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Trabalhos Arqueológicos na Fábrica de Descasque de Arroz da Casa Cadaval

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Academic year: 2021

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E

DITORIAL

II Série, n.º 22, tomo 3, Janeiro 2019

Proprietário e Editor|

Centro de Arqueologia de Almada, Apartado 603 EC Pragal, 2801-601 Almada Portugal NIPC|501 073 566 Sede |Travessa Luís Teotónio Pereira, Cova da Piedade, 2805-187 Almada Telefone |212 766 975 E-mail|c.arqueo.alm@gmail.com Internet|www.almadan.publ.pt ISSN|2182-7265 Estatuto editorial| www.almadan.publ.pt Distribuição|http://issuu.com/almadan

Parceria|ArqueoHoje - Conservação e Restauro do Património Monumental, Ld.ª Apoio|Neoépica, Ld.ª Director|Jorge Raposo (director.almadan@gmail.com) Publicidade|Centro de Arqueologia de Almada (c.arqueo.alm@gmail.com) Conselho Científico|

Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva

Redacção|Centro de Arqueologia de Almada (sede): Vanessa Dias,

Resumos|Jorge Raposo (português), Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Santos (francês)

Modelo gráfico, tratamento de imagem e paginação electrónica|Jorge Raposo Revisão|Vanessa Dias, Fernanda Lourenço e Sónia Tchissole Colaboram neste número| Suely Amâncio-Martinelli, Telmo António, Ana C. Araújo, Thierry Aubry, Renata F. Barbosa, Luísa

Carvalho, Vânia Carvalho, Tània M. Casimiro, Ana M. Costa, Fernando Costa, Francisco Curate, Luca A. Dimuccio, Ana Luísa Duarte, Vitor Durão, José d’Encarnação, Lídia Fernandes, Carlos Galhano, Cristina Gameiro, Jesús García Sánchez, Carolina Grilo, Rogier A. A. Kalkers, Sebastião L. de Lima Filho, Virgílio Lopes, Joana S. Macedo, João Marques, Jorge A. M. Marques, Teresa Marques, Henrique Matias, Leonor A. P. de Capa|Jorge Raposo

Caldeira e ciclones para produzir ar aquecido, depois conduzido aos secadores da Fábrica de Descasque de Arroz da Casa Cadaval, em Salvaterra de Magos. Foto © Leonor A. P. de Medeiros.

Luiz Oosterbeek, Franklin Pereira, Paula A. Pereira, João Pimenta, Albérico N. de Queiroz, Jorge Raposo, Paulo Rebelo, Marco A. Rocha, André T. Santos, Dario Seglie, João L. Sequeira, Miguel Serra, João Luís Sequeira, Vítor R. C. de Sousa, Tesse D. Stek e Chia-Chin Wu.

Os conteúdos editoriais da Al-Madan Online não seguem o Acordo Ortográfico de 1990. No entanto, a revista respeita a vontade dos autores, incluindo nas suas páginas tanto

A

Al-Madan Online abre este novo tomo com uma reflexão acerca da investigação

e da comunicação científica, da margem de incerteza que as caracteriza e da tolerância

com que devem ser encaradas pois, frequentemente, mesmo quando se identificam

as questões correctas, o tempo mostra que nem sempre se obtêm e partilham as respostas

mais adequadas.

Tendo presente essa contingência, é de divulgação científica que tratam as páginas seguintes,

com realce para sítios e contextos de Época Romana em Sines, em Cascais e no Alto Alentejo,

nomeadamente no Município de Fronteira. Mas dá-se igual atenção ao impacto da Arqueologia

preventiva na identificação de ocupações humanas do Paleolítico Superior em todo o país, e

ainda, noutro âmbito cronológico, aos trabalhos arqueológicos realizados numa fábrica de

descasque de arroz instalada em Salvaterra de Magos na segunda metade do século XX.

A Arqueologia brasileira volta a marcar presença, agora com as ameaças à arte rupestre do

Nordeste do Estado da Bahia, e há também espaço renovado para as arqueociências,

neste caso através de uma proposta metodológica para a identificação de tubérculos secos,

cozidos ou calcinados.

A premente definição disciplinar de uma Arqueologia Contemporânea em Portugal é defendida

em artigo de opinião, a que se segue estudo que apresenta a Análise Urbana como domínio da

Arquitectura que integra conhecimentos da História e da Arqueologia, entre outros.

Ao Património móvel e imóvel são dedicados textos sobre a conservação e restauro da

fachada do edifício sede da colectividade mais antiga de Tomar, que assinalam a identificação

e incorporação em museu de um azulejo valenciano dos séculos XV-XVI aplicado em imóvel de

Sintra, e que tomam exemplares de aljavas provenientes do Sultanato de Granada (1238-1492)

como ponto de partida para a abordagem mais geral das artes do couro na Península Ibérica

durante a Idade Média.

Há ainda diferentes contributos para a História Local de Alcácer do Sal e de Almada,

fruto da análise de conjuntos documentais dos séculos XVI a XVIII, bem como diversificado

noticiário de natureza arqueológica, incluindo resultados de escavações, de projectos

museológicos, de acções de Educação Patrimonial, etc.

Livros e revistas recentemente publicados também merecem comentário ou destaque e, nas

páginas finais, encontram-se breves relatos de um número significativo de eventos científicos

realizados em Portugal e no estrangeiro, com temáticas muito diversificadas, cuja partilha

é útil para a comunidade científica portuguesa e para outros interessados. A fechar,

agendam-se eventos do mesmo tipo já divulgados para os próximos meses.

Enfim... muitas e boas razões para agradáveis momentos de leitura.

(3)

Í

NDICE

E

DITORIAL...3

C

RÓNICAS

A

RQUEOLOGIA

Da Tolerância Científica

|

José d’Encarnação

...6

A

RQUEOLOGIA

B

RASILEIRA

A Atividade Metalúrgica

e a Olaria de Sines Romana:

dados preliminares

|

Paula Alves

Pereira e Carlos Galhano

...20

Primeiros Resultados do Fronteira Landscape Project:

a Arqueologia da paisagem romana no Alto Alentejo

|

André Carneiro, Jesús García Sánchez, Tesse D.

Stek e Rogier A. A. Kalkers

...46

Entre Afloramentos, Sapatas, Argamassas e

Paralelepípedos: a destruição do patrimônio

arqueológico rupestre na região de Coronel

João Sá, nordeste da Bahia

|

Sebastião Lacerda

de Lima Filho, Suely Amâncio-Martinelli e

Albérico Nogueira de Queiroz

...61

O Forno Romano e Poço de

Época Tardo-Romana do Alto do Cidreira,

Cascais

|

Luísa Batalha, Guilherme Cardoso,

Paulo Rebelo e Nuno Neto

...38

Trabalhos Arqueológicos

na Fábrica de Descasque de

Arroz da Casa Cadaval

(Salvaterra de Magos):

tecnologia, património e

comunidade

|

Leonor A. P.

de Medeiros

...9

Apresentação do Projeto P

ALEORESCUE

.

O Paleolítico Superior e a Arqueologia preventiva

em Portugal: desafios e oportunidades

|

Cristina Gameiro e Luca A. Dimuccio

...55

A

RQUEOBOTÂNICA

A Typological Approach

to the Identification of Carbonized

Dried and Cooked Parenchyma

of Vegetative Storage Organs

|

Chia-Chin Wu

...69

Os Deuses Devem Estar Loucos…

ou a Emergência de uma Arqueologia

Contemporânea em Portugal

|

Tânia Manuel Casimiro e

João Luís Sequeira

...88

O

PINIÃO

E

STUDOS

Análise Urbana: integração de

conhecimentos multidisciplinares

|

Vitor Durão

...98

(4)

EVENTOS

Agenda de eventos...202 e 203

H

ISTÓRIA LOCAL

LIVROS& REVISTAS

P

ATRIMÓNIO

A Fundação da Ermida de

São Romão: um olhar sobre a

Ribeira do Sadão, no limite

entre os Termos de Alcácer e

do Torrão, nos séculos XIV

a XVII

|

António Rafael

Carvalho

...129

Os 25 Anos da Revista al-‘ulyà| José d’Encarnação...175 30 Anos de Arqueologia em Oeiras | Jorge Raposo...174

Monte dos Castelinhos (Vila Franca de Xira): a campanha de escavações de 2018 |João Pimenta e Henrique Mendes...159

Inscrição da Capela de S. Domingos (Travessa de S. Domingos, Viseu) | Jorge Adolfo de Meneses

Marques...162 O Museu do Côa e as Problemáticas da Arte Paleolítica ao Ar Livre e das Origens da Arte |André Tomás Santos e Thierry Aubry...179

Symposium Internacional La Porticus Post Scaenam en la Arquitectura Teatral Romana, em Cartagena |

Carolina Grilo...185

X Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular | Miguel Serra...188

Novidades editoriais...177

Os Erros em Epigrafia: nota sobre as jornadas de Milão | José d’Encarnação...200

Conservação e Restauro da Fachada

do Edifício da Sociedade Banda Republicana

Marcial Nabantina, em Tomar: da pintura mural

à conservação das cantarias trabalhadas

|

Fernando Costa, Renata Faria Barbosa,

Joana Shearman Macedo e Marco

Amaral Rocha

...106

Um Azulejo

Valenciano de Finais

do Século XV-Inícios

do Século XVI na

Quinta das Flores,

Massamá (Sintra)

|

Vítor Rafael Cordeiro

de Sousa e Rui Oliveira

...114

Documentação

Setecentista Referente ao

Ermitério e Hospício de

Carmelitas Calçados e

Terceiros de Nossa

Senhora do Carmo da

Serrinha (freguesia de São

Martinho, município de Alcácer do Sal

|

António Rafael Carvalho

...140

Artes do Couro

no Medievo Peninsular.

Parte 1: aljavas de Granada

|

Franklin Pereira

...119

“De Doenças Esporádicas Farei Algumas Histórias”:

Gaspar Lopes Henriques de Chaves (1729-1796),

médico do Partido da Vila de Almada

|

Telmo

António e Francisco Curate

...153

NOTICIÁRIO

ARQUEOLÓGICO

PO.RO.S: Museu Portugal Romano

em Sicó |Paulo Celso Fernandes Monteiro...165

Em Setembro Lisboa Foi Mais Romana: festival Estes Romanos Estão Loucos no Museu de Lisboa - Teatro Romano |Lídia Fernandes e Carolina Grilo...169

Vinte anos leva-os o tempo; ficam as palavras para lembrar a história. O Menino do Lapedo: vinte anos depois |

Ana Cristina Araújo, Ana Maria Costa e Vânia Carvalho...182

Seminário Internacional Producción y Comercio en la

Lusitania de Augusto (Mérida) |André Carneiro...191

Colóquio O Paleolítico em Portugal: um quarto

de século de abordagem tecnológica e Mesa-Redonda Transição Pleistocénico-Holocénico|Cristina Gameiro e Henrique Matias...196

Arte Rupestre do Homem de Neandertal: a conferência internacional NeanderART2018|

Luiz Oosterbeek e Dario Seglie...201 XIV Conferência da AIEMA, Chipre |

Virgílio Lopes...202

VII Reunião de Arqueologia Cristã Hispânica, em Tarragona |Virgílio Lopes...203

Colóquio Silos, Matamorras e Covas de Pão.

Armazenamento Medieval e Moderno em Portugal:

breve crónica |Tânia Manuel Casimiro, Guilherme Cardoso, Carlos Boavida, João Marques e Teresa Marques...193 Prémio Ibermuseus de Educação

para o Côa |Ana Luísa Duarte...161

Efemérides da Arqueologia Portuguesa no Final de 2018 |Ana Luísa Duarte...173 Manifesto pela Conservação e Restauro | Ana Luísa Duarte...173

Boas Práticas na Gestão de Espólios Arqueológicos | Jorge Raposo...198

(5)

A

entrada na época pós-industrial, que se dá nos finais do século XX, leva a que mui tas unidades de extração, transformação e produção sejam encerradas por to -do o mun-do ocidental. Com o encerramento, vem o aban-dono e o saque, levan-do a que muitas das fábricas que chegam até aos nossos dias surjam fraturadas, vandali-zadas e desprovidas das suas máquinas, elementos fundamentais na compreensão dos pro cessos e das vivências no interior dos espaços arquitetónicos.

Ora, a Fábrica de Descasque de Arroz da Casa Cadaval conseguiu escapar a esta voragem, permanecendo como uma “cápsula do tempo”, praticamente intocada desde que encer-rou em 1987, protegida pelo seu enquadramento na Herdade de Muge e, acima de tudo, pela visão da Administração da Casa Cadaval, que a preservou e quer valorizar. A presen-ça desta unidade industrial em condições de originalidade e autenticidade notáveis, bem como a falta de estudos histórico-arqueológicos sobre esta indústria, apresentou-se como uma oportunidade de compreender e analisar in situ as suas evidências, em termos de edi-ficado, património móvel e memória social. Este projeto apresentou-se assim como uma importante oportunidade científica, que é também uma oportunidade educativa e forma-tiva.

Com o apoio do Município de Salvaterra de Magos, avançou-se para a realização de uma campanha de trabalhos arqueológicos de levantamento e documentação da fábrica, que permitissem conhecer e salvaguardar o potencial patrimonial, científico e tecnológico do sítio. Estes trabalhos tiveram ainda o acompanhamento científico da Associação Por tu

-RESUMO

Apresentação dos resultados da primeira campanha de trabalhos arqueológicos na Fábrica de Descasque de Arroz

da Casa Cadaval, em Salvaterra de Magos (1962-1987). Foi possível realizar um registo focado na estrutura, no património móvel integrado e na cadeira operatória de um excecionalmente bem preservado exemplar da tecnologia da época para descasque e branqueamento do arroz, de que era peça central uma máquina a vapor termoelétrica. Os trabalhos nesta “cápsula do tempo” são uma oportunidade única para identificar evidências tradicionalmente desaparecidas da maioria

dos sítios industriais.

PALAVRAS CHAVE: Arqueologia industrial; Indústria; Património.

ABSTRACT

Presentation of the results of the first archaeological campaign at the Rice Peeling Factory of Casa Cadaval, in Salvaterra de Magos (1962-1987). It was possible to carry out a record focussing on the structure, the integrated cultural heritage and the work chain of an exceptionally preserved example of epoch technology for peeling and whitening rice, whose centrepiece was a thermo-electrical steam machine. Works in this “time capsule” are a unique opportunity

to identify evidence which traditionally can no longer be found in most industrial sites.

KEY WORDS: Industrial Archaeology; Industry; Heritage.

RÉSUMÉ

Présentation des résultats de la première campagne de travaux archéologiques dans la Rizerie de la Maison Cadaval, à Salvaterra de Magos (1962-1987). Il a été possible de réaliser un registre focalisé sur la structure, le patrimoine mobilier intégré et la chaîne opératoire d’un exemplaire exceptionnellement bien préservé de la technologie de l’époque destiné au décorticage et blanchissement du riz, dont la pièce centrale était une machine à vapeur thermoélectrique. Les travaux dans cette « capsule du temps » sont une opportunité unique d’identifier des évidences

traditionnellement disparues dans la majorité des sites industriels.

MOTS CLÉS: Archéologie industrielle; Industrie; Patrimoine.

trabalhos

arqueológicos na

Fábrica de

Descasque de Arroz

da Casa Cadaval

(Salvaterra de Magos)

tecnologia, património

e comunidade

Leonor A. P. de MedeirosI

IProfessora Auxiliar Convidada na Faculdade

de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Presidente da Direção da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI), leonormedeiros@fcsh.unl.pt. Por opção da autora, o texto segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.

(6)

documentais ainda disponíveis, nomeadamente relativas ao processo de instalação da fábrica (Área 4); à realização de uma Visita Guiada pelo conceituado investigador Dr. Jorge Custódio e de um Dia Aber to à Comunidade, onde todos podiam vir visitar a fábrica, inquirir so -bre os trabalhos e partilhar conhecimentos, bem como partilhar ima-gens através das redes sociais (Área 5); e, para finalizar, à importante parte de realização do relatório dos trabalhos realizados, sistematizan-do e organizansistematizan-do os dasistematizan-dos, com tratamento sistematizan-dos mesmos em labora-tório e gabinete e posterior publicação dos resultados (Área 6). Em termos de metodologia de intervenção, destaca-se o registo foto-gráfico de todas as áreas previamente à intervenção, a partir do qual se efetuou então a limpeza e organização do espólio, com preenchimen-to de ficha de inventário para cada objepreenchimen-to, com memória descritiva, fo tografia e catalogação.

gue sa de Arqueologia Industrial (APAI), e foram integrados na componente de está-gio de um grupo de alunos da licenciatura em Arqueologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), a que se juntaram alu nos de estudos graduados em Arqui te tu ra, da Faculdade de Arquitetura da Uni -versidade de Lisboa (FA-UL).

Assim, através de uma parceria entre a Ca -sa Cadaval, o Município de Salvaterra de Magos, a APAI, a FCSH-UNLe a FA-UL, sob coordenação da autora e com a participa-ção de Jorge Custódio (APAI) e de Jorge García-Fernández (FA-UL), realizou-se en tre 9 e 14 de Julho de 2018 a primeira cam panha de trabalhos arqueológicos na Fá brica de Descasque de Arroz da Casa Ca -daval (FDACC18).

OBJETIVOS E METODOLOGIA Esta intervenção teve como principal obje-tivo documentar e salvaguardar o carácter único desta unidade fabril, fazendo o le van tamento deste exemplar da atividade in dustrial de descasque, branqueamento e gla -ciagem de arroz de meados do século XX, e promovendo o seu conhecimento,

prote-ção e valorizaprote-ção. Aliado a esse objetivo de salvaguarda patrimonial e científica, este projeto contém ainda uma dimensão formativa, ao in -tegrar alunos das licenciaturas em Arqueologia e Arquitetura nas tare-fas a realizar, e ao envolver as instituições e a comunidade local nos trabalhos e na sua comunicação.

Para cumprir estes objetivos, foram definidas seis áreas chave para o projeto: Edificado (1), Património Móvel (2), História Oral (3), Ar quivo Documental (4), Comunidade (5) e Relatório e Publicação Ci -en tífica (6). Assim, procedeu-se à análise da evolução histórica do edi-fício e ao levantamento das diversas zonas de produção e de apoio à produção, na área total de intervenção do projeto, com mapeamento e descrição (Área 1); ao inventário do património móvel e integrado na área da máquina a vapor (sector 0/H), no laboratório (sector 0/G), e na área administrativa (sector 0/B), incluindo o levantamento foto-gramétrico e com scanner laser da máquina a vapor (Área 2); à recolha de história oral de antigos trabalhadores, registando informações, me -mórias e experiências relacionadas com os objetos e os espaços anali-sados durante esta campanha (Área 3); à análise sucinta das fontes

A

RQUEOLOGIA

FIGS. 1 E2- Em cima, trabalhos de registo no piso das transmissões. Em baixo, trabalhos de limpeza no laboratório.

F OTO :Luís Reis, F CSH -U NL . F OTO :Mariana Noguera.

(7)

Esta fábrica de processamento de arroz insere-se na propriedade da Casa Cadaval, na Herdade de Muge, território pluricentenário que é há muito zona de obtenção de recursos alimentares para as comuni-dades humanas, como evidencia a presença da estação arqueológica dos concheiros de Muge. Os terrenos sob administração direta da

“Casa das Exmªs. Snrªs. D. Olga e D. Graziela (Cadaval)”, produziam

em 1962 (com “algumas parcerias”) cerca de quatro milhões de quilo-gramas de arroz, o que justifica o interesse dessa mesma administra-ção em instalar esta unidade de transformaadministra-ção do produto. A procura da melhor tecnologia para o local leva-os a estabelecer con-tactos internacionais e a pedir propostas de instalação que indiquem quer a melhor maquinaria a utilizar, quer a melhor organização da pro -dução dentro da fábrica, influenciando assim a arquitetura do edifí-cio. Em 1955, é pedida proposta a uma companhia em Espanha, a In dústrias Mecano-Agrícolas DOMINGÓMEZ, IMAD, empresa fundada em 1888, de Valência, com delegação em Lisboa, que fornece um

“Anteprojecto de instalação dum descasque para uma produção de

2 Tn/H. arroz casca”1. Será, no entanto, em Itália, local onde a

tec-nologia para esta indústria está em destaque, que se encontrará o pro-jeto que será aplicado na Herdade

de Muge, com a firma italiana P. Min ghetti, nomeadamente através da sua representante em Lisboa, a Sociedade Comercial Luso-Italiana Ldª.

Cada área intervencionada foi mapeada e foram preenchidas fichas de sector e de área para cada sala e suas respetivas áreas de atividade. O levantamento scanner laser e fotogramétrico da máquina a vapor foi co ordenado pelo Prof. Dr. Jorge García Fernández (FA-UL), para fins de modelamento e comunicação em ambiente educativo. Os traba-lhos foram constantemente documentados pelos alunos e coordena-dores, abastecendo as redes sociais e a página de Instagram da APAI (@arqueologia_industrial), e foram ainda alvo de registo audiovisual pe lo Município de Salvaterra de Magos e pela FCSH-UNL, permitindo a partilha desta campanha de trabalhos arqueológicos para além dos limites do espaço da fábrica.

O SÍTIO: FÁBRICA DE DESCASQUE DE ARROZ DACASACADAVAL

Esta unidade industrial insere-se na categoria da indústria de descas-que, branqueamento e glaciagem do arroz. Nos inícios da década de 1980, apontavam-se ainda seis grandes áreas orizícolas em Portugal, nas bacias dos rios Vouga, Mondego, Liz, Tejo, Sorraia e Sado. A área do Sorraia, que englobava os distritos de Lisboa e Santarém a Sul do Tejo, bem como o distrito de Portalegre, seria a 4.ª em importância (a seguir ao Mondego, ao Sado e ao Vouga). Dos 51 estabelecimentos em laboração em 1982, oito estavam no Sorraia, com uma capacida-de instalada capacida-de 23.600 kg por hora e mais capacida-de uma centena e meia capacida-de trabalhadores no ativo (DEPARTAMENTO…, 1982).

Contribuindo com 2500 kg/h estava a Fábrica de Descasque de Arroz da Casa Cadaval, cuja laboração iniciou oficialmente em 1962, após vários anos de investigação e preparação.

FIG. 3- Vista da Fábrica de Descasque de Arroz da Casa Cadaval.

1Arquivo Casa Cadaval,

Processo da Construção do Descasque de Arroz -Indústrias Mecano-agricolas “DOMINGOMEZ” - 1956-1955.

Casa Cadaval, Muge, Salvaterra de Magos. F OTO :Luís Reis, F CSH -U NL .

(8)

No entanto, em Abril de 1961, o Tribunal Pleno Administrativo anula a autorização, obrigando a novo pedido ao abrigo do condicio-namento geral das indústrias, que é concedido sob a condição de só po der laborar o arroz da sua produção. Dado que o arroz da campa-nha de 1961 se acumulava sem possibilidade de escoamento, pedem, em inícios de 1962, autorização para se inscrever no Grémio dos In -dustriais de Arroz, com o que conseguem finalmente iniciar o traba-lho na fábrica, inaugurada oficialmente em Setembro de 1962, tendo laborado por um período de 25anos.

Apresenta-se como uma fábrica de alvenaria de tijolo e cimento com co bertura de telha (duas a quatro águas), de planta retangular alonga-da, com cin co corpos diversos a desenvolverem-se perpendicularmente na fa cha da tardoz. O processo industrial distribuise de orienperpendicularmente pa -ra ocidente, iniciando-se com a ensilagem e a secagem, e terminando na área de armazenamento e expedição, onde se pode ainda identificar o cais de identificarga. A área da secagem, transformada em zona de ar -ma zenagem com a desativação da fábrica, caracteriza-se por u-ma área aberta, sem divisões entre pisos, a que se sucede uma sala com uma es -trutura elevada onde estaria uma separadora, e com uma área murada, onde se instalou o laboratório. O corpo principal da fábrica, de três pisos, tem no topo o sistema de transmissões e ciclones, no 2.º piso as pe nei radoras e separadoras, e no 1.º piso o descasque, branquea-Sucedem-se várias trocas de orçamentos, para variadas capacidades

produtivas e tipologias de materiais, com os respetivos projetos, que cul minam em 1958 com a seleção do projeto de instalação e equipa-mento da P. Minghetti, para uma “moderna riseria della capacià oraria

di kg.2500 circa di riso greggio da transformare in riso sgusciato (riz cargo), riso raffinato fine mercantile e riso brillato “glacé” – trattamento con

-temporaneo dei sottoprodotti” (ver Fig. 4) 2.

A Administração da Casa Cadaval havia pedido, em 1957, autoriza-ção “para instalar nas suas propriedades em Muge, uma fábrica de

des-casque de arroz para laborar a sua produção”, autorização essa que

chega em 1958, com uma validade de 24 meses. Ofício de 15 de se tembro de 1960, endereçado ao Di

-rector-Geral dos Serviços Indus tri ais, dá conhecimento de que “a fábrica

estava montada e pronta a trabalhar”.

A

RQUEOLOGIA

FIG. 4- Excerto de projeto de instalação da fábrica.

Corte longitudinal, sendo o que apresenta maior semelhança com a instalação final, como atestado pela organização atual da fábrica e a disposição do património móvel integrado (Arquivo Casa Cadaval).

2Arquivo Casa Cadaval,

Processo da Construção do Descasque de Arroz – Prog. Nº667-R-19-2-1958.

Casa Cadaval, Muge, Salvaterra de Magos.

(9)

saúde. O cultivo do arroz em ambiente de imersão levava a que as águas, estagnadas se os canais não fossem devidamente construídos e mantidos, fossem foco de mosquitos e que estes passassem doenças aos trabalhadores e habitantes locais. Embora uma ligação direta às mortes por paludismo nunca tivesse sido oficialmente aceite, esta imagem levava a que muitos se opusessem ao seu cultivo, oposição que teve de ir sendo vencida ao longo de décadas e apoiada pela inves-tigação aos seus benefícios e o crescimento do consumo, nacional e internacional (ver SAAVEDRA, 2013; SILVA, 1955).

A investigação científica foi um fator que muito apoiou a indústria, nomeadamente através do trabalho desenvolvido pela Estação Agro -nómica Nacional, um projeto da segunda metade do século XIX que ganha novo destaque a partir de 1936. O trabalho de investigação e melhoria do arroz foi também incentivado pelo próprio Grémio dos Industriais de Arroz, tendo instalado centros de calibragem “a cargo

do Grémio” em Muge, Figueira da Foz e Alcácer do Sal (DIÁRIO DA

SESSÃO…, 1952). Este trabalho no “serviço de aquisições, calibragem e fornecimento de sementes selecionadas” era impactante a nível nacional,

e a localização de um destes apenas três Centros de Calibragem de Sementes em Muge demonstra a pujança da região e da indústria e poderá ter incentivado a instalação desta unidade industrial de pro-cessamento do arroz.

Tratando-se de um produto de consumo que é basilar para o abaste-cimento alimentar (e como fonte nutricional e energética) da popu-lação, vários órgãos governamentais trataram, incentivaram, investi-garam e legislaram este sector durante o século XX, nomeadamente os responsáveis pela Economia e a Indústria. Assim, era essencial asse-gurar que os tipos de arroz fossem “os mais económicos, de maior valor

energético e de melhor possibilidade de conservação e armazenagem”

(TORRES, 1941: 5), e que todo o processo de produção, transforma-ção e acabamento do arroz fosse feito de modo estruturado e otimi-zado. De acordo com M. Vianna Silva, encarregue dos trabalhos de me lhoramento de arroz na Estação Agronómica Nacional, “Somente

depois de 1909, a cultura do arroz começa a ser encarada sob as bases científicas que orientam a moderna orizicultura. A partir de 1933, mer-cê da política de proteção adotada, assiste-se á sua rápida expansão e ao notável desenvolvimento técnico, que se vai acentuando ate aos nossos

dias” (SILVA, 1969: 15).

A importância do bom funcionamento da maquinaria, nomeada-mente a nível da calibragem dos vários elementos do processo, é justificada pelo valor económico dos vários produtos que daí podem re -sul tar. Como indicado pela Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, “No arroz, o bago inteiro é o produto mais valioso a obter na

pre-paração industrial que o torna próprio para consumo humano, já que sob esta forma ele é mais apreciado. Diligenciar na cultura deste cereal no sen tido de conseguir a maior quantidade possível de grãos inteiros, é o objetivo a atingir pelo orizicultor, para conseguir a mais valia comercial

do seu produto que compensa generosamente o seu cuidado” (COMIS

-mento e glaciagem. No sector de embala-mento, temos um corpo de dois pisos para embalamento, armazenamento e expedição dos produtos finais (arroz mercantil, arroz carolino, arroz gigante, sêmea, gér -men, e trincas de 1.ª a 4.ª), bem como uma pequena área administra-tiva no rés-do-chão.

De acordo com relatório do Ministério da Indústria e Energia, embo-ra a capacidade instalada tivesse aumentado consideembo-ravelmente desde 1979, o consumo de arroz em Portugal não tinha registado “aumento

significativo” (DEPARTAMENTO…, 1982: 14). Durante a década de 1970,

a quanti da de de arroz em película, ou meio preparo, que se importou, princi palmente dos EUAe de Itália, mas também de Espanha, Aus trá -lia, Ar gentina, Brasil e Uruguai, passou de cerca de onze mil toneladas pa ra 110 mil toneladas (19701979). No entanto, o “aumento da de pen

dên cia externa trouxe consigo problemas novos para a indústria, no mea da mente devidos à sua localização”, pois, dado que a maioria das fá bri

-cas estavam localizadas junto às fontes abastecedoras internas, ou seja, junto aos campos de arroz nestas áreas orizícolas, chegar aos principais portos abastecedores de arroz exótico, os de Lisboa e Lei xões, im -plicava custos de transporte acrescidos (DEPARTAMENTO…, 1982). A Revolução de 1974 e as suas subsequentes alterações a nível económico, político e social, bem como a adesão de Portugal à União Eu -ro peia, em 1986, com a consequente adaptação às normas comunitá-rias, são eventos que vão marcar as decisões administrativas e pessoais que levam ao encerramento da fábrica. No entanto, tal como esta campanha de trabalhos demonstrou, a visão dos antigos trabalhadores é de que esta unidade poderia continuar ativa e nunca ter deixado de ser um símbolo e polo agregador da comunidade de Muge, uma his-tória que permanece por escrever.

A INDÚSTRIA DE DESCASQUE, BRANQUEAMENTO E GLACIAGEM DE ARROZ

Tal como noutras áreas de atividade, a industrialização no sector ori-zícola passa por um aumento da escala de produção, acompanhado por inovações tecnológicas e transformações na sociedade. Embora o presente estudo esteja centrado na fábrica de descasque de arroz (que era também de branqueamento e de glaciagem), não podemos isolá-la dos campos onde o arroz era produzido, dos seus ciclos e tecnolo-gias, nem da infraestrutura política e social que a enquadrou durante grande parte do século XX.

A criação da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz, em finais de 1933 (Decreto-lei n.º 23.400), bem como a criação do Grémio dos Industriais Descascadores de Arroz menos de um ano depois, re -vela o período de incentivo que foi dado a esta indústria na viragem para o século XX. Este era um incentivo que, de facto, já se sentia desde meados da centúria anterior, uma ação desde esforço, dada a visão ge -ral da opinião pública de que a produção de arroz era nefasta para a

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Já na secagem mecânica, embora mais dispendiosa dada a necessidade de investir em ma quinaria própria (mais instalações e técnicos), quan-do bem controlada, não apresenta inconvenientes: “Nestes, quanquan-do se

está senhor da técnica do seu manejo, são nulos os inconvenientes apon-tados. O arroz pode ser bem seco sofrendo temperaturas que não ultrapas-sem 39 a 40 graus centigrados, a fim de se evitar a perda do seu poder

germinativo” (TOR RES, 1941).

Para além de reduzir o nível de humidade no arroz, a secagem dimi-nui também o nível de atividade fisiológica do mesmo, sendo que variáveis como a temperatura, a humidade ou o tempo de permanên-cia no secador, vão também afetar o sabor, a cor, a textura, a viabili-dade e a retenção nutricional, fatores determinantes na qualiviabili-dade do produto final (BOTELHO, 2014).

Na fábrica de Muge encontramos um sistema de secagem artificial por via de ar aquecido, por sistema de recirculação. Embora as má qui nas desta secção já tenham desaparecido, permanecendo apenas alguns ele mentos e marcas dispersas, a leitura da estrutura confirma a sua lo -calização, sejam as ligações à área da caldeira (vãos abertos na parede interior que, entretanto, foram encerrados para isolar as diferentes áreas da fábrica), seja a plataforma para colocação da tarara de limpe-za. Embora não fosse foco desta campanha, acabámos por intervir tam bém na sala da caldeira dos secadores de arroz, procedendo ao seu registo, uma área que já havia sido separada do restante corpo da fá -brica, permanecendo apenas com acesso pelos campos (Fig. 5). SÃO…, 1966). De facto, como exposto por Nuno Botelho, as

tecno-logias utilizadas no pós-colheita são de importância vital, dado que o arroz é “um produto vivo, que continua o seu processo metabólico mesmo

após a secagem”, e, portanto, há que assegurar “a escolha das melhores e mais correctas técnicas para a preservação da integridade química,

bioló-gica e física do grão” (BOTELHO, 2014).

Este trabalho é iniciado no campo, a fonte da matériaprima da in -dús tria de descasque de arroz. Embora não faça parte do foco deste tra balho analisar essa fase inicial do processo, há que salientar aqui também os estudos relacionados com as espécies utilizadas, as suas ca -racterísticas, as pragas que as ameaçam, ou as técnicas de cultivo (SIL -VA, 1969; CASTILHO, 1946). Mas, acima de tudo, as práticas sociais re lacionadas com o trabalho no campo, as condições de vida e os rit-mos anuais que resultam desta relação próxima entre o Homem e o arroz (VAQUINHASe MENDES, 2005). Aí temos os momentos da ceifa (manual ou mecânica) e da debulha, para recolher a planta e para se -parar o grão da palha, o que pode ser feito por meio mecânico, numa tarara, passando uma corrente de ar pelo sistema de diversos crivos. Após este tratamento e organização do produto vindo dos campos, o passo seguinte é o da secagem do arroz, e aí entramos no espaço da fá brica. Este é um processo de importância e complexidade, pois dele muito depende a qualidade do arroz e a sua durabilidade. Em Portu gal, de acordo com as definições da Direção Geral dos Servi ços Agrí -colas e da Comissão Reguladora do Comércio de Ar roz (1962), e à semelhança do que era defendido internacionalmente, “a hu

-midade ótima do arroz, destinado ao descasque, situa-se nos 14%. Abaixo deste limite, aumenta a percentagem de trincas; acima

dele, tornam-se precárias as condições de conservação” (SILVA,

1969: 311-312).

Este é um passo fundamental para o processo da indústria de des casque de arroz, sendo essencial que, constantemente (e prin cipalmente na secagem), se avalie o nível de humidade, al go posto como regra pela Comissão Reguladora do Co mér cio de Arroz, que comenta que “O secador de ar quente é uma arma

de dois gumes para quem não souber manejá-lo. As temperaturas baixas não secam o arroz; muito altas estalam-no dentro da casca

e tiram-lhe o poder germinativo” (COMISSÃO…, 1966: 28).

A verdade é que a humidade natural do arroz, dado que leva à fermentação e desenvolvimento de certos fungos, tem de ser controlada através do processo de secagem. A secagem natu-ral (ao sol, na eira), embora mais económica, apresenta gran-des riscos devido a ocorrer num ambiente não controlado, sujeito às variações climáticas e outras ameaças.

A

RQUEOLOGIA

FIG. 5- Vista da caldeira e ciclones para produção do ar aquecido e sua emissão para os secadores de arroz, que estariam situados na sala imediatamente por detrás da parede.

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Junto à secção de secagem, entre esta e o início da principal área de transformação do arroz, encontra-se o Laboratório, um dos sectores alvo da intervenção desta campanha. A sua localização, num local de charneira, é indicativa do seu papel no processo industrial, para ave-riguar a qualidade das amostras recolhidas, examinar as impurezas e controlar a humidade. Por um lado, a avaliação feita no laboratório da fábrica permite averiguar se o processo a montante, a secagem, está a decorrer dentro dos parâmetros de humidade definidos, e, por ou -tro, permite fazer ajustes diretos nas máquinas a jusante, por experi-mentações em laboratório, de modo a assegurar a qualidade final do produto.

Para tal, o laboratório está apetrechado de ferramentas diversas, bem como de versões miniatura das máquinas utilizadas na fábrica (ver Fig. 6). Neste caso, integradas no mobiliário do laboratório e movidas por um pequeno motor elétrico associado, tínhamos tanto uma des-cascadora como uma branqueadora. Outros aparelhos de medição, bem como instrumentos de apoio diversos, como o cereómetro ou uma versão miniatura da tarara de limpeza, com as suas diversas cha-pas perfuradas (crivos, classificadores de tamanhos, etc.), integram o espólio recolhido e tratado neste sector. É ainda interessante notar a atenção dada à decoração interior, que nesta área apresenta claro des-taque, com pinturas e efeitos diversos nas paredes, que diferenciam o espaço pela qualidade e detalhes da decoração – embora se veja esse cuidado estético em todas as áreas do edifício, quer nos pisos e acaba-mentos, quer no tratamento dado às paredes, com efeitos decorativos dados através da pintura.

Dos secadores, o arroz passava por uma tarara de limpeza que retirava uma primeira passagem de impurezas, antes de seguir para o tegão e aí iniciar o processo de transformação. Daí, já no 2.º piso da fábrica, uma outra tarara fazia o processo de limpeza e classificação, para re -mover os rolhões que tivessem sido formados e retirar impurezas, sen-do que os crivos (“bandejas” amovíveis da máquina) eram escolhisen-dos em função do nível de humidade do grão ou do tipo de resíduos a remover (Fig. 7).

Por sistemas de elevadores, colocados em mais de uma dezena de pon tos associados à maquinaria, o arroz e todas as partes em que este se de compõe ao longo do processo, vão sendo triadas, separadas e en ca -minhadas para outros momentos de transformação, seja numa ou tra máquina, seja para o ensaque ou depósito. Descendo para o 1.º pi so da fábrica (Fig. 9), após passar pelas balanças e calibragem, o grão era então enviado para as máquinas de descasque, as descascadoras, num total de três máquinas de duas tipologias diferentes: dois descascado-res de rolos em borracha para o 1.º descasque, e um descascador de dis cos horizontais (esmeril e borracha). Depois de separado o grão da sua casca exterior através da fricção entre os rolos e as mós, estes pro-dutos sobem por meio de elevadores para os pisos superiores, para que os ventiladores e os crivos da Plansichter separem os materiais mais leves (casca e farelo) do grão, encaminhando a casca para o depósito

FIGS. 6 E7- Em cima, uma das máquinas integradas

no laboratório, para replicação do descasque de arroz em ambiente laboratorial, após os trabalhos de limpeza,

inventariação e catalogação. Em baixo, tarara de limpeza e classificação,

situada junto ao tegão, no 2.º piso.

F

OTO

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tismos no arroz, que assim vem com elevado número de trincas (de -signação dos grãos partidos). O processo de calibragem, feito nos crivos das plansichters, separa estes dois tipos de granulometria, algo es -sencial dado que, para obtenção do tipo comercial, apenas era permi-tida uma certa percentagem de trincas. Nas máquinas lotadoras jun-tam-se assim as trincas e os grãos inteiros nas quantidades definidas, e diz-nos a história oral ter esta fábrica prezado por sempre conter uma quantidade de trinca muito inferior à permitida por lei. O arroz passa então por uma série de acabamentos, tratamentos sub-sidiários consoante o tipo de arroz que se quer no final, que melho-ram o aspeto do arroz, tornando-o mais homogéneo e brilhante, e que facilitam a conservação (mas que, em determinado momento, te -rão sido proibidas pela Comissão, por só terem finalidades de melho-ria de aspeto e encarecerem o produto). A matizagem e a glaciagem são processos que envolvem os grãos em banhos de composição variá-vel, com óleo mineral ou vegetal, ou com glucose, talco e parafina, em máquinas que promovem a rotação e envolvimento destes produtos no seu interior.

situado na divisão imediatamente por cima da sala da máquina a vapor, e redirecionan-do o arroz para continuação redirecionan-do tratamen-to. No piso inferior, a separadora Paddy tam bém separa o grão já descascado do ain da por descascar, de novo encaminhan-do cada produto para a fase específica encaminhan-do pro cesso.

Após o descasque, o arroz encontra-se em película, ou em “meio preparo”, pronto pa -ra a fase de polimento ou b-ranqueamento. É interessante notar que o branqueamento do arroz era uma atividade não isenta de controvérsia. A Comissão Reguladora do Comércio de Arroz apontava a “necessidade

de habituar o consumidor a dar preferência

aos tipos de arroz menos polidos, porque isto, alem de se traduzir num maior valor alimentar, traduz-se também num maior rendimento

indus-trial e, consequentemente, num aumento de poder de compra” (TORRES,

1941).

A fase de branqueamento era, na fábrica da Casa Cadaval, realizada em cinco máquinas branqueadoras, com cones de esmeril no interior por onde o arroz passava sucessivamente e, através da fricção, ia per-dendo a sua camada exterior (cariopse), obtendo-se o arroz “em

bran-co”. Isto resultava, no entanto, em maior número de trincas sêmea e

farelo, reduzindo o tal “rendimento industrial” e o valor energético e nu tritivo de que nos falava António Torres, mas era importante para aumentar a sua capacidade de conservação. O arroz polido favorece a armazenagem “por as substâncias facilmente alteráveis lhe terem sido

arrastadas no branqueamento, tornandose a conservação tanto mais fá

-cil quanto mais intenso tiver sido o primeiro” (TORRES, 1941: 7),

resis-tindo melhor a fungos e apodrecimento.

O processo de descasque e branqueamento, bem como (em menor es -cala) o transporte e processos de separação, são causadores de

trauma-A

RQUEOLOGIA

FIGS. 8 E9- Em cima, vista do 2.º piso da fábrica, onde se concentram as funções de separação e calibragem do arroz. Em baixo, vista do 1.º piso da fábrica, vendo-se, da esquerda para a direita, uma descascadora, a separadora Paddy

e as máquinas branqueadoras. F OTO :Mariana Noguera. F OTO :Luís Reis, F CSH -U NL .

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dutos, o corpo da fábrica que alberga a fonte de energia, a máquina a vapor termoelétrica, pode ser visto como o coração da fábrica. Esta “Central de Produção de Energia Eléctrica” era constituída por uma caldeira de vapor a 15 kg/cm2, com 5.000 m3de capacidade total e 61,82 m2de superfície de aquecimento, que acionava a máquina a vapor, e esta, através da movimentação do seu volante por um sistema de transmissão por correia de couro, ativava um alternador de 250 KVA -- 400/231 V. O combustível usado na caldeira era um dos - subprodu-tos do processo industrial de transformação do arroz, a sua casca, e apenas quando havia este combustível se operava a caldeira. Esta má -quina a vapor semifixa, fabricada na Alemanha, em 1942, pela firma R. Wolf, A. G., foi posteriormente alterada para a instalação de um sistema de alimentação contínua da fornalha da caldeira com a casca de arroz armazenada no piso superior, através da adição de aparelho fornecido pela firma lisboeta Emydgio Lopes Valente da Silva, e que terá ainda levado à construção do cinzeiro para escoar as cinzas resul-tantes da queima (CUSTÓDIO, 2016).

Esta área, que demonstra a permanência da pertinência do vapor na indústria do século XX, consiste numa ala em dois pisos: no 1.º piso encontramos a máquina a vapor e o gerador, bem como o quadro ge -Na Casa Cadaval encontramos uma uniformizadora em hélice, para

primeira fase de abrilhantamento, e um tambor para o brilho final (com um outro na área de embalamento e armazenagem), para criar o efeito do arroz glaceado, tanto na variedade carolino como na gi -gante.

A última fase é a de embalamento dos vários produtos e subprodutos (trinca, sêmea, gérmen, arroz verde), feita principalmente no corpo seguinte da fábrica, embora ao longo do edifício várias bocas de ensa-camento estejam localizadas em sítios estratégicos para escoamento de certos subprodutos. Esta área, a mais vazia de evidências, tem ainda os silos de armazenamento (tegões), o montacargas e as aberturas pa -ra descarga dos sacos de arroz, bem como as máquinas de cozer onde as trabalhadoras fechavam os sacos de papel e as sacas de tecido, de tamanhos diversos, e os deixavam prontos para expedição. Inicia-se aqui uma outra fase do processo de produção industrial do arroz, já fora do âmbito deste trabalho, com foco nas vias de transporte e ca -nais de expedição, ficando por analisar os principais compradores (que, ao que se diz, estariam situados no Norte de Portugal) e pontos de venda.

Assim, ao longo dos vários corpos da fábrica, o arroz que chegava dos campos da Herdade de Muge (e não só), era processado à escala in -dus trial, em maquinaria de ponta, mas com alguns apontamentos mais conservadores, como os elevadores ainda em madeira. Para asse-gurar este funcionamento, mantendo em circulação todos estes

pro-FIG. 10- Vista parcial da máquina a vapor, vendo-se ao fundo,

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gos e da região do Sorraia. É, com a riqueza material e imaterial que ainda agrega, uma âncora fundamental do Património da época in -dustrial portuguesa e um exemplar único que urge continuar a conhe-cer, investigar, proteger e partilhar.

CONCLUSÕES

A análise conjunta do edifício e do seu Património móvel, apoiada na documentação de arquivo e na história oral, permitemnos hoje en -tender e sistematizar de maneira mais adequada a história desta fábri-ca e o seu enquadramento no momento histórico e no lofábri-cal geográfi-co. A realização desta campanha de trabalhos arqueológicos permitiu também organizar o conhecimento deste processo industrial, que é ho je basilar na economia e hábitos alimentares nacionais e internacio-nais, de modo a entendermos a transformação industrial do arroz. A leitura deste exemplar da indústria de descasque, branqueamento e glaciagem de arroz, com a preservação da maquinaria in situ, ajudará ainda a que outras unidades desta tipologia possam vir a ser futura-mente identificadas pelas marcas de ausência (os negativos) de tantas fábricas abandonadas e destruídas que chegam a nós, arqueólogos, en cobertas e ilegíveis. Mas, talvez um dos maiores contributos destes tra balhos tenha sido o reconectar a comunidade local com este seu Pa -trimónio, permitindo-lhes revisitar o espaço com as famílias, contar as suas histórias, e mostrando-lhes que a fábrica de descasque de arroz da Casa Cadaval, tal como pode ser visto por esta parceria, também ral de eletricidade e um moderno gerador a diesel; no 2.º piso estava

o depósito do material combustível e a própria casca de arroz que, se -parada do grão, era para esta sala encaminhada para, por meio de gra-vidade e através de tubagem, alimentar a caldeira da máquina a vapor. Este corpo é indissociável de outros dois elementos, já no exterior do edifício: o poço, fonte de abastecimento da água que iria ser transformada em vapor, e a chaminé, por onde eram eliminados os gases re -sultantes da queima, alta para proteger ao máximo os campos agríco-las em redor.

É de salientar que com esta central de energia se iluminava e operava grande parte da Herdade de Muge, desde as instalações industriais à habitação, o denominado “Palácio”. A entrada na década de 1980 traz adaptações a esta central energética, cuja história a investigação fica ainda por contar devidamente. Em 1980, é também feito o pedido pa ra construção de “um posto de transformação, alimentado por uma li

-nha de alta tensão a 30 kv, a construir pela EDP”, para melhorar as

con-dições e aumentar a eficácia do abastecimento de energia elétrica às suas instalações industriais, “como sejam, o descasque de arroz e a

fábri-ca de rações”, que era alimentada pela rede de distribuição públifábri-ca em

baixa tensão de Muge 3.

Esta fábrica é assim um ponto fun-damental numa rede que a transcen-de, integrando o amplo sistema da pro dução e consumo nacional de ar roz, marcando profundamente o ter ritório de Muge, de Salvaterra de Ma

-A

RQUEOLOGIA

FIG. 11- Perspetiva e corte

longitudinal da máquina a vapor, em modelo produzido por varrimento

de scanner laser realizado por Jorge García Fernández.

3Arquivo Casa Cadaval,

Processo da Construção do Descasque de Arroz - Proj. de electrifcação das instalações industriais da Administração

da Casa Cadaval - 1980.

Casa Cadaval, Muge, Salvaterra de Magos.

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tem valor de Património para a Academia, a Ciência, o Poder local, e o proprietário. Restanos continuar a trabalhar em conjunto para con -tinuar a conhecer, comunicar e valorizar este sítio.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho deve muito ao apoio da Administração da Casa Ca -daval, especialmente à D. Teresa Schönborn, que nos abriu as portas da sua propriedade, e aos seus funcionários, o Sr. Manuel Nunes e as suas inigualáveis “duas Grazielas”. Igualmente, apenas foi possível com o apoio do Município de Salvaterra de Magos, do Sr. Presidente Helder Manuel Esménio e do Roberto Caneira. Agradeço ainda ao Professor Jorge Custódio por nos ter alertado para este sítio e incen-tivado para a criação desta campanha de trabalhos arqueológicos, bem como ao Prof. Dr. Jorge García Fernández por ter aceite trazer uma importante dimensão a este projeto com o seu registo. Um grande agragrandecimento em especial aos alunos da licenciatura em Ar queo -logia da FCSH-UNL, Ana Sofia Ribeiro Abrantes, Luiza Calixto Ta -rasconi, Francisco João São Pedro Oliveira, Rafael Martins Ferreira Pilar Santiago, Rui Filipe Cruz Gil e Maria Inês Teixeira Madeira, e às alunas da FA-UL, Eva Meneses Gaivoto e Mariana Noguera. Re pe -gando nas vossas palavras: Thank you very Muge!

FIG. 12- Foto da equipa à porta da fábrica.

Atrás, da esquerda para a direita,

Francisco Oliveira, Rui Gil e Rafael Santiago; No meio, Eva Gaivoto, Mariana Noguera, Luiza Tarasconi, Ana Abrantes e Maria Inês Madeira; À frente, Leonor Medeiros.

BOTELHO, Nuno (2014) – “Tecnologias Pós-Colheita de Arroz”. Agronegócios. Porto. Em linha. Disponível em http://www.agronegocios.

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Câmara Municipal. BIBLIOGRAFIA

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