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A Metalloscopia e a Metallotherapia

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Academic year: 2021

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V

A

E A

METALLOTHERAPIA

DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRESENTADA A

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

PARA SER DEFENDIDA

SOB A PRESIDÊNCIA DO EXC.™> SNR. RICARDO D ' A L M E I D A J O R G E

POE

-o-OiS©><>~o—

P O I ^ T O

TYP. UNIVERSAL DE A. VIANNA & C.1

345 — EUA DO ALMADA — 347 1 8 8 0

(2)
(3)

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PDRTO

D I R E C T O R O 111.™ e Exo.m0 Snr.

CONSELHEIRO, MANOEL MARIA DA COSTA LEITE

S E C R E T A R I O

O ILL.™ E EXC.™ SNR. VICENTE URBINO DE FREITAS

G # » P © C3AV&XDBAVIGQ

L E N T E S C A Ï H E D K A Ï I C O S

Os m .m o s e Exc.m05 Snrs.: 1.* Cadeira — Anatcmia dcscriptiva e

gorai João Pereira Dias Lebre. 2.a Cadeira — Physiologia Antonio d'Azevedo Maia. 3." Cadeira—Historia natural dos

me-dicamentos. Materia medica . . . . Dr. José Carlos Lopes. 4.a Cadeira — Tathologia externa e

the-rapeutica externa Antonio J. de Moraes Caldas. 5.a Cadeira — Medicina operatória . . . Pedro Augusto Dias. 6.a Cadeira —Partos, moléstias das

mu-lheres do parto e dos

recem-nasci-dos Dr. Agostinho Antonio do Souto. 7.a Cadeira —Pathologia

interna—The-rapoutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro. 8." Cadeira —Clinica medica Manoel Rodrigues da Silva Pinto. !'.a Cadeira —Clinica cirúrgica Eduardo Pereira Pimenta. IO." Cadeira—Anatomia pathologica. . Manoel áo Jesus Antunes Lemos. 11." Cadeira — Medicina legal, hygieno

privada o publica e toxicologia

ge-ral Dr. José F . Ayres de Gouveia 12." Cadeira —Pathologia geral, semeio- Osório.

logia e historia medica Illydio Ayres Pereira do Valle. Pharmacia Isidoro da Fonseca Moura.

L E N T E S J U B I L A D O S f Dr. José Pereira Reis.

Secção medica \ João Xavier d'Oliveira Barros.

I José d'Andrade Gramaxo. í Antonio Bernardino d1 Almeida.

Secção cirúrgica < Luiz Pereira da Fonseca.

{ Conselheiro,Manoel M. da Costa Leite. L E N T E S SUBSTITUTOS

Vicente Urbino de Freitas. Miguel Arthur da Costa Santos. Secção mediea "{

Secção cirúrgica ' . . . J Augusto H. d'Almeida Brandão. 1 Ricardo d'Almeida Jorge. L E N T E DEMONSTRADOR

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A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(«Rugulatneiito da Escola», de 23 de abril de 1840, art. 155.)

(5)

Á MEMORIA QUERIDA

DE

MiETr

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MEU IRMÃO ALFREDO

Á MEMORIA SEMPRE LEMBRADA

(6)
(7)

A MEU TIO

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A MINHA TIA

(8)

D. ROZA I M f f l DA MOTTA

A MEU TIO

(9)

A MINHAS IRMÃS

(10)

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AO EXC.m0 SNR.

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(11)

AO MEU PRESIDENTE

O EXC.™ SNR.

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(12)

Á MEMORIA

DO MEU CONDISCÍPULO

ALBERTO « « § 8 IE CARVMi

RECORDAÇÃO SAUDOSA

(13)

INTRODUCÇÃO

. HISTORIA

As crenças primitivas do espirito humano, tendo por base o fetichismo, precizavam de sacerdotes, das suas drogas, dos seus filtros, das suas evocações para acalmar a cólera dos deuses, os auctores de todas as calamidades.

A tradicção da magia, que se transportou dos antigos povos da Asia para a Europa, encerra vesti* gios de todos elles, mas transforma-se segundo o esp-iado da civilisação, as exigências da epocha, os inte-resses dos reinantes, a exaltação do espirito popular. Na Grécia ha os oráculos, os sacrifícios, as purifica-ções, o vulto mysteriosô de Hecate, as superstições indígenas; na grande civilisação romana brilha a ida-de dos talismans, nacionalisa-se a sciencia etrusca dos augures, a astrologia ganha immenso credito, a me-dicina converte-se por bastante tempo n'um ramo vil das formulas mysteriosas.

Após as grandes perseguições feitas pelos césa-res triumpha o christianismo, mas persiste a crença

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no sobrenatural; o maravilhoso é para vencidos e ven-cedores uma necessidade, mas o que para uns é um espirito bom, para outros é um espirito mau, o que para os primeiros é um deus, para os segundos é um demónio.

Cahe o anathema sobre a magia, mas cabe ao christianismo fazer conversões. É na idade média. O homem sempre zeloso do seu bem-estar, sempre pro-penso para o sobrenatural, faz reviver practicas pas-sadas; ao lado dos santos a curar todas as doenças existe Satan a representar um brilhante papel. É tam-bém então que as falsas ideias religiosas produzem grandes estragos no seio das sociedades; o terror in-vade os supersticiosos, e o povo só vê legiões diabó-licas, só recorre a mágicos e feiticeiros.

• Estes erros são condemnados pelos philosophos, mas só aproveita a parte intelligente; foi precisa uma . grande commoção social, uma revolução dos costumes e das ideias para derrubar o edifício do maravilhoso. Este, todavia, depois de successivas victorias e derrotas, refugiou-se na imaginação popular; de tem-pos a temtem-pos faz incursões nos grandes centros, pre-tende insinuar-se na sciencia para depois d'uma exis-tência ephemera cahir apupado e escarnecido.

A metallotherapia, tendo uma ascendência remo-ta, representando em todas as epochas um papel no-tável no mundo do sobrenatural, irromperá de novo envolvida no manto do charlatanismo? Acobertada pelo nome d'uni medico, pretenderá fazer reviver o que se suppoz irremediavelmente condemnado?

Não. Decididamente a sciencia matou a magia, e os tempos correm avessos para o maravilhoso; n'este século, ainda que curioso de emoções, as investigações tomaram o caracter verdadeiramente scientifico; a

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phy-3

sica estuda as applicações da electricidade, mundos desapparecidos são reconstituidos pela gealogia, a his-toria applica ao estudo do passado processos rigoro-sos, a anthropologia descobre como que camadas suc-cessivas da humanidade.

A medicina toma para base das suas descobertas a observação e a experiência; a therapeutica elimina do seu quadro uma multidão de agentes legados pelos antigos, que permaneciam no arsenal medico, apoia-dos uns na auctoridade de nomes os mais veneráveis, sustentados outros por legendas curiosas.

Se ficaram ainda alguns d'entre elles, é porque a analyse chimica descobriu na sua constituição pro-ductos efficazes, é porque a experiência consagrou a utilidade da sua applicação.

Se o acaso fez descobrir as suas propriedades, se a observação empirica fez admittir a sua efficacia, a sciencia actual não pára ahi; a revelação d'um facto therapeutico é o ponto de partida de estudos pacientes e severos, sendo submettido ao rigor da analyse e ex-perimentação.

O empirismo tratava a escrophulose pelo óleo de fígados de bacalhau, affirmava a excellencia d'acçao de certas aguas mineraes em affecções rebeldes a outros meios, mas a chimica descobrindo iodo no primeiro, revelando nas segundas a presença de saes arsenicaes e alcalinos, forneceu ao pharmacologista elementos para percorrer o caminho das interpretações racionaes.

Não pôde, portanto, a metallotherapia, que nos propomos estudar, ser rigorosamente aquella de que se encontram vestígios em todas as epochas do pas-sado; não é também a que descrevem os diferentes tratados de therapeutica moderna.

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as suas tradicções na medicina antiga, possue perga-minhos nas paginas do maravilhoso principalmente do século passado; não se attribue, porém, a sua eficá-cia ás inscripções magicas n'elles gravadas, não se apregoa com o manto do charlatanismo.

Se pôde filiar-se na arte hermética, não pretende arvorar-se em panacea universal; se como em todos os tempos, as affecções nervosas foram as predestina-das para revelarem a sua acção, esta perscruta-se, en-tra no domínio da experiência, submette-se á discus-são dos sábios, mas não se lhe attribuem virtudes cura-tivas occultas, não se encobre no veu do mysterioso.

As analogias e differenças vão resaltar da expo-sição histórica que se segue; maiores se tornarão sem duvida nas outras partes do nosso trabalho.

Principiarei este estudo, transcrevendo as segutes palavras de Dumontpallier: « Tous ces faits sont

in-téressants; mais ils sont un peu fatigants ; il était cepen-dant indispensable de procéder ainsi, afin de montrer quelle a été la progression dans la découverte des dif-férents phénomènes de la metallotherapie (*)»'.

As virtudes curativas dos metaes em applicações externas sendo consignadas desde os tempos mais re-motos da antiguidade, seria-nos impossível citar todos os factos, tornar-se-hia fastidioso mencionar todos os nomes; registaremos, pois, o que a historia offerece de mais saliente.

Galeno applicava placas de chumbo na região lom-bar para produzir a reabsorpção das glândulas e fazer

(*) Dumontpallier. La metalloscopie, la metallotherapie pag. 34, Í880.

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5

cessar os sonhos libidinosos. Paulo d'Egina seguia a mesma pratica. Segundo Merat (1), fabricavam-se

cin-tos do mesmo metal para d'elles usarem as mulheres assaltadas por ardores amorosos.

Esta crença nas propriedades calmantes do chum-bo existia ainda no século passado, considerando-se como muito efficazes os amulettos de Saturno nos par-tos difficeis.

O cobre era também empregado (2) como meio

externo de tratamento, sendo as suas virtudes exalta-das por práticos celebres como Marcello Epicuro, que o recommendava contra a cólica, Pedro Albano con-tra as dores nephreticas e Alexandre de Tralles concon-tra a gotta.

O ferro, porém, foi o mais geralmente empregado; a sua historia achando-se intimamente ligada á do ma-gnete, os seus effeitos são attribuidos pelos que sobre elles escreveram a uma espécie de magnetismo, que se envolve em obscuras explicações.

Actio curava convulsões collocando magnetes nas mãos dos doentes; Avenzoar pretendia debellar as exostoses (!) pelo mesmo meio.

Paracelso é durante a Renascença um dos maio-res propagadomaio-res da medicina dos magnetes, servindo-se de formulas particulares proprias a contrahir adeptos. Então generalisa-se o seu uso, constituem-se diversos apparelhos; (3) ha os emplastos magnéticos, os anneis

constellados para affecções variadas, os cura-dentes ma-gnéticos para a odontalgia, os cura-ouvidos contra as dores d'estes órgãos.

(!) Art. plomb do dice, des se. medic. (2) Art. cuivre do dice, desse, medic.

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Van-Helmont segue as pisadas de Paracelso, «ado-tando como principio fundamental da medicina a

cup-ra pelos magnetes 0».

Ao reinado d'estes agentes therapeuticos succedeu o das armaduras de ferro magnetisado; o methodo, porém, teve a sorte de tantos outros, e cahiu no es-quecimento. É no meado do século 18.° que o physi-co Klarick o fez resurgir, levantando o grande impé-rio d'aquellas armaduras. O medico do rei da Ingla-terra annuncía curas maravilhosas por este meio; sábios de todos os paizes, Zwinger, Holmann, Weber, Paulian, etc. entregam-se a experiências numerosas para verificar os factos annunciados por Klarick; e o ab-bade Lenoble manda construir magnetes, que adquirem grande voga no tratamento das doenças nervosas (2).

Andry e Thouret affirmam ter obtido com as ar-maduras grandes resultados, principalmente nas hy-perstesias; alguns auctores, os menos affeiçoados á metallotherapia, attribuem-lhes a descoberta do

trans-fert, phenomeno que adeante descreveremos. Para isso

apoiam-se nas seguintes palavras: «por vezes á appli-cação dos magnetes succède apenas um deslocamento das dores ou dos symptomas que se queria debellar». A conclusão não nos parece rigorosa ; o phenomeno assim exposto não possue os caracteres da exactidão scientifica exigida hoje, nem inculca uma analogia ri-gorosa com o que descobriram em 1877 Gellé, Char-cot, Landolt e Dumontpallier.

Em 1770 o astrónomo Hell prosegue nos traba-lhos de Lenoble; aperfeiçoa as armaduras, e obtém resultados que provocam grande ruido na Allemanha.

(x) Art. magnétisme do dice, des se. medic. (2) L. Figuier L'année scient, et industr. 1880.

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7 i

É então que Mesmer levanta em Vienna o grande edifício do magnetismo animal 0)

Attrahido pela celebridade d'aquelle padre jesuí-ta, impressionado pelos successos colhidos, trava com elle relações e eil-os n'uma intima confratermdade a curar com as armaduras metallicas todas as doenças e principalmente as de origem nervosa.

Os resultados enchem-se de notariedade, porque alguns d'elles tinham-se realisado em individuos si-tuados nos degraus mais elevados da gerarchia social.

, Mesmer, que perante uma Academia sustentara que os seres vivos e principalmente o seu systema ner-voso eram influenciados pelos corpos celestes mediante um fluido subtil que penetrava tudo, viu no magne-tismo o agente análogo áquelle fluido, encontrou nos factos da sua clinica uma confirmação das ideias, que ha oito annos lhe borbulhavam no cérebro.

Estabeleceu então uma casa de saúde, na qual se propõe tratar gratuitamente os doentes pelo mesmo processo. Magnetisando e electrisando «manda cons-truir anneis, barras magnetisadas que dirigiu aos seus confrades da Allemanha, publicando nos jornaes de Vienna o resultado dos seus tratamentos (2)».

Uma grande revolução opera-se todavia no espi-rito de Mesmer, as suas ideias sobre o magnetismo experimentam uma metamorphose notável. Em discus-sões travadas com os sábios do seu paiz, em notas dirigidas ás Academias da Europa sustenta a existência

(!) L. Figuier. L'hist. du merveilleux 1873. Art. Mesmerisme do dice, de Dechambre.

(2) L. Figuier — L'année scientif. et industr. pag. 1880.

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do magnetismo animal, mas independente dos magne-tes e da electricidade, e emancipa-se completamente das armaduras de Hell.

Ainda o vemos em Paris, após as suas viagens pela Suissa, no inferno das convulsões meneando a sua

baguette soberana, vestido de seda lilaz, a collocar uma

hastea de ferro na parte supposta affectada de cada um dos seus numerosos clientes, situados á volta do

baquet.

Mas então o magnetismo não era só feito com as hastes metallicas, era-o pela união dos pollegares, pela corda, pelos sons harmoniosos, pelos movimentos da

baguette... Estava descoberto o meio de curar todas

as doenças, o maravilhoso campeava em toda a plenitude universal... porque Voltaire morrera, e Franklin desco-brindo os para-raios, Jenner a vaccinação, Montgolfler os aereostatos impediam a humanidade a depositar uma confiança cega nas descobertas do espirito humano.

Mas deixemos o mesmerismo que, depois de lon-gas luctas, vai refugiar-se na Allemanha esquecido pelas preoccupações da Revolução e pela elequencia de Mirabeau, e vejamos o que se passou na Inglaterra sobre o emprego dos metaes.

Tinham decorrido 28 annos sobre o convénio feito entre, Hei e Mesmer, quando Perkins importou dos Estados Unidos para aquelle paiz os tracteurs metalli-c os, destinados a debellar a dôr. Pequeno porém foi o^ eu reinado ; Perkins era aventureiro, não tinha direi-s odirei-s de profidirei-sdirei-são e odirei-s medicodirei-s chegaram a demondirei-strar que aquelles apparelhos não possuiam acção alguma. Cahiram no esquecimento, mas no principio do se-culo actual succederam-lhe numerosos processos do

mesmo género. As placas de Andry e Thouret são de novo postas em practica por Laennec, os emplastos

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eléctricos por Recamier, emfim as cadeias e os anneis experimentados por diversos medicos.

Se a impressionabilidade para os metaes dos in-divíduos nervosos foi citada em tempos não muito af-fastados de nós para levantar theorias absurdas, se Reichenbach (*) ainda sustentou que uma sua doente sentia a influencia das placas metallicas a uma distan-cia de 80 metros, pôde dizer-se que a metallotherapia foi considerada «pelos sábios d'esté século e pelas es-colas medicas como uma velha utopia indigna do mais leve exame (2)».

Ë em 1849 no meio do esquecimento e do des-prezo pela medicina dos metaes que Burq a faz resur-gir mais uma vez.

Entregando-se ao estudo dos phenomenos resul-tantes das applicações metallicas, apresentando memo-rias á Academia das sciencias de Paris, publicando artigos, acolhido favoravelmente por algumas notabili-dades medicas, sustenta a verdade da nova metallo-therapia, denunciando-se um observador sagaz, e mos-trando uma coragem não muito frequente em face das opposições systematicas.

Foram necessários 28 annos de luctas para ver coroados os seus esforços, para assistir á vulgarisação do seu methodo.

Vejamos, pois, quaes foram as principaes phases (3) porque passou o burquismo para me servir da

expressão empregada por Charcot; a sua menção é importante porque constitue o complemento d'outras partes da nossa dissertação.

(*) Burq. Du cuivre contre le cholera. 1869. (2) L. Figuier. — Obr. cit. pag. 331.

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Foi de 1849, dissemos, que dataram as primei-ras experiências de Burq; «étant encore sur les bancs

de l'Ecole, diz elle, nous avions à nous occuper de l'action des métaux en applications extérieures dans certains cas de névroses, et en vous poursuivions par-ticulièrement du côté du cuivre, lorsqu'au mois de fé-vrier une invasion nouvelle du choléra vint nous four-nir l'occasion de doter une première fois ce métal de propriétés anti-choleriques fort inattendus, et de créer

l'une des applications de cette thérapie nouvelle, qui a le nom aujourd'hui dans la science de la metallo-therapie. »

Eis a origem da metallotherapia actual ; foi gran-de, na verdagran-de, o êxito colhido nas convulsões hys-tericas, e maior o foi ainda nas contracturas dos cho-lericos. Não admira que assim succedesse, porque lhes presidiu o testemunho de medicos taes como Trousseau, Rostan, Nonat, Michel Levy, Buchut e Masselot, porque estes assignalaram publicamente as vantagens d'aquella practica.

Mas cessou a epidemia e Burq é esquecido ; to-davia elle prosegue nas suas investigações ainda na hysteria e hystero-epilepsia ; percorre différentes hos-pitaes dirigidos por medicos de reputação, e depois de muitas experiências e numerosas observações des-cobre—que nem todos os doentes eram impressiona-dos pelo mesmo metal, que a sua impressionabilidade estava sob a dependência de aptidões variáveis, que a anesthesia e amyosthenia desapparecem nos pontos das applicações metallicas, que os accessos são favo-ravelmente modificados, que, emfim, as convulsões, paralysias e nevralgias experimentam a mesma bené-fica influencia.

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ex-11

terna e da metalloscopia, palavra creada por elle para indicar não só os processos que conduzem ao conhe-cimento da aptidão metallica, como o conjuncto de phenomenos realisados durante as applicaçôes.

Não tinha ainda decorrido muito tempo depois da publicação d'estes factos, quando Burq apoiado em observações sobre chloroticas e hystericas avança que os metaes, cuja acção local á superfície do corpo é constante, admnistrados internamente podem ter uma acção geral therapeutica.

É a base da metallotherapia interna.

À hypothèse era na verdade arrojada; tendo-se duvidado dos effeitos resultantes das applicaçôes ex-ternas, effeitos que a experiência punha em relevo, era natural que nenhum valor se concedesse á nova proposição de Burq.

É ainda sob a protecção de medicos authorisados que elle percorre o novo caminho; um grande nu-mero de factos, quer próprios quer dos internos dos hospitaes de Paris parecem justificar as suas ideias, mas a metallotherapia continua a caminhar á mercê da indifferença; «pourquoi les maîtres, diz Dumont-pallier, qui avaient autorisé la publication de ces

faits, n'ont pas jugé opportun d'accorder à ces faits tout leur valeur thérapeutique ? » (x)

São precisos ainda dez annos para que todas es-tas descoberes-tas chamassem a attenção d'uma socie-dade de sábios ; só em 1876 a S. de Biologia de Pa-ris, graças aos esforços do seu presidente, o illustre Cl. Bernard, nomeia uma commissão para submetter a um exame severo a metallotherapia de Burq. Os

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delegados são Charcot, Dumontpallier e Luys; a elles, aggregam-se Gellé, Regnard, Landolt e Vigouroux, que, com a sua competência especial em certos ramos da medicina, tornavam mais rigorosa a apreciação doa phenomenos.

Depois de muitos mezes de experiências dous re-latórios são apresentados áquella sociedade, um em

1877, outro em 1878, sendo as suas conclusões uma confirmação completa dos estudos de Burq sobre a me-talloscopia e metallotherapia externa e excessivamente favoráveis aos da mettallotherapia interna.

Desde então o burquismo entrou n'uma phase completamente nova ; medicos de todos os paizes en-tregaram-se ao seu estudo, succederam-se as descober-tas com rapidez e o novo methodo tornou-se um as-sumpto palpitante da actualidade.

O seu estudo divide-se naturalmente em três par-tes: metalloscopia e metallotherapia externa, metallo-therapia interna, e interpretração dos factos. Julga-mos, porém, util precedel-o d'algumas considerações, sobre a hysteria, pelos motivos que todo o nosso tra-balho põe em evidencia.

Cumpre fazer uma declaração : reconhecendo que em dissertações d'esta natureza as observações pro-prias representam um papel importante, não nos es-cacearam desejos de as colher; mas os attritos, al-guns occasionados por motivos bem frivolos, foram tantos que, apezar nosso, desistimos do intento.

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PRIMEIRA PARTE

H Y S T E R I A

C'est chez les hystériques que les succès ont été obtenus en pre-mier lieu et se manifestent encore

avec le plus d'éclat.

Bouchaud. — Journ. des se. med. de Lille. n.° 2. 1880.

A faculdade de sentir, tão perfeita no homem, ad-quire na mulher o máximo desenvolvimento. Esta, mal apreciada pelos antigos que só lhe destribuiam o papel da maternidade, foi posta á frente da sociedade mo-derna pela civilisação; libertada da situação triste a que a tinham arrastado as rudes exigências da vida barbara, adquiriu o seu verdadeiro logar no seio da família para desempenhar a nobre missão, a que a convidam tanto as suas qualidades affectivas como a sua delicada sen-sibilidade.

Mas a marcha progressiva da civilisação augmentou o sentimentalismo que lhe é próprio, que é essência das suas qualidades. A vida mundana com todas as suas exigências, o desenvolvimento precoce da intelli-gencia estendendo prematuramente o circulo das suas impressões sensitivas, quando a vontade não apresenta

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ainda toda a aptidão para reagir, e despertando a cada instante a sua actividade psychica, tornam mais instá-vel o equilíbrio do seu systema nervoso, e a minima causa pôde n'ella quebrar a harmonia que existe entre os três grandes apparelhos que o constituem.

«Uma vez o equilibrio rompido, diz Bernutz, a primeira perturbação functional prepara a manifesta-ção d'uma seguinte, e o systema nervoso sob a in-fluencia das perturbações dynamicas chega a um equi-librio tão instável, como o da balança louca a que pô-de comparar-se na bysteria grave (*) ».

«Represente-se, diz Briquet, um encephalo, um prolongamento rachidiano e todas as expansões dos seus filetes nervosos n'um estado de excitação, e com-prehende-se que nada lhes será indifférente ; uma va-riação d'um decimo de grau na temperatura, a mais fraca corrente d'ar, a presença na atmosphera d'uma quantidade de electricidade maior que a habitual, a menor causa de cuidados, um pensamento triste e fu-gitivo, a contrariedade a mais leve, tudo n'uma hys-terica pôde produzir uma perturbação importante ( > .

Effectivamente a hysteria, considerada como o grau mais elevado do nervosismo, tem como caracte-rística a falta de equilibrio entre os três grandes de-partamentos do systema nervoso, produzindo uma sym-ptomatologia notável pela incoordenação, mobilidade e mutabilidade.

É a falta de subordinação entre aquelles depar-tamentos que origina a independência, e por tanto a

(!) Bernutz.—Art. Hystérie do dice, de Jaceoud. (2) Briquet.—Traité clinique de l'hystérie. 1859.

(27)

15

desordem das suas funcções, d'onde resulta um ver-dadeiro labyrintho pathologico que provocou a Syde-nham a phrase bem expressiva: «as formas de Proteu e as cores do camaleão são menos numerosas que os aspectos diversos sob que se apresenta a hysteria», e que fez dizer a Hammond principiando a descripção d'esta névrose : «sou assaltado pelo desespero do Dante, pensando na sua impotência ao descrever os horrores do nono circulo do inferno 0-»

E de passagem direi que o physiologista produz experimentalmente o espectáculo da maneira de ser particular d'alguns dos três apparelhos, da sua acção immediata e isolada sobre os órgãos, que estão sob o seu dominio.

É assim que certos estados mórbidos próprios á hysteria realisam os accidentes provocados pelo expe-rimentador, quando injecta debaixo da pelle uma quan-tidade de curara. Exaggere-se pelo contrario o poder excito-motor da medulla por meio d'uma substancia tétanisante, a strychnina, e o contacto mais leve deter-minará convulsões geraes ou parciaes, contracturas dos músculos, contracções localisadas, como no opisthoto-nos do clownismo hysterico.

Esta experiência é o complemento da primeira ; a influencia do cérebro sobre a medulla parece anni-quilada, e a vontade, se persiste, torna-se impotente para moderar as convulsões, de que é sede o systema muscular sob a acção d'uma hyperexcitabilidade refle-xa d'origem medullar.

Segundo que condicções, porém, se relacionam

(!) Hammond— Traité des malad. du syst. nerv. pag. 860, 1879.

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reciprocamente os três departamentos do systema ner-voso? Actualmente só hypotheses mais ou menos in-genhosas se podem apresentar sobre o mecanismo de taes phenomenos. A physiologia experimental n'este campo poucas luzes nos presta, quer nós admitíamos, como Ferrier, que «o cérebro é uma espécie de frio que modera a actividade incessante da medulla, que os centros encephalicos exercem sobre o seu poder re-flexo uma acção suspensiva (*)», quer consideremos estes centros capazes de produzir na medulla, como phenomeno de inducção, ondas nervosas cada vez mais extensas, cujo fim seria a producção de phenomenos motores.

No primeiro caso haveria um phenomeno análogo ao que Young descreveu com o nome de interferência luminosa; o fluxo nervoso incessantemente irradiado da substancia cortical do cérebro polarisaria e conser-varia em estado de equilibrio perfeito o que emana da medulla.

No segundo caso, comprehender-se-hiam certos estados curiosos próprios da hystero-epilepsia, em que os doentes ficam immoveis e na attitude que possuiam quando um accesso os surprehendeu. É a reproducção dos phenomenos observados por Longet, Schiff, Goltz e Vulpian nos animaes privados dos seus hemispherios cerebraes, que conservavam todas as posições que se lhes imprimia.

Seja qual fôr o valor d'estas hypotheses, o facto importante a registar-se é a possibilidade de indepen-dência d'acçâo entre o cérebro, a medulla e o gran-de sympathico ; n'elle resigran-de a explicação do maior nu-mero das manifestações que se encontram na

(29)

17

ria, e na sua expressão a mais elevada, a hystero-epi-lepsia C).

Todas as-funcções que estão sob o dominio do systema nervoso podem ser modificadas por esta né-vrose. Na esphera psychica observam-se desordens, em que a abolia representa um papel importante, e manifestando-se por graus variados d'esde a instabili-dade de caracter e mobiliinstabili-dade não motivada dos actos da doente até á alienação mental. Podem agrupar-se, como faz Luton, (2) todas as que revestem o caracter

agudo e transitório á volta de dous grandes sympto-mas, delirio e coma, exprimindo um todas as exal-tações mórbidas da intelligencia, comprehendendo o outro todos os phenomenos cerebraes oppostos aos precedentes.

Na esphera da motilidade as perturbações não são menos numerosas : hyperkinesia e akinesia — eis os dous termos a que todas podem reduzir-se, com-binando-se de modos différentes, afectando formas va-riadas, localisando-se em regiões diversas, nos mús-culos da vida de relação ou nos da vida orgânica.

É n'este conjuncto symptomatico que sobresahe um grupo de phenomenos, cuja historia é horrorosa pelos crimes que originou. Quero referir-me princi-palmente aos do segundo periodo do attaque da hys-tero-epilepsia, caracterisado por contorsões, grandes movimentos e clownismo.

Nas sombrias epochas em que os conventos e castellos enxameavam na Europa, em que a

supersti-(i) Vid. Charcot. Leçons sur les mal. du syst. nen.

tom. l.° 1877. e Bourneville. L' hystérie et l'epilepsie. 1876.

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ção, desenvolvida por um fanatismo exaggerado e en-tretida por monges ignorantes, era exaltada ainda pela lendas maravilhosas sobre os bons e maus espiritos, a demonopathia era frequente, a crença nos génios malignos dominava todas as imaginações. As attitudes extravagantes tomadas pelas hystericas, grandes mo-vimentos dos membros e tronco em oscilações inces-santes, umas vezes regulares e symetricas, outras ir-regulares e desordenadas, gritos automáticos de tim-bre particular, a phisionomia como que reflectindo o terror, tudo concorria para que os ignorantes da ida-de media vissem espiritos malignos em cada pheno-meno que não sabiam explicar.

Então queimavam-se vivas as desgraçadas hyste-ricas, cujos accidentes eram obra do demónio: hoje são doentes para quem se construem asyios, e é pre-ciso confessar que se a religião conta menos fanáticos, a moral e a caridade lucraram, tendo sido as scien-cias medicas as promotoras d'esta feliz transformação.

E para terminarmos o incidente, diremos que os nomes do desgraçado Urbain Grandier e do feliz diá-cono Paris, ainda que representem na historia do ma-ravilhoso um papel différente, acham-se ligados ás hysterias convulsivas dos séculos XVII e XVIII d'uni modo tristemente celebre. (*)

Todas as funcções da vida orgânica podem ser tam-bém mais ou menos modificadas ; entre as suas numero-sas perturbações ha algumas notáveis pelo papel que tem representado na historia da hysteria, como as da ovu-lação; ha outras, que foram objecto de estudos inte-ressantes por parte de Charcot, como a ischuria,

(*) Figuier—Hist, du merveilleux, tom. I.0, 1873. Debay—Hist, des sciences occultes. 1869.

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19

e ainda ha outras que em epocha mui próxima da nossa provocaram controvérsias e discussões curiosas, como a transudação sanguínea em Luisa Lataud, a

estigmatisada de Anvers, que no dizer de Bourneville

«foi considerada pelos seus admiradores interessados como apresentando phenomenos até então desconheci-dos desconheci-dos clinicos e reputadesconheci-dos d'origem sobrenatural O», quando este distincto medico os colloca por uma rigorosa analyse sob a dependência da hysteria grave. Seriam múltiplas as espeeialisações n'este campo ; citaremos como importantes para as investigações me-talloscopicas a anemia e abaixamento de temperatura, que por vezes existem nas partes anesthesiadas, apre-sentando-se em certos casos com tal intensidade que o escoamento sanguineo é difficil após uma picadura. Estas alterações vaso-motoras explicam certos fa-ctos, quando despidos de exaggero e erros fanáticos, como «les coups d'epêes, que nas convulsionarias do ce-mitério S. Medard não produziam hemorrhagia». (2)

As modificações de sensibilidade quer geral, quer sensorial, podem reduzir-se como as de motilidade a dous grupos: hypersthesia e anesthesia.

A primeira, revestindo a forma de dermalgia (Bri-quet), pôde circumscrever-se ou generalisar-se, occu-pando habitualmente o lado do corpo opposto áquelle em que reside a anesthesia ; como myalgia corresponde, segundo Inman, á origem e inserção dos músculos (Hammond).

Sob a forma de nevralgia tem por séde différen-tes pontos, tornando-se notável a do ovário, que Briquet

(!) Bourneville. Science et miracle. 1878. (*) Charcot — Obr. cit.

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apenas mencionou para sustentar a sua douctrina sobre a localisação exclusivamente cerebral da névrose hys-terica, e a que Charcot dedicou muitas paginas instructi-vas. Como o tinha previsto Motard, como o tinham pre-senceado Stilling e Turk, Schutzenberger e Romberg, uma pressão um pouco forte sobre esses pontos hy-persthesiados pode determinar um attaque ou prolon-gal-o, se a sua cessação está imminente. Charcot, que fez da compressão ovarica um meio de tratamento, es-tudou esses centros sob o nome de pontos epileptoge-nicos, localisando-os na gotteira vertebal esquerda, na glândula mammaria esquerda, mas geralmente no ovário do mesmo lado.

A anesthesia existe ora isolada sobre ilhotas dis-seminadas irregularmente ou seguindo a destribuição d'um nervo cutâneo, ora occupando toda a metade do corpo, sendo raras vezes geral. Não basta, porém, di-zer que ha anesthesia; depois dos trabalhos de Bell e Landry sabe-se que são três as sensações, quer ge-raes, quer especiaes, fornecidas pela pelle: isthesia, algesthesia e thermesthesia (Vulpian), que podem ser paralysadas ou no seu conjuncto ou isolada e inde-pendentemente umas das outras.

Seja qual fôr a veracidade das hypotheses emit-tidas sobre estas dissociações de sensibilidade, quer a diferença de percepções dependa da diversidade dos excitantes (Vulpian), quer existam centros especiaes no eixo encephalo-medullar onde as impressões são leva-das atravez da medulla por conductores distinctos (Brown-Sequard), quer as différentes sensações sejam graus mais ou menos pronunciados d'uma excitação sempre da mesma natureza, o que cumpre verificar em metalloscopia é aquella dissociação, que nas

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hyste-21

ricas se apresenta .frequentemente com toda a niti-dez.

É no entanto a analgesia a mais commum no estado de isolamento ; e foi esta perturbação que, como as convulsões, originou factos realmente contristado-res, porque synthetisam muita superstição, muita igno-rância e uma indole excessivamente sanguinária.

A formula do Levitico—vir sive mulier in

qui-bus pithonicus vel dominationis fuerit spiritus morte moriantur—incitava os tribunaes religiosos a mandar

executar as hystericas, que apresentavam placas cutâ-neas analgésicas; havia homens encarregados de as procurar por meio de processos bárbaros, e encontra-das constituiam o signal mais evidente de pacto com o demónio. Este crime que compendiava todos os outros era punido com a fogueira !

A thermo-anesthesia é a que menos vezes se en-contra dissociada ; esta, como a analgesia e anesthesia simples, caracterisa-se ora pela sua variabilidade e mobilidade, ora pela sua permanência, pela sua mar-cha progressiva da peripheria para as partes profun-das, pela sua indolência. Todos affirmam que é pre-ciso procurar estas modificações de sensibilidade cu-tanea, e «sem duvida, diz Richet, seria com mais fre-quência notada se se lhe ligasse mais importância Q».

Aquelles que tentam filiar os resultados da me-tallotherapia na influencia da imaginação das hysteri-cas dizem que estas por um esforço da vontade po-dem dissimular a dôr. Esta asserção, partindo d'uma certa eschóla d'alem-Mancha significa a negação quasi

(*) Richet. Rech. exper. et clin, sur la sensibilité, pag. 278. 1877.

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completa do burquismo no campo ,da hysteria ; no mo-mento actual diremos apenas com Dumontpallier: «é possivel que n'ellas as perturbações intellectuaes se-jam de tal ordem que as faça luctar contra a dôr e

dizer: Douleur, tu n'es qu'un mot; mas ha circumstan-cias em que o medico não pôde facilmente ser induzido em erro Q».

A sensibilidade muscular poucas vezes é abolida, conservando a sua integridade no meio da anesthesia geral, o que explica, além d'outros phenomenos, a mar-cha nas hystericas quando a sensibilidade plantar é nulla ; sendo porém os músculos invadidos, as doentes não teem mais consciência do estado d'estes órgãos, mas os movimentos ainda são possíveis com o auxilio da vista. À physio-pathologia d'esté facto é tão obscura, como numerosas são as interpretações sobre a sensibilidade muscular. Arvorada por uns em sentido especial

(Du-chenne, Weber, Cl. Bernard, Duval), negada por ou-tros (Trousseau, Vulpian), considerada ainda por ouou-tros como funcção psychica (Bernardt), ou como sensação de innervação (Wundt), possue segundo os recentes tra-balhos de Tschirieff (2) mais um novo elemento para

a sua apreciação, qual o da existência de nervos centrí-petos situados nos músculos, para ella consagrados

ex-clusivamente.

Talvez no caso sujeito não seja preciso invocar um sentido especial para explicar phenomenos, que pare-cem ligados unicamente á anesthesia completa. Um musculo para contrahir-se suppõe um impulso voluntá-rio, e é evidente que não me refiro aos movimentos

re-(x) Dumontpallier— Obr. cit. pag. 18. (8) Arch, de phys. pag. 82, 293. 1879.

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23

flexos; este impulso produz um abalo nos centros mo­ tores da medulla, que se transmitte por intermédio das

raizes anteriores até ao musculo.

Tendo a physiologia demonstrado que no estado ■hygido um musculo se contrahe por pequenas oscilla­ ções incessantes e muito approximadas, é verosimil

que estas estejam subordinadas ao grau de resistência que experimenta o musculo em approximar os seus dous pontos de inserção. Esta noção de resistência é trans­ mitida ao cérebro pelos nervos sensitivos, actuando elles com tanto maior energia sobre a medulla, quan­ to a resistência è mais considerável.

Na anesthesia, o cérebro produz este primeiro abalo nervoso sob a iufluencia d'um impulso voluntá­ rio ; não experimenta, porém, sensação de resistência, porque nenhuma noção lhe é mais fornecida por aquelles nervos então cessará o phenomeno; o mus­ culo não se contrahe ou contrahe­se pouco e a doente julga ter executado o movimento querido. A vista, pe­ lo contrario, por um habito adquirido, pela associação instinctiva da sensibilidade geral e especial poderá for­ necer noções ao encephalo sobre o grau de contracção muscular, e a paralysia desapparecerá pelo menos par­ cialmente.

A modalidade, porém, mais notável da anesthe­ sia das hystericas é a hemianesthesia unilateral, vere­ ficada n'ellas pela primeira vez, e que se encontra fre­ quentemente, se não sempre na hystero­epilepsia.

É ella que tem constituido o campo mais usual e mais completo para as investigações metalloscopicas; estas, tendo­se dirigido principalmente a perturbações de sensibilidade, encontram na hemianesthesia terreno apropriado para a sua verificação.

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anteroposterior, diz Charcot, passando pela linha media-na estabelece-lhe o limite, excedendo todavia adiante o sterno e atraz a crista das apophyses espinhosas (*)». Affecta todas as sensibilidades, a cutanea e a muscular ; as mucosas não são poupadas, assim como os appare-Ihos sensoriaes, quer os de origem cerebral, quer os de origem bolbar. •

Um dos primeiros, o visual, é a sede de pheno-menos, dignos de menção pela importância capital que possuem em metallotherapia. Em 1859 Briquet assi-gnalava a amblyopia hysterica, mas n'essa epocha os meios de investigação eram pouco precisos para escla-recer omysterio que cercava esta affecção; posterior-mente Galezouski mostrou que ella era acompanhada de dyschromatopsia ou achromatopsia, isto é, da perda completa ou incompleta da noção das cores, mas foi Landolt o primeiro que descobriu a gamma chromatica da sua percepção, estabelecendo certas leis que lhe pre-sidem.

No estado physiologico nem todas as partes do cam-po visual apresentam a mesma aptidão para receber a impressão das cores; estas, sendo as mesmas que as do prisma, offerecem no entanto na ordem da percepção retiniana uma disposição diversa.

As differences de extensão do campo visual repro-duzem-se segundo a mesma regra para cada côr; é para o azul que o campo visual é mais vasto, seguin-do-se depois o amarello, o alaranjado, o vermelho, o verde, sendo o circulo de violeta o mais central.

Na amblyopia hysterica dizem Landolt e Charcot e com elles Raymond, Richer e Abbadie: «estes

caracte-(*) Charcot. Des localis. dans les mal. cerebr. pag. 115. 1878. ' "

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25

res do estado normal mostram-se exaggerados em graus variados ; os diversos círculos que correspondem na ex-ploração aos limites da visão para cada côr retrahem-se concentricamente, d'um modo mais ou menos accen-tuado segnndo a lei reconhecida para o estado nor-mal O».

Retrahindo-se somente o circulo de violeta, todas as outras cores serão percebidas menos aquella ; depois, com os progressos da dyschromatopsia não haverá a noção do verde, do amarello, etc., desapparecendo em ultimo logar as duas mais periphericas.

Quando isto succède, os doentes conservam a no-ção da forma e dos planos dos objectos, mas estes apresentam-se-lhe como se estivessem collocados n'uma pintura cinzenta.

Ha, no entanto, excepções á regra estabelecida por Landolt; Charcot observou recentemente doentes, que continuavam a vêr o vermelho, quando não existia já a noção do amarello e do azul, o que concorda com ca-sos análogos registados por P. Richer.

Isto porém não invalida, pelo menos actualmen-te, o facto principal: que as cores centraes, violeta e verde, deixam de ser percebidas primeiro que qual-quer das restantes, ou periphericas ou intermediarias.

Estas alterações chromaticas téem por sede habi-tual o campo visual do lado anesthesiado, mas mani-festam-se também geralmente no do lado opposto, o

que explica na mesma doente a percepção das cores que tem circulos mais extensos no primeiro, e

sómen-(!) Charcot.—Obr cit. Raymond—Etude sur l'hemichor. et Vhemianesth. 1876. Landolt—Arch, de phys. 1875. Abbadie —Trait des mal. des yeux, 1877. P. Richer—Le Progrés medi-cal, n.° 47. 1879.

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te a das oeatraes no segundo. D'aqui innumeras com-binações fundadas sobre o mesmo principio, e que en-contram a sua realisação na clinica.

Estas perturbações oculares das hystericas, não se acompanhando de alterações reveladas pelo ophtalmos-copio, constituíram a base de estudos notáveis por par-te de Regnard, par-tendenpar-tes a demonstrar que a retina na dyschromatopsia está intacta, e que a lesão reside

no centro perceptivo.

Gollocando um disco de Newton, composto de se-ctores verdes e vermelhos, deante d'uma dyschromato-psica que tivesse perdido a noção do verde e não do

vermelho, ella declarava que via o vermelho e branco;

fazendo-o porém girar, o branco é reconstituído pela doente.

« A importância theorica d'esté facto, diz Regnard, comprehende-se immediatamente. Se os raios verdes não téem acção sobre as achromatopsicas hystericas, ellas deveriam vôr unicamente a côr vermelha, quan-do se fizesse incidir simultânea ou successivamente raios verdes e raios vermelhos no órgão visual afe-ctado (*)».

A experiência, que Regnard variou por modos différentes, deu todavia idênticos resultados, d'onde conclue que os raios verdes não foram vistos mas

per-cebidos, que a retina foi impressionada, porque a luz

foi reconstituída com uma côr que não era vista e ou-tra que o era.

É sabido que Young e Helmoltz admittem em ca-da elemento sensorial ca-da retina a existência de três

(!) Cit. por D. Aigre, Etude cliniq. sur la metalloscopie et metallotherap. exter. 1879.

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27

fibras elementares excitáveis para as três cores con-sideradas fundamentaes e que a sua dyscromatopsia de-pende d'uma paralysia completa das fibras correspon-dentes. Gomo explicar então, nas experiências citadas, a noção do branco estando inaptos para o seu funccio-nalismo os elementos nervosos sensiveis ao verde?

«Não será mais lógico, termina Regnard,. suppôr que a retina está intacta e que a causa do erro visual exis-te no centro perceptivo ? »

Esta hypothèse encontra algum apoio em factos de pathologia, e a sua importância sobresahe conside-r ravelmente depois dos numerosos trabalhos sobre a hemianesthesia de causa cerebral.

As observações clinicas de Turk e sobretudo de Charcot e seus discipulos demonstraram que uma le-são dos dous terços anteriores da capsula interna, — região em que esta parte do centro oval separa a extre-midade anterior do núcleo lenticular da cabeça do nú-cleo caudado e que pertence ao dominio da artéria len-ticulo-estriada — produzirá uma hemiplegia do lado opposto sem perturbações de sensibilidade.

Se, pelo contrario, fôr invadida a região lenticu-lo-optica, isto è, o terço posterior da capsula no ponto em que esta passa entre a extremidade posterior do núcleo lenticular e o thalamo óptico, haverá unicamen-te hemianesthesia.

Se ambos os terrenos forem invadidos simultanea-mente, o quadro clinico será mixto; haverá anesthesia e paralysia.

As experiências feitas por Veyssiere, Raymond e Duret confirmaram estes dados clinicos; já Meynert em 1873 admittira a existência d'um feixe de fibras ner-vosas, distinctas das outras e que, segundo elle, trans-portaria á superficie das partes posteriores do

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cere-bro as impressões sensitivas, vindas do lado opposto

do corpo.

Não podendo demorar-nos sobre este assumpto temos só a considerar como digno de menção n'esta hemianesthesia a sua semelhança com a de origem hys-terica: as mesmas perturbações de sensibilidade; a sua localisação idêntica, quer na pelle, nos órgãos dos sen-tidos especiaes, a mesma serie de factos na dissociação de sensibilidade, nas perturbações oculares, e para a analogia ser mais completa a mesma manifestação dos phenomenos metalloscopicos na suaquasi totalidade.

Depois d'estes confrontos poderá concluir-se na hemianesthesia hysterica pela existência d'uma altera-ção da capsula interna? A hysteria, revelando-se tam-bém por contracturas e paralysias em que a forma he-miplegica se apresenta nitidamente como nas doenças cerebraes, tornar-se-ha uma nevorse d'origem exclusi-vamente encephalica?

Se ha elementos que nos levem a dar, se não com toda a segurança, pelo menos com muitas probabilida-des, uma resposta affirmativa á primeira pergunta, ou-tro tanto não podemos dizer para a segunda porque a isso se oppõe um grande numero de considerações.

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SEGUNDA PARTE

METALLOSCOPÍA

(1)

IETALLOTHERAPIA EXTERNA

Ces faits sont des faits de scien-ce expérimentale, indéniables, qui peuvent être reproduits par tous ceux qui vaudront le faire en se plaçant dans le déterminisme ex-périmentale de Cl. Bernard.

Dumontpallier.—obr. cit. Aujourd'hui la metallotherapie externe est entrée dans une voie scientifique. Il serait mal venu d'en nier les heureuxeffets; mieux vaudrait avouer une ignorance complète de la question.

Garel—Rev. mens, de med et chir. n.o 6, 1880.

Precedentemente indicamos as différentes phases porque tinha passado a metallotherapia sob o impulso potente e conscencioso de Burq; depois dos trabalhos de Charcot, Luys e Dumontpallier, este methodo thera-peutico experimentou uma grande revolução; multipli-cam-se as descobertas, registram-se novos factos,

au-(*) Vid. Obr. cit. a propósito de mataliother. exter. e mais — L. Figuier. L'année scientif. et industr. 1880. Journ. de therap. 1878 e 1879. Gazet.hebdom. 1877, 1878.—Medic. Ti-mes, 1878 —Hammond, obr. cit. Gamier, Dice, annuel, 4877 — Teissier — Descourants continus, 1878.

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gmentaram as suas applicações no campo da clinica. São estes progressos realisados em tão curto espaço de tempo que nos levam a estudar n'este capitulo a acção não só dos metaes como dos magnetes. As relações en-tre estes agentes é tão intima, que tornam necessário aquelle estudo, sem o qual o nosso trabalho seria

in-completo.

METAES

Para seguir o caminho percorrido por todos os au-ctores que fizeram investigações metalloscopicas, snppo-nha-se uma hysterica com hemianesthesia do lado es-querdo.

Procedendo assim encontra-se terreno apto para a descripção typica dos phenomenos, que geralmente va-riam de individuo para individuo, unicamente pelo tempo necessário para a sua producção, pela extensão e rapidez da sua propagação e duração da sua persis-tência.

Como preliminares indispensáveis, verificam-se pe-los meios conhecidos as différentes perturbações de sen-sibilidade geral e especial, a força muscular do lado anesthesiado, a temperatura, o estado da sua vascula-risação.

Em seguida é preciso saber qual o metal que deve empregar-se ; entre o grande numero de metaes conhe-cidos a escolha seria difficil, se as observações até hoje feitas não tivessem reduzido o seu numero, sendo os

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31

mais usados o ferro, o cobre, o ouro, o zinco, a prata, o estanho e a platina.

Mas Burq demonstrou que os doentes não eram

sensíveis indifferentemente a qualquer metal, que cada

individuo possuia um idiosyncrasia mtitallica, úma dis-posição particular a ser modificado por um ou por mais. A seu turno a experimentação estabeleceu que a fre-quência d'acçao estava geralmente na razão directa da ordem acima estabelecida (Dumontpallier).

Como conhecer então o metal positivo, aquelle que deve produzir os phenomenos metalloscopicos?

O processo torna-se simples, ainda que por vezes seja demorado ; basta fixar successivamente em diversos pontos do lado anesthesiado e com intervallos de dous ou três dias placas dos différentes metaes.

Burq empregava-as simultaneamente; no entanto re-conheceu-se que tal modus faciendi podia ser a origem d'erros; «os metaes neutros são susceptiveis de modi-ficar os phenomenos de tal maneira, que os effeitos do metal activo não se realisariam». (Dumontpallier, obr.

cit. pag. 11). Opportunamente o demonstraremos.

Após um tempo variável para cada metal, a ex-ploração d'aquellas partes irá demonstrando pelo appa-recimento dos phenomenos abaixo mencionados, se a doente tem uma aptidão mono-metallica ou

polymetal-lica, e n'este caso para que metal é ella maior.

Verificada a hemianesthesia, conhecida a idiosyn-crasia metallica, colloque-se uma ou muitas placas do metal respectivo n'um ponto qualquer da superficie

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cutanea do lado insensível—na parte média do braço por exemplo.

No íim d'algum tempo a doente experimenta ao nivel das placas uma sensação de calor, de entor-pecimento e prurido; as regiões occupadas por ellas tornam-se sensíveis á picadura superficial e profunda. A uma certa distancia do logar da applicação no-ta-se ainda a insensibilidade completa, ou já incompleta ou dysesthesia, isto é, ao contacto d'uma compressa embebida em agoa em ebullição haverá sensação de frio intenso, aò passo que nas mesmas partes a appli-cação do gelo determina a sensação do calor (x).

Consecutivamente a zona de sensibilidade

propa-ga-se a partir das laminas, primeiro de cima para

bai-xo, depois de baixo para cima, occupando uma su-perfície cada vez maior, e nos casos extremos todo o lado anasthesiado (Bouchaud, Dumontpallier, Charcot, Vigouroux). Nos casos ordinários, porém, para obter a volta completa da sensibilidade, é preciso applicar pla-cas numerosas em diversos pontos do corpo. (D. Ai-gre).

Observam-se ainda phenomenos concomitantes mais notáveis: nas picaduras d'exploraçao que, no principio da experiência ficaram exangues, apparecem gottas de sangue, phenomeno já precedido por um augmente de vascularisação da derme ; a temperatura segue o mes-mo caminho; a columna mercurial do thermes-momètre,

(x) Rapports, faits á la Soc. de Biolog. au nom d'une commission. 1877-1878.

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3?.

collocado na mão ou no braço, sobe alguns graus, e o dynamometro indica um augmenta da força muscular, que substitue a paresia habitual.

Explorando n'este momento a parte média do hraço direito, que é a região symetrica d'aquella em que se effectuou a applicação, presencêa-se um facto tão inesperado como importante:—a sensibilidade desappareceu alli completamente, e, o que é mais singular, a placa anesthesica vai augmentando á me-dida que no braço doente a sensibilidade é recobrada.

Levando o confronto mais longe,, nota-se que o mesmo facto se réalisa para a temperatura, força mus-cular e vasmus-cularisação, que também diminuem no lado são e por vezes d'um modo considerável.

É o phenomeno do transfert para me servir da expressão consagrada ; phenomeno que escapara á pe-rspicácia de Burq por causa dos processos complica-dos que empregava.

Segundo Dumontpallier, o transfert apresenta-se sempre nas hystericas; observações posteriores de-monstraram todavia que não lhes è exclusivo, nem absolutamente geral, ainda que as excepções revistam o caracter da raridade.

Sob a acção do mesmo metal experimentarão as sensibilidades especiaes a mesma influencia que a sen-sibilidade geral? Para o verificar é conveniente collo-car as laminas no órgão respectivo ou nas suas pro-ximidades. Applique-se, pois, uma placa sobre a metade anesthesica da lingoa ou na região cervical, uma outra na aza do nariz, e assiste-se á manifestação dos pheno-menos precedentes, á apparição da sensibilidade gus-tativa e olfactiva.

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Fixem-se outras placas nas regiões frontal, tem-poral e mastoidea e factos análogos se reproduzem pa-ra a audição e visão.

Foi n'este campo que as investigações feitas pela C. da S. de Biologia deram resultados surprehenden-tes, os primeiros que, depois dos trabalhos de Burq, constituíram verdadeiras conquistas para a sciencia e em particular para a metalioscopia. Gellé, usando d'um tubo inter-auricular da sua invenção, ficara impressio-nado pela differença existente entre os algarismos que mediam o grau d'audiçao do lado são e doente antes e depois das applicações metallicas; por elles reconhe-ceu que, no momento d'aquellas applicações, a audi-ção diminuia no lado sensível quando augmenta va no lado anesthesiado.

Foi o ponto de partida da descoberta do transfert; o que Gallé notara para o órgão auditivo, foi verifica-do depois por Dumontpallier para a sensibilidade ge-ral, temparatura e força muscular, e por Landoit para o órgão visual. D'aqui ainda a base de investigações importantes sobre a dyscrhomatopsia.

Esta, como dissemos, é modificada sob a acção metallica do mesmo modo que as outras precedentes perturbações hystericas.

O olho do lado esquerdo, que na nossa hypothèse é o affectado, principia a ter a noção do azul ou do vermelho e successivamente das cores, cujo campo visual é cada vez menos extenso, quando elle até en-tão via unicamente em todos os objectos cambiantes diversas do cinzento. Na mesma occasião o do lado direito é a séde do transfert, que se opera gradual-mente; cada côr que a doente vai percebendo no lado,

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35

esquerdo é logo perdida no direito n'uma ordem

in-versa d'aquella em que apparece no primeiro.

Realisa-se a regra de Landolí ; a apparição e desapparição das cores e o transfert fazem-se segundo a ordem da ex-tensão do eampo visual para as diversas cores no esta-do physiologico.

Tendo sido apontada a pouca estabilidade das manifestações hystericas, cumpre saber se a sensibili-dade e os phenomenos seus contemporâneos sob a in-fluencia das placas metallicas são recuperadas tempo-rária ou difmitivamente, se a anesthesia persiste ou desapparece do lado direito, se finalmente o transfert reveste todos ou alguns d'estes caracteres.

É intuitivo o alcance do problema; segundo os resultados da observação forem positivos ou negativos haverá ou um meio de debellar symptomas por vezes rebeldes, ou de os deslocar; e deslocando-os haverá utilidade ?

Ora a exploração do lado esquerdo da nossa he-mianesthesica demonstrará que, após um tempo va-riável, a amyosthenia, a anesthesia e perturbações vasculares desapparecem n'elle para reapparecerem no lado opposto, que ella volta ao estado anterior ao da applicação, não obstante a continuação do emprego das placas metallicas. É o que desde Burq se chama em metalloscopia phenomenos de retour.

Excepto o transfert, são estes os factos dominan-tes que constituíam a experiência fundamental d'aquel-le auctor ; a investigação, porém, foi mais longe e no-vas descobertas se realisaram.

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caminho (*), observando que, após a manifestação da anesthesia de retour, a exploração não devia considé-rasse terminada, porque o transfert da sensibilidade recomeçava espontaneamente, repetindo-se um certo numero de vezes. Posteriormente a asserção do illus-tre medico da Salpetrière foi confirmada por numero-sos observadores; a sensibilidade assim posta em mo-vimento passa e repassa d'um para outro lado do cor-po, oscillando durante um tempo variável, quer seja ou não continuada a applicação do metal.

A este phenomeno que pôde prolongar-se duran-te muitas horas, deu-se o nome de oscillações

consecu-tivas.

Consideremos o facto na nossa doente : recupera-da a sensibilirecupera-dade do braço esquerdo, effectuado o

transfert, apparece a hemianesthesia á direita ;

passa-dos minutos desapparece a sensibilidade adquirida, restabelece-se a insensibilidade primitiva; explorando immediatamente a região symetrica do lado direito, verifica-se que é sensivel; continuando, encontra-se anesthesia á direita, sensibilidade á esquerda, e assim successivamente até qua a hemianesthesia occupa defi-nitivamente a sede primitiva.

Os observadores devem impor-se a obrigação de procurar as oscillações em todas as experiências d'es-té género; é evidentemente uma complicação a mais no estudo dos phenomenos metalloscopicos, mas deve-mos acceitar os factos taes quaes elles são.

(49)

37

Como o transfert, ellas podem faltar ; comprehen-de-se, porem, quanto é importante conhecer esta evo-lução especial da sensibilidade; um medico não pre-venido commetteria erros, se n'uma doente que acabasse de ser submettida á acção dos metaes, emprehendesse novas experiências antes de esperar que a sensibilida-de readquirisse o equilíbrio normal.

As oscillações, que também existem para a sensibi-lidade especial, teem uma duração e rapidez variáveis, e são tanto mais curtas, quanto mais facilmente se pruduzem.

À par d'esta descorberta outra ha mais susceptí-vel de applicacões practicas. Durante os trabalhos da C. da S. de Biologia, algumas hystericas, submettidas â metallotherapia externa e interna, tinham experimen-tado notáveis melhoras; desappareceram a anesthesia, a amyosthenia e outros symptomas de gravidade. Se-riam ellas ainda sensíveis ao metal para que tinham mostrado aptidão? O problema não tinha por origem unicamente a curiosidade; da sua solução dependia o conhecimento sobre a estabilidade da cura da névrose.

Consideremos n'aquellas circumstancias a nossa doente e submettamol-a á experiência. Collocado o metal no braço affectado já sensivel, já apto a produzir maior somma de trabalho, sobrevêm a insensibilidade, a amyosthenia, emfim todas as condicções pathologicas anteriores. São os chamados phenomenos metallicos ou

post-metallicos. Continuando a applicação, verifica-se

que a anesthesia se torna gradualmente completa, por veses geral, estendendo-se symetricamente aos quatro membros, manifestando-se no tronco e cabeça, inva-dindo os órgãos dos sentidos.

(50)

Levante-se a lamina metallica, apparecem nova-mente a força muscular, a sensibilidade geral e espe-cial, mas n'uma ordem rigorosamente inversa da da sua desapparição, lenta no sentido transversal, rápida no sentido longitudinal i1)

A presença d'esté phenomeno é um meio de dia-gnostico e de indicação therapeutica ; de diadia-gnostico, porque demonstra que a cura é incompleta, de indi-cação, porque aconselha a continuação do tratamento. Esta noção, na verdade importante; é garantida por todos os observadores.

Continuando o estudo da metalioscopia, novos phenomenos se apesentam á nossa consideração. Burq ha muito tempo notara que o effeito habitual das pla-cas metallipla-cas era impedido pela sobreposição de cer-tas substancias e principalmente d'aquellas, mas não ligara a este facto toda a importância que merecia. Vi-goureux, desconhecendo-o, foi levado por ideias theo-ricas a estudar o assumpto; após repetidas observa-ções descobriu—que a sobreposição de duas placas de metaes différentes sobre o mesmo ponto da superfície da pelle fazia cessar a apparição da esthesia e anesthe-sia experimentaes,—que manifestadas ellas sob a in-fluencia do metal activo, se tornavam persistentes col-locando ou sobre este ou unicamente sobre a pelle uma lamina de metal neutro. São no primeiro caso os chamados phenomenos de suspenção, e no segundo de

fixação.

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Os primeiros são ainda postos em evidencia por outro processo, descoberto por Dumontpallier, também sob a influencia da theoria. As modificações de sensibi-lidade determinadas pela applicação dos metaes téem, como vimos, uma marcha ascendente dos membros para o tronco e cabeça. Estas modificações periphericas se-riam devidas á transmissão também peripherica aos centros nervosos e d'estes por um acto reflexo á peri-pheria? Ao mais ardente sectário de Burq a explicação parecia verosímil, e foi ella que determinou as suas experiências.

Se as perturbações de sensibilidade são uma con-sequência d'uma acção central, suspendendo por um meio qualquer a transmissão da impressão peripherica aos centros, aquellas ainda se realisariam? Collocando no lado anesthesiado um metal activo, e alguns centíme-tros acima um metal neutro, não observou nenhuma alteração da sensibilidade; fixando o metal neutro abai-xo do metal activo assistiu á producção dos phenome-nos, como se tivesse só empregado o metal activo.

Guiado ainda pela mesma interpretação sobre a acção dos centros, collocou o metal activo no lado que sob a acção metallica adquirira a sensibilidade; e um metal neulro no lado opposto, e nenhuma perturbação da sensibilidade se manifestou; levantando a lamina neutra appareceu a anesthesia post-metallica, que inva-diu, segundo a regra já estabelecida, os membros e consecutivamente todas as restantes partes da superfi-cie cutanea.

Seja qual fôr o valor da concepção theorica, que provocou a descoberta d'estes factos, exerça ou não o metal neutro uma acção sobre os centros nervosos que neutralise a do metal activo, o que é certo é que a sua

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acquisição constituiu um progresso em metalloscopia, abrindo novos horizontes á metallotherapia.

Submetíamos a nossa hemianesthesia ás experiên-cias de Vigouroux, e Dumontpallier: fixando o metal activo no braço esquerdo tendo-lhe sobreposto o metal neutro, a anesthesia persistirá emquanto se realisarem estas condições. Levante-se o ultimo e apparecerá a sen-sibilidade; manifestada esta, torne a sobrepòr-se a placa neutra, e a sensibilidade será íixa e persistente durante todo o tempo da applicação.

Supponhamos a doente melhorada e provoque-se a reproducção dos phenomenos post-metallicos ; collo-que-se n'este momento um metal neutro ao nivel da inserção do deltóide, aquelles .cessam a sua marcha as-cendente; levante-se o primeiro, continuam a propa-gar-se ; applique-se no antebraço, o effeito será o mesmo.

Golloque-se a placa activa no braço esquerdo, e a neutra no braço direito, não se manifestará nenhuma alteração de sensibilidade; levante-se a neutra, o braço esquerdo será a sede da anesthesia, amyosthenia e abai-xamento de temperatura.

A placa neutra immobilisa, portanto, os phenome-nos em' qualquer das suas phases.

Não cessa ainda a descripção dos principaes fa-ctos metalloscopicos. Gollocando no lado direito da nossa doente o metal activo, apparece n'elle a anesthe-sia; e a acção symetrica, que nas experiências prece-dentes originava o transfert e insensibilidade generali-sada, traduz-se n'este caso pela apparição da sensibili-dade no ponto symetrico do lado esquerdo (Charcot, Vigouroux). Obtem-se, pois, o mesmo resultado que na manifestação primitiva do transfert, mas a anesthesia é o primeiro phenomeno directamente produzido.

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impressiona-41

vel, pôde d'esté modo deslocar-se a anesthesia na sua totalidade do lado esquerdo para o lado direito, de-vendo notar-se que são egualmente interessados a sen-sibilidade geral, os órgãos dos sentidos, a temperatu-ra e a força muscular.

Dumontpallier, guiado pelo methodo experimen-tal, provocou uma anesthesia n'uma hysterica não anesthesica, apresentando porem o syndroma qua-si completo da névrose 0) A applicação metallica, re-petida em diversas occasiões, determinou sempre a in-sensibilidade, cuja propagação é proporcional á dura-ção da experiência.

Todos estes factos são verificáveis, quando as ex-periências se façam em .condicções rigorosamente exa-ctas; despresar alguma é viciar a experimentação, an-nular os resultados, collocar emfim a metalloscopia no quadro das cousas maravilhosas.

É assim que não mudando geralmente a aptidão metallica, ha doentes que deixam de ser impressiona-das pelo metal habitual, quer por uma espécie de to-lerância adquirida pelas applicações repetidas, quer pe-lo tratamento interno, quer por causas difficeis de des-cobrir. Ha outras que parecem não ser sensiveis aos metaes mais usuaes, cuja aptidão é difficil de desco-brir : são as idiosyncrasias dissimuladas de Burq. Go-mo reconhecel-as então? Recorrendo á metallotherapia interna, combinada com a applicação metallica exter-na ; administrando o metal, cuja actividade se suspeita e fixando successivamente pelo processo ordinário la-minas nas partes anesthesiadas.

A exploração deve ser feita com o máximo

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dado, porque os efeitos podem não revelar-se pelo conjuncto das suas manifestações; umas vezes, diz Dumontpallier, é a força muscular que descobre a apti-dão, outras vezes é a temperatura, outras serão todos estes phenomenos.

Ha mais ainda : observações repetidas demonstra-ram que as hystericas se tornam refractárias á acção metálica nas horas que precedem ou seguem uma cri-se; o facto é tão constante que pôde annunciar-se sem o concurso de outros symptomas a approximação ou o termo do attaque.

Basta a simples enunciação d'estas particularida-des para tornar palpável a sua importância nas inves-tigações metalloscopicas ; sendo ellas a base da metal-lotherapia, n'esta se reflectirão os erros commettidos por um êxito nullo ou incompleto, pela descrença ou pela duvida.

Eis os phenomenos metalloscopios mais notáveis que regista a sciencia actual relativamente á applica-ção dos metaes nas hystericas. Seriam elles sem duvi-da simples curiosiduvi-dades scientificas, se a therapeutica os não appropriasse, se os não lançasse no caminho da practica util.

Á medida, porem, que se iam descobrindo, tor-navam-se se não todos, pelo menos alguns, a origem de applicações importantes; e aquelles que ainda se conservam infructiferos por causa da sua infância não se converterão um dia n'um.agente poderoso de con-sequências úteis? Quando Dumontpallier annunciava pela primeira vez os phenomenos de fixação dizia: «espero que estes factos complementares hão de vir a ter a sua applicação therapeutica» ; e não tardou

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mui-43

to que as suas esperanças se realisassem. De mais, es-tando o assumpto na tela da discussão não é permitti-do impor limites ás descobertas metalloscopicas, nem restringir prognósticos sobre a sua utilidade theorica

ou practica.

Não ha muito tempo que o estudo do transfert se considerava completo, quando Garel mui recentemente publica uma modalidade do phenomeno ainda não ob-servada, e a que deu o nome de transfert inverso. N'um doente, possuindo anesthesia da parte posterior da es-padoa, parte antero-externa e postero-interna do ante-braço esquerdo, applica n'este ultimo uma placa de la-tão, que o doente segura com a mão direita. Realisa-se o transfert ordinário, mas a mão direita também fica anesthesica; dão-se as oscillações consecutivas, não só entre os ante-braços, como entre as mãos ; á in-sensibilidade do ante-braço e mão direita succède a sen-sibilidade nas mesmas partes do lado esquerdo, a esta a anesthesia d'aquellas.

Collocando uma só placa de latão sobre a espadoa insensivel e fixa ainda pela mão esquerda do doente re-petem-se os factos anteriores : sensibilidade da espadoa esquerda, anesthesia da espadoa direita e mão esquerda, que era sensivel antes da applicação, e as oscillações com o mesmo cruzamento dos phenomenos, isto é, ora anesthesia simultânea da espadoa esquerda e mão direita, ora da espadoa direita e mão esquerda.

«Se não é uma descoberta d'alta importância, commenta Garel, tende todavia a demonstrar que ca-da departamento sensitivo gosa sobre o mesmo mem-bro d'uma autonomia especial, porque se produzem

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