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O “PÓS-BNH”: DESAFIOS PARA A CAIXA ECONOMICA E A CRIAÇÃO DA CARTA DE CRÉDITO

4 CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO SFH

4.2. O “PÓS-BNH”: DESAFIOS PARA A CAIXA ECONOMICA E A CRIAÇÃO DA CARTA DE CRÉDITO

O fim do BNH alterou significativamente a dinâmica das políticas habitacionais no Brasil. Para alguns autores o período que compreende a extinção do Banco Nacional de Habitação até a criação das cartas de crédito pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso em 1995, foi um momento de total ausência de políticas nacionalmente articuladas para geração de moradias e combate ao déficit habitacional. O BNH deixava uma enorme lacuna nos programas nacionais de habitação e colocava um grande desafio para os governos posteriores.

Além do mais, o ambiente político econômico que se configurava, daria espaço para políticas de privatizações e estabilidade econômica. Desse modo, qual seria o novo papel do Estado frente às necessidades habitacionais da população? O setor habitacional continuava sendo estratégico para fortes intervenções do Estado? Esta seção mostra como o Estado brasileiro assumiu uma postura passiva frente aos problemas de moradia no país, e como as políticas habitacionais ficaram em segundo plano nas agendas dos governos da década de 90.

Em 1986, o Decreto-Lei nº. 2.291/86 extinguiu o BNH e inaugurou uma série de mudanças no SFH. As antigas atribuições do banco passariam agora para a administração do então Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central do Brasil (Bacen) e a Caixa Econômica Federal (CEF). O MDU ficou com a incumbência de formular propostas de políticas habitacionais e de desenvolvimento urbano; o CMN passaria a ser o órgão centralizador e disciplinador do SFH e teria agora atuações com caráter de política monetária e não mais de política habitacional; à CEF caberia incorporar o ativo, passivo, pessoal e bens do antigo BNH (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2004). Essa nova configuração dificultava a ação centralizada do Estado e se traduziria mais tarde em desorganização e adormecimento no funcionamento do SFH (SANTOS, 1999). E de acordo com Rodrigues:

Com o fim do BNH, a CEF herdou um prejuízo de R$ 2,5 bilhões. Nesta época, o Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) já se apresentava como um fator de preocupação (...) A solução encontrada pelo Governo Federal foi securitizar a dívida do FCVS: o Tesouro Nacional emitiu títulos públicos que permitiram a União saldar as dívidas. (RODRIGUES, 2009, p. 87).

Com o CMN assumindo o papel de órgão centralizador e normativo do SFH, as ações ligadas às políticas de crédito habitacional ficariam subordinadas as políticas monetárias do Governo Federal. O ambiente de elevado índice inflacionário não contribuía para liberações expressivas de crédito para moradias. Além disso, associado ao esgotamento atuarial do SFH, políticas equivocadas e marcadas por fortes suspeitas de corrupção levariam, em 1990, à interrupção dos financiamentos com recursos do FGTS. (BONDUKI, 2008).

Santos (1999) avalia que a nova configuração do SFH e a inclusão da CEF no circuito do financiamento de moradias agravaria ainda mais a situação das políticas de crédito habitacional no país:

O setor sofreu também profunda crise institucional, iniciada com a extinção do BNH, que foi incorporado à Caixa Econômica Federal, um banco sem qualquer tradição prévia na gestão de programas habitacionais. Note-se que na CEF a questão habitacional foi relegada a um interesse setorial, enquanto o BNH, que possuía um efetivo de funcionários qualificados que acumulavam a memória técnica de mais de vinte anos de funcionamento do setor, tinha o problema habitacional como atividade-fim.(...) A maneira como o governo incorporou o antigo BNH à Caixa Econômica Federal torna explícita a falta de proposta clara para o setor. Em outras palavras, nenhuma

solução foi encaminhada para os controvertidos temas que permeavam o debate anterior. Nesse sentido, a pura desarticulação institucional do banco, sem o enfrentamento de questões substantivas, somente agravou os problemas existentes (SANTOS, 1999, p. 19).

A falta de uma proposta clara e a grave crise existente, fariam com que a responsabilidade sobre o setor habitacional passasse pouco a pouco para os estados e municípios. Cada um desenvolveria soluções “criativas”, contudo, isoladas e pouco efetivas. O problema da falta de financiamento estimulava a criação de programas locais e regionais que buscavam novas alternativas na obtenção de recursos, como pontua Bonduki:

Neste quadro, intensificou-se a necessidade de uma intervenção governamental com recursos oriundos de outras origens e a parceria com a sociedade organizada. Para fazer frente à situação, vários Municípios e Estados, além da própria União lançaram programas habitacionais financiados com fontes alternativas, em particular recursos orçamentários, adotando princípios e pressupostos diversos dos adotados anteriormente. Abriu-se assim uma nova fase na política habitacional no Brasil, que denominou de pós-BNH. (BONDUKI, 2008, p. 77).

O pós-BNH, portanto, foi marcado por grave confusão institucional e fortalecimento de programas alternativos ou até mesmo de mutirões comunitários. Somado aos aspectos negativos do período houve também uma equivocada desarticulação entre as iniciativas habitacionais e de saneamento que comprometiam a eficiência social das políticas. A ausência de controle rígido sobre a qualidade das habitações mostrava a irresponsabilidade na gestão dos recursos destinados ao setor de moradias (SANTOS, 1999).

As políticas de credito habitacional somente reapareceriam com a retomada dos financiamentos utilizando os recursos do FGTS em 1995. Inovações no sistema de crédito habitacional abririam a possibilidade de intervenções diferentes daquelas adotadas anteriormente pelo BNH, uma dose de esperança se acenderia:

Em 1995, ocorre uma retomada nos financiamentos de habitação e saneamento com base nos recursos do FGTS, depois de vários anos de paralisação dos financiamentos, num contexto de alterações significativas na concepção vigente sobre política habitacional. Se, por um lado, é exagerado dizer que se estruturou de fato uma política habitacional, os documentos elaborados pelo governo mostram que os pressupostos gerais que presidiram a formulação dos programas são fundamentalmente diversos daqueles que vigoraram desde o período do BNH. (BONDUKI, 2008, p. 78).

Como mencionado anteriormente, os projetos engendrados pelos governos dos anos 90, em especial o FHC, não se preocuparam em reestruturar o modelo de financiamento habitacional em larga escala. Mas, deram maior enfoque a programas voltados para a melhoria em áreas habitacionais degradadas. Os dois principais programas foram o Pró- Moradia e o Habitar Brasil. Em ambos os programas, os municípios deveriam apresentar seus projetos às instâncias federais que analisariam a qualidade do programa antes da liberação dos recursos (SANTOS, 1999). Apesar da grande vantagem da não exigência de contrapartida financeira da população atendida, o programa abria a possibilidade de subordinação dos municípios à linha ideológica do governo federal, já que poderia optar por atender prioritariamente os municípios que compartilhassem dos mesmos princípios políticos do governo federal.

A retomada dos financiamentos com recursos do FGTS abriram espaço para uma ação inovadora no SFH, que é a “Carta de Crédito”. Esta “representa uma importante mudança na estratégia de concessão de financiamentos imobiliários que, no modelo vigente até 1994, eram majoritariamente direcionados às empresas construtoras.” (SANTOS, 1999, p. 25). Como se pode observar, a carta era ofertada diretamente ao consumidor final, sem a intermediação de construtoras ou órgãos governamentais. Os consumidores poderiam optar por financiar imóveis novos, usados, ou até mesmo a aquisição de terreno e construção.

O desenho de funcionamento da carta de crédito vem ganhando melhorias até os dias atuais, mas sua configuração básica ainda permanece inalterada.

O cidadão procura uma agência da Caixa Econômica Federal e, após comprovar, entre outras coisas, que sua renda familiar está dentro da faixa- alvo do programa, que não é proprietário de nenhum imóvel na região onde mora e que tem capacidade de pagamento (a prestação mensal não deve ultrapassar 30% da renda familiar), recebe uma carta do banco que lhe garante, por um mês, um crédito a ser utilizado em uma das modalidades do programa (aquisição/reforma de imóveis, compra de materiais de construção,etc). (SANTOS, 1999, p. 25).

Embora apresente mudanças substanciais na forma de pensar a política de crédito habitacional no país, as Cartas de Crédito trouxeram conseqüências desaprováveis do ponto de vista econômico, social e urbano. Primeiramente, o financiamento de imóveis usados pouco afeta a cadeia produtiva de moradias e por isso traz baixos impactos na

economia. Outra questão é que a simples revenda de imóveis não traz em si uma nova proposta de planejamento urbano, pois não é preciso redesenhar a estrutura espacial para comercializar imóveis usados (ROLNIK; CLINK, 2011). Sobre o financiamento de material de construção Bonduki opina:

O financiamento para material de construção, embora tenha o mérito de apoiar o enorme conjunto de famílias de baixa renda que auto-empreeende a construção da casa própria e de gerar um atendimento massivo (567 mil beneficiados no período, a de maior alcance quantitativo), tende a estimular a produção informal da moradia, agravando os problemas urbanos. Ademais, o baixo valor do financiamento e a ausência de assessoria técnica não permitem que as famílias beneficiadas alcancem condições adequadas de habitabilidade. (BONDUKI, 2008, p. 79).

O modelo da carta de crédito como principal ferramenta de financiamento habitacional expressa a nova visão bancária do SFH. A CEF priorizaria modelos de financiamentos que evitassem rombos ou desequilíbrios financeiros. Dessa maneira a gestão da carta de crédito permitiria melhor acompanhamento dos saldos devedores. Contudo, ainda era um projeto tímido de financiamento e não representou uma medida séria de enfrentamento do déficit habitacional.

Pela mesma razão de natureza financeira, a implementação desses programas não significou interferir positivamente no combate ao déficit habitacional, em particular nos segmentos de baixa renda. De uma maneira geral, pode-se dizer que se manteve ou mesmo se acentuou uma característica tradicional das políticas habitacionais no Brasil, ou seja, um atendimento privilegiado para as camadas de renda média. Entre 1995 e 2003, 78,84% do total dos recursos foram destinados a famílias com renda superior a 5 SM, sendo que apenas 8,47% foram destinados para a baixíssima renda (até 3 SM) onde se concentram 83,2% do déficit quantitativo. (BONDUKI, 2008, p. 80).

Como explanado neste capítulo, o período “Pós-BNH” foi marcado pela grande crise institucional do SFH, grandes desequilíbrios atuariais, perda de objetivos nas políticas habitacionais e grande descrédito popular frente aos programas habitacionais. O esgotamento financeiro do sistema levaria a paralisação de grandes financiamentos habitacionais e a priorização de políticas paliativas de recuperação de zonas habitacionais degradadas. De fato não houve no período uma proposta habitacional clara e nacionalmente articulada.

A proposta de enfrentamento efetivo do déficit habitacional tornou-se algo do passado. O medo de cair em um grande emaranhado de dívidas, como foi o caso do FCVS, e a

nova proposta de contenção fiscal presente nos governos dos anos 90 levaram ao desenvolvimento de programas habitacionais tímidos, que pouco afetariam no volume de déficit habitacional no país.

Outra inovação do período foi a criação do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) em 1997. Baseado nos preceitos do sistema norte-americano, o SFI dava maior flexibilidade jurídica ao mercado imobiliário e fomentava o desenvolvimento do mercado secundário de títulos hipotecários (BRASIL, 1997). Contudo, por não se tratar de política habitacional propriamente dita, o SFI não será objeto de explanação neste trabalho.

4.3 O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: NOVAS PERSPECTIVAS

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