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Enquetes do "Controle de Qualidade" do CQC : uma análise multimodal

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS. Enquetes do “Controle de Qualidade” Qualidade” do CQC: CQC: uma análise multimodal. Nadiana Lima da Silva. Recife 2011. 1.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS. Enquetes do “Controle de Qualidade” do CQC: CQC: uma análise análise multimodal. Nadiana Lima da Silva. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Linguística. Orientadora: Prof.ª Dra. Angela Paiva Dionisio Coorientadora: Prof.ª Dra. Maria Medianeira de Souza. Recife 2011.

(3) Aos meus pais, Darci e ilson, por me ensinarem o que é um Lar A minha irmã, Camila, pela companhia de vida A meu namorado Leonardo, por ser sempre meu porto seguro Aos meus amigos, por fazerem parte de minha caminhada.

(4) AGRADECIMENTOS. . A Deus, por ter promovido as situações e os desafios para que fosse possível minha chegada até aqui.. . Aos meus pais e a minha irmã, por me ensinarem, todos os dias, que o amor se manifesta nas mais corriqueiras atitudes, que é produto de vários outros sentimentos e que também é um processo.. . A minha orientadora Angela, por ter me proporcionado um dos períodos de maior crescimento intelectual de minha vida, pela orientação precisa, por ser exemplo de profissional e de pessoa, e por ensinar que rigor e disciplina andam ao lado de generosidade e compreensão.. . A minha coorientadora Medianeira, pelas imensas contribuições, pelos conselhos, pela leveza com que desempenha seus papéis.. . A Karina Falcone, pelas valiosas observações em minha pré-banca, responsáveis pela melhora indiscutível deste trabalho.. . A Danielle Almeida, por ter aceitado fazer parte da minha banca examinadora e por se dispor a enriquecer meu trabalho com suas contribuições.. . A Benedito Bezerra, por ter aceitado, em um curto prazo de tempo, ler minha dissertação e predispor-se a contribuir para sua melhoria.. . A turma “multi” – formada pela professora Angela e por Helga, Paloma, Clara, Monique, Danuta, Leonardo, Eldelita, Marcelo e Rebeca –, pela companhia, pela parceria, pelos “lanches de descontração”, pelas preciosas discussões acadêmicas, permeadas por muitos desafios e risadas, que permitiram a reflexão acerca de boa parte das ideias apresentadas aqui.. . Ao professor Antônio Carlos Xavier, pelos ensinamentos ao longo da graduação e também no mestrado, pelo incentivo desde os primeiros períodos da graduação, pela confiança e pelo apoio.. . A professora Márcia Mendonça, por continuar sendo meu referencial como profissional, por ter sido responsável por meus primeiros passos na academia, pelo apoio durante a seleção do mestrado, por ter criado meios para que eu chegasse aqui.. . A todos os professores da graduação e do mestrado, por terem sido, cada um a seu modo, fundamentais para minha formação acadêmica e para que fosse possível desenvolver este trabalho.. . A meus companheiros da turma de mestrado, representados aqui por Liliane, Tayana, Monique, Rafaela, Adriana e Heber, por não só compartilharem risadas e angústias mas também por contribuírem, através das discussões quase diárias, para meu crescimento acadêmico..

(5) . A Monique, companheira de todas as horas, pelas sugestões, pelas palavras de incentivo, por dividir lágrimas e sorrisos, por ter sido peça fundamental nesse processo.. . A Liliane (Lili, minha querida Violet), pela (re)leitura atenta do meu texto, pelas sugestões, por estar sempre disposta a me ouvir, por ter, sobretudo, dado novas cores a minha vida.. . A Helga, minha amiga-irmã(mais velha!), por acreditar em mim quando eu mesma não o fazia, por toda ajuda antes, durante e depois da seleção do mestrado, pelos acertados conselhos, pelo apoio ao longo do mestrado, por ser presença ativa em minha vida.. . Aos meus queridos amigos Aline, Marcelinha, Elio, Brenno, Maurício, “Fuxo” e Morg, pelo apoio, por entenderem minhas ausências, por torcerem por mim.. . A Leonardo, meu ponto de equilíbrio, pelos sábios conselhos, pelo silêncio e pelo abraço quando as palavras não eram suficientes, por ter dado um novo e maravilhoso sentido à palavra companheirismo.. . Aos queridos Diva e Jozaías, pelo apoio constante e pela torcida.. . A todos que contribuíram para que este trabalho se realizasse e que, por distração e injustiça, não foram mencionados aqui..

(6) EPÍGRAFES. “A realidade real não existe, na verdade. É sempre um olhar, o olhar condicionado (...) cada experiência de olhar é um limite; a gente não conhece as coisas como elas são, só mediadas pela nossa experiência” Paulo César Lopes, professor de Literatura. “O ato de ver e de olhar não se limita a olhar para fora, não se limita a olhar o visível, mas também o invisível” Oliver Sacks, neurologista e escritor. Esta é minha sobrinha Verônica, a quem fotografei em um campo que vira há muito tempo, pedi a ela que corresse e dançasse; ela usava um sininho, que eu escutava. a verdade, fotografei o sininho, mas este não pode ser visto. Trata-se, então, de uma fotografia do invisível. Evgen Bavcar, fotógrafo cego e filósofo. “O olho vê, a lembrança revê as coisas e a imaginação é a imaginação que transvê, que transfigura o mundo, que faz outro mundo.” Manoel de Barros, poeta.

(7) RESUMO RESUMO. Este trabalho tem como objetivo principal analisar o gênero enquete do quadro “Controle de Qualidade” (CQ), do programa televisivo Custe o Que Custar, investigando de que maneira os recursos semióticos que compõem os diversos modos dessas enquetes são convencionados, promovendo, assim, a construção da identidade dos políticos. Para atender a esse objetivo, inicialmente, construímos a noção de gênero, respaldados pela perspectiva dos Estudos Retóricos do Gênero, principalmente, pelos trabalhos de Bazerman (2008; 2009) e Miller (2009). Além disso, tratamos do gênero enquete e de sua configuração no “Controle de Qualidade”. Em um segundo momento, Focamos nossa atenção na multimodalidade – traço constitutivo de todos os textos –, fundamentando-nos na Gramática de Design Visual (GDV), de Kress e Van Leeuwen (2006). Também discutimos o papel das convenções retóricas na leitura dos textos, tomando como base os estudos de Kostelnick e Hasset (2003), além de demonstrarmos como os recursos semióticos tornam-se convenções em nosso corpus (formado por 49 enquetes exibidas em 2009). Por fim, analisamos como se dá a construção da identidade dos políticos, observando como as três estruturas da função Composicional da GDV se articulam nos recursos semióticos convencionados em grande escala. Os resultados encontrados revelam que – uma vez construído o estereótipo de que os políticos não são beminformados –, os recursos que representam ações de reprovação ou de constrangimento são utilizados nas enquetes do CQ com muito mais frequência, além de congregarem tanto recursos pictóricos quanto sonoros, em contraposição aos recursos que representam ações de aprovação, que são mais sutis e, na maioria das vezes, são apenas do modo sonoro. Dessa forma, observa-se que as convenções criadas nas enquetes do CQ funcionam como um meio de construir a identidade de um político desinformado, o que é possível em função das escolhas de estratégias discursivas, que se manifestam não só no que diz respeito às escolhas linguísticas, mas, sobretudo, quanto aos recursos semióticos de outros modos.. Palavras-chave: enquetes; multimodalidade; convenções retóricas; identidade.

(8) ABSTRACT. The main objective of this study is to examine the genre poll of framework "Quality Control”, by investigating how the semiotic resources that make up the various modes of these polls become conventions, thereby promoting the identity construction of the politicians. In order to do this, this research is based on the notion of genre as social action, backed by the prospect of the Rhetoric of Genre Studies, especially the work of Bazerman (2008, 2009) and Miller (2009). Furthermore, the genre poll and its configuration in the "Quality Control". Then we focus our attention on multimodality - constitutive feature of all texts - and in the Grammar of Visual Design (GDV) of Kress and Van Leeuwen (2006). We also discussed the role of rhetorical conventions in reading the texts, based on studies Kostelnick and Hassett (2003), and demonstrate how semiotic resources become conventions in our corpus. Finally, we observe how the construction of political identity is constructed,. by. observing. how. the. Function of Compositional’s three structures work in the semiotic resources. Once constructed the stereotype that politicians are not well-informed, the results show that the resources that represent shares of disapproval or embarrassment are used in poll of CQ much more frequently as opposed to features that represent actions of approval, which are more subtle and, in most cases, it ocurr in the mode of sound. Thus, it is noted that the conventions are a means of constructing a political identity of the uninformed, what is possible according to the choices of discursive strategies, which manifest themselves not only with respect to choices language, but mainly with respect the semiotic resources of other modes.. Keywords: poll; multimodality; rhetorical conventions, identity.

(9) LISTAS. Siglas: CQ. Controle de Qualidade. LSF. Linguística Sistêmica-Funcional. GDV Gramática do Design Visual C DG. Cena Danilo Gentilli, repórter do Controle de Qualidade. Quadros:. CAPÍTULO 1. Quadros. Pág.. Quadro 1. Exemplo de disposição (dia 09/03/09). 6. Quadro 2. Resumo das Convenções do Trabalho. 7. Quadro 3. Vinheta do CQ. 16. Quadro 4. “Você acha que os políticos são bem informados?” (dia 09/03/09). 17. Quadro 5. “O que significa ENEM?” (dia 06/04/09). 18. Quadro 6. Diversidade de Gêneros nas Enquetes. 19. Quadro 7. “Qual o nome dos ministros da Agricultura e da Aquicultura?” (dia 06/04/09). 22. Quadro 8. “Do que trata a Lei Maria da Penha?” (dia 29/06/09). 27. Quadro 9. Intertexto Boxeador Rocky. 30. Quadro 10. Enquete sobre o “caso Geyse Arruda” (dia 30/11/09). 30. Quadro 11. Intertexto relacionado ao Bigode. 31. Quadro 12. Reconfiguração das metafunções da Linguística SistêmicaFuncional para a Gramática de Design Visual. 40. Quadro 13. “Quanto é o salário mínimo?” (dia 18/05/09). 42.

(10) CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3. Quadro 14. “Quanto é o salário mínimo?” (dia 18/05/09) - continuação. 43. Quadro 15. Qual o nome do ministro da Agricultura? (dia06/04/09). 46. Quadro 16. Venezuela preparada para possível guerra com a Colômbia (dia 30/12/09). 46. Quadro 17. Estruturação (enquete do dia 12/10/09). 49. Quadro 18. Alteração das Estruturas Composicionais Dinâmicas (dia 06/04/09). 50. Quadro 19. Gama de Códigos Convencionais, segundo Kostelnick e Hasset (2003:16). 53. Quadro 20. Mutabilidade das Convenções. 54. Quadro 21. Mutabilidade das Convenções - continuação. 56. Quadro 22. Convenção de Pequena Escala. 58. Quadro 23. Convenção de Pequena Escala - continuação. 59. Quadro 24. “Onde fica Guantánamo?” (dia 09/03/09). 61. Quadro 25. O que é “jihad’?. 71. Quadro 26. O que é “jihad’? - continuação. 73. Quadro 27. “Qual o valor do salário mínimo?”. 74. Quadro 28. “O significa PMDB?” (dia 23/03/09). 76. Quadro 29. Qual o valor do salário mínimo? (dia 18/05/09). 78. Quadro 30. “O que significa PMDB?” (dia 23/03/09) – 2º caso. 80. Quadro 31. “Crise da pecuária” (dia 06/04/09). 82. Quadro 32. “Crise da pecuária” (dia 06/04/09) - continuação. 84. Quadro 33. “Quantos ministros o governo tem?”(dia 06/04/09). 88. Quadro 34. “O que é protecionismo?” (dia 09/03/09). 92. Quadro 35. “Desmatamento, em 21 anos, atingiu seu menor índice” (dia 30/11/09). 95. Quadro 36. “Que países formam o BRICs?” (dia 29/06/09). 96. Quadro 37. O que é “jihad’? (dia 05/03/09) – 2º caso. 101.

(11) Quadro 38. “Caso Geyse Arruda” (dia 30/11/09). 103. Quadro 39. “Qual país foi indicado pelo Brasil para participar do Mercosul?”(dia 09/11/09). 107. Quadro 40. “O significa Anac?” (exibido dia 23/03/09). 109.

(12) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 1. CAPÍTULO I – DO QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS EM GÊNEROS?. 9. 1.1. Gênero Enquete: o caso do “Controle de Qualidade”. 12. 1.2. Intertextualidade e Intericonicidade nas Enquetes. 22. CAPÍTULO II – MULTIMODALIDADE: CENÁRIO CENÁRIO TEÓRICO TEÓRICO. 33. 2.1. Multimodalidade: ajustando o olhar analítico. 34. 2.2. A Gramática do Design Visual. 38.  A Função Composicional. 40. a) Valor informativo. 41. b) Saliência. 45. c) Estruturação. 48. 2.3. Documentos Multimodais: um mosaico de convenções. 51. CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DA COMPOSIÇÃO COMPOSIÇÃO DAS ENQUETES. 61. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 122. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 57 127. REFERÊNCIAS DOS VÍDEOS. 133.

(13) INTRODUÇÃO. E. star bem-informado tem tornado-se condição sine qua non no momento sóciohistórico em que estamos vivendo, marcado pela globalização e pela ampla. variedade de meios de acesso à informação. De certa forma, essa exigência sempre existiu, mas “a relação com o conhecimento que experimentamos desde a Segunda Guerra Mundial, e sobretudo depois dos anos 70, é radicalmente nova” (LEVY 1996: 54). Segundo o filósofo Levy (1996), até a segunda metade do século XX, as pessoas usufruiam das competências adquiridas na juventude, o que tornou-se praticamente obsoleto nos dias de hoje, em que as pessoas mudam várias vezes de profissão, além de o conhecimento, no próprio âmbito das profissões, ter um ciclo de renovação de cerca de três anos. Em decorrência disso,. as informações e os conhecimentos passaram a constar entre os bens econômicos primordiais, o que nem sempre foi verdade. Ademais, sua posição de infraestrutura – fala-se de infoestrutura –, de fonte ou de condição determinante para todas as formas de riquezas tornou-se evidente, enquanto antes se mantinha na penumbra.(LEVY 1996: 55). Como se pode apreender da afirmação acima, para o autor, as informações figuram como bens econômicos, uma vez que é preciso desenvolver competências, a partir das informações adquiridas e do conhecimento que é construído, para que seja possível desempenhar um bom papel. O tema da acessibilidade da informação, inclusive, é pauta de diversas discussões acerca do papel do cidadão, uma vez que, pelo conhecimento construído a partir da informação, é possível agir criticamente diante da realidade. Em decorrência dessa exigência patente de se estar bem-informado e da consequente mudança do perfil do cidadão, a representação política tem sido extremamente questionada, sobretudo, em função da rapidez com que a informação tem chegado a nós1. Não são raras, por exemplo, as discussões acerca dos casos de corrupção em que alguns políticos estão (supostamente ou não) envolvidos. A corrupção, segundo Pontes 1. Cada vez mais, a expressão “informação que chega ao leitor” tem perdido o tom metafórico para se aproximar da ação concreta, basta atentarmos para as redes virtuais de compartilhamento de dados, como o Facebook e o Twitter, que permitem – pelas potencialidades dos recursos tecnológicos – que o usuário receba informações de terceiros automaticamente por meio de vários dispositivos, como o próprio celular, que há muito tempo não se destina apenas a fazer/receber ligações. A ideia de ‘busca por informação’, então, passou a ter outra configuração. No entanto, nossa relação com a tecnologia não se dá de forma tão simples. Há a exigência de que saibamos utilizar tais recursos, para usufruir dos benefícios, o que, de certa forma, nos ‘escraviza’. Para saber mais sobre como a tecnologia nos manipula, uma vez que, ao oferecer ‘facilidades’ de acesso de informação, exige de nós determinadas atitudes e estratégias, uma boa opção é o texto “Rethoric, Tecnology, and PushmiPullyu” de Carolyn Miller (2010).. 1.

(14) INTRODUÇÃO. (2007:01), “é uma palavra-chave presente na história da formação social, cultural e política brasileira”. Na mesma medida, também são frequentes as cobranças pela idoneidade dos políticos, seja pela população em protestos de diversa natureza seja por parte dos meios de comunicação, em representação dessa voz popular. Nessa âmbito, surgem as enquetes do “Controle de Qualidade” (do programa televisivo Custe o que Custar, CQC, exibido pela emissora Bandeirantes, semanalmente), caracterizadas por forte caráter humorístico, aspecto que permite que “um discurso proibido, subterrâneo, não oficial, que não se manifestaria, talvez, através de outras formas de coletas de dados” (POSSENTI, 1998: 26) possa ser construído com mais fluidez. Além disso, essas enquetes objetivam verificar se os políticos estão ou não bem-informados a respeito de assuntos diversos. É a exigência patente da qual discorríamos. Como representantes do povo e como pressuposto para que seja possível cumprir esse papel, segundo as enquetes do CQ, os políticos precisam ser bem-informados. Mas informados a respeito de quais assuntos? Quem determina quais são os assuntos dos quais os políticos devem ter conhecimento? Se não são bem informados, que “punição” merecem receber? Serem expostos publicamente ao ridículo? Ao escolher quais serão os temas que serão base para as enquetes, dentre outras escolhas, as enquetes passam a guiar os passos pelos quais o telespectador/leitor deve seguir. Para Fairclough (2001), o discurso, na condição de prática não só social, mas também política, estabelece, mantém e reconfigura as relações de poder, bem como as entidades coletivas em que existem tais relações. Da mesma forma, enquanto prática ideológica, o discurso também constitui, mantém e transforma os significados do mundo, nas diversas posições dessas relações de poder. O autor também alerta para a importância de “discernir as conexões entre a linguagem e outros elementos da vida social que são opacas”, tais como “o papel da linguagem nas relações de poder e dominação, o trabalho ideológico do texto, a negociação de identidades pessoais e sociais em seus aspectos semióticos e linguísticos”. (FAIRCLOUGH 2001: 230). No que se refere aos textos midiáticos, como a enquete, nosso objeto de estudo, Fairclough (1995: 52 apud Heberle, 2004) afirma que eles “constituem um barômetro sensível de transformação social”, assinalando a importância de estudar tais textos. Essa transformação social também modifica a maneira como nos vemos como sujeitos; nossas identidades sociais, ora unificadas e estáveis, passam a ser observadas de forma epistêmica como fragmentadas, instáveis. A respeito dessa mudança, Hall (2005) discrimina três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a da Sociologia e a da Pós-Modernidade. Segundo o autor, a concepção do sujeito no Iluminismo o considerava um indivíduo unificado, centrado totalmente em si mesmo. Mesmo com o desenvolvimento do 2.

(15) INTRODUÇÃO. indivíduo, ele permanecia o mesmo ao longo de sua existência. Pela concepção do sujeito sociológico, por sua vez, o sujeito “refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com ‘outras pessoas importantes para ele’” (HALL 2005: 11). Dessa forma, nessa concepção, a identidade se dava na interação entre o ‘eu’ e a sociedade. O autor ainda afirma que, por essa visão sociológica, nós nos projetamos nas “identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores” (p.12). No entanto, ainda havia, conforme afirma Hall, uma estabilização, já que a identidade unia, ‘costurava’ o sujeito à cultura. Ambos tornavam-se “reciprocamente mais unificados e predizíveis”. Pela concepção da Pós-Modernidade, o sujeito assume diversas identidades, em momentos diferentes, não-unificadas em um ‘eu’ coerente. A identidade, então, passa a ser uma “celebração móvel”. Dessa forma, a identidade completa e coerente tornou-se uma ideia fantasiosa, levando em conta o momento em que vivemos. Ao contrário disso, assegura Hall (2005: 13):. à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.. Moita Lopes (2003:20) apresenta posicionamento semelhante sobre a concepção de identidade da Pós-Modernidade, ao afirmar que as pessoas apresentam identidades “fragmentadas, múltiplas e contraditórias”. O autor reporta as afirmações de Gee (2001), segundo o qual reconhecemos um ‘tipo de pessoa’ de maneiras diferentes, dependendo do momento, da interação etc., e as afirmações de Parker (1989), para quem o si-mesmo é construído, re-experimentado na vida cotidiana e, posteriormente, transformado. Para Moita Lopes (2003), portanto, os sujeitos se engajam nas práticas discursivas em um processo de “co-construção de si mesmo e do outro”. Assim, a construção da identidade social do sujeito ocorre, por exemplo, em uma simples conversa, na discussão de um tópico qualquer. Adotaremos, neste estudo, esse último conceito de identidade, por compartilharmos da visão que esta não é um construto fixo e determinado, associado biologicamente à pessoa, mas como um processo de construção de natureza social, situado historicamente. As mudanças decorrentes das novas configurações sociais não se restringem à maneira como se concebe a construção identitária, mas também se manifesta na produção dos textos. Em decorrência do desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, também do design, os 3.

(16) INTRODUÇÃO. textos têm apresentado, cada vez mais, um forte teor informativo visual, o que exige das abordagens teóricas a consideração desse aspecto. Kress e van Leeuwen (2006), atentando para esse fato, apontam para a necessidade de se observar os textos de forma integrada, quebrando (ou, no mínimo, atenuando) a dicotomia entre os estudos da linguagem e de outros modos, uma vez que a multimodalidade é um traço constitutivo de qualquer texto, como se pode apreender da afirmação de Dionisio (2008), segundo a qual, sempre, quando escrevemos ou falamos, estamos utilizando, pelo menos, dois modos de representação. Ainda segundo a autora, “representação e imagens não são meramente formas de expressão para divulgação de informações, ou representações naturais, mas são, acima de tudo, textos especialmente construídos que revelam as nossas relações com a sociedade e com o que a sociedade representa” (DIONISIO 2008: 119). Assim, com a variedade de modos combinados em um texto, há uma orquestração de propósitos comunicativos entrelaçados, o que reforça a exigência de mudar a maneira como lemos esses textos, já que “os gêneros se materializam em formas de representação multimodal (linguagem alfabética, disposição gráfica na página ou na tela, cores, figuras geométricas, etc.) que se integram na construção do sentido” (DIONISIO, 2006:14). Por isso, a autora afirma que, consequentemente, também precisamos rever o conceito de letramento: “Precisamos falar em multiletramento!”, o que é fundamental para observarmos como se manifestam os discursos que permeiam nossas práticas sociais. A respeito do letramento – ou letramentos, como se pode apreender do item b mais adiante –, Barton e Hamilton (2008:3) afirmam que “como toda atividade humana, o letramento é essencialmente social, e é localizado na interação entre as pessoas”, sendo as práticas observadas a partir de um determinado contexto. Para os autores, a noção de práticas de letramento oferece um poderoso meio para se compreender a relação entre atividades de leitura e escrita e as estruturas sociais em que elas são incorporadas. A respeito da natureza do letramento, os autores afirmam que: a) o letramento é melhor entendido como um lista de práticas sociais; b) há diferentes letramentos relacionados a diferentes domínios da vida; c) as práticas de letramento são padronizadas pelas instituições sociais e relações de poder; d) as práticas de letramento apresentam propósitos comunicativos específicos e são incorporadas aos objetivos sociais e às práticas culturais; e) o letramento é historicamente situado.. 4.

(17) INTRODUÇÃO. Conforme ressaltam os autores, as práticas de letramento são dinâmicas e mudam de acordo com a sociedade da qual elas fazem parte, uma vez que esta regula o uso e a distribuição dos textos e determina quem os produz e quem tem acesso a eles. Dessa forma, a noção de letramento é pertinente para o estudo dos gêneros, já que estes tipificam as ações sociais e sinalizam as demandas da sociedade. Da mesma forma, estar bem-informado depende da esfera de atividade que se considere, depende do que se entende por ser informado, depende da relevância da informação para desempenhar determinados papéis. Para um astrólogo é de suma importância ter conhecimento sobre a recente descoberta de astrônomos do Planetário de Minnesota, nos EUA, sobre a mudança de alinhamento das estrelas, o que supostamente provocaria mudanças nos signos solares e nos mapas astrológicos. No entanto, essa informação é irrelevante para quem não credita às posições dos astros um determinado traço em sua personalidade. De maneira semelhante, um jornalista esportivo precisar estar bem-informado sobre acontecimento em seu campo de atuação, que não será o mesmo de um jornalista de uma revista de fofocas. Diante disso, dedicamo-nos à análise das enquetes do “Controle de Qualidade”, mais precisamente, investigando de que maneira os recursos semióticos que compõem os diversos modos dessas enquetes são convencionados, promovendo, assim, a construção da identidade dos políticos. Para tanto, especificamente, o presente trabalho propõe atender aos seguintes objetivos: a) observar quais recursos semióticos são convencionalmente associados a qualquer político e quais são associados a políticos específicos; b) verificar quais são os efeitos de sentido construídos pelo uso convencionado dos recursos semióticos. O corpus desta pesquisa é formado por 41 exemplares do gênero enquetes, exibidas no ano de 2009, recorte que foi realizado pelos seguintes critérios: a) as enquetes desse quadro têm como tônica uma informação extraída de um acontecimento recente; e b) tem sempre como foco das enquetes os políticos, principalmente deputados federais e senadores. A coleta do corpus foi feita tanto por acesso ao site do CQC (<http://videos.band.com.br/c_79_.htm>) que disponibiliza todos os vídeos exibidos durante o programa, na televisão, quanto por gravação dos episódios. Além desses dois meios de coleta descritos, capturamos alguns vídeos que estão hospedados no site Youtube, constituindo uma prática complementar aos dois primeiros modos de coleta.. 5.

(18) INTRODUÇÃO. Diante da inviabilidade de reproduzir as enquetes tais quais foram originalmente apresentadas, tendo em vista o meio material, os diálogos foram transcritos e dispostos abaixo da imagem “correspondente” (à semelhança das fotonovelas), como demonstra o quadro 1, a seguir:. Quadro 1 – Exemplo de disposição (dia 09/03/09) C1. C2. DG: o que significa “jihad”?. AC: (suspiro) não... [som: grilos, cricrilando]. C3. C4. AC: veja... Jihad... ela:: [som: grilos, cricrilando]. AC: do ponto de vista:: conceitual, ela tem muito vínculo religioso. Conforme pôde ser observado, a partir da breve sequência acima reproduzida, também foram descritos os sons2 inseridos na enquete, em dado momento da fala do entrevistado, e indicados entre colchetes. Em determinados momentos, há sequências de sons e/ou sobreposição deles, o que foi indicado numericamente (som1, som2 etc.) na ordem em que são apresentados e, em caso de sobreposição, através da menção desse fato na análise. As observações que, porventura, sejam necessárias na descrição do quadro, foram inseridas em itálico, para distinguirem-se das falas dos envolvidos na cena. Caso haja referência a alguma 2. Nossa preocupação, quanto à descrição dos sons nas cenas das sequências, diz respeito àqueles inseridos em dados momentos da entrevista, acompanhados ou não de uma imagem. A referência à música de fundo é feita na análise.. 6.

(19) INTRODUÇÃO. música, o enunciado referente vai estar entre os símbolos “”. É importante frisar que essa representação é uma tentativa de aproximação ao que pode ser observado mais adequadamente pela reprodução dos vídeos. Resumidamente, estas são as convenções adotadas neste trabalho: Quadro 2 – Resumo das Convenções do Trabalho a). [Entre colchetes, há descrição dos sons]. b). 1: a numeração indica a ordem dos sons; 2: a ordenação indica sons consecutivos. c). (As observações serão apresentadas em itálico, entre parênteses).. d).  Enunciados ‘cantados’, em alusão a alguma canção, serão dispostos entre símbolos musicais . e). NL: as siglas formadas a partir dos nomes dos participantes indicam de quem é o enunciado.. Diante do que foi apresentado e com o propósito de anunciar brevemente os tópicos sobre os quais discorreremos, este estudo está distribuído da seguinte maneira:. . CAPÍTULO 1 – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?, em que construiremos, no primeiro momento, a noção sociodiscursiva dos gêneros, respaldados pela perspectiva dos Estudos Retóricos do Gênero, guiando-nos, sobretudo, pelos trabalhos de Bazerman (2008; 2009) e Miller (2009) uma vez que, como assevera Kress (2004: 39), “a categoria de gênero é essencial em todas tentativas para entender texto, não importando sua constituição multimodal”. No segundo momento, trataremos do gênero enquete e de sua configuração no quadro “Controle de Qualidade”. No final do capítulo, revisitaremos o conceito de intertextualidade, demonstrando como esse aspecto se dá em relação aos recursos semióticos.. . CAPÍTULO 2 – Multimodalidade: o cenário teórico, em que construiremos o conceito de multimodalidade, guiados pela Gramática de Design Visual, de Kress e Van Leeuwen (2006), cujos preceitos também serão apresentados nesta seção. Também descreveremos mais detalhadamente a Função Composicional, recorte. 7.

(20) INTRODUÇÃO. analítico deste trabalho. Finalizando o capítulo, discutiremos não só o papel das convenções retóricas na leitura do mundo, com base nos estudos de Kostelnick e Hasset (2003), como também como os recursos semióticos são convencionados nas enquetes de nosso corpus;. . CAPÍTULO 3 – Análise da Composição das Enquetes, em que procederemos à análise do corpus, levando em conta as discussões tecidas nos capítulos anteriores.. Como é possível apreender das afirmações acima, à medida que as nossas ações sociais vão modificando-se, também vão sofrendo mudanças os gêneros textuais e a maneira como nos relacionamos com eles, como os lemos. Portanto, é de extrema importância a consideração – e consequente análise – dos aspectos multimodais envolvidos na leitura de gêneros, o que assinala para um melhor desenvolvimento de trabalhos a esse respeito. Dessa forma, o presente estudo visa a contribuir para os estudos pautados por essa preocupação.. 8.

(21) CAPÍTULO 1. DO QUE FALAMOS QUANDO QUANDO FALAMOS EM GÊNEROS? GÊNEROS?. S. eria de “uma gritante ingenuidade histórica” – para manter a força da expressão de Marcuschi (2008a: 147) – considerar que os estudos sobre os gêneros datam. das últimas décadas do século XX, levando em conta que o termo “gênero” já aparece nas análises de Platão e Aristóteles, no que diz respeito aos estudos dos gêneros literários, na tradição poética e na tradição retórica, respectivamente. No entanto, o que se observa, atualmente, é que esse termo vem sendo usado sob olhares diferentes. Em revisão sobre o tema, observando como se dá a análise de gêneros hoje, Bhatia (2009) afirma que não há mais restrições a determinados grupos de pesquisadores quanto ao interesse pela teoria dos gêneros e suas aplicações, mas antes um crescimento relevante de áreas de investigação interessadas pela análise de gêneros. Frente a esse quadro, Candlin (1993 apud Bhatia, 2009) questiona a razão pela qual um mesmo “abrigo terminológico” permite agrupar tantas áreas diversas e seja capaz de atrair atenção para si. Segundo o autor, “trata-se de um conceito que encontrou seu momento oportuno” (CANDLIN, 1993 apud Bhatia, 2009: 160). Conforme salienta Bhatia (2009), a análise de gêneros passou a ser um empreendimento interdisciplinar e, normalmente, leva em conta a tentativa de responder à pergunta “Por que os membros das comunidades discursivas específicas usam a língua da maneira como o fazem?”. A resposta a essa pergunta leva em conta não só fatores sócio-culturais, mas também cognitivos, fato esse que se constitui como um dos principais fatores, segundo Bhatia, para que haja tanta popularidade nas áreas que estudam o discurso e a comunicação. Por outro lado, como ocorre com todos os conceitos que se tornam populares, há uma proliferação, na mesma medida, de abordagens teóricas com suas especificidades e interpretações diferentes, o que, para Marcuschi (2008a:151), “seria muito bom se não fosse desnorteante”, já que é muito difícil dominar todas as sugestões de como se tratar os gêneros textuais. No que se refere aos estudos linguísticos, de maneira geral, o conceito de gênero proposto por Bakhtin influenciou várias abordagens, de forma proveitosa, uma vez que o autor não procedeu a uma análise dos gêneros, mas forneceu, segundo Marcuschi (2008a: 152), “subsídios teóricos de ordem macroanalítica e categorias mais amplas”, representando uma espécie “de bom-senso teórico em relação à concepção de linguagem”. Para Bakhtin (1997), os gêneros, de riqueza e variedade infinitas, são “tipos relativamente estáveis de 9.

(22) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. enunciados”, uma vez que a variedade da atividade humana é inesgotável e cada esfera de atividade humana é formada por um repertório de gêneros que vão “diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa” (p.280). A riqueza do pensamento bakhtiniano, conforme pondera Mendonça (2010:111), consiste, dentre outros aspectos, nesse “delicado equilíbrio entre o recorrente e o dinâmico, na noção de estabilidade relativa”, uma vez que os gêneros são tanto resposta às situações sociais recorrentes – o que aponta para a ‘estabilidade’ conferida à caracterização dos gêneros – quanto organizam, ‘regulam’, nossas atividades humanas, permitindo que sejam a elas atribuídos sentido. Quanto à maleabilidade constitutiva dos gêneros, decorrente do enfoque na qualificação ‘relativa’ da estabilidade, Marcuschi (2008a:156) assevera que é preciso concebê-los não como modelos estanques ou estruturas rígidas, mas “como formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas de modo particular na linguagem”; é preciso encarar os gêneros, portanto, a partir da ótica da dinamicidade. No entanto, lembra o autor, não podemos desprezar o fato de os gêneros apresentarem uma identidade, que condiciona, em certa medida, nossas ações sociais. Dessa forma, ao nos ‘apropriarmos’ de um gênero, não estamos dominando sua forma linguística, mas tomando conhecimento da maneira pela qual podemos realizar linguisticamente determinadas ações, em situações particulares. Essa abordagem do gênero, entendido como ação social, influenciou os estudos retóricos do gênero, pelos quais se alinham Miller (2009) e Bazerman (2009). Segundo Miller (2009: 30), “antes de podermos agir, precisamos interpretar o ambiente material indeterminado; definimos, ou ‘determinamos’, uma situação”, tendo em vista que a ação humana é guiada pelo significado e, para chegar a possíveis interpretações, utilizamos nossos conhecimentos pré-construídos acerca de uma dada situação e os relacionamos às novas experiências, por analogia, por comparação, criando tipos de situações recorrentes. Assim, agimos de acordo com a interpretação dessas situações recorrentes tipificadas, atendendo às suas demandas. Ao mesmo tempo, atuamos de acordo com propósitos particulares diversos, o que configura tais ações como ações sociais retóricas. Para Miller, então, os gêneros são essas “ações retóricas recorrentes”, em vez de um padrão de formas prontas para realizarmos nossos próprios fins. Para a autora, aprender um gênero permite que aprendamos “a entender melhor as situações em que nos encontramos e as situações potenciais para o fracasso e o sucesso ao agir juntamente; (...) para os alunos, gêneros servem como chaves para a compreensão de como participar das ações de uma comunidade” (p.44).. 10.

(23) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. Bazerman (2009), em sintonia com as posições assumidas por Miller, afirma que todos os textos bem sucedidos criam, em seus leitores, um “fato social”, que “consistem em ações sociais significativas realizadas pela linguagem, ou atos de fala3” (p. 22). Esses atos, por sua vez, segundo o autor, realizam-se por meio de formas textuais típicas, reconhecíveis – os gêneros – que se relacionam com outros gêneros, em circunstâncias relacionadas. Partindo desse pressuposto, Bazerman (2009) explica que, ao criarmos essas formas textuais típicas (os gêneros), também tipificamos as situações nos quais nos encontramos e agimos em consonância com o reconhecimento dessas situações; processo chamado, pelo autor, de tipificação. No entanto, o autor nos alerta que essa identificação de gêneros através de traços característicos é útil para a atribuição de sentido, mas é uma visão nebulosa, ‘enganadora’ do gênero. A partir dessa definição, levando em conta as formas textuais, são ignorados:. o papel dos indivíduos no uso e na construção de sentidos, (...) as diferenças de percepção e compreensão, o uso criativo da comunicação para satisfazer novas necessidades percebidas em novas circunstâncias e a mudança no modo de compreender o gênero com o decorrer do tempo (...). Os gêneros tipificam muitas coisas além da forma textual (p.31).. Para Bazerman (2009), ver os gêneros apenas como uma ‘coleção’ de elementos característicos traz, pelo menos, quatro limitações e problemas para a identificação e a análise de gêneros: a) limitação à compreensão dos aspectos dos gêneros dos quais já temos conhecimento; b) desconsideração do fato de as pessoas receberem os textos e agirem a partir deles de maneiras diferentes; c) finalidade ensimesmada dos elementos que compõem o gênero; e d) desvalorização do caráter flexível do gêneros, que podem reconfigurar-se ao longo do tempo. Quanto a esse último aspecto, Marcuschi (2008a) diz que, por serem os gêneros dinâmicos, variáveis e de complexidade diversa, não é possível determinar uma tipologia dos gêneros ou propor uma lista fechada de classificação e que a tendência dos estudiosos é “explicar como eles se constituem e circulam socialmente” (p. 159). Em boa medida, esse fato se justifica pela mistura dos gêneros, que passam a fundir características de gêneros pré-existentes, o que reforça a posição de Marcuschi (2008b: 21, grifo do autor) segundo a qual seria “inadequado considerar a mistura de gêneros como ‘evidência da 3. Para John Austin, os enunciados produzem ações, são atos de fala, por meio do qual operam três níveis/tipos de atos: o ato locucionário, que se refere ao que é dito literalmente; o ato ilocucionário, que diz respeito aos propósitos comunicativos ao se dizer determinado enunciado; e o ato perlocucionário, que consiste nas ações ou nas reações dos interlocutores a partir do que entenderam do enunciado. No entanto, essas ações realizam-se conforme as “condições de felicidade”, ou seja, para que as palavras realizem atos é preciso que seja dito por uma determinada pessoa, em um determinado momento, em conformidade com compreensões compartilhadas.. 11.

(24) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. ausência de gênero’”. É mais importante, no entanto, atentar para o funcionamento dos gêneros frente a essas mudanças, muitas delas em decorrência das novas tecnologias, dos novos meios de comunicação de que dispomos hoje em dia. A teoria de gêneros, portanto, conforme lembra Marcuschi (2008b), não pode menosprezar esse fato. A esse respeito, Kress (2003: 86) nos ensina que, na ‘nova era dos meios’, é preciso levar em conta os modos coocorrentes ao modo linguístico, os quais a este se integram. Como discutimos, os gêneros textuais são formas de ação social, são modelos aos quais recorremos para nos comunicarmos socialmente, mas que tendem a sofrer modificações mediante as necessidades da sociedade. É esse caráter maleável dos gêneros, que faz com que eles tenham uma certa estabilidade, mas não sejam imutáveis, que nos interessa discutir adiante no que tange à discussão acerca do gênero enquete, mais especificamente, as do “Controle de Qualidade”, procurando identificar quais são suas características estruturais e funcionais.. 1.1.. GÊ,ERO E,QUETE: O CASO DO “CO,TROLE DE QUALIDADE” (CQ). Considerando o gênero como uma tipificação de ações sociais e estas como fenômenos multimodais (DIONISIO, 2008:121), podemos analisar a enquete não só por suas características estruturais, marcada pelo par pergunta-resposta, mas por seus propósitos diversos. Conforme lembra Marcuschi (2002 apud HOFFNAGEL, 2005: 181), há eventos que se assemelham a uma entrevista, justamente pela sua estrutura formada por perguntas e respostas, mas apresentam uma função muito distinta, como é o caso, segundo o autor, de um “exame oral” elaborado pelo professor que pergunta a um aluno que responde. Marcuschi lembra que os pontos que esses eventos semelhantes quanto as suas formas, distinguem-se, principalmente, no que diz respeito aos objetivos e à natureza das ações realizadas. Nesse cenário, situam-se as enquetes que, geralmente, têm como propósito elucidar alguma questão de interesse geral. Por meio de perguntas normalmente breves – associadas ou não a uma lista de alternativas de respostas previamente estabelecidas –, exigindo respostas também breves, objetiva-se revelar aspectos de um determinado tema. É muito comum encontrarmos enquetes em sites diversos, como se pode observar a seguir:. 12.

(25) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. Exemplo 1:. Fonte: http://noticias.bol.uol.com.br/enquetes/simples.jhtm?id=9488. [Acesso em 17 dez.2010]. Exemplo 2:. Fonte: http://www.ligadonafacul.com.br/enquete/26voce_sabe_o_que_deve_ou_nao_levar_para_a_prova_do_enem.html. [Acesso em 17 dez. 2010]. Os exemplos acima ilustram um grande número de enquetes encontradas em sites e em blogs, que apresentam as seguintes características: a) abordam temas relevantes do momento (no primeiro caso, o vazamento de informações sigilosas do governo americano que foram publicadas no site Wikileaks; no segundo, os materiais que podem ser levados ao ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio –, uma vez que foi proibido o uso de lápis e borracha para a realização da prova, por exemplo);. 13.

(26) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. b) apresentam opções de resposta (limitando-as, de acordo com os propósitos do autores da enquete); e c) demonstram, geralmente por meio de porcentagem (como mostra o primeiro exemplo), o resultado da enquete, que se assemelha, nesses casos, a uma votação (no segundo exemplo, isso é apresentado mais concretamente, quando o termo “votar” constitui-se como o comando, para que seja possível responder à enquete).. No entanto, sob o véu da simples reunião da opinião pública, ambas compartilham o mesmo propósito: desvendar questões relacionadas a temas de grande repercussão e de interesse comum. Objetiva-se descobrir, no primeiro exemplo, o grau de relevância das informações apresentadas no site do Wikileaks a partir da quantidade de pessoas que as consideram como tal e, no segundo, o grau com que as novas regras estabelecidas pelo ENEM foram compartilhadas entre os estudantes que seriam submetidos ao exame. Sobre a opinião pública, Pierre Bourdieu afirma, em artigo intitulado “A Opinião Pública ão Existe” (1981), que a sondagem de opinião é “um instrumento de ação política”, uma vez que “sua função mais importante consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública como pura adição de opiniões individuais (...), a média das opiniões ou a opinião média”. Para o autor, resultados em forma de porcentagem são um simples artefato e não revelam, necessariamente, a opinião das pessoas, tendo em vista suas particularidades. O autor ainda afirma que o peso numérico não traduz, necessariamente, um fundamento crítico ou reflexivo sobre o tema. Tais afirmações de Bourdieu são relevantes, sobretudo, quando levamos em conta os propósitos discursivos, às vezes, ‘velados’ dos órgãos, dos sites, das empresas etc. ao realizarem as enquetes. A análise dos enunciados da pergunta e/ou das respostas previamente estabelecidas, por exemplo, poderia demonstrar como esse processo se configura. Apesar de não ser esse nosso objetivo, procuramos atentar para a maneira como os enunciados das perguntas é feita, uma vez que isso contribui para a concretização dos propósitos comunicativos ‘velados’ das enquetes do CQ. Esse objetivo latente das enquetes pode ser observado neste outro exemplo:. 14.

(27) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. Exemplo 3:. Fonte: http://www.orbis.org.br/enquete/1/na-sua-opiniao-o-pib-e-um-bom-indicador-dedesenvolvimento-e-prosperidade. [Acesso em 03/01/2011]. Conforme pode se observar, faz parte da enquete uma discussão acerca dos resultados, que dialogam com preocupações anteriores a ela; por certo, até motivadoras. A pergunta da enquete funciona como uma espécie de argumento, baseado na opinião da maioria das pessoas, que solidifique a discussão acerca de uma temática. Mais uma vez, tem-se como objetivo revelar algum ponto importante a respeito de determinado assunto de interesse geral. Apesar de apresentarem uma configuração diferente – como veremos – e estarem associados ao humor, as enquetes do CQ também propõem-se a averiguar a “qualidade” das considerações dos políticos acerca dos acontecimentos relevantes de nosso país, colocando em xeque o grau de compartilhamento de informações necessárias para qualquer ponderação a respeito. Essa inferência é corroborada pela informação apresentada, logo no início das enquetes, pelo integrante do programa Danilo Gentilli, sobre a importância de se estar bem informado para desempenhar um bom papel na condição de representante do povo, no Congresso:. Para governar um país é preciso estar, no mínimo, bem informado. Afinal, são eles, os políticos, que tomam decisões que afetam as nossas vidas todos os dias. Mas isso é notícia velha; acho que todo mundo já sabia disso, né? (...) Será que nossos políticos leem jornais? Será que eles têm informações suficientes para interpretar os fatos relevantes que acontecem ao seu redor? Eu espero que sim. E você?. Danilo Gentilli, na abertura do CQ de 09/03/2009.. 15.

(28) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. Conforme se verifica acima, essas perguntas retóricas já pressupõem uma resposta negativa, confirmando o estereótipo de que os políticos não são bem informados. Além disso, tais políticos, quando considerados desinformados, passam a ser ridicularizados e expostos ao escárnio, tendo em vista que não possuem o conhecimento adequado para a posição que ocupam. Seguindo o comentário reproduzido acima, essa função das enquetes do CQ é confirmada pela vinheta do quadro. Nela, é representada a trajetória de uma mosca – imagemsímbolo não só do quadro, mas de todo o programa, inclusive sendo estampada no microfone dos jornalistas integrantes – que é vista por trás (‘guiando’ os telespectadores, portanto) e que atravessa várias telas com diversas imagens ao som de burburinhos, o que alude aos vários fatos noticiados, até, finalmente, deparar-se com o título do quadro, que aparece abaixo do nome do programa e é formado à medida que uma relação numérica vai sendo desfeita, como pode ser visto abaixo:. Quadro 3 – Vinheta do CQ C1. C2. C3. C4. C5. C6. No que diz respeito às vinhetas, Schiavoni (2008), respaldada no estudo de Sidney Aznar, “Vinheta: do pergaminho ao vídeo”, afirma que esse gênero, diferentemente do que ocorria na Idade Média, em que era usado como um elemento decorativo das iluminuras, hoje em dia, criado por computação gráfica, deixou de ser apenas adorno ou suporte de divulgação,. 16.

(29) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. passando a desempenhar “um importante papel no estabelecimento das marcas que divulga, como uma espécie de embalagem que, por seus atributos e estratégias, é capaz de seduzir e conquistar o consumidor – o telespectador no nosso caso” (p.19). Dessa forma, conclui a autora, a vinheta televisiva não só comporta a marca do programa – no nosso exemplo, “CQC” –, mas também a logomarca do produto – o “Controle de Qualidade” – e/ou da emissora – a Bandeirantes, cujo símbolo aparece em marca d´água no canto superior-esquerdo das Cs da vinheta. A vinheta do CQ revela, então, que há um ‘produto’ por meio do qual podemos ‘testar’ os nossos representantes. Para isso, no entanto, é preciso que se assuma a posição de que os políticos precisam ser testados, que o grau informativo deles deve ser comprovado, o que justificaria a existência, a relevância, a utilidade do CQ, reforçadas pelo gênero vinheta televisiva. Dessa forma, como dissemos, há a pressuposição, baseada no estereótipo que permeia todo o quadro, de que os políticos brasileiros não são bem informados e, portanto, não estão, de fato, preparados satisfatoriamente para o exercício de seus cargos. Esse estereótipo social, segundo o qual os políticos são desinformados, é a mola propulsora para que determinados efeitos discursivos sejam produzidos, e isso nos é apresentado também por meio de enquetes:. Quadro 4 – “Você acha que os políticos são bem informados?” (dia 09/03/09) C1. C2. DG: Você acha que o político brasileiro é bem-informado?. Mulher: Não.. C3. C4. DG: Você acha que deveriam ser? Mulher: Claro. DG: Por quê? Mulher: A gente não tem que ser?. 17.

(30) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. Levando em conta que, como aponta Pereira (2002:45), os estereótipos são “crenças sobre atributos típicos de um grupo, que contêm informações não apenas sobre estes atributos, como também sobre o grau com que tais atributos são compartilhados”, pode-se afirmar que há uma visão emoldurada da realidade, em função de interesses particulares. Assim, é semeado um campo propício para a investigação das enquetes do CQ, uma vez que se considera – pelo estereótipo criado pelo quadro – que os políticos não são informados. Após a vinheta, no início das enquetes do CQ, somos lembrados (ou informados ineditamente) de um fato ocorrido durante a semana em que as enquetes são realizadas, como se pode verificar a partir da sequência a seguir:. Quadro 5 – “O que significa ENEM?” (dia 06/04/09) C1. C2. C3. DG: Olha só essa notícia, olha só.... ...o MEC tá propondo substituir o vestibular da universidade federal por um novo ENEM.. C4. C5. ENEM todo mundo sabe o que é que é, né? Exame Nacional de Ensino Médio.. Também que não souber.... Visando a um contrato velado de parceria, DG informa aos telespectadores o conteúdo da notícia que será base do questionamento acerca do significado da sigla ENEM. Tal notícia tanto é narrada no modo off (em que não há exibição do narrador), quanto é apresentada pela. 18.

(31) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. reprodução do gênero notícia, nesse caso. Entretanto, são variados os gêneros que são utilizados para esse fim, como pode ser observado adiante: Quadro 6 – Diversidade de Gêneros nas Enquetes. GÊNEROS. PERGUNTAS. 1. Mapa a partir de uma visão de um radar. “Onde fica Guantánamo?”. (Exibido dia 09/03/09) 2.. Manchete de notícia. (Exibido dia 09/03/09) 3.. Placar informativo. (Exibido dia 06/04/09). a). Quantos ministérios o governo tem ligados à Agricultura?. b). Qual o nome dos ministros ligados à Agricultura?. c). Quantos ministros o governo tem?. 19.

(32) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. 4.. “Do que trata a Lei Maria da Penha?” Painel e panfleto.. (Exibido dia 29/06/09) 5.. Manchete de notícia. “Que países formam os BRICs?” (Exibido dia 29/06/09) 6.. Acróstico. (Exibido dia 29/06/09) 7. Anúncio. “Você tem a ficha limpa?”. (tipo “Procura-se”). (Exibido dia 12/10/2009). 20.

(33) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. Vinheta, mapa, manchete de notícia, placar informativo, painel, panfleto e anúncio são alguns dos gêneros utilizados como fio para tecer a enquete. Isso indica que há vários gêneros que se entrelaçam para construir novos gêneros, que funcionam conjunta e estrategicamente. Para Koch e Elias (2006), as pessoas desenvolvem uma competência metagenérica, que orienta nossas práticas comunicativas e nossa compreensão a respeito dos gêneros produzidos. Essa noção permeia a visão de Bakhtin (1997), segundo o qual moldamos nossa fala à estrutura do gênero, que às vezes é mais suscetível à plasticidade e à criatividade, como um anúncio publicitário, às vezes é mais rígido e estereotipado, como as notas fiscais. Para o teórico russo, desde o início de uma conversa mais corriqueira, por exemplo, já somos sensíveis ao discurso como um todo; no decorrer da conversa, no entanto, ficarão mais ‘evidentes’ as diferenciações. Bazerman (2006:87) demonstra compartilhar de visão semelhante ao afirmar que:. nossa originalidade e nossa habilidade como escritores advêm das novas maneiras como juntamos essas palavras [que já havíamos usado ou ouvido] para se adequarem às situações específicas, às nossas necessidades e aos nossos propósitos específicos, mas sempre dependemos do repertório linguístico comum que compartilhamos uns com os outros. Assim, esses gêneros utilizados na tessitura do gênero enquete revelam que os produtores das enquetes do CQ pressupõem que os leitores/telespectadores, pela competência metagenérica, reconheceriam a estrutura, a composição, o conteúdo desses gêneros, mas também perceberiam que a presença deles não é aleatória: todos foram utilizados para a produção do gênero enquete. Como qualquer gênero, as enquetes não são definidas por sua forma, mas por sua função, tendo em vista que são compostas, por exemplo, pela estrutura pergunta-resposta, como as de uma entrevista, mas diferenciam-se dessas pela função, ou seja, os questionamentos feitos aos políticos, com base em alguma informação recente e importante, têm o intuito de verificar se os políticos são informados e se são, portanto, bons representantes do povo, pela proposta do CQ. Veremos, entretanto, que no caso específico das enquetes desse quadro, há “punições” específicas para aqueles que não atenderem às expectativas, sendo expostos ao ridículo e ao escárnio publicamente. Como vimos, a noção de gênero é imprescindível para a análise de qualquer texto, independentemente de sua configuração multimodal. Além disso, atentamos para o fato de todo texto dialogar com outros que já foram produzidos ou que serão construídos, como foi possível apreender da afirmação de Bazerman que vê a originalidade como dependente da 21.

(34) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. relevância das conexões que fazemos a partir dos textos. Tais conexões, nas enquetes de nosso estudo, operam não só no que diz respeito ao linguístico, mas também no âmbito sonoro e pictórico. Sobre esse aspecto e sobre a importância de ser reconhecer tais conexões, discorreremos no próximo tópico.. 1.2.. I,TERTEXTUALIDADE E I,TERICO,ICIDADE ,AS E,QUETES. Partindo do pressuposto que a compreensão é um processo inferencial, o que exige leitores colaborativos na construção dos sentidos de um texto, necessariamente, encara-se o texto como um produto da interação entre os interlocutores, não como um conjunto de sentidos pré-estabelecidos pelo autor. No entanto, todo texto apresenta sinalizações, em graus de explicitude4 variados, que nos remetem a outros textos. Todo dizer é um já-dito e prepara um sem-número de dizeres por vir, sempre sócio-historicamente situados. Para Bakhtin e Voloshinov (2004), enunciar é sempre responder (não necessariamente de forma verbal imediata) a outros enunciados já produzidos. Por essa razão, mesmo que os enunciados sejam provenientes de um único interlocutor, eles são, necessariamente, dialógicos. Levando em conta esse fato, atentemos para a sequência que segue:. Quadro 7 – “Qual o nome dos ministros da Agricultura e da Aquicultura?” (dia 06/04/09) C1. C2. C3. DG: o senhor sabe qual o nome do ministro da Aquicultura?. NR: não sei. [som: uma corda de um instrumento musical que se rompe]. NR: Ministro Reinhold Stephanes [som: tilintar metálico]. DG: E o da Agricultura?. 4. “Explicitar é oferecer uma formulação discursiva de tal modo que contenha em si as condições de interpretabilidade adequada ou pretendida” (Marcuschi 2007:40).. 22.

(35) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. C4. DG: e do Desenvolvimento agrário? NR: é... eu não sei (provavelmente, a enquete foi gravada às16h). C5 .. C6. NR: Mas eu sou deputado de oposição; tenho procurado, aqui, fazer a fiscalização do governo. [som: de um caractere ou cursos típico de digitação piscando no computador]. C7. C8. C10. DG: o senhor vai fiscalizar quem o senhor não conhece? [som: de alerta de emergência] (a luz vermelha acende e apaga C11. C9. (a cabeça do personagem fica deformada) [som: algo sendo engolido dificilmente]. 23.

(36) CAPÍTULO I – Do que Falamos Quando Falamos em Gêneros?. O deputado federal Nárcio Rodrigues (PSDB – MG), afirmou não saber o nome de dois ministros, o da Aquicultura (e Pesca) e o do Desenvolvimento Agrário, no entanto preocupa-se com a fiscalização do governo, o que soa incoerente, uma vez que o deputado nem mesmo sabe o nome dos ministros do governo do qual faz parte. Essa incoerência é reprovada não só pelo questionamento de Danilo Gentili (“o senhor vai fiscalizar quem o senhor não conhece?”), mas também pelos recursos semióticos do modo imagético e sonoro. No entanto, para ler essa reprovação é preciso recuperar os textos anteriores a essa enquete. A partir de C5, surge a imagem de um computador antigo, que apresenta um cursor próprio para digitação piscando na tela, em sintonia com o som característico. Alguns momentos depois, uma luz vermelha, típica de situações de emergência, começa a piscar nas cenas (mais uma vez, juntamente com um som também típico de momentos de urgência). É possível apreender que há uma situação de perigo, de emergência aludida, mas a leitura mais abrangente exige a recuperação de um importante intertexto (termo que será melhor explicado mais adiante). Há a imagem de um homem que, por conhecimento arquivado em nossas memórias, refere-se ao personagem John Locke, do seriado americano Lost5. Tal personagem tinha a missão de, estando em uma ilha misteriosa, após um acidente aéreo, digitar uma sequência numérica, em um computador, todas as vezes que um sinal sonoro fosse ativado. O alarme sonoro era ativado quando um contador, em contagem regressiva a partir de 108 minutos, chegava à marca de 4 minutos. Digitar os números significava reiniciar o contador, que voltava aos 108 minutos iniciais, evitando que houvesse uma “falha no sistema”, quando alguns hieróglifos surgiriam no lugar dos números. Essa leitura é coerente com a contagem regressiva (C5 a C7), em consonância com o piscar do caractere do computador. Quando o contador é zerado, há símbolos nãoidentificáveis, que se associam aos hieróglifos da série, o que denuncia que a “missão” não foi cumprida. Associada à deformação da cabeça e ao som de algo sendo engolido dificilmente – o que, ao longo do programa, foi convencionado com o valor de embaraço –, a imagem do personagem do seriado, na enquete, dialoga com a imagem do deputado que, igualmente, não desempenhou bem seu papel. O termo intertextualidade, contudo, não aparece em Bakhtin e em seu Círculo. O termo é cunhado por Kristeva, em estudo sobre a originalidade nos textos literários, em que defendia que “todos os textos são um mosaico de citações” (apud Koch, 2006:86) de outros dizeres. Segundo Marcuschi (2008), a noção de intertextualidade sai da literatura e estende-se. 5. Informação disponibilizada no site LOSTpédia:<http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Apertar_o_Bot%C3%A3o>. 24.

Referências

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