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Política de credito habitacional versus déficit habitacional brasileiro: um breve estudo comparativo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

JONATHAS FRAGOSO CARVALHO

POLÍTICA DE CRÉDITO HABITACIONAL VERSUS DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO: UM BREVE ESTUDO COMPARATIVO

SALVADOR 2011

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JONATHAS FRAGOSO CARVALHO

POLÍTICA DE CRÉDITO HABITACIONAL VERSUS DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO: UM BREVE ESTUDO COMPARATIVO

Versão final do trabalho de conclusão de curso apresentado no Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof. Antônio Renildo Santana Souza.

SALVADOR 2011

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Ficha catalográfica elaborada por Joana Barbosa Guedes CRB 5-707 Carvalho, Jonathas Fragoso

C331 Política de credito habitacional versus déficit habitacional brasileiro: um breve estudo comparativo / Jonathas Fragoso Carvalho.

– Salvador, 2011. 52f. tab.

Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Economia) – Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA, 2011.

Orientador: Prof. Antonio Renildo Santana Souza

1. Política habitacional - Brasil. 2. Crédito habitacional. 3. Déficit

Habitacional. 4. Sistema financeiro da habitação. I. Carvalho, Jonathas

Fragoso. II. Souza, Antonio Renildo Santana. III. Título.

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JONATHAS FRAGOSO CARVALHO

POLÍTICA DE CRÉDITO HABITACIONAL VERSUS DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO: UM BREVE ESTUDO COMPARATIVO

Versão final do trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Economia, Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 5 de Dezembro de 2011.

Banca Examinadora

Orientador: ____________________________ Prof. Antônio Renildo Santana Souza

Faculdade de Ciências Econômicas - UFBA

____________________________ Prof. Gilca Garcia de Oliveira

Faculdade de Ciências Econômicas - UFBA

____________________________ Gerson Aureliano Alves Neto Gerente Geral da Ag. Araújo Pinho Caixa Econômica Federal

(5)

Dedico este trabalho a Izadora Alves de Miranda Santos, principal motivadora da minha formação.

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(...) nunca foi tão grande a distância entre o país que poderíamos ser e o país que somos.

(7)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar um breve retrospecto histórico das principais políticas de crédito habitacional no país fazendo um comparativo com a situação do déficit habitacional. São discutidas suas principais características e sua eficácia quanto ao resultado esperado. Tal pesquisa torna-se bastante relevante à medida que o Brasil apresenta déficit de quase seis milhões de moradias, mesmo possuindo longo histórico de programas habitacionais. Primeiramente é apresentada uma discussão sobre a construção do déficit habitacional brasileiro enquanto fenômeno histórico e social. Em seguida, é realizada uma análise dos principais momentos das políticas habitacionais no país: a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) e montagem do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), nos anos 60; a crise e reestruturação institucional do SFH, nos anos 80; e os recentes programas de subsídios para aquisição de imóveis pelo “Programa Minha Casa Minha Vida”. Portanto, trata-se de um trabalho de natureza histórica e social, tendo seus elementos de análise associados ao âmbito da Economia Política.

Palavras-chave: Política habitacional brasileira. Crédito habitacional. Déficit habitacional. Sistema Financeiro da Habitação.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 7

2 O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL 10

2.1 UM BREVE PANORAMA 10

2.2 A ECONOMIA POLÍTICA DA URBANIZAÇÃO 15

3 SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO: ORIGEM E

MATURAÇÃO 19

3.1 O PERÍODO PRÉ-SFH 19

3.2 CRIAÇÃO DO SFH: HORIZONTE DAS POLÍTICAS DE

CRÉDITO HABITACIONAL 20

3.3 BNH: ATUAÇÃO E DINAMISMO 22

4 CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO SFH 25

4.1 CRISE E EXTINÇÃO DO BNH: O PARADOXO DO MODELO EMPRESARIAL E A CRISE POLÍTICA ECONÔMICA DOS ANOS 80

25

4.2 O “PÓS-BNH”: DESAFIOS PARA A CAIXA ECONOMICA E A CRIAÇÃO DA CARTA DE CRÉDITO

31 4.3 O PROGRAMA “MINHA CASA MINHA VIDA”: NOVAS

PERSPECTIVAS PARA AS POLÍTICAS DE CRÉDITO HABITACIONAL NO BRASIL.

36

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 47

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo desta monografia é apresentar um breve retrospecto histórico das principais políticas de crédito habitacional no país. Além disso, faz-se análise de cada período descrito e compara-se com a evolução do déficit habitacional. Portanto, trata-se de uma análise de conteúdo histórico e social, que aborda a problemática da questão habitacional no país sob a óptica da Economia Política. O Brasil apresenta atualmente déficit habitacional de quase seis milhões de moradias e, apesar disso, este é um tema pouco abordado na academia, tendo seus elementos de análise restritos a um pequeno grupo de técnicos que porventura desenvolvem trabalhos na área.

O problema de pesquisa consiste em tentar entender como, ao longo da história do país, as políticas de crédito habitacional lidaram com o problema do déficit de moradias, sobretudo para com as populações mais pobres. Desse modo, este trabalho tem abordagem qualitativa, trata-se de uma pesquisa exploratória tendo como hipótese a insuficiente atuação do Estado frente à questão habitacional no país. Este é um elemento chave para tentar compreender a correlação existente entre o déficit habitacional e o crédito habitacional brasileiro.

Na primeira parte deste trabalho é apresentado um panorama da situação atual do déficit habitacional no país. São analisados os principais dados apresentados pela Fundação João Pinheiro para o déficit de moradias no ano de 2007. Além disso, é realizada uma construção histórica do déficit habitacional do país e são elencados os principais elementos de sua conceituação. Dessa maneira, resgatam-se conceitos fundamentais sobre habitação e urbanização a partir de autores como Milton Santos e Paul Singer.

Na segunda parte dessa monografia, apresenta-se a gênese das políticas habitacionais brasileiras. São abordadas as políticas habitacionais anteriores ao período de funcionamento do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e sua forte relação com as políticas populistas dos governos Vargas e Dutra. Faz-se severa crítica à falta de planejamento estratégico frente ao forte contexto de urbanização do país, que se vislumbraria nas décadas posteriores. Discute-se também o papel dos Institutos de Aposentadorias e Pensões e da Fundação Casa Popular enquanto instituições ineficientes e de caráter clientelista.

(10)

Posteriormente, o SFH é descrito nas suas principais características e dinâmicas de funcionamento. Analisam-se suas principais fontes de financiamento, SBPE e FGTS, e é verificada dependência deste sistema ao desempenho macroeconômico do país. Além do mais, observa-se o funcionamento do Banco Nacional da Habitação (BNH), enquanto executora do SFH e promotora das políticas de crédito. È constatado a ausência do Estado como regulamentador das políticas de urbanização, deixando via BNH-SFH tais atribuições ao mercado privado.

São demonstrados também, os motivos que levaram o SFH ao colapso com a conseqüente extinção do BNH. São identificados os pontos de estrangulamento que levaram ao SFH à perda de sua função social e falta de capacidade financiadora, dentre eles, os mecanismos de correção monetária. É dado destaque às contradições existentes entre os objetivos sociais e a lógica empresarial de funcionamento do BNH, que foi na prática a grande responsável por sua extinção.

Na terceira seção é visto o período conhecido como Pós-BNH, que compreende as gestões dos anos 90 com enfoque nas políticas habitacionais do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Examina-se a dinâmica de funcionamento das políticas de crédito após a extinção do BNH, com baixos investimentos no setor, crises institucionais e falta de proposta política clara.

Posteriormente, são apresentados os recentes esforços para reestruturação do setor habitacional no país. Com grandes reformulações institucionais e aumento significativo no aporte de recursos direcionados as políticas de crédito habitacional. O governo Lula inaugurou um novo paradigma no tratamento à questão da habitação no país lançando um programa ousado e pretensioso, o Minha Casa Minha Vida (MCMV). Todas estas medidas são amplamente discutidas e analisadas neste trabalho, visando investigar até que ponto o MCMV apresenta uma proposta clara e consistente de enfrentamento ao déficit habitacional.

Nas considerações finais, procura-se discutir se o caminho das políticas de crédito habitacional foi a melhor alternativa de enfrentamento ao déficit de moradia e quais são os principais entraves para o sucesso de uma política nacional de acesso a habitação.

(11)

Coloca-se em questão o problema fundiário do país e a extrema necessidade de redemocratização do espaço urbano como medidas fundamentais no combate ao déficit habitacional brasileiro.

(12)

2 O DÉFICIT HABITACIONAL NO BRASIL

Este capítulo inicial tem como objetivo fazer um breve panorama da situação do déficit habitacional no Brasil, sua evolução e sua forte relação com o recente processo de industrialização e urbanização do país. Inicialmente será apresentado o estudo da Fundação João Pinheiro (FJP) realizado em 2007 sobre a questão habitacional brasileira, bem como os principais conceitos e características do déficit habitacional. Em seguida tentar-se-á demonstrar os mecanismos que estiveram por trás do processo de urbanização do país, dentre os aspectos econômicos políticos e sociais. A comparação entre as políticas habitacionais e a evolução do déficit será realizada paulatinamente ao longo de todo este trabalho, quando já terão sido feitas melhor abordagem e análise dos dois temas.

2.1 UM BREVE PANORAMA

O número exato sobre o déficit habitacional brasileiro sempre foi motivo de discordância entre os pesquisadores do tema. Isso decorre por conta das diferentes metodologias empregadas para o cálculo exato deste número. É somente a partir de 1995 que os estudos sobre o déficit habitacional ficaram centralizados nas mãos de um único centro de pesquisa, a FJP. Dessa forma, neste trabalho, serão adotadas as mesmas conceituações e análises utilizadas pela FJP para discutir o déficit habitacional:

(...), a metodologia utilizada pela Fundação João Pinheiro a partir de 1995 – com mais de uma década de experiência e aprimoramento, portanto – foi um importante marco para a rediscussão do chamado “déficit habitacional”, por sua abordagem, amplitude e pela divulgação dos resultados. Seu principal mérito foi rearticular inúmeras contribuições realizadas anteriormente de forma inovadora. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2007, p.14).

Apoiada na experiência e credibilidade atribuída à Fundação é trazida para dentro deste trabalho uma melhor conceituação e caracterização do déficit habitacional no país, mostrando como o mesmo está inserido dentro de um conceito mais amplo de “necessidade habitacional”, que tanto abrange a concepção de déficit habitacional, como também das inadequações das moradias existentes.

(13)

Assim, de acordo com a FJP, o déficit habitacional é definido como: “A noção mais imediata e intuitiva de necessidade de construção de novas moradias para a solução de problemas sociais e específicos de habitação detectados em certo momento.” (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2007, p.15).

Dessa forma este conceito está ligado às deficiências de estoque de moradias e engloba também, por questões estruturais de construção ou desgaste, as unidades habitacionais que não apresentam condições de serem habitadas. É, portanto, um conceito que procura abranger não somente as famílias não proprietárias de unidades habitacionais, mas também a qualidade e tipo de propriedade. Outro aspecto que se incorpora ao conceito de déficit habitacional é a coabitação familiar, onde mais de uma família ocupa a mesma unidade habitacional.

A tabela 1 mostra um retrato da situação habitacional brasileira:

Tabela 1 - Déficit Habitacional (1) E Percentual Em Relação Aos Domicílios Particulares Permanentes, Por Situação Do Domicílio, Segundo Regiões Geográficas, Unidades Da Federação E Regiões Metropolitanas (RMs) - Brasil – 2007

Especificação Déficit Habitacional Percentual dos domicílios particulares permanentes

Total Urbana Rural Total Urbana Rural

Total Rural de extensão urbana Total Rural de extensão urbana Norte 652.684 487.357 165.327 4.782 16,7 16,2 18,4 14,1 Rondônia 52.472 42.561 9.911 3.072 11,6 13,6 7,1 10,8 Acre 21.063 17.263 3.800 - 12,6 14,1 8,4 - Amazonas 146.268 117.496 28.772 1.530 18,6 18,9 17,4 45,5 Roraima 16.379 14.458 1.921 - 14,7 15,9 9,3 - Pará 317.089 223.645 93.444 180 17,1 15,6 22,3 8,3 RM Belém 92.734 90.817 1.917 180 16,5 16,5 14,4 8,3 Amapá 30.449 28.853 1.596 - 20,2 20,3 18,0 - Tocantins 68.964 43.081 25.883 - 18,2 16,4 15,2 - Nordeste 2.144.384 1.461.669 682.715 6.216 15,0 13,9 18,2 7,4 Maranhão 461.396 240.415 220.981 1.742 29,5 22,0 46,7 11,1 Piauí 139.318 76.157 63.161 - 16,9 14,7 20,5 - Ceará 314.949 227.096 87.853 - 13,9 12,8 18,1 - RM Fortaleza 124.282 119.970 4.312 - 12,9 12,8 17,0 - Rio Grande do Norte 117.647 85.191 32.456 1.375 14,0 13,7 15,0 5,9 Paraíba 122.166 98.034 24.132 - 12,2 12,2 11,9 - Pernambuco 281.486 224.956 56.530 2.065 11,7 11,9 11,0 6,6 RM Recife 133.059 129.892 3.167 - 12,2 12,2 13,3 - Alagoas 123.245 89.128 34.117 1.034 14,8 15,1 14,2 8,0 Sergipe 73.499 60.907 12.592 - 13,0 13,0 12,9 - Bahia 510.677 359.784 150.893 - 12,9 13,1 12,4 - RM Salvador 141.025 138.946 2.079 - 13,7 13,7 12,3 -

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Sudeste 2.335.415 2.222.957 112.458 9.398 9,3 9,5 6,1 5,9 Minas Gerais 521.085 465.206 55.879 - 8,8 9,1 6,7 - RM Belo Horizonte 129.404 129.171 233 - 8,5 8,6 1,2 - Espírito Santo 101.124 90.079 11.045 - 9,4 10,1 6,1 - Rio de Janeiro 475.901 471.872 7.029 889 9,1 9,3 4,4 5,0 RM Rio de Janeiro 378.797 376.139 2.658 - 9,5 9,5 10,6 - São Paulo 1.234.306 1.195.800 38.506 8.509 9,6 9,8 5,8 6,0 RM São Paulo 628.624 611.936 16.688 7.594 10,3 10,4 7,8 5,9 Sul 703.167 617.333 85.834 - 7,9 8,3 6,0 - Paraná 272.542 240.825 31.717 - 8,3 8,6 6,7 - RM Curitiba 91.444 85.007 6.437 - 8,9 9,1 7,2 - Santa Catarina 145.363 125.297 20.066 - 7,6 7,9 6,3 - Rio Grande do Sul 285.261 251.211 34.050 - 7,8 8,3 5,3 - RM Porto Alegre 136.030 128.784 7.246 - 9,7 9,7 10,0 - Centro-Oeste 436.995 390.447 46.548 217 10,5 10,8 8,3 3,1 Mato Grosso do Sul 76.027 63.762 12.265 - 10,5 10,1 12,7 - Mato Grosso 86.679 66.636 20.316 - 9,8 10,0 9,1 - Goiás 167.042 155.119 11.923 - 9,2 9,6 5,8 - Distrito Federal 107.248 105.202 2.046 217 14,6 15,1 5,3 3,1 Brasil 6.272.645 5.179.763 1.092.882 20.613 11,1 10,8 12,9 7,1 Total das RMs 1.855.399 1.810.662 44.737 7.774 10,5 10,5 8,9 5,7 Demais áreas 4.417.246 3.369.101 1.048.145 12.839 11,4 11,0 13,1 8,4 Fonte: Fundação João Pinheiro, 2007, p.25

Verifica-se um déficit habitacional estimado em cerca de seis milhões de unidades habitacionais, dos quais 82,6% concentram-se nas áreas urbanas. Destaque para as regiões Sudeste e Nordeste que representam respectivamente 37,2% e 34,2% do déficit habitacional brasileiro. As regiões metropolitanas aparecem em grande evidência nos dados, responsáveis por 29,6% do total de moradias. Outro fato importante é a distribuição regional e a composição do déficit, que varia em cada região. Enquanto no Sudeste o problema encontra-se fortemente na área urbana, no Nordeste este problema é mais representativo na área rural. Estas diferenças regionais somadas à grandeza do território brasileiro mostram que dificilmente uma política habitacional generalista sanaria os grandes problemas habitacionais de cada região.

O Mapa 1 permite uma melhor visualização de um dado expressivo, o déficit habitacional relativo, comparado à quantidade de moradias existentes. Neste quadro as regiões Norte e Nordeste ganham destaque. Percentualmente, a situação é mais crítica no Maranhão, onde o déficit representa 29,5% do estoque de domicílios, Amapá, 20,2%, Amazonas, 18,6%, Roraima, 11,6%, Pará, 17,1% e Tocantins, 18,2%. Exceto o Maranhão, todos os estados localizam-se na região Norte. Deve-se ressaltar também o déficit relativo do Distrito Federal, de 14,6%. Em relação às regiões localizadas no Nordeste e Norte o déficit é sempre superior a 12%.

(15)

Mapa 1 - Déficit Habitacional Total Em Relação Ao Total Dos Domicílios, Segundo Unidades Da Federação – Brasil -2007.

Fonte: Fundação João Pinheiro, 2007, p.26

Outra metodologia empregada pela FJP é de grande relevância para os objetivos deste trabalho, que é a composição do déficit habitacional por faixa de renda. A Tabela 2 dá estas informações:

Tabela 2 - Distribuição Percentual Do Déficit Habitacional Urbano (1), Por Faixas De Renda Média Familiar Mensal, Segundo Regiões Geográficas, Unidades Da Federação E Regiões Metropolitanas (RMs) - Brasil – 2007

Especificação Faixas de renda média familiar mensal

(em salários mínimos)

Até 3 Mais de 3 a 5 Mais de 5 a 10 Mais de 10 Total (2)

Norte 89,7 6,1 3,2 1,0 100,0 Rondônia 91,1 4,4 3,7 0,8 100,0 Acre 87,5 6,3 4,1 2,1 100,0 Amazonas 86,7 8,3 3,6 1,4 100,0 Roraima 88,3 8,1 3,0 0,6 100,0 Pará 91,8 4,5 2,7 1,0 100,0 RM Belém 88,1 6,7 3,8 1,4 100,0 Amapá 84,8 10,4 4,7 0,1 100,0 Tocantins 91,2 6,3 2,2 0,3 100,0

(16)

Nordeste 95,9 2,7 1,0 0,4 100,0

Maranhão 96,0 2,4 1,5 0,1 100,0

Piauí 98,3 1,5 0,1 0,1 100,0

Ceará 95,8 3,1 0,7 0,4 100,0

RM Fortaleza 95,1 3,1 1,2 0,6 100,0

Rio Grande do Norte 93,6 5,1 1,3 - 100,0

Paraíba 95,3 2,6 1,1 1,0 100,0 Pernambuco 96,3 2,0 1,6 0,1 100,0 RM Recife 95,6 2,5 1,8 0,1 100,0 Alagoas 96,4 2,7 0,2 0,7 100,0 Sergipe 95,7 3,5 0,8 - 100,0 Bahia 95,7 2,7 1,0 0,6 100,0 RM Salvador 94,8 3,3 1,3 0,6 100,0 Sudeste 86,7 7,9 4,3 1,1 100,0 Minas Gerais 92,4 4,6 1,9 1,1 100,0 RM Belo Horizonte 89,2 6,4 3,3 1,1 100,0 Espírito Santo 89,9 7,8 2,2 0,1 100,0 Rio de Janeiro 89,9 6,9 2,0 1,2 100,0 RM Rio de Janeiro 89,9 6,9 1,9 1,3 100,0 São Paulo 83,0 9,6 6,2 1,2 100,0 RM São Paulo 81,2 9,1 7,9 1,8 100,0 Sul 84,8 10,0 4,1 1,1 100,0 Paraná 86,8 8,9 2,9 1,4 100,0 RM Curitiba 80,3 12,0 6,0 1,7 100,0 Santa Catarina 77,1 13,9 7,1 1,9 100,0

Rio Grande do Sul 86,5 9,2 3,8 0,5 100,0

RM Porto Alegre 87,8 8,5 3,4 0,3 100,0

Centro-Oeste 88,4 7,0 2,7 1,9 100,0

Mato Grosso do Sul 88,4 8,0 2,3 1,3 100,0

Mato Grosso 89,2 6,0 3,5 1,3 100,0

Goiás 90,8 6,4 1,4 1,4 100,0

Distrito Federal 84,5 8,0 4,3 3,2 100,0

Brasil 89,4 6,5 3,1 1,0 100,0

Total das RMs 87,3 7,1 4,4 1,2 100,0

Fonte: Fundação João Pinheiro, 2007, p.29

Era razoavelmente esperado o fato de o déficit habitacional estar concentrado entre as famílias que ganham até 3 salários mínimos; 89,4% do total. No Nordeste este número chega a 95,9% mostrando em primeira análise que a capacidade financeira das famílias ainda é o principal obstáculo de acesso ao bem “moradia”. Desta parte da população com menor poder aquisitivo, a FJP analisa a composição da renda dentre os 10% mais pobres para que se tente evitar equívocos de generalização. Chegam- se as seguintes conclusões:

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O que primeiro chama atenção é a grande diversidade da renda recebida pela parcela mais pobre da população. Nas unidades da Federação da região Nordeste, os valores são em média bastante inferiores aos das demais, principalmente as localizadas no Sul do país. Enquanto em algumas delas, como Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, eles equivalem a pouco mais de meio salário mínimo – em torno de 220 reais , em Santa Catarina, os mais pobres recebem 1,6 salário mínimo – 600 reais. Entre as regiões metropolitanas, a de Recife tem renda média de 262 reais – 0,7 salário mínimo. No outro extremo, nas RMs de São Paulo e Curitiba ela é de 500 reais – 1,3 salário mínimo. (...). Esse é um indicador de que a universalização dos programas públicos que privilegia a classe até três salários mínimos de renda pode levar a que, dependendo da região a se considerar, parcela da população nas piores condições não consiga ser atendida. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2007 p.32).

Em uma análise preliminar, verifica-se que o problema do déficit habitacional brasileiro está concentrado principalmente nas áreas urbanas e atinge maciçamente a população mais pobre do país. Em primeira vista, a renda é a principal variável que define quem tem acesso ou não ao bem “moradia”. As diferentes configurações do déficit habitacional em cada região coloca em evidência a dificuldade de implementação de políticas habitacionais generalistas e centralizadas. Significativa parte da população pode não ser atendida se estas diferenças não forem levadas em consideração.

Neste ponto um questionamento torna-se necessário e norteará a construção deste trabalho. Como ao longo de vários anos de política habitacional no país, chegou-se a um patamar tão expressivo de déficit habitacional, com pouco mais de seis milhões de moradias? Como será visto ao longo deste trabalho, o conturbado processo de urbanização brasileira e a qualidade das políticas públicas engendradas pelos governantes do país aparecem como elementos significativos na explicação deste quadro.

2.2 A ECONOMIA POLÍTICA DA URBANIZAÇÃO

Como visto na seção anterior, o problema habitacional é essencialmente da cidade. É, portanto, no contexto do processo de urbanização do país que os elementos inerentes a origem do déficit habitacional vão surgir. Desse modo, é oportuno estudar, ainda que de maneira resumida, o contexto da urbanização brasileira.

(18)

Sabe-se que na maior parte da história do Brasil o país apresentava uma população essencialmente rural. A configuração do espaço brasileiro e sua relação campo x cidade sofreria uma inversão bastante rápida e recente. Para o contexto da cidade, as conseqüências deste fenômeno não seriam das melhores. “Em 1940, a taxa de urbanização brasileira era de 26,3%; em 1980 alcança 68,86%; e em 2000, ela passou para 81,2%” (GOMES, 2003, p.2). O elemento que impulsiona esta nova configuração do espaço brasileiro é a industrialização. Nas palavras de Milton Santos:

A partir dos anos 1940-1950, é essa lógica da industrialização que prevalece: o termo industrialização não pode ser tomado, aqui, em seu sentido estrito, isto é, como criação de atividades industriais nos lugares, mas em sua ampla significação, como processo social complexo, que tanto inclui a formação de um mercado nacional, quanto os esforços de equipamento do território para torná-lo integrado (...) e ativa o processo de urbanização. Essa nova base econômica ultrapassa o nível regional, para situar-se na escala do país; por isso, a partir daí, uma urbanização cada vez mais envolvente e mais presente no território dá-se com o crescimento demográfico sustentado das cidades médias e maiores, incluídas, naturalmente, as capitais de estados. (SANTOS, 2002, p. 30).

Posteriormente Santos complementa:

O forte movimento de urbanização que se verifica a partir do fim da Segunda Guerra Mundial é contemporâneo de um forte crescimento demográfico, resultado de uma natalidade elevada e de uma mortalidade em descenso, cujas causas essenciais são os progressos sanitários, a melhoria relativa nos padrões de vida e a própria urbanização. (SANTOS, 2002, p. 34).

Desse modo, verifica-se que associado ao movimento de urbanização, um elevado nível de crescimento demográfico contribuiu ainda mais para a configuração de uma estrutura populacional urbana no país. As conseqüências deste fenômeno ficariam evidentes mais tarde na forma de déficit habitacional.

Nesse cenário é que o processo de urbanização foi desencadeado no Brasil, passando as cidades brasileiras, especialmente as grandes e médias, a requisitarem uma série de serviços e equipamentos que se colocavam na pauta de reivindicação da população, a qual deixava o campo para morar na cidade. Neste momento já estava presente a questão do déficit de moradia. (GOMES, 2003, p.2).

(19)

No contexto da industrialização brasileira, as migrações internas surgem como conseqüência imediata e tiveram significativa contribuição no aumento brusco da demanda habitacional no país. Paul Singer explica este fenômeno:

Toda esta transferência de atividade do campo à cidade parece ser motivada por uma exigência técnica da produção industrial: a aglomeração espacial das atividades – que se traduz em sua urbanização – parece ser um requisito de sua crescente especialização e conseqüente complementaridade. (SINGER, 1977, p.33).

Singer parte de um pressuposto teórico em que, num processo de industrialização de determinado país, a concentração de capital e a concentração espacial possui um nexo casual comum. Contudo, os arranjos institucionais que criam condições propícias a industrialização e permitem que as empresas desfrutem das economias da aglomeração espacial também geram “deseconomias” para o conjunto da sociedade, “em particular as classes mais pobres” (SINGER, 1977, p.33).

Vê-se, portanto, que o processo de urbanização e concentração espacial é um fenômeno que está ligado ao desenvolvimento do capitalismo industrial do país, e que as desigualdades geradas pelo sistema são transferidas para o contexto da cidade. Apesar de Singer não apresentar formalmente um conceito de déficit habitacional, ele evidencia este processo em seu pensamento:

A carência dos serviços urbanos, sintoma visível do congestionamento, recai sobre as camadas mais pobres da população, pois o mercado imobiliário encarece o solo das áreas melhor servidas, que ficam de modo “reservadas” aos indivíduos dotados de mais recursos e... às empresas naturalmente. (SINGER, 1977, p.48).

E em seguida Singer pontua:

O surgimento de populações marginais, pelo menos do ponto de vista da moradia (...), tem levado muitos investigadores a encarar as migrações como um fenômeno social nefasto, cujas dimensões é preciso reduzir de modo a se poder começar a solucionar a problemática que elas suscitam. (SINGER, 1977, p.48).

É notório que as cidades não possuíam estrutura social e urbana adequada para receber o grande contingente causado pelo processo de migração. O deslocamento espacial deste grupo populacional não significaria mudança em sua classe econômica e nem garantiria

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melhora de condições de renda no lugar de destino. A marginalização desta população ficaria, portanto, evidenciada.

O déficit habitacional, definido anteriormente como necessidade imediata de construção de novas moradias, ganha agora um significado mais amplo, pois carrega consigo elementos histórico-sociais e econômicos na sua construção. O déficit de novas moradias não surge espontaneamente em um determinado ponto da história do país, mas é gerado a partir dos condicionantes sociais enfrentados ao longo do conturbado processo de urbanização brasileira.

As políticas públicas relacionadas à habitação surgem como uma tentativa de sanar as fortes conseqüências geradas pelo rápido processo de urbanização. Como veremos nos capítulos seguintes, o crédito habitacional foi a principal ferramenta adotada pelos governantes na tentativa de conter o déficit habitacional. Contudo, o Estado brasileiro não apresentaria uma estratégia concisa e planejada de reformulação urbana do país. Apenas fomentaria, através do crédito, o mercado habitacional de capacidade financeira para ofertar e demandar unidades habitacionais.

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3 SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO: ORIGEM E MATURAÇÃO

3.1 O PERÍODO PRÉ-SFH

As políticas públicas para a habitação no Brasil são inauguradas no primeiro Governo da Era Vargas, mais especificamente com a formação, em 1933, das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadorias e Pensões. Sua atuação, contudo, era limitada apenas a associados e não tinha força de política pública propriamente dita. As políticas de moradia são consolidadas no Governo do presidente Dutra, através do Decreto-lei n.º 9.218, de 1º de maio de 1946, que criou a Fundação da Casa Popular. È desse período (décadas de 30 a 40) que se vislumbra uma ação mais acentuada do Estado na direção de políticas públicas de moradia.

Anteriormente, a estrutura habitacional no país foi deixada a deriva dos mecanismos alocativos do mercado. A habitação é um bem que tradicionalmente esteve caracterizada pelo seu grande valor agregado e pela estrutura de concentração de terra, a comercialização desse bem esteve bastante restrito a uma pequena aristocracia urbana que dispunha de recursos suficientes para adquiri-lo (BONDUKI, 1994). Verifica-se neste período, uma sociedade basicamente agrícola com baixo grau de urbanização. È dentro da lógica de industrialização brasileira e conseqüentemente no projeto de urbanização que as políticas estatais de acesso a moradia começam a entrar nas agendas políticas do Governo.

Entre as medidas mais importantes implementadas pelo governo no que diz respeito à questão habitacional, estiveram o decreto-lei do inquilinato, em 1942, que, congelando os aluguéis, passou a regulamentar as relações entre locadores e inquilinos, a criação das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadoria e Previdência e da Fundação da Casa Popular, que deram início à produção estatal de moradias subsidiadas e, em parte, viabilizaram o financiamento da promoção imobiliária, e o Decreto-Lei n.° 58, que regulamentou a venda de lotes urbanos a prestações. (BONDUKI, 1998, p.711).

Com base neste trecho percebe-se que a política habitacional brasileira não nasceu calcada em um amplo plano nacional de desenvolvimento urbano, tampouco foi produzido por uma integração de setores do governo que promovessem enfrentamento legítimo ao problema de moradias que se iniciava com a urbanização no país. Ao contrário, este movimento do Governo indica que sua intenção era de legitimar seu

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poder político depois do golpe de 1930. Com o surgimento no Brasil de uma nova classe, as massas urbanas, projetos habitacionais serviriam para fortalecer as relações políticas dentro das cidades, principalmente em São Paulo.

Não era de se esperar que a implementação de programas de moradias por parte do Governo Getúlio, e posteriormente no Governo Dutra, traria algum efeito sobre o processo de urbanização no país, pois não trouxe consigo nenhum planejamento consistente para as décadas subseqüentes (BONDUKI, 1994). Tampouco se pensou nos efeitos migratórios campo-cidade que se “embrionavam” no meio das políticas estatais de industrialização. As décadas de 30 a 40, portanto, foram caracterizadas pelo nascimento das políticas habitacionais no Brasil, como um elemento de legitimação dos governos autoritários e distante de solucionar ou preparar o país para desafios urbanos futuros.

3.2 CRIAÇÃO DO SFH: HORIZONTE DAS POLÍTICAS DE CRÉDITO HABITACIONAL.

Anteriormente à criação do SFH, o país começava a experimentar um processo mais acentuado de urbanização, com políticas industriais cada vez mais intensivas em capitais, pouca geração de postos de trabalho, migrações cada vez mais numerosas do campo para a cidade, inchaço das principais cidades do país e um ambiente macroeconômico instável.

A situação do setor habitacional brasileiro no período imediatamente anterior à entrada em funcionamento do SFH era das mais graves. O crescimento explosivo da demanda por habitações urbanas (derivado da intensificação do processo de urbanização do país), em um contexto fortemente inibidor do investimento na área (marcado por forte aceleração inflacionária, taxas de juros nominais fixas e leis populistas no mercado de aluguéis), acabou por gerar um déficit habitacional estimado em oito milhões de habitações. (SANTOS, 1999, p. 10).

Este cenário, entretanto, não representou o período de urbanização plena do país, a grande massa de trabalhadores ainda estava no campo, mas já significaria o início das fortes migrações rurais no país, Singer (1977) ressalta este processo. Indica também, que os problemas sociais emergentes teriam sua forte concentração na área urbana, e o seu enfrentamento deveria estar focado nos grandes centros urbanos em emergência.

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O SFH nasce em 21 de agosto de 1964, instituído pela Lei n.º 4.380, fazia parte do então Plano Nacional de Habitação, engendrado pelo recém constituído Governo Militar. Foi uma tentativa de resposta aos problemas apresentados pelas antigas políticas de programas habitacionais. Como aponta Santos (1999), constituía-se basicamente em um mecanismo de captação de poupança de longo prazo para investimentos habitacionais, cuja idéia central era que a aplicação de um mecanismo de correção monetária sobre os saldos devedores e as prestações dos financiamentos habitacionais viabilizaria tais investimentos (caracteristicamente de longo prazo), mesmo em uma economia cronicamente inflacionária.

A iniciativa adotada para atenuar os problemas da habitação seria dar um forte estímulo financeiro e creditício ao mercado, dotando os dois lados, demanda e oferta, de potencial econômico para construir, vender e comprar unidades habitacionais. O problema habitacional seria enfrentado sob a égide financeira, e este seria seu principal foco. Pouco se daria ênfase nas políticas de urbanização e democratização das cidades (ROYER, 2009).

A fim de entender o funcionamento do SFH, é conveniente dividi-lo em dois subsistemas (baseados nas suas principais fontes de recursos): o SBPE e o BNH-FGTS. No primeiro caso, os recursos das cadernetas de poupança e dos demais títulos imobiliários eram captados pelas associações de poupança e empréstimo (também chamadas de agentes financeiros do SFH) e serviam para financiar investimentos habitacionais propostos por empreendedores ou construtoras. Recebido o financiamento, o empreendedor responsabilizava-se pela venda das unidades habitacionais construídas aos consumidores finais (basicamente das classes de renda média e alta) e esses últimos, por sua vez, responsabilizavam-se pelo pagamento do empréstimo às instituições financeiras, tornando-se, assim, mutuários do sistema. O empreendedor, portanto, era apenas um intermediário do processo, dado que após a venda do imóvel ele repassava sua dívida com as instituições financeiras para os mutuários. (SANTOS, 1999, p.11).

Já em relação ao financiamento com os recursos do FGTS Santos pontua:

Já a arrecadação do FGTS, totalmente gerida pelo BNH, era destinada “prioritariamente à construção de casas de interesse social (conjuntos populares e cooperativas)” [Azevedo,1995, p.293], ainda que posteriormente tenham sido canalizados também para os setores de saneamento e desenvolvimento urbano. Os principais responsáveis pela construção dessas unidades habitacionais eram as Companhias de Habitação (COHAB), isto é, “empresas mistas sob o controleacionário dos governos estaduais e/ou municipais” [Azevedo, 1988, p.111] que associavam “a execução de programas setoriais de construção de habitações às atividades financeiras referentes à comercialização” (IBMEC, 1974, p.14).6 Em outras palavras, obtinham financiamentos do BNH mediante apresentação de projetos

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tecnicamente compatíveis com a orientação do banco, e supervisionavam a construção de moradias destinadas às camadas mais pobres da população, de acordo com as prioridades estabelecidas pelos governos locais (os estados, no caso). (SANTOS, 1999, p.11).

Como visto, o SFH foi projetado com uma estrutura baseada na vultosa captação de recursos através dos sistemas de poupança e na arrecadação compulsória do FGTS, também criado em 1964. Sua dinâmica, portanto, depende do nível de renda e emprego, e do retorno dos financiamentos através da adimplência dos mutuários (SANTOS, 1999). Seu funcionamento estaria subordinado às variações no ambiente macroeconômico do país. È desta dependência que o SFH passaria por crises internas de gestão de recursos e perderia paulatinamente sua capacidade financiadora.

3.3 BNH: ATUAÇÃO E DINAMISMO

O Banco Nacional da Habitação (BNH) foi criado para centralizar as políticas habitacionais do governo, foi dotado, portanto das atribuições de “orientar disciplinar e controlar” o SFH (AZEVEDO; ANDRADE, 1981). Era importante que o BNH fosse uma instituição forte e eficiente, no ponto de vista social, além disso, precisava também preencher as grandes lacunas e descrédito popular deixadas pela Fundação da Casa Popular.

O BNH apresenta três importantes inovações em relação ao seu sucessor, a FCP. Primeiro sua característica de instituição financeira, e não mais como órgão autárquico do governo; segundo, seu mecanismo de correção monetária, que ao corrigir os saldos devedores daria sustentabilidade aos financiamentos de longo prazo; terceiro, porque constitui um sistema que tenta articular o setor público com o setor privado - traz para dentro de sua dinâmica os mecanismos de mercado (SANTOS, 1999).

Em teoria, o BNH nasce para ser eficiente, como uma instituição capacitada para gerenciar a forte demanda habitacional, e suficientemente solúvel para estimular a escassa oferta de moradias no país. Para isso, seus mecanismos de funcionamento

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deveriam garantir a constante liquidez de seu sistema como também, garantir a sustentabilidade atuarial de longo prazo.

Os principais pressupostos em que o BNH esteve assentado foram: a) Que grandes subsídios levam inevitavelmente a políticas clientelistas; b) A capacidade administrativa do Estado está mais “comprometida” em relação à do setor privado; c) A eficiência do sistema dependeria da centralização normativa e descentralização executiva. (AZEVEDO; ANDRADE, 1981)

Em outras palavras, foi desapropriada do Estado a função de ser o provedor da criação das unidades habitacionais, seu novo papel seria de intermediar e fomentar o setor privado. Este último, orientado pela eficiência alocativa de mercado daria cabo de resolver os problemas de déficit habitacional no país (ROYER, 2009).

Contudo não foi isso que se verificou nos anos seguintes, como aponta Sérgio de Azevedo (2004); a maior parte dos conjuntos habitacionais construídos no país nos últimos anos não contou com recursos governamentais. Mesmo no período do BNH apenas 26% das novas habitações foram financiadas com recursos do SFH. Dessa forma o BNH apresentou desempenho muito fora do esperado e mostrou péssimo desempenho social. O mercado, neste caso, não conseguiu produzir e distribuir eficientemente a produção de moradias no país, que viu seu déficit habitacional crescer de forma cada vez mais acentuada: “A opção por uma base empresarial de atuação, se eliminou o risco do ‘distributivismo’ na política habitacional, tornou ainda mais difícil o acesso das camadas de renda baixa à casa própria.” (AZEVEDO; ANDRADE, 1981, p.62).“

Levantam-se questões importantes sobre o conflito entre objetivo e operacionalização do Banco Nacional da Habitação, tais contradições são explicitadas no livro “Habitação e Poder”:

Como realizar objetivos tão diversos, como os procurados pela política habitacional com um único e mesmo instrumental de política? Como garantir atratividade para os empresários do setor nos investimentos destinados às populações de baixo poder aquisitivo, sem onerar excessivamente a casa? Como assegurar o acesso à casa própria por parte das classes baixas, sujeitas na sistemática BNH, à correção monetária, se, em decorrência da política maior de desenvolvimento, optou-se pelo congelamento de salários? (AZEVEDO; ANDRADE, 1981, p.62).

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A função social do BNH, diante das políticas de correção monetária das prestações, estava colocada em cheque. Como na maioria dos casos, apenas os agentes de classe mais favorecidas dispunham de instrumentos financeiros que os protegiam do processo corrosivo da inflação, os agentes de classe mais baixa por estarem desprotegidos sofriam mais fortemente com os reajustes das prestações.

Com aguda crise econômica, os mutuários de menor renda também ficaram mais expostos a inadimplência e o desempenho da política habitacional neste período se mostrou profundamente perverso. Sendo que das unidades financiadas apenas 33,3% foram destinadas as classes populares. A política habitacional teve um caráter ‘redistributivo as avessas’, pois baseou-se num sistema financeiro abastecidos de capitais sub-remunerados, oriundos de pequenos poupadores e de recursos dos assalariados. [ Tal recurso financiava as classes mais favorecidas]. (AZEVEDO, 2004, p. 92).

Logo nos primeiros anos de criação, o SFH mostrava suas imensas contradições internas, sua finalidade social sempre era colocada em questão quando contrabalanceado pela necessidade de equilíbrio financeiro do sistema. Neste caso, o fator político tem bastante peso, na medida em que se decidem qual segmento beneficiar. Foi visto que o capital financeiro e as classes mais favorecidas não foram penalizados, verificou-se também, que as políticas habitacionais desenvolvidas se mostraram ineficientes para resolver os problemas de moradias no país. Ficou evidenciada a forte necessidade de reestruturação das políticas habitacionais, e também da ampliação da intervenção estatal na provisão de moradias e desenvolvimento urbano.

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4 CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO SFH

4.1 CRISE E EXTINÇÃO DO BNH: O PARADOXO DO MODELO EMPRESARIAL E A CRISE POLÍTICA ECONÔMICA DOS ANOS 80

Como já mencionado no capítulo anterior, o BNH surge como uma instituição com grandes objetivos sociais, mas com dinâmica empresarial de funcionamento. Era preciso garantir a solvência e sustentabilidade aos mecanismos de financiamento e concomitantemente garantir o cumprimento das metas sociais do banco. Desse modo, em um ambiente predominantemente inflacionário, a correção monetária ganha papel de protagonista no maior paradoxo do sistema. Como garantir prestações acessíveis e que acompanhem o ritmo de crescimento do salário dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, corrigir os saldos devedores para fazer frente ao crescimento inflacionário da época?

Os agentes financeiros vinculados ao BNH obedeciam a dois planos distintos de financiamento, o Plano A – destinado a erradicação das favelas e às classes de baixa renda – e o Plano B voltado para os demais setores da população. Cada plano seguia um estilo diferente de correção monetária das prestações (AZEVEDO; ANDRADE, 1981).

O reajustamento das prestações do plano A far-se-ia com a elevação do salário mínimo, e sua vigência se daria dois meses após sua fixação em lei. O valor da nova prestação seria calculado multiplicando-se a prestação anterior pela razão entre o novo valor do maior salário mínimo vigente no País e o seu valor imediatamente anterior.

No plano B, o reajustamento da prestação seria trimestral e sua vigência se daria no primeiro dia de cada trimestre civil. O valor da nova prestação seria calculado multiplicando-se a prestação anterior pela razão entre o valor da UPC [ Unidade Padrão de Capital que variava de acordo com o índice da ORTN do semestre anterior] do trimestre que se inicia, e o da UPC do trimestre anterior. (AZEVEDO; ANDRADE, 1981, p. 68).

A partir desse raciocínio é possível inferir que, no plano B, a correção das prestações e dos saldos devedores acontecia de forma linear, de maneira a não afetar o prazo contratado para liquidação do financiamento. No plano A, porém, como as correções do saldo devedor e das prestações se davam de maneiras distintas, o prazo para quitação não necessariamente seria o mesmo do prazo contratado, dando aos mutuários do plano A uma sensação perene de incerteza frente ao tamanho real de suas dívidas. Tal fato fica evidenciado a seguir:

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Ao vincular o reajuste das prestações com a elevação do salário mínimo, o BNH buscava tornar viável a compra da moradia por parte dos trabalhadores de baixa renda. Estes dificilmente poderiam arcar com o aumento das mensalidades de três em três meses, como o plano B. Entretanto, em seu afã de levar às últimas conseqüências uma atitude empresarial, o BNH manteve o cálculo de saldos devedores baseado na UPC, cujos índices de crescimento, embora menores que a taxa de inflação, eram maiores que os fatores de correções dos salários.

Tal procedimento levava tecnicamente à possibilidade de que o resgate final da dívida se estendesse com prazo excessivamente longo, muito além do previsto no financiamento inicial. Aos olhos do mutuário parecia que a dívida era uma coisa infindável e que, por mais que ele pagasse, ela continuava sempre crescendo. (AZEVEDO; ANDRADE, 1981, p. 69).

A partir deste ponto, verifica-se no sistema do BNH uma série de remendos que buscavam conciliar as duas tarefas aparentemente paradoxais. Primeiro o grande objetivo social de fornecer crédito habitacional à população de baixa renda, e segundo, manter concomitantemente a sustentabilidade empresarial do sistema.

Com o intuito de sanar a questão do excessivo alongamento dos prazos das prestações, o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) criado por intermédio da Resolução nº 25, de 16.6.1967, do Conselho de Administração do Banco Nacional da Habitação ‐ BNH, teria a importante missão de manter o equilíbrio atuarial do sistema e ao mesmo tempo garantir que as prestações “acessíveis” aos mutuários de menor faixa de renda. Dentre os principais objetivos do FCVS tem-se:

I ‐ garantir o equilíbrio da Apólice do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação ‐ SH/SFH;

II ‐ garantir o limite de prazo para amortização dos financiamentos habitacionais, contraídos pelos mutuários no SFH, observada a legislação de regência;

III ‐ assumir, em nome do mutuário, os descontos concedidos nas liquidações antecipadas, nas transferências de contratos de financiamento habitacional e nas renegociações com extinção da responsabilidade do Fundo, observada a legislação de regência;

IV ‐ cobrir o saldo devedor de financiamento imobiliário, total ou parcial, em caso de morte ou invalidez permanente do mutuário, as despesas de recuperação ou indenização decorrentes de danos físicos ao imóvel e as perdas de responsabilidade civil do construtor, observadas as mesmas condições atualmente existentes na Apólice do SH/SFH, concernentes aos contratos de financiamento que estiverem averbados na Apólice do SH/SFH referida no inciso I deste artigo; e

V ‐ liquidar as operações remanescentes do extinto Seguro de Crédito. (BRASIL, 1967).

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Como observado anteriormente, por conta da assimetria existente entre as correções monetárias das prestações e a correção do saldo devedor, ao final do prazo de financiamento, eventuais resíduos da dívida seriam quitados pelo FCVS. Dessa maneira, quando o BNH estabelece que se salde a dívida residual no prazo máximo de financiamento, ele estava de fato abrindo o caminho para a concessão de subsídios de parte das moradias e de certa maneira reconhecendo a “inexequibilidade da aplicação de uma política estritamente empresarial para as famílias de baixa renda”. (AZEVEDO; ANDRADE, 1981, p. 82).

Por outro lado, a implementação do FCVS acirrava ainda mais a dependência do sistema frente ao desempenho macroeconômico do país, já que este era acionado em situação de forte crescimento inflacionário. A situação atuarial do BNH ficaria mais fragilizada com o ingresso dos mutuários de classe média na concessão destes subsídios.

(...) a contribuição dos novos mutuários para o FCVS não foi suficiente para que o mesmo pudesse financiar integralmente o descompasso gerado pelo plano de equivalência salarial. A partir de 1979, com a inflação anual aproximando-se dos três dígitos a situação dos mutuários, principalmente de classes média e alta se complicou, pois o reajuste das suas prestações, excepcionalmente, ficou acima da correção salarial.

A partir das reivindicações das classes média e alta, em 1985 foi concebido um subsídio a todos os mutuários do sistema e o FCVS sofreu no início desequilíbrio financeiro mais conhecido com o “rombo do FCVS”. O desequilíbrio aumentou mais ainda em decorrência do plano cruzado de março de 1986 que estabeleceu uma regra de reajuste de prestações com base nos doze meses anteriores e subseqüente congelamento das mesmas por um ano. Outros planos econômicos contribuíram em menor escala para gerar um passivo total para o governo de R$ 76,4 milhões em dezembro de 2003 (Banco Central do Brasil, 2004). (ROSSBACH, 2005, p. 104).

O FCVS não foi suficiente para amortecer o grande impacto financeiro causado pela forte inflação da época, tampouco conseguiu se adaptar as constantes mudanças de políticas econômicas adotadas com a finalidade de se reduzir a inflação. Santos (1999) complementa este pensamento:

Em 1983, porém, a política salarial foi mudada e instituiu reajustes diferenciados para as várias classes de renda. Os setores de menor renda continuavam a ter seus salários reajustados pela correção monetária plena, enquanto redutores eram aplicados aos salários das classes de maior poder aquisitivo. Uma vez que o reajuste da prestação da casa própria voltou a acompanhar o reajuste do salário-mínimo, o aumento real da prestação da casa própria para os mutuários de renda média e alta foi inevitável. Esse fato fez que tais setores, de “grande (capacidade de) vocalização das suas

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reivindicações junto a imprensa escrita e falada” [Azevedo, 1995,p.294], provocassem grande grita popular, que desembocou na criação de inúmeras associações de mutuários, aumento de ações na justiça e, principalmente, em um assustador aumento na inadimplência do sistema (...), para o qual contribuiu ainda a recessão da economia. (SANTOS, 1999, p.14).

Com o FCVS exaurido na sua capacidade de prover o SFH de fôlego financeiro que garantisse solvência ao sistema, o BNH sofreria uma série de crises institucionais, o que culminariam em sua extinção. Antes disso, algumas reformulações importantes aconteceriam no intuito de garantir minimamente ao sistema seu funcionamento, como foi o caso da transformação do BNH numa empresa pública em 1973, deixando de ser autarquia. Outra mudança a ser destacada é a diversificação dos financiamentos concedidos pelo BNH, dando forte enfoque ao setor de urbanização e de infra-estrutura urbana (ROYER, 2009). Além disso, o BNH desenvolveu programas alternativos e não convencionais, que teriam como objetivo recuperação de áreas urbanas degradadas, destinados especialmente às populações de renda mensal inferior a três salários mínimos:

O reconhecimento por parte do BNH “da incapacidade do sistema de solucionar as necessidades de uma significativa parcela da população de mais baixa renda do país e do conseqüente aumento da auto-construção e do número de habitações informais” foi, segundo Silveira e Malpezzi (1991, p.94), o principal responsável pela criação de programas habitacionais especiais destinados às populações de renda mensal inferior a três salários-mínimos. Tais programas, entre os quais se destacam PROFILURB, PRO-MORAR e João de Barro, visavam basicamente auxiliar a autoconstrução e/ou atuar na reurbanização de áreas habitacionais degradadas. (SANTOS, 1999, p.16).

Apesar das diversas tentativas de recuperação da capacidade financiadora do BNH, bem como de consolidar os objetivos sociais dos quais o BNH estava proposto, ao final do período do governo militar, o BNH apresentava desempenho social muito abaixo do que foi pensado em sua criação.

(...) o sistema foi incapaz de atender às populações de baixa renda. Com efeito, somente 33,5% das unidades habitacionais financiadas pelo SFH ao longo da existência do BNH foram destinadas à habitação de interesse social e, dado que o valor médio dos financiamentos de interesse social é inferior ao valor médio dos financiamentos para as classes de renda mais elevada, é lícito supor que uma parcela ainda menor do valor total dos financiamentos foi direcionada para os primeiros. (SANTOS, 1999, p. 17).

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Além do mais, o ambiente macroeconômico nos anos imediatamente posteriores ao final da ditadura militar eram os piores possíveis. Em um clima de perene incerteza, a população via os níveis de desemprego e inflação subirem assustadoramente. (ROYER, 2009). O SFH, que tinha seu dinamismo atrelado ao desempenho macroeconômico do país, via suas contas entrarem em profundo colapso com perda substancial de seu poder de financiamento. Segundo Bonduki:

A crise do modelo econômico implementado pelo regime militar, a partir do início dos anos 80, gerou recessão, inflação, desemprego e queda dos níveis salariais. Este processo teve enorme repercussão no Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com a redução da sua capacidade de investimento, devido à retração dos saldos do FGTS e da poupança e forte aumento na inadimplência, gerado por um cada vez maior descompasso entre o aumento das prestações e a capacidade de pagamento dos mutuários. (BONDUKI, 2008, p. 74).

A configuração política e o clima de efervescência social exigiam profundas mudanças na configuração do estado brasileiro. As antigas instituições – com uma imagem fortemente ligada ao governo militar – necessitariam de profundas reformulações para que pudessem recuperar a aceitação da população. O BNH, que foi uma das fontes de legitimação do regime frente às massas urbanas, foi alvo de severas críticas e estava em situação de total descrédito popular. As várias crises institucionais e os diversos impasses gerados entre os mutuários tornariam o BNH umas das instituições mais vulneráveis politicamente ao fim do regime.

Com o fim do regime militar, em 1985, esperava-se que todo o SFH, incluindo o BNH e seus agentes promotores públicos, as Cohab´s, passassem por uma profunda reestruturação, na perspectiva da formulação de uma nova política habitacional para o país. No entanto, por conveniência política do novo governo, o BNH foi extinto em 1986 sem encontrar resistências: ele havia se tornando uma das instituições mais odiadas do país. (BONDUKI, 2008, p. 75).

Royer (2009) possui análise similar:

Além disso, o auge da crise financeira e institucional do sistema coincidiu com a crise do regime militar, que levou à abertura gradual do país no final da década de70. Assim como outras políticas públicas afetadas pela crise econômica do período pós-milagre, a política habitacional foi duramente atingida no seu duplo aspecto de constituição. De um lado, a crise econômica acarretava altas taxas de inadimplência e diminuição do nível de empreendimento, pela escassez do financiamento público e pela progressiva queda do poder aquisitivo da população. De outro, as políticas do BNH, por estarem diretamente ligadas ao regime, uma das fontes de sua legitimação, passaram a ser questionadas juntamente com ele, tornando-se símbolo do passado que se queria enterrar. (ROYER, 2009, p. 59).

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Pode-se notar que o fim do BNH se deu por conveniência política numa atitude de abandono total às “lembranças” do antigo regime. Faltou, portanto, coragem política aos novos dirigentes que frustraram todas as expectativas sociais de uma possível reformulação do sistema (BONDUKI, 2008). Ressalta-se também, que a extinção do BNH significou a perda de um patrimônio intangível, constituído na vasta experiência dos funcionários e técnicos que acumularam conhecimento durante mais de vinte anos de exercício.

A lacuna deixada pelo BNH dificilmente seria preenchida sem a criação de políticas habitacionais mais consistentes e sem uma robusta reestruturação do Sistema Financeiro da Habitação. Como será tratado mais adiante, as políticas habitacionais neste período foram relegadas a um segundo plano, com uma estrutura administrativa confusa e por ações governamentais descontínuas. Dessa maneira Bonduki pontua:

A política habitacional do regime militar podia ser equivocada, como já ressaltamos, mas era articulada e coerente. Na redemocratização, ao invés de uma transformação, ocorreu um esvaziamento e pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma política nacional de habitação. (...) o setor do governo federal responsável pela gestão da política habitacional esteve subordinado a sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes, caracterizando descontinuidade e ausência de estratégia para enfrentar o problema. (BONDUKI, 2008, p. 76).

Até este ponto foi possível perceber a dimensão das incongruências existentes no funcionamento do BNH, que iniciou suas atividades buscando aproximação política do governo frente às massas urbanas e trazia consigo objetivos sociais bem definidos, apesar da concepção empresarial a qual o SFH estava inserido. O BNH surgiu como grande instrumento de política habitacional para a população de baixa renda com um bem estruturado desenho de funcionamento, mas com a presença tímida do Estado na confecção dos projetos urbanos.

Os problemas referentes à forte dependência do desempenho econômico no país ficaram logo evidenciados nos primeiros anos de financiamento do BNH. A forte inflação do período desequilibrou as contas do SFH que precisou de constantes reformulações. Os elevados índices de inadimplência, aliado aos grandes subsídios concedidos pelo BNH, forçavam os gestores a adotarem medidas cautelosas nos financiamentos para a população de baixa-renda. O foco dos programas de crédito paulatinamente deixaria de

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ser as classes menos desfavorecidas, dando lugar ao aumento expressivo nos financiamentos destinado as classes medias e alta. (AZEVEDO; ANDRADE, 1981).

O desempenho econômico e social do BNH foi colocado em cheque, devido ao volume de financiamento às classes de menor renda estar abaixo das expectativas iniciais e com taxas de retorno negativas ocasionadas pelos altos índices de inadimplência. O fim do regime militar e a reestruturação do Estado brasileiro colocaram o BNH em situação ainda mais vulnerável. As fortes críticas colocadas sobre a instituição somadas ao grande descrédito popular existente fizeram, que por conveniência política, se decretasse o fim do Banco Nacional da Habitação. Vê-se, portanto, que o BNH não conseguiu sobreviver ao paradoxo no qual estava inserido e acabou por desenvolver nas “engrenagens” de seu próprio funcionamento os elementos que acirrariam suas contradições e levariam conseqüentemente à sua extinção.

4.2. O “PÓS-BNH”: DESAFIOS PARA A CAIXA ECONOMICA E A CRIAÇÃO DA CARTA DE CRÉDITO

O fim do BNH alterou significativamente a dinâmica das políticas habitacionais no Brasil. Para alguns autores o período que compreende a extinção do Banco Nacional de Habitação até a criação das cartas de crédito pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso em 1995, foi um momento de total ausência de políticas nacionalmente articuladas para geração de moradias e combate ao déficit habitacional. O BNH deixava uma enorme lacuna nos programas nacionais de habitação e colocava um grande desafio para os governos posteriores.

Além do mais, o ambiente político econômico que se configurava, daria espaço para políticas de privatizações e estabilidade econômica. Desse modo, qual seria o novo papel do Estado frente às necessidades habitacionais da população? O setor habitacional continuava sendo estratégico para fortes intervenções do Estado? Esta seção mostra como o Estado brasileiro assumiu uma postura passiva frente aos problemas de moradia no país, e como as políticas habitacionais ficaram em segundo plano nas agendas dos governos da década de 90.

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Em 1986, o Decreto-Lei nº. 2.291/86 extinguiu o BNH e inaugurou uma série de mudanças no SFH. As antigas atribuições do banco passariam agora para a administração do então Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central do Brasil (Bacen) e a Caixa Econômica Federal (CEF). O MDU ficou com a incumbência de formular propostas de políticas habitacionais e de desenvolvimento urbano; o CMN passaria a ser o órgão centralizador e disciplinador do SFH e teria agora atuações com caráter de política monetária e não mais de política habitacional; à CEF caberia incorporar o ativo, passivo, pessoal e bens do antigo BNH (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2004). Essa nova configuração dificultava a ação centralizada do Estado e se traduziria mais tarde em desorganização e adormecimento no funcionamento do SFH (SANTOS, 1999). E de acordo com Rodrigues:

Com o fim do BNH, a CEF herdou um prejuízo de R$ 2,5 bilhões. Nesta época, o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) já se apresentava como um fator de preocupação (...) A solução encontrada pelo Governo Federal foi securitizar a dívida do FCVS: o Tesouro Nacional emitiu títulos públicos que permitiram a União saldar as dívidas. (RODRIGUES, 2009, p. 87).

Com o CMN assumindo o papel de órgão centralizador e normativo do SFH, as ações ligadas às políticas de crédito habitacional ficariam subordinadas as políticas monetárias do Governo Federal. O ambiente de elevado índice inflacionário não contribuía para liberações expressivas de crédito para moradias. Além disso, associado ao esgotamento atuarial do SFH, políticas equivocadas e marcadas por fortes suspeitas de corrupção levariam, em 1990, à interrupção dos financiamentos com recursos do FGTS. (BONDUKI, 2008).

Santos (1999) avalia que a nova configuração do SFH e a inclusão da CEF no circuito do financiamento de moradias agravaria ainda mais a situação das políticas de crédito habitacional no país:

O setor sofreu também profunda crise institucional, iniciada com a extinção do BNH, que foi incorporado à Caixa Econômica Federal, um banco sem qualquer tradição prévia na gestão de programas habitacionais. Note-se que na CEF a questão habitacional foi relegada a um interesse setorial, enquanto o BNH, que possuía um efetivo de funcionários qualificados que acumulavam a memória técnica de mais de vinte anos de funcionamento do setor, tinha o problema habitacional como atividade-fim.(...) A maneira como o governo incorporou o antigo BNH à Caixa Econômica Federal torna explícita a falta de proposta clara para o setor. Em outras palavras, nenhuma

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solução foi encaminhada para os controvertidos temas que permeavam o debate anterior. Nesse sentido, a pura desarticulação institucional do banco, sem o enfrentamento de questões substantivas, somente agravou os problemas existentes (SANTOS, 1999, p. 19).

A falta de uma proposta clara e a grave crise existente, fariam com que a responsabilidade sobre o setor habitacional passasse pouco a pouco para os estados e municípios. Cada um desenvolveria soluções “criativas”, contudo, isoladas e pouco efetivas. O problema da falta de financiamento estimulava a criação de programas locais e regionais que buscavam novas alternativas na obtenção de recursos, como pontua Bonduki:

Neste quadro, intensificou-se a necessidade de uma intervenção governamental com recursos oriundos de outras origens e a parceria com a sociedade organizada. Para fazer frente à situação, vários Municípios e Estados, além da própria União lançaram programas habitacionais financiados com fontes alternativas, em particular recursos orçamentários, adotando princípios e pressupostos diversos dos adotados anteriormente. Abriu-se assim uma nova fase na política habitacional no Brasil, que denominou de pós-BNH. (BONDUKI, 2008, p. 77).

O pós-BNH, portanto, foi marcado por grave confusão institucional e fortalecimento de programas alternativos ou até mesmo de mutirões comunitários. Somado aos aspectos negativos do período houve também uma equivocada desarticulação entre as iniciativas habitacionais e de saneamento que comprometiam a eficiência social das políticas. A ausência de controle rígido sobre a qualidade das habitações mostrava a irresponsabilidade na gestão dos recursos destinados ao setor de moradias (SANTOS, 1999).

As políticas de credito habitacional somente reapareceriam com a retomada dos financiamentos utilizando os recursos do FGTS em 1995. Inovações no sistema de crédito habitacional abririam a possibilidade de intervenções diferentes daquelas adotadas anteriormente pelo BNH, uma dose de esperança se acenderia:

Em 1995, ocorre uma retomada nos financiamentos de habitação e saneamento com base nos recursos do FGTS, depois de vários anos de paralisação dos financiamentos, num contexto de alterações significativas na concepção vigente sobre política habitacional. Se, por um lado, é exagerado dizer que se estruturou de fato uma política habitacional, os documentos elaborados pelo governo mostram que os pressupostos gerais que presidiram a formulação dos programas são fundamentalmente diversos daqueles que vigoraram desde o período do BNH. (BONDUKI, 2008, p. 78).

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