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária

Inês Isabel Nunes Coelho

Orientador: Professora Dra. Ana Cláudia Correia Coelho Co-orientador: Professor Dr. David Orlando Ferreira

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Programas de Socialização para Cachorros:

Uma Só Saúde

Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária

Inês Isabel Nunes Coelho

Orientador: Professora Dra. Ana Cláudia Correia Coelho Co-orientador: Professor Dr. David Orlando Ferreira

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I

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II A ti, Cuca, a guerreira.

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III

AGRADECIMENTOS Professora Dra. Ana Cláudia Coelho

Professor. Dr. David Orlando Ferreira Dr. Nuno Paixão

Dr. Julie Albright Dra. Alexandra Seixas

Equipa do Hospital Veterinário Central

All team from The University of Tennessee, Veterinary Teaching Hospital Equipa do Hospital Veterinário EDENVET

Todos os Hospitais e Clínicas colaboradores neste estudo Todos os professores, amigos e colegas de curso

Prof. Dario Santos AEMV-UTAD ANEMVet

Ana Bárbara Soares Ana Balola

Ana Filipa Neves Ana Raquel Cruzeiro Ana Rita Neves Ana Sofia Pires Andreia Carvalho Ângela Eleutério Carlos Ramos Diana Rodrigues Emanuel Veríssimo Filipa Silva Joana Fradinho Joana Marcelino

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IV Joana Silva

Luís Silva Márcia Carvalho Maria Susana Costa Miguel Quaresma Mike D. Sara Alves Sara Melo Teresa Lage Família Coelho

Família Nunes Ferreira Família Maia Nunes Família Milho

Família Osório e Silva Família Rodrigues Carlos Milho Pedro Coelho Carlos Coelho Isabel Coelho Ester Gramaço

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V RESUMO

A medicina comportamental de animais de companhia tem vindo a sofrer uma enorme evolução ao longo dos últimos anos, nomeadamente no que concerne o desenvolvimento comportamental do cachorro e os seus programas de socialização. Paralelamente, também a área da saúde pública tem experienciado enormes desenvolvimentos na tentativa constante de responder às diferentes ameaças e riscos, baseando-se na premissa de que a saúde humana está inextricavelmente ligada à saúde animal.

Em dezembro de 2012 foi realizada uma Puppy Party no seguimento do estágio curricular no Hospital Veterinário Central. Após profunda pesquisa bibliográfica, avaliaram-se as inconformidades deste projeto e elaborou-avaliaram-se um novo programa de socialização – Aulas de Socialização para Cachorros – de modo a alcançar o maior impacto possível tanto no cachorro (saúde animal) como no proprietário (saúde pública).

Paralelamente avaliaram-se os conhecimentos dos proprietários de cães frequentadores de Clínicas e Hospitais Veterinários do distrito de Setúbal acerca dos cuidados de saúde e a importância da socialização nos primeiros meses de vida do cachorro.

Assim, este estudo pretendeu: por um lado avaliar as falhas existentes na passagem de informação aos clientes, relacionando-as com a sugestão de plataformas que possam colmatar estas mesmas falhas, tornando a educação do proprietário mais eficaz. Isto porque a educação é mais uma oportunidade que os Médicos Veterinários têm para contribuir ativamente para a promoção da saúde pública, incentivando a diminuição dos problemas comportamentais, a diminuição do abandono dos animais, a diminuição das eutanásias relacionadas com este dois últimos pontos, um melhor saneamento da via pública e melhores cuidados de saúde do cão; por outro lado desenhar estruturas programáticas que permitam proporcionar aos cachorros entre as 8 e as 16 semanas de idade, um adequado período de socialização proporcionando diferentes estímulos táteis, visuais e sonoros bem como o contacto social com a mesma espécie e com espécies diferentes.

De facto, as Aulas de Socialização para Cachorros podem atuar beneficamente tanto no cachorro, como no ser humano (proprietários e equipa clínica), como no meio ambiente, ou seja, no triângulo One Health.

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VI ABSTRACT

Behavioural medicine for companion animals has been evolving immensely throughout the last years, especially in what concerns the puppy’s behavioural development and its socialisation programmes. The public health field has also been subject to large developments in a constant attempt to respond to different threats and risks, based on the principle that human health is inextricably linked to animal health.

In December 2012, a Puppy Party took place as part of the academic internship in the Hospital Veterinário Central (Central Veterinary Hospital). After an intense bibliographical research, the shortcomings were assessed, providing the foundation to a new socialisation programme – Puppy Classes – so that its impact could be optimised for the puppy (animal health) and for the owner (public health).

The dog owners that attended Clinics and Veterinary Hospitals within the County of Setúbal were also assessed accordingly, in order to understand their knowledge about healthcare and the importance of socialisation during the puppies’ first months of life.

Therefore, this study aimed to examine the ruptures in the information process directed to customers, trying to find ways to overcome them by suggesting information platforms that would teach the owners in a more efficient way. Educating and teaching are important opportunities for a Veterinary Physician to actively endorse public health, contributing to a decrease in behavioural problems, a decrease in animal abandonment, a decrease in euthanasia related to these two situations, a better street sanitation and a general better healthcare for dogs. On the other hand, this study also aimed to design programme structures that would allow puppies (with ages within 8 and 16 weeks) to engage in an adequate socialisation period, offering different tactile, visual and auditory stimuli, as well as contact with the same and different species.

Socialisation Classes for Dogs are indeed beneficial to puppies, to humans (owners and clinicians) and to the environment – therefore, they are beneficial to the One Health triangle.

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VII

ÍNDICE GERAL

INTRODUÇÃO ... 1

I. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ... 3

1. A RELAÇÃO DO SER HUMANO COM O CÃO E SEUS BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE PÚBLICA ... 3

1.1. ASPETOS EMOCIONAIS E SOCIAIS ... 5

1.2. EXERCÍCIO FÍSICO ... 7

1.3. SAÚDE ... 8

2. DESENVOLVIMENTO COMPORTAMENTAL CANINO ... 11

3. EFEITOS DA NÃO SOCIALIZAÇÃO ... 13

3.1. AGRESSÃO ... 15

3.2. O ABANDONO DOS ANIMAIS ... 17

4. ONE HEALTH ... 19

5. AULAS DE SOCIALIZAÇÃO PARA CACHORROS E PUPPY PARTIES ... 22

II. OBJETIVOS ... 27

III. CONHECIMENTOS DOS PROPRIETÁRIOS DE CÃES SOBRE A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE E DA SOCIALIZAÇÃO DO CACHORRO ... 29

1. MATERIAL E MÉTODOS ... 29

1.1. TIPO DE ESTUDO ... 29

1.2. ÁREA GEOGRÁFICA EM ESTUDO ... 29

1.3. CLÍNICAS E HOSPITAIS VETERINÁRIOS EM ESTUDO ... 30

1.4. POPULAÇÃO E AMOSTRA EM ESTUDO ... 31

1.4.1. POPULAÇÃO ... 31

1.4.2. TIPO DE AMOSTRA ... 31

1.4.3. CÁLCULO DO NÚMERO DE UNIDADES DE AMOSTRAGEM ... 31

1.5. FONTES DE RECOLHA DE DADOS ... 31

1.5.1. ESTRUTURA DO QUESTIONÁRIO ... 32

(11)

VIII

1.7. ASPETOS ÉTICOS E LEGAIS ... 34

1.8. ANÁLISE DE DADOS ... 34

2. RESULTADOS ... 34

3. DISCUSSÃO DOS MÉTODOS ... 38

IV. DOIS PROGRAMAS DE SOCIALIZAÇÃO PARA CACHORROS- DESENHOS DESCRITIVOS ... 41

1. MATERIAL E MÉTODOS ... 41

2. DESENHOS DESCRITIVOS ... 41

2.1. PROJETO PUPPY PARTY ... 41

2.1.1. ASPETOS GERAIS ... 41

2.1.2. ESPAÇO FÍSICO E MATERIAL NECESSÁRIO ... 43

2.1.3. HORÁRIO ... 44

2.1.4. REGRAS ... 44

2.1.5. PUBLICIDADE ... 45

2.1.6. INSCRIÇÃO ... 45

2.1.7. CUSTOS ... 45

2.2. PROJETO AULAS DE SOCIALIZAÇÃO PARA CACHORROS ... 45

2.2.1. ASPETOS GERAIS ... 45

2.2.2. ESPAÇO FÍSICO E MATERIAL NECESSÁRIO ... 46

2.2.3. HORÁRIO E CALENDÁRIO DE AULAS... 48

2.2.3.1. PRIMEIRA AULA – APRESENTAÇÃO E EDUCAÇÃO ... 49

2.2.3.2. AULAS 2, 3 E 4 ... 50

2.2.3.3. ÚLTIMA AULA – FESTA DE FINALISTAS ... 51

2.2.4. REGRAS ... 51

2.2.5. LIVRO DO CACHORRO ... 52

2.2.6. VENDA DE PRODUTOS DURANTE AS AULAS ... 52

2.2.7. PUBLICIDADE ... 52

(12)

IX

2.2.9. FORMAÇÃO ... 53

2.2.10. CUSTOS ... 53

2.2.11. AVALIAÇÃO DAS AULAS DE SOCIALIZAÇÃO E FOLLOW-UP ... 53

2.2.12. ADAPTAÇÕES ... 54

V. DISCUSSÃO... 61

VI. CONCLUSÃO ... 73

BIBLIOGRAFIA ... 75 ANEXOS ... XIV ANEXO I – PEDIDO DE COLABORAÇÃO DIRIGIDO AO DIRETOR (A) CLÍNICO (A) ... XIV ANEXO II – QUESTIONÁRIO ELABORADO PARA RECOLHA DE INFORMAÇÃO ... XV ANEXO III – FOTOGRAFIAS DOS COLABORADORES E CÃES ADULTOS NA PUPPY

PARTY, DEZEMBRO 2012 ... XVIII

ANEXO IV – DIPLOMA DE PARTICIPAÇÃO NA PUPPY PARTY ... XIX ANEXO V – FOTOGRAFIAS RECOLHIDAS DURANTE A PUPPY PARTY, DEZEMBRO 2012 ... XX ANEXO VI – FOTOGRAFIAS DA ESCOLA DE TREINO CHATUSKA DOG SCHOOL ... XXIV ANEXO VII – PANFLETO PUBLICITÁRIO À REALIZAÇÃO DA PUPPY PARTY ... XXVI ANEXO VIII – FOTOGRAFIAS DO CHATUSKA PET HOTEL ... XXVII ANEXO IX – LIVRO DO CACHORRO: CUIDE DO SEU CACHORRO, CUIDE COM PAIXÃO ... XXXI

(13)

X

ÍNDICE DE FIGURAS, TABELAS e QUADROS

Figura 1- Gráfico de colunas ilustrativo do número de instituições que aceitaram colaborar

no estudo ... 30

Figura 2- Gráfico de colunas representativo do número de questionários preenchidos, não preenchidos, válidos, não válidos, auto-preenchidos e hetero-preenchidos ... 33

Figura 3- Gráfico circular relativo aos resultados sobre a idade de chegada do cachorro ao lar do proprietário ... 35

Figura 4- Gráfico circular referente aos resultados sobre a idade adequada ao inicio da vacinação num cachorro ... 36

Figura 5- Ilustração dos itens considerados obrigatórios, aconselháveis e opcionais para o tópico: espaço físico e material ... 55

Figura 6- Ilustração dos itens considerados obrigatórios, aconselháveis e opcionais para o tópico: horário e calendário de aulas ... 56

Figura 7- Ilustração dos itens considerados obrigatórios, aconselháveis e opcionais para o tópico: regras ... 57

Figura 8- Ilustração dos itens considerados obrigatórios, aconselháveis e opcionais para o tópico: livro do cachorro, venda de produtos, publicidade, inscrição, formação, custos, avaliação e follow-up ... 58

Figura 9- Colaboradoras do Chatuska Pet Hotel fantasiadas, bem como um cão adulto XVIII Figura 10- Colaboradora do Chatuska Pet Hotel fantasiada, bem como um cão adulto .. XVIII Figura 11- Diploma de participação na Puppy Party ... xix

Figura 12- Cachorro C e proprietários ... XX Figura 13- Cachorro D e proprietários ... xx

Figura 14- Puppy Party, 16 dezembro 2012 ... xx

Figura 15- Cachorro B e proprietário ... xxi

Figura 16- Cachorro F e proprietária ... XXI Figura 17- Interação social entre o cachorro B e o cachorro C ... xxi

Figura 18- Interação social entre o cachorro B e o cachorro C ... xxi

Figura 19- Interação social entre o cachorro B e o cachorro C ... xxi

Figura 20- Interação social entre o cachorro B e o cachorro C ... xxi

Figura 21- Cachorro A e proprietária ...xxii Figura 22- Cachorro A e fotógrafo ... XXII

(14)

XI

Figura 23- Cachorro H e proprietária ...xxii

Figura 24- Cachorro B sendo manipulado por humano não familiar ...xxii

Figura 25- Momento de entrega dos diplomas de participação ... xxiii

Figura 26- Escola de treino Chatuska Dog School ...xxiv

Figura 27- Escola de treino Chatuska Dog School ... xxv

Figura 28- Escola de treino Chatuska Dog School ... xxv

Figura 29- Panfleto publicitário ...xxvi

Figura 30- Panfleto publicitário ...xxvi

Figura 31- Mapa interior do Chatuska Pet Hotel ... xxvii

Figura 32- Mapa interior do Chatuska Pet Hotel ... xxvii

Figura 33- Mapa exterior do Chatuska Pet Hotel ... xxviii

Figura 34- Mapa exterior do Chatuska Pet Hotel ... xxviii

Figura 35- Mapa exterior do Chatuska Pet Hotel ...xxix

Figura 36- Mapa exterior do Chatuska Pet Hotel ...xxix

Figura 37- Mapa interior do Chatuska Pet Hotel ... xxx

Figura 38- Mapa interior do Chatuska Pet Hotel ... xxx

Quadro 1- Frequência das doenças indicadas ... 35

Quadro 2- Médias do grau de importância (0 a 5) atribuída aos cuidados nos 3 primieros meses de vida de um cachorro ... 37

Quadro 3- Resumo das características (sexo, idade, raça e porte) dos cachorros participantes na Puppy Party ... 42

Quadro 4- Comportamentos dos cachorros que participaram na Puppy Party ... 43

Quadro 5- Horário para as aulas 1, 2, 3 e 4 ... 49

Quadro 6- Horário para a última aula ... 49

Quadro 7- Sugestões para os itens opcionais ... 59

Quadro 8- Resumo dos estímulos proporcionados na Puppy Party e aqueles propostos para as aulas de socialização para cachorros ... 68

(15)

XII

Tabela 1- Distribuição geográfica das clínicas e hospitais veterinários que participaram no presente estudo... 29

(16)

XIII

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS, SIMBOLOS E ACRÓNIMOS

% - Percentagem

 - Símbolo de marca registada

ASC – Aulas de socialização para cachorros PP – Puppy Party

(17)

1

INTRODUÇÃO

Socialização s. f. 1 Ato ou efeito de socializar. 2 Desenvolvimento do sentimento coletivo da solidariedade social e do espirito de cooperação nos indivíduos associados 3 Processo de integração mais intensa dos indivíduos no grupo (Texto Editores, 2009).

Socializar v. tr. 1 Tornar social. 2 Colocar sob o regime de sociedade ou associação 3 Aplicar os princípios do socialismo (Texto Editores, 2009).

O cão deriva de uma espécie selvagem embora extremamente social e facilmente reconhecida como tal, o lobo (Kleiman e Eisenberg, 1973; Overall, 1997). Ambos partilham o mesmo sistema social, i.e., a hierarquia por dominância. A essência deste sistema é reduzir os conflitos físicos entre os membros da matilha através da aplicação constante de regras que dividem os privilégios e recursos como, por exemplo, o alimento (Mugford, 1990). Atualmente, no entanto, os cães de companhia vivem num grupo social composto não só por indivíduos da mesma espécie, mas também pela sua família humana e até, eventualmente, por outras espécies animais não humanas, como os gatos (Seksel, 2010). Este fator de interação entre espécies aumenta a complexidade do processo de relações sociais do cão. Desde o comportamento sexual ao comportamento de predação, desde a marcação com urina ao mútuo grooming, as subtilezas do dia-a-dia de um cão são baseadas em relações sociais (Beaver, 2009a), por isso proprietários e criadores devem estar conscientes e informados sobre o desenvolvimento do cachorro, a influência do ambiente sobre este, assim como acerca das boas práticas de criação, de modo a alcançar o comportamento e relações sociais normais de um cão adulto (Mugford, 1990). Por outro lado, uma clínica/hospital veterinário pode oferecer um variado número de serviços que ajudam a fortalecer o elo entre o animal e o seu proprietário (Beaver, 2009b), uma vez que os problemas comportamentais têm regularmente efeitos negativos na relação entre os animais e os seus donos (Salman et al., 2000).

Os Médicos Veterinários praticam todos os dias medicina preventiva relacionada com cuidados de saúde, no entanto, o aconselhamento comportamental é muitas vezes esquecido nas consultas de rotina (Radosta, 2009). Assim, estes profissionais de saúde devem: proporcionar aos seus clientes conhecimentos científicos atualizados sobre socialização, comportamento e organização social da espécie canina (Seksel, 2010); educar o proprietário para as visitas regulares ao veterinário; instruir para o treino básico do cão; focar-se na medicina preventiva e aconselhamento comportamental (Patronek et al., 1996).

(18)

2

Compreender esta espécie, que evoluiu lado a lado com o ser humano, pode ser importante para a compreensão das relações do ser humano com o meio que o envolve (Miklósi, 2007).

(19)

3 I. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

1. A RELAÇÃO DO SER HUMANO COM O CÃO E SEUS BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE PÚBLICA

A domesticação é um processo biológico que ocorre pela seleção artificial (por pessoas e não pela natureza) de uma característica de um animal através da reprodução de animais com a característica desejada e o desencorajamento ou mesmo proibição da propagação de animais que não contêm a dita característica (Darwin, 1859 citado por Beck, 2000). Para o lobo, persistiu também um processo cultural de domesticação iniciado quando este animal foi introduzido numa estrutura social humana, tornando-se assim, um objeto de posse. Na última fase deste processo cultural, o proprietário do cão utiliza coleiras e trelas; como outro qualquer objeto, o cão pode ser comprado, vendido ou trocado (Clutton-Brock, 1995).

As necessidades do Homem foram a causa primária para a domesticação (Levinson, 1969; Beck, 2000). Não obstante, mesmo antes de ocorrer este processo, as relações entre as duas espécies foram constantes (Johnson, 2013). De facto, esta relação começou ainda na era pré-histórica, há cerca de 12.000 anos atrás, num período em que os seres humanos começaram a viver em aldeias (Morey, 1994). Uma vez que estes povos viajavam de terra em terra à procura de alimento e terras férteis, os lobos selvagens seguiam-nos invariavelmente, atraídos pela prospeção de uma refeição fácil à base de ossos, alimento incomestível para os humanos, ou até restos das refeições destes. Nesta fase, o lobo era tolerado mas não amado. No entanto, uma relação simbiótica terá sido desenvolvida. De facto, os lobos alertavam os humanos para a proximidade de perigo e, eventualmente, levavam os caçadores até às presas. Assim, ambos podiam alimentar-se (Beck, 2000). Para além disso, os animais removiam do ambiente restos orgânicos, supérfluos e perigosos deixados pelos humanos, através da ingestão dos mesmos (Coppinger e Coppinger, 2001; Miklósi, 2007). A amestração ocorreu primeiramente, no momento em que alguns animais eram recompensados com prémios (alimento) quando estavam perto. Estes animais amestrados podiam ser capturados, reproduzidos e criados. Ao manter junto de si a descendência desses animais deu-se início ao processo de domesticação. Pela domesticação, os seres humanos assumiram a responsabilidade pela sobrevivência do cão e, tal como outros animais domésticos, o cão não vive em pleno sem a intervenção humana (Beck, 2000). Assim, e em vários graus, a saúde dos seres humanos e dos animais foi e continua a ser interdependente (Johnson, 2013), pois o habitat é partilhado por ambos e portanto a sua saúde está inextricavelmente ligada (Karesh e Cook, 2005).

(20)

4

Caçar e guardar eram provavelmente os papéis mais desempenhados pelos cães há 8000-10.000 anos atrás. Estas tarefas tornaram-se mais diversas nas sociedades agroculturais, o que indica que os cães foram sendo criados essencialmente para caçar, guardar, serem pastores ou usados como cães de guerra (Brewer et al., 2001; Miklósi, 2007).

Atualmente, as relações entre os humanos e os cães são resultado de vários fatores evolucionários, ecológicos ou culturais, que podem ter mudado periodicamente dentro dos tempos mais recentes (Miklósi, 2007). Com a expansão da urbanização muitos cães foram mudados de quintais, terrenos ou jardins para apartamentos com aquecimento central e outras comodidades de uma habitação urbana. Quando estes animais são passeados desfrutam também eles do ambiente urbano ao passear junto a pedras, asfalto e calçada (Baranyiová et al., 2005). As sociedades modernas desenvolveram vários novos papéis para os cães (Miklósi, 2007) e a interação entre ambos tem lugar dentro de vários contextos (Johnson, 2013): cães de companhia de diversas raças, inclusivamente raças típicas de caça ou de carga, que hoje em dia são utilizadas exclusivamente como animais de companhia (Miklósi, 2007); cães assistentes, que visitam pacientes com necessidade de tratamentos a curto ou longo prazo, sendo que a sua presença provoca alguma distração e descontração, em particular em pacientes que se sentem isolados e precisam de interação e companhia; cães para terapia, que são incluídos em protocolos terapêuticos por profissionais de saúde tais como Psicólogos, Terapeutas Ocupacionais ou Assistentes Sociais que assistem, por exemplo, momentos da educação de crianças e/ou adultos com necessidades especiais (Johnson, 2013), ou pacientes com diagnóstico específico como autismo, doença de Alzheimer, epilepsia ou Síndrome de Down (Hart e Wood, 2008); cães para serviço, que vivem e trabalham com os seus proprietários de modo a proporcionar-lhes uma vida independente (Johnson, 2013). Por exemplo, a Guide Dogs for the Blind

Association foi estabelecida em 1931 no Reino Unido para assistência a cidadãos invisuais.

Atualmente, os cães são treinados também para assistir indivíduos com incapacidades auditivas, para alertar precocemente o surgimento de convulsões em indivíduos com propensão para tal, ou mesmo para assistir indivíduos com incapacidades físicas severas (Ormerod et al., 2005); cães que cooperam com a aplicação da lei, como os cães que trabalham com a polícia ou que controlam fronteiras, participando ativamente em programas de deteção de narcóticos ou deteção de explosivos (Jennings, 1998); cães de trabalho de busca e salvamento, utilizando a habilidade que o cão possui para discriminar o odor humano, aplicado tanto em propósitos criminais como humanitários. As missões de busca e salvamento podem ocorrer por exemplo no deserto, em situações de desastres (colapso de

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5

estruturas após sismos, erupções vulcânicas, avalanches, tornados, tufões, edifícios destruídos após explosões, entre outros) ou em situações de busca de cadáveres (Stanley, 1998); cães de desporto, como as corridas de cães, com especial relevância em Greyhounds, Whippet, Saluki, Borzoi, Scottish deerhound, Afghan hound e Irish wolf-hound (Guccione, 1998), campo de treino para Retrievers (McCartney e McCartney, 1998) ou corridas de cães de trenó com particular importância em países como Estados Unidos da América, Canadá, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Suíça, Alemanha e França (Grandjean, 1998); cães utilizados na alimentação, como parte da dieta de vários países da Ásia-Este (Miklósi, 2007); cães que fazem parte de rituais espirituais, como nas ilhas da Polinésia em que o cão é criado como um bebé e depois ofertado a uma criança. Acredita-se que a alma do cão irá proteger a criança e, se esta morre, o cão é usualmente enterrado com ela (Fisher, 1983; Miklósi, 2007).

Pensa-se que o companheirismo com um ser não-humano tem efeitos benéficos na saúde do humano. De uma perspetiva cardiovascular, os proprietários de cães têm sido associados a menores fatores de risco para doenças cardíacas como o sedentarismo, hipertensão, stress, hiperlipidemia, depressão e Diabetes Mellitus. Para além disso, também numerosos efeitos não-cardiovasculares têm sido relatados (Arhant-Sudhir et al.,2011).

1.1. ASPETOS EMOCIONAIS E SOCIAIS

Sendo humanos e cães espécies sociais, não é surpreendente que estes se sintam mais relaxados quando desfrutam da companhia de um grupo familiar. Estar inserido num grupo reduz também a necessidade de vigilância e, por isso, maiores níveis de conforto. No que concerne à relação entre humano e cão, estes efeitos benéficos são simétricos (McGreevy et al., 2005; Miklósi, 2007). De facto, a ligação singular e admirável entre um ser humano e o seu animal de companhia é um conceito que os veterinários devem entender desde o dia que escolhem esta profissão (Pukay, 2000), pois muitas pessoas referem especificamente que os seus animais são como membros da sua família (Beck e Katcher, 1996; Beck, 2000): em 896 proprietários, 98% consideram o seu animal de companhia como membro da família ou como um amigo próximo, 70% referem um aumento da felicidade e diversão na família, 50% afirmam existir um aumento de tempo em convívio com a família, 59% afirmam que os seus animais são sensíveis ao estado de espirito do proprietário, 50% afirmam que o seu animal passa mais tempo junto de um indivíduo da família que está mais ansioso ou triste (Cain, 1985); em 711 proprietários, 35% permitem que o seu animal durma nas suas camas, 55% permitem que os animais possam descansar no sofá, 20% recebem alimento diretamente da mesa de refeições, 30% falam para os seus animais de companhia e 30%

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6

realizam uma festa de aniversário para o seu animal (Voith et al., 1992; Miklósi, 2007); em 132 proprietários de cães que vivem em zona urbana na República Checa, 87,1% permitem que os animais possam descansar no sofá, 74,2% permitem que o cão durma na cama de um dos membros da família, 100% consideram o cão como membro da família, 97% falam diariamente com o seu cão, 95,5% têm fotografias do seu cão na decoração da casa, 92,4% levam o seu cão de férias com os restantes membros da família e 75% celebram o aniversário do seu animal (Baranyiová, 2005). Outro estudo revelou que em 34 mulheres caucasianas, proprietárias de um cão e recentemente viúvas, 5 reportaram que o cão funcionava como maior fonte de conforto do que familiares ou amigos e 15 descreveram o cão como significativamente importante no processo de viuvez (Bolin, 1987; Hart, 1995). Por outro lado, a morte de um cão pode libertar nos seres humanos emoções fortes, comparáveis com a morte de um amigo (Steward, 1983; Miklósi, 2007). Aliás, durante a catástrofe do furacão Katrina, em Nova Orleães em 2005, muitos indivíduos preferiram enfrentar a morte a ser resgatados deixando para trás os seus amados animais de companhia (Dagg, 2011). Baseado nestas observações, algum antropomorfismo é esperado na relação dos seres humanos com os seus cães (Miklósi, 2007), pois o Homem segue a tendência de se proteger do sentimento devastador de solidão (Beck, 2000).

Nos Estados Unidos da América é mais comum existirem cães em famílias com crianças tanto em idade pré-escolar como escolar (Albert e Bulcroft, 1987; Miklósi, 2007). Nestas famílias, a ligação emocional entre cães e indivíduos em idade adulta é menor, indicando que durante o desenvolvimento da criança o cão desempenha a função de companheiro de brincadeira (Miklósi, 2007). Bucke (1903), desenvolveu um ensaio pioneiro com crianças em idade escolar. As crianças enfatizaram a atenção personalizada e individual que recebiam do seu cão através de frases como “ele gosta de mim”, “ele protege-me e segue-me para todo o lado”, “ele ladra quando eu chego da escola”, “ele é bom para mim”, entre outras. Estas crianças revelaram também apreciação pela habilidade que o cão possui em expressar amor e afeto quando saltam para cima da criança, correm em redor da criança, abanam a cauda e solicitam a brincadeira (Bucke, 1903 citado por Hart, 1995).

Com adultos, a relação com cães parece desempenhar frequentemente uma função compensatória, na qual os indivíduos estabelecem uma relação próxima de companheirismo e confiança com o seu cão para compensar a baixa satisfação que recebem de outros membros da família (Miklósi, 2007). Muitos indivíduos percebem que os seus animais de companhia providenciam companheirismo, sentido de segurança, oportunidade para brincar, divertir e relaxar (Beck, 2000), conforto, humor (Hart e Wood, 2008), suporte emocional, entretenimento (Wells et al., 2008) e espontaneidade, todos os quais aumentam a sua

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7

qualidade de vida (Arhant-Sudhir et al., 2011). Para além disso, a presença de cães em público facilita a interação entre pessoas e conduz frequentemente ao contato visual ou mesmo diálogos entre cidadãos que não se conhecem, uma vez que, de uma forma geral, os seres humanos são sensíveis à imagem de um cão e consideram-no atraente. No entanto, a presença de cães de grande porte ou cães que pertencem a raças com má reputação, como os Rottweilers, não desperta o mesmo interesse (Wells, 2004; Miklósi, 2007). Um estudo anterior de Messent (1983) revelou resultados idênticos, indicando um aumento de contatos entre estranhos quando um cão está presente. Aproximadamente em 70% de todos os passeios com um cão, ocorreu pelo menos uma interação verbal (Messent, 1983; Cutt et al., 2007). Efetivamente, os cães interagem mais frequentemente com o seu proprietário na presença de estranhos, iniciam maior contato com estranhos e recebem mais ordens dos seus proprietários em comparação com a relação entre gatos e seus proprietários (Miller e Lago, 1990; Miklósi, 2007). Assim, os cães desempenham a função de companheiros sociais, bem como um elemento facilitador das interações sociais humanas, pois providenciam um tópico para conversas relaxadas e divertidas. O contato social é um mecanismo que estimula a autoestima e o amor-próprio e, consequentemente, os efeitos sociais explorados pela companhia de um cão estão entre os mais importantes benefícios para o ser humano (Hart, 1995).

1.2. EXERCÍCIO FÍSICO

Proprietários de cães revelam maiores níveis de atividade física, sugerindo que os cães desempenham um papel muito importante na promoção do exercício físico nos seus proprietários (Arhant-Sudhir et al., 2011). Um estudo com a duração de 10 meses pretendeu avaliar as mudanças no comportamento e na saúde de proprietários que adquiriram um animal de companhia. Os proprietários de cães revelaram um aumento do exercício físico durante os passeios com o seu animal em comparação com proprietários de gatos ou com humanos sem animais (Serpell, 1991). Proprietários norte-americanos de cães caminham, em média, 30 minutos por dia em caminhadas de pelo menos 10 minutos cada (Ham e Epping, 2006; Johnson, 2013). Já o Australian National People and Pets Survey de 1994 reportou que 74% dos proprietários exercitam o seu cão, com 50% dos inquiridos a fazê-lo, em média, 1-2 vezes por dia (McHarg et al., 1995; Headey, 2006). O mesmo estudo em 2006 revelou que esta percentagem aumentou para 80% com 8% a fazê-lo mais que duas vezes por dia, 47% a fazê-lo, em média, 1-2 vezes por dia e 26% a fazê-lo frequentemente mas não todos os dias. Este estudo revelou ainda que proprietários que vivem sozinhos exercitam mais o seu cão e, pelo contrário, proprietários que pertencem a um agregado familiar com crianças exercitam menos (Headey, 2006). Na Suécia, 39.995 questionários a

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residentes de 5 condados diferentes (62,5% proprietários e 37,5% não proprietários) revelaram que indivíduos fisicamente ativos a um nível possível de obter efeitos na sua saúde, têm mais probabilidade de possuir um animal de companhia que aqueles menos ativos. Para além disso, os proprietários de animais desenvolvem mais atividades em natureza tal como a caça, a pesca ou a jardinagem. Este tipo de atividades geralmente implica mais exercício físico que as atividades mais significativas do grupo dos não proprietários: teatro, exibições, museus, concertos, entre outros (Müllersdorf et al., 2010).

1.3. SAÚDE

Um grupo de estudos comparativos entre a saúde de humanos proprietários de animais e humanos sem animais tem sido publicado. Alguns têm produzido resultados não convincentes, outros têm falhado na associação entre proprietários e melhorias no estado de saúde, outros têm produzido resultados difíceis de interpretar (Serpell, 1991), não existindo evidências de que possuir um cão de companhia induz efeitos benéficos na saúde a longo prazo (Hart, 1995). Efetivamente, os aparentes benefícios de ser proprietário de um animal de companhia, em particular de um cão, têm sido encontrados em alguns estudos embora outros não apresentem estes resultados (Arhant-Sudhir et al., 2011). Seguem-se alguns exemplos.

Allen et al. (2002) estudaram 240 casais em que 50% possuía um animal de companhia e 50% não. Os proprietários de animais revelaram uma diminuição significativa na frequência cardíaca e nos níveis de pressão sanguínea, em relação aos casais sem animais, podendo estes resultados estar associados à perceção benéfica que os proprietários têm dos seus animais (Allen et al., 2002). Já em 2001 outro estudo tinha apontado uma diminuição na pressão sanguínea para proprietários de cães, associada à redução de stress, maior suporte emocional e social ou aumento do exercício físico durante os passeios à via pública (Allen et al., 2001). De outro modo, Wright et al. (2007) não encontraram diferenças significativas entre os níveis de pressão sanguínea entre proprietários e não proprietários, após o ajustamento dos dados conforme a idade dos indivíduos estudados (Wright et al., 2007), sugerindo assim, que muitos fatores desempenham um papel importante na determinação do impacto de ser proprietário de um animal de companhia e riscos de doença cardiovascular (Arhant-Sudhir et al., 2011).

Anderson et al. (1992) revelaram que os proprietários de animais de companhia demonstraram menores níveis de colesterol e triglicéridos no plasma em comparação com os não proprietários. No entanto, é possível que estes resultados estejam relacionados com outros fatores nestes sujeitos, como um maior nível de exercício físico ou uma melhor

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condição corporal. Será necessário conseguir mais dados científicos para se obter conclusões definitivas nesta área (Anderson et al., 1992; Arhant-Sudhir et al., 2011).

Foram estudados 212 proprietários de cães, diagnosticados há mais de dez anos com Diabetes Mellitus tipo 1, por Deborah Wells e os seus colaboradores (2008): 65,1% indicaram que os seus cães domésticos exibiam reações comportamentais aos seus episódios de hipoglicemia, providenciando desta forma um importante alerta para os envolvidos. Os comportamentos caninos sugeridos revelaram esforços para captar a atenção do seu proprietário através da vocalização (61,5%), lamber o proprietário (49,2%), saltar para cima do proprietário (30,4%), focar-se intensamente nos olhos do proprietário (41,3%) e/ou encostar várias vezes o nariz na mão do proprietário (40.6%) (Wells et al., 2008). No estudo de Wright et al. (2007) referido anteriormente, a percentagem de indivíduos idosos com Diabetes Mellitus diagnosticada, foi maior para os sujeitos com animais de companhia quando comparados com os não proprietários. No entanto, os proprietários exibiam maior peso corporal e níveis menores de exercício físico do que os não proprietários. Uma avaliação ajustada para estes fatores não foi realizada para este componente (Wright et al., 2007).

No estudo de Müllersdorf et al. (2010), anteriormente referido, os resultados associaram aspetos negativos na saúde, assim como, aspetos positivos. Os proprietários revelaram menor saúde mental e mais sintomas depressivos, insónias e ansiedade, o que pode estar relacionado com o facto de estas pessoas terem maior predisposição à aquisição de um animal de companhia, acreditando no amor incondicional pelos seus proprietários. De facto, é possível que a experiência de depressão sentida pelos proprietários estudados, fosse mais severa caso não existisse o animal. Para além disso, este grupo revelou ainda maior número de cefaleias (incluindo enxaquecas) e outras dores nomeadamente no pescoço, ombros, ancas, costas e estômago. Pelo contrário, os não proprietários revelaram maior pressão sanguínea, fadiga e incidência de Diabetes Mellitus e doenças cardiovasculares. No entanto, todas estas condições podem estar relacionadas com o fato de a média de idades dos não proprietários ser maior (Müllersdorf et al., 2010).

Os efeitos da aquisição de um animal de companhia na saúde e comportamento humano não podem ser investigados usando os métodos convencionais de grupos de controlo e grupos placebo (Serpell, 1991). A maior parte do conhecimento científico sobre a vida dos cães numa família humana é baseada em estudos com questionários. Certo tipo de informação continua assim com valor duvidoso, exceto se esses resultados são suportados com observação direta do comportamento (Miklósi, 2007). Para além disso, durante a

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análise de resultados entre os indivíduos estudados, deve ser feito um ajustamento relativamente a fatores que podem influenciar direta ou indiretamente o seu estado de saúde, como, por exemplo, a idade, índice de massa corporal, consumo de álcool, consumo de tabaco, atividade física, diagnóstico prévio de Diabetes Mellitus, grau de educação, estatuto socioeconómico (Wright et al., 2007), sexo, número de crianças no agregado familiar, número de animais de companhia na mesma casa e nível de atração/relação com o próprio animal de companhia (Cutt et al., 2007). Outro fator importante está relacionado com a escolha da amostra: quando os participantes representam uma amostra de conveniência, aqueles que fazem parte do estudo terão maior probabilidade de possuir animais que demonstrem os comportamentos pretendidos em estudo em relação àqueles que não se candidataram ao estudo (Wells et al., 2008), limitando assim a generalização dos resultados para uma comunidade mais ampla. Desta forma, no futuro serão necessários estudos com amostras maiores, métodos de escolha de amostra aleatórios, controlo dos possíveis fatores de influência, bem como estudos longitudinais que possibilitem estudar que comportamentos diários e de saúde foram alterados com a presença de um cão na família e a que nível foram alterados. Os estudos não devem referir-se apenas aos comportamentos atuais (Cutt et al., 2007).

Atualmente desenrola-se um processo como tentativa de compreender melhor este complexo elo de ligação entre os humanos e os seus animais de companhia; duas espécies com o objetivo comum de sobrevivência, duas espécies que querem desfrutar da vida em conjunto (Beck e Meyers, 1996; Beck, 2000).

Os proprietários oferecem cuidados regulares, abrigo e contribuem em vários outros aspetos para o bem-estar do seu animal (Miklósi, 2007). Em simetria, os cidadãos dependem dos seus animais de companhia para força emocional, espiritual, física e psicológica. Reconhecendo esta ligação e sendo mais efetivo no trabalho com os clientes e suas famílias, otimizando as relações com os animais de companhia, prevenindo ou reconhecendo alguns problemas precocemente, providenciando suporte para programas terapêuticos assistidos por animais, auxiliando o cliente no processo de luto após a morte de um animal (Hart e Wood, 2008) e ajudando os proprietários e seus animais a viverem de forma mais feliz, saudável e completa, o Médico Veterinário pode desempenhar um papel vital neste processo. Mais especificamente, o papel do Médico Veterinário é definido não só em termos de saúde animal mas como parte da estabilidade de uma família e saúde dos seus membros. Na prática clínica o reconhecimento deste elo de ligação é um importante determinante de uma prática de sucesso, recolhendo melhores resultados tanto para a clínica como para os seus clientes (Pukay, 2000).

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2. DESENVOLVIMENTO COMPORTAMENTAL CANINO

No final dos anos 40 e início dos anos 50, foi dada mais atenção ao estudo do desenvolvimento comportamental (Overall, 1997). Em 1958, J.P Scott descrevia o desenvolvimento comportamental normal de um cão em 5 fases – neonatal, transição, socialização, juvenil e adulta (Scott, 1958). Hoje em dia essas mesmas fases continuam assim reconhecidas, cada uma das quais caraterizada por alterações comportamentais e fisiológicas específicas (Seksel, 2010). Porém, outros autores, como Roger Mugford (1990), Serpell e Jagoe (1995) ou Andrew Luescher (2011) já incluem a fase pré-natal/fetal como parte integrante deste processo (Mugford, 1990; Serpell e Jagoe, 1995; Luescher, 2011).

A fase neonatal cobre as duas primeiras semanas de vida (Beaver, 2009a). Tanto no cão como nos outros mamíferos, esta fase foi subvalorizada durante muito tempo pelos etólogos devido ao aspeto vegetativo da atividade dos cachorros. De facto, o sono constitui a parte mais essencial desta atividade. Durante a maior parte do sono os cachorros apresentam movimentos incessantes da cara, orelhas, pálpebras, lábios, membros e tronco, bem como vocalizações. Nalguns períodos o sono é profundo e caracterizado por um estado de repouso total e aparente. Os intervalos em que os cachorros estão acordados são quase totalmente ocupados com o ato de mamar - processo que ocorre sensivelmente de 3 em 3 horas (Pageat, 2000) - e com os períodos de cuidados maternos (Beaver, 1995). O cachorro é cego e surdo e completamente dependente da mãe para termorregulação, alimentação e eliminação (Luescher, 2011), não sendo, portanto, um organismo autónomo, independente ou auto-suficiente (Scott e Fuller, 1965). Apesar disso, o paladar, tato, olfato e sensibilidade à temperatura já estão desenvolvidos (Luescher, 2011). As competências motoras são muito limitadas, não sendo o cachorro capaz de se apoiar nos quatro membros e o único modo de locomoção é o arrasto. É durante este período que a mãe desenvolve o apego aos cachorros, o que significa que a partir deste momento tudo o que limita o contacto entre a cadela e os seus filhos desencadeia um estado de nervosismo profundo para a mãe. Assim, durante as duas primeiras semanas de vida os cachorros e a mãe mantêm-se juntos a maior parte do tempo. Este apego não é recíproco. Na verdade, os cachorros apenas procuram um objeto quente, suave e que contenha leite. Ou seja, qualquer cadela em lactação pode satisfazer os cachorros, mas só os filhos de determinada cadela podem satisfazer a mesma (Pageat, 2000). Porém, devido à ausência de autonomia, quando um cachorro se encontra longe da restante ninhada fica num estado de muita agitação associado à emissão de vocalizações que só cessam quando retomado o contato com a mesma (Mugford, 1990). As vocalizações também podem ser constatadas quando os cachorros têm frio, estão desconfortáveis ou são estimulados de forma dolorosa (Beaver, 1995). Estas vocalizações

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angustiantes são, claro, uma solicitação para cuidados maternos e geralmente atraem a atenção da mãe (Scott e Fuller, 1965). O comportamento do cachorro depende maioritariamente de tentativas e erros. Por exemplo, se separarmos um cachorro da sua mãe e restante ninhada numa sala muito grande, ele vai mover-se em qualquer direção testando os gradientes de temperatura e movendo-se para a opção mais quente – termotactismo positivo (Pageat, 2000) - acabando eventualmente por se afastar do restante grupo. Claro que, o comportamento maternal irá naturalmente encarregar-se da situação, e a mãe irá recuperar o filho e devolvê-lo ao ninho (Scott e Fuller, 1965).

A fase de transição começa quando os cachorros são capazes de abrir os olhos e termina quando começam a reagir ao som, o que ocorre sensivelmente num espaço de uma semana e meia. Nesta fase já são capazes de caminhar e no final deste período são capazes de urinar e defecar sem o estímulo da mãe, o que tipicamente acontece mesmo antes das 3 semanas de idade (Scott, 1958). Não obstante, a mãe continua a lamber os seus filhos por forma a mantê-los limpos, e embora ocorra um desenvolvimento da autonomia na eliminação, o comportamento de cuidados maternos, permanece. Na fase anterior, a relação com a progenitora revelava-se bastante simples e envolvia maioritariamente o comportamento de ingestão (Scott e Fuller, 1965). Agora, o padrão comportamental revela-se mais complexo: o cachorro desenvolve o apego pela sua mãe pois o desenvolvimento dos órgãos sensoriais permite adquirir novas informações sobre ela. A partir deste momento, esta será a única cadela capaz de tranquilizar a ninhada, tornando-se o tornando-ser apaziguador em torno do qual tornando-se detornando-senvolve o comportamento exploratório. Se separados, os cachorros ficam bastante agitados podendo mesmo chegar a experienciar alterações do sono e anorexia quando a separação é prolongada (Pageat, 2000). Esta mudança pode estar talvez associada à necessidade de formação de relações sociais primárias (Scott e Fuller, 1965). Por outro lado, o desenvolvimento da visão, audição e capacidade motora torna o cachorro mais reativo aos estímulos ambientais (Luescher, 2011), sendo este capaz de identificar e localizar fontes de dor e incrementar um esforço para se afastar e escapar das mesmas (Pageat, 2000).

É geralmente aceite que o período seguinte, o período de socialização, se localize entre as 3 e as 10-12 semanas de idade (Kim et al., 2010). A mãe começa a passar períodos mais prolongados fora do ninho, aumentando-os progressivamente até culminar na proibição da aproximação dos cachorros, o que coincide com o desmame (Pageat, 2000). Este processo ocorre por volta das 8 semanas de idade (Kustritz, 2011), altura em que a mãe se afasta ou rosna quando os cachorros tentam mamar: estes depressa aprendem a afastar-se (Scott e Fuller, 1965). De facto, parece que o cachorro passa de um apego

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exclusivo à mãe para um apego ao grupo social o que é suportado pelos comportamentos próprios de viver em matilha (Pageat, 2000). Por volta das 3 semanas e meia, a ninhada já interage de uma forma lúdica. Este acontecimento rapidamente progride para brincadeiras de luta, movimentos da cabeça, rosnar (Beaver, 1995), ladrar e inibição da mordida, sendo que os animais passam a exibir sinais sociais, como levantar os membros anteriores para brincar e abanar a cauda (Seksel, 2010). Por volta das 4 semanas os cachorros carregam objetos na boca, guardam as suas posses e iniciam as atividades de grupo coordenadas,

i.e., se um cachorro vê algo que lhe desperta curiosidade vai explorar e é logo seguido pelos

outros cachorros da ninhada. O comportamento de monta e movimentos pélvicos fazem parte das brincadeiras bem como a perseguição de insetos ou outros animais de pequeno porte. Estes comportamentos serão associados de futuro ao comportamento sexual e ao comportamento de caça do cão adulto, respetivamente (Beaver, 1995). Em suma, o aspeto lúdico para o cachorro manifesta-se totalmente durante esta fase, o que parece desempenhar um papel importante no desenvolvimento do cão e na formação de laços sociais com os seus congéneres e seres humanos (Seksel, 2010). Isto definirá as suas futuras capacidades para formar parcerias sociais (Stepita et al., 2013). Destaca-se, como o principal evento deste período, esta aprendizagem sobre o reconhecimento e aceitação das várias espécies que envolvem o cachorro e no futuro cão adulto (Beaver, 1995).

O período juvenil inicia-se por volta das 12 semanas de idade (Beaver, 2009a), pouco depois do desmame (Kustritz, 2011) e termina quando a maturidade sexual é alcançada, momento em que começa a vida adulta (Scott, 1958). Assim, o final deste período coincide com o primeiro estro para as fêmeas e com a aquisição dos comportamentos sexuais típicos da espécie canina e alcance da qualidade do sémen que permita a gestação, para os machos (Kustritz, 2011). Por volta das 15 semanas de idade o cão tem definitivamente desenvolvido o padrão dominância-subordinação e estes jovens adultos mostram os padrões comportamentais típicos de um adulto. Isto significa que as lutas se tornam muito menos frequentes, sendo substituídas por rosnar, ganir ou adotar uma postura submissão em resposta à ameaça. Dentro deste período os machos adquirem também o comportamento típico desta espécie para a eliminação (Scott e Fuller, 1965).

De salientar que, o tempo exato para cada período varia entre autores (e provavelmente entre cães também), isto porque os períodos anteriormente definidos não começam ou acabam abruptamente, vão e vêm gradualmente (Luescher, 2011).

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Socialização é um termo usado para descrever um processo através do qual cada individuo aprende e exibe comportamentos expectáveis pela sociedade. No caso da espécie canina, a socialização é, portanto, um importante processo de aprendizagem no qual o cachorro aprende a aceitar a proximidade de elementos da sua espécie bem como de espécies diferentes (Seksel, 2008). Assim, trata-se de um período crítico para o estabelecimento de relações sociais primárias, pelo que é um fenómeno muito bem identificado nos animais sociais. Os outros períodos também podem ser críticos, mas sem dúvida que o período de socialização é o mais importante para estas relações (Scott, 1958). Alguns autores referem-se aos períodos críticos como períodos sensitivos (Beaver 2009a), sendo que, atualmente, é esta a terminologia mais aceite para designar um processo que não começa e acaba abruptamente como uma porta que abre e fecha, mas que, ao invés ocorre quando o sistema neurológico está preparado para as funções básicas de desenvolvimento desse período (Comunicação pessoal com Albright, 2013). Ou seja, o conceito de períodos sensitivos refere-se a períodos com limites menos definidos e menos estanques, onde as respostas ou preferências particulares são adquiridas mais rapidamente que em outras fases (Serpell e Jagoe, 1995), implicando, assim, que certas experiências devem acontecer num período de tempo específico para que a oportunidade de aprendizagem mais rápida e menos difícil não seja perdida (Beaver, 2009a).

Em 1961, Daniel Freedman et al. (1961), propuseram estudar os efeitos do isolamento dos cachorros em relação a seres humanos até às 14 semanas de idade. Os cachorros do grupo isolado obtiveram as pontuações mais baixas nos testes realizados, mostrando pouca atração por seres humanos e baixa reatividade a novos estímulos (Freedman et al., 1961). Posteriormente, em 1967, Fox e Stelzner (1967) determinaram também os efeitos do isolamento, desta vez em relação a animais da mesma espécie. Este estudo foi realizado em 16 cães, criados sob três condições diferentes: isolados socialmente da sua espécie desde os 3 dias de vida até às 12 semanas de idade (grupo II - isolates); desmame às três semanas e meia e socialmente isolados desde esse período até às 12 semanas de idade (grupo CI – control-isolates); desmame às 8 semanas de idade e socialmente isolados desde esse período até às 12 semanas de idade (grupo CCI control-control-isolates). Subsequentemente foram realizados vários testes desde as 12 semanas até às 15 semanas de idade. Os resultados mostraram que o grupo II não demonstrou um comportamento social adequado para com a sua espécie, mostrando agressividade, dificuldade em inserir-se num grupo de brincadeira, preferência para estar sozinho, e uma maior atração para brincadeiras solitárias com objetos inanimados. O grupo CCI, pelo contrário, demonstrou união e interação entre o grupo da mesma espécie relacionado com padrões

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comportamentais mutualmente compatíveis, sugerindo que o isolamento entre as 8 e 12 semanas de idade não produz défices aparentes na relação com a mesma espécie. Por último, o grupo CI demonstrou ser o grupo intermedio, no qual alguns indivíduos se comportaram como no grupo II e outros como no grupo CCI, sugerindo que a experiência neonatal e de transição até as 3 semanas e meia, mesmo no início do período de socialização, tem efeitos consideráveis na facilitação de um desenvolvimento social normal. Estes resultados demonstram a importância da experiência social precoce no subsequente desenvolvimento do comportamento e relações sociais (Fox e Stelzner, 1967). Mais recentemente, Frank et al. (2007) relataram que o comportamento mais comum em cachorros quando deixados sozinhos em casa é o comportamento passivo (deitados com a cabeça no chão sem particular atenção ao ambiente que os envolve) (Frank et al., 2007), no entanto Hetts et al. (1992) sugeriram que cães criados num elevado grau de isolamento social exibem movimentos anormais, vocalizam mais e passam muito tempo a movimentar-se (Hetts et al., 1992; Frank et al., 2007). Em 2010, Young Kim et al. (2010) procederam a um estudo comparativo entre dois grupos de cachorros da raça Jindo: um sujeito a um programa de socialização entre as 7 e as 13 semanas e outro sujeito a um programa de semi-isolamento (algum contato com seres humanos). Neste estudo foi demonstrado que os cachorros expostos diariamente a novos estímulos demonstraram um nível maior de reação lúdica e de brincadeira, em contraste com os cachorros não expostos e sujeitos aos mesmos estímulos, que demonstraram altos níveis de medo (Kim et al., 2010).

Durante o período de socialização, os cachorros devem ser expostos a várias pessoas, animais, estímulos e ambientes diferentes, de uma forma segura e equilibrada (American Veterinary Society of Animal Behavior, 2008). Uma falha nestas experiências pode ter efeitos irreversíveis a longo prazo, que não permitirão que atinjam o desenvolvimento comportamental normal do cão adulto (Luescher, 2011). Cachorros que não socializaram durante os primeiros três meses de vida têm uma maior probabilidade para serem defensivos, terem medo ou até mesmo serem agressivos em adultos (Appleby et al., 2002; Stepita et al., 2013).Ou seja, ainda que o período de socialização seja aparentemente curto, as consequências da incompleta ou não socialização são bastante severas (Beaver, 1995).

3.1. AGRESSÃO

Morder é um componente chave do comportamento predatório dos canídeos (Lockwood, 1995). Relatos dos Estados Unidos da América, Austrália e Itália, são consistentes no que concerne ao facto de ser o cão a espécie mais frequentemente responsável por lesões causadas por mordida de animais vertebrados – aproximadamente 80% (Sinclair e Zhou,

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1995; Massari e Masini, 2006; MacBean et al., 2007; Patroneck e Slavinski, 2009). Na cidade de Adelaide, na Austrália, foi estimado que por ano 6500 pessoas são lesadas devido a ataques de cães (Thompson, 1997). Na Bélgica, foi determinada uma frequência anual de 22 mordidas de cães por cada 1000 crianças com idade inferior a 15 anos (Keuster et al., 2006). Nos Estados Unidos da América foi estimada que 2,6 per 100.000 hospitalizações por ano estão relacionadas com mordida por cão (Feldman et al., 2004; Cutt et al., 2007). No entanto, e, contrariamente à perceção da população, não são os cães errantes que lideram a taxa de agressão com mordida; a mais alta incidência de agressão com mordida ocorre por parte de cães em que o proprietário é vizinho da vítima, seguida por cães em que o proprietário é familiar da vítima. De facto, os cães errantes são os que apresentam menor taxa de incidência. No entanto, as agressões por parte de cães errantes são mais frequentemente relatadas e denunciadas (Beck, 1991; Beck, 2000). Isto porque existe uma maior perceção de que os cães errantes são causadores de mais doenças como por exemplo a Raiva. Assim, os cidadãos tendem a procurar cuidados médicos mais frequentemente nestas situações do que naquelas em que o proprietário é conhecido (Beck e Jones, 1985; Beck, 2000). Consequentemente, as estatísticas sobre mordida subestimam a verdadeira incidência. Por exemplo, um estudo conduzido em Pittsburgh, Pensilvânia, estimou que apenas aproximadamente 36% das mordidas por cães são denunciadas (Chang et al., 1997; Patroneck e Slavinski, 2009).

As interações com agressão resultam em sérias consequências tanto para o atacante como para a vítima: rejeição e eutanásia, para o cão e, dor física, distúrbios emocionais (Miklósi, 2007) e custos associados ao tratamento médico, para os humanos (Overall e Love, 2001; Miklósi, 2007). Desta forma, quando existe um conflito entre cão e humano, alguns fatores de risco devem ser avaliados: características biológicas dos participantes. Relativamente aos cães, raça, porte, idade, sexo e estado de saúde. No que concerne aos humanos, grau de relação com o cão e faixa etária; experiência/inexperiência social dos participantes. Falha na adequada socialização em cachorros, para os cães e, para os humanos, a inexperiência no que concerne à relação com animais, em particular o cão e, condutas inadequadas em relação aos mesmos; situação, i.e., as circunstâncias nas quais aconteceu o ataque (Miklósi, 2007); local habitado pelos intervenientes - distribuição geográfica e densidade populacional (Rosado et al., 2009).

A forma mais segura para reduzir as agressões com mordida é através de uma política de saúde pública que encoraje a população a possuir cães adequadamente socializados com seres humanos, da mesma forma que incentive a utilização de trela ou a supervisão do animal sempre que este se encontre numa propriedade pública (Beck, 2000). De facto, a

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educação sobre a adequada conduta relacionada com cães parece ser a medida preventiva com maior prioridade. Para além disso, o desenvolvimento de programas para prevenção de agressão com mordida por cães, beneficiará se forem coordenados, fundados e conduzidos por todos os intervenientes que estão envolvidos na saúde e educação de humanos e animais. Esta colaboração interdisciplinar inclui, por exemplo, Pediatras e Médicos Veterinários, devendo estes contribuir ativamente na educação das crianças e das suas famílias. Os Médicos Veterinários têm ainda um papel chave no aconselhamento sobre a saúde física e comportamental do animal. Além do mais, seria extremamente importante criar um banco de dados Europeu sobre a incidência de processos agressivos contra seres humanos, de modo a tornar possível realizar estudos de comparação entre países, assim como comparar a evolução das suas políticas de saúde pública (Keuster et al., 2006) e avaliação dos padrões de risco associados (Rosado et al., 2009).

3.2. O ABANDONO DOS ANIMAIS

Há 50 ou 100 anos atrás, aquilo que poderia ter sido um comportamento social aceitável num cão, pode já não ser tolerado na atualidade. À medida que a sociedade se modifica, mudam também as expetativas em relação aos cães que nela vivem (Seksel, 2010). O

National Council on Pet Population Study and Policy concluiu que os problemas

comportamentais, incluindo agressão contra pessoas ou contra animais de companhia, são as razões mais comuns para o abandono de animais (Salman et al., 1998; Salman et al., 2000) e são responsáveis por aproximadamente 224.000 eutanásias de cães e gatos todos os anos nos Estados Unidos da América (Patroneck e Dodman, 1999). Já Spencer, em 1993, tinha sugerido que no universo de todas as eutanásias de cães e gatos, 50-70% são também consequência de problemas comportamentais (Spencer, 1993; Salman et al., 2000). Em 2000, Salman et al., concluíram que: 40% dos 1984 cães estudados, tinham sido entregues a um canil devido a pelo menos uma razão comportamental; quando razões mistas justificavam a entrega ao canil, defecar/urinar dentro de casa era a razão comportamental mais frequentemente relatada; quando apenas razões comportamentais justificavam a entrega ao canil, agressividade e comportamentos destrutivos eram os mais frequentemente relatados (Salman et al., 2000). Por outro lado, em 2003, Duxbbury e seus colaboradores, procederam à realização de questionários a 248 proprietários de cães adultos adotados ainda em cachorros, de modo a avaliar a associação entre o sucesso da adoção, i.e a não devolução ao canil, e a presença em aulas de socialização para cachorros. Os resultados revelaram que o sucesso da adoção foi maior para cães que participaram em aulas de socialização para cachorros, que usaram ocasionalmente ou frequentemente coleiras de cabeça em cachorros e/ou que foram frequentemente

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manipulados enquanto cachorros (Duxbury et al., 2003). Nancy Peterson (2005) acrescenta que nos primeiros dias/semanas pós adoção não existe um elo afetivo forte entre o proprietário e o cão. Seria este elo que poderia salvar o cão de uma eventual rejeição por mau comportamento. Deste modo, não deve ser surpresa que animais com comportamentos favoráveis têm maior probabilidade de virem a ser adotados (Peterson, 2005). De facto, são os problemas comportamentais e não as doenças infeciosas a causa número um para a morte de cães até aos 3 anos de idade (American Veterinary Society of Animal Behavior, 2008) e o grande facilitador deste fenómeno é a nossa ignorância (Overall, 1997). Assim, o papel do Médico Veterinário na redução da taxa de eutanásia por problemas comportamentais não é só imprescindível como também tardio (Seksel, 2010).

Atualmente, a população canina urbana e suburbana é composta por 3 subpopulações: animais que nunca vagueiam sem a supervisão de um ser humano; animais que esporadicamente ou constantemente vagueiam sem a supervisão do seu proprietário; e animais sem proprietário. As duas últimas subpopulações comportam-se de forma semelhante na via pública (Beck, 2000). Qualquer animal que vagueia sem controlo pode causar distúrbios na via pública: provocar acidentes rodoviários, agredir/morder cidadãos, conspurcar a via pública com urina, fezes ou restos de comida (Leney e Remfrey, 2000), transmitir doenças e/ou agredir outros animais de companhia ou domésticos (Miklósi, 2007). Para áreas turísticas, este tipo de cães pode assustar os visitantes que se inquietam pelo risco de danos e transmissão de doenças. Revela-se, assim, a necessidade de soluções de sucesso no maneio dos animais errantes. Estes programas devem incluir vários elementos: acesso ao problema, legislação, eutanásia, esterilização e educação. A população precisa de ser educada. No momento em que um individuo adquire um animal, vários tópicos devem ser discutidos: vacinação, desparasitação, obrigações legais, identificação eletrónica e respetivo registo, restrição à liberdade do animal, conselhos sobre comportamento animal, conselhos sobre alimentação e vantagens da esterilização. Para as crianças esta informação pode ser transmitida através de palestras nas escolas/ateliês de tempos livres e/ou através de livros ilustrados (Leney e Remfrey, 2000).

Em suma, ao enfatizar a responsabilidade dos humanos nos cuidados animais, podemos iniciar o longo percurso na resolução destes problemas e preservar a relação entre os humanos e os seus cães (Lockwood, 1995). A investigação conduzida na área da socialização sugere que não só é importante a interação com outros cães, mas que, para se tornarem adultos normais e sociáveis os cachorros requerem uma manipulação e exposição regulares a diversas situações e experiências num amplo leque de ambientes (Seksel,

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2010), de uma forma proactiva positiva. É preferível que um cachorro seja proactivo do que reativo (Martin e Martin, 2013).

4. ONE HEALTH

Em novembro de 1945, Dr. James Harlan Steele, considerado o pai da saúde pública veterinária, apresentou um extenso relatório intitulado “Veterinary Public Health”, onde foram abordados dois tópicos: riscos de transmissão de doenças zoonóticas e os benefícios de contratar Médicos Veterinários para investigar e responderem a esta ameaça. Este relatório representa a primeira vez que o termo Saúde Pública Veterinária foi usado (White, 2013). Posteriormente, Dr. Calvin Schwabe revelou a sua visão de “One Medicine”, que continua a inspirar atualmente a comunidade científica no campo da saúde pública: a saúde humana é a principal causa unificadora na hierarquia de valores da Medicina Veterinária; os Médicos Veterinários, em todos os aspetos da sua profissão, têm a oportunidade e a responsabilidade de proteger a saúde e bem-estar dos humanos em tudo que estes fazem (Schwabe, 1984; Pappaioanou, 2004). De facto, o conceito de One Health, One Medicine continua amplamente aceite. Este conceito é baseado na premissa de que partilhamos o nosso habitat com os animais e isso resultou num movimento entre a Medicina Humana e a Medicina Veterinária: promover a colaboração interdisciplinar de modo a alcançar o conhecimento sobre as doenças comuns entre espécies mas também intervenções que promovam a saúde como sendo algo mais que a ausência de doença (Johnson, 2013). A

American Veterinary Medical Association definiu One Health como sendo um esforço para a

colaboração entre várias disciplinas – trabalhando ao nível local, nacional e global – de modo a alcançar saúde para os humanos, animais e ambiente. Juntos, constroem o triângulo One Health sendo que a saúde de cada vértice está inextricavelmente ligada. Compreender e enfrentar os problemas de saúde que surgem no meio destas ligações é a base deste conceito (American Veterinary Medical Association, 2008). Esta abordagem pode ter um papel catalisador para novas descobertas na investigação, alcance de respostas de prevenção eficazes, desenvolvimento da educação para os cuidados de saúde e melhor preparação para a vigilância de doenças zoonóticas (Institute of Development Studies, 2013). Compreender como prevenir e controlar doenças em animais pode ser um importante componente na prevenção e controlo de doenças em humanos (Pappaioanou, 2004).

Os avanços mais modernos no transporte rápido de bens e pessoas, aumento da população mundial, aumento da dependência da produção intensiva de animais para alimento (Karesh e Cook, 2005), globalização do comércio, alterações climáticas e aumento do acesso à informação, tornaram o planeta um lugar bastante pequeno (Pappaioanou,

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Tabela 1 - Distribuição geográfica das Clínicas e Hospitais Veterinários que participaram no presente estudo
Figura 2 – Gráfico de colunas representativo do número de questionários que foram preenchidos e daqueles que  não foram preenchidos de entre os 220 questionários distribuídos, bem como do número de questionários
Figura 3 – Gráfico circular relativo aos resultados sobre a idade de chegada do cachorro ao lar do proprietário
Figura 5 – Ilustração dos itens considerados obrigatórios, aconselháveis e opcionais para o tópico: espaço físico  e material
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