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O ESTADO BRASILEIRO E O MASSACRE DO ARAGUAIA: APONTAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO DO EXÉRCITO NA REPRESSÃO À GUERRILHA DO ARAGUAIA

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O ESTADO BRASILEIRO E O MASSACRE DO ARAGUAIA: APONTAMENTOS SOBRE A ATUAÇÃO DO EXÉRCITO NA REPRESSÃO À “GUERRILHA” DO ARAGUAIA

Patrícia Sposito Mechi (professora do curso de História da UFT e doutoranda em História Social na PUC-SP)

Neste texto temos o objetivo de discutir aspectos do massacre promovido pelo estado brasileiro na região do Araguaia, por ocasião do evento conhecido na historiografia como “Guerrilha do Araguaia”, utilizando como fontes os depoimentos e documentos militares produzidos na época. A “guerrilha” ocorreu entre 1972 e 1975 no sul dos estados do Pará e do Maranhão, além do norte de Goiás (atual Tocantins). Envolveu cerca de 70 militantes do Partido Comunista do Brasil, e algumas dezenas de moradores.

Trata-se de um estudo inicial, em que temos verificado a possibilidade de contestar a idéia de uma que todos os episódios do Araguaia se caracterizariam pelo termo “guerrilha”. O primeiro dado que nos surpreendeu foi a desproporção na quantidade de militantes e militares envolvidos. A historiografia aponta cerca de 70 militantes do PC do B contra 2000 militares nas versões menos otimistas, chegando até 10000 em algumas publicações1. Independentemente de serem 2000 ou 10000 militares envolvidos, a discrepância nos números é gritante. Esse dado inicial nos levou a refletir se não se trataria de um massacre, ao invés de uma “guerrilha”, ou de um “combate”, como aponta a historiografia.

Para isso, fomos buscar na documentação produzida pelos militares à época e em seus depoimentos, aspectos que revelassem as práticas dos militares na região, no que a historiografia chama de combate à guerrilha. Também nos apoiamos na historiografia que trabalha com aspectos da repressão desenvolvida pelo estado brasileiro durante a ditadura militar que, a nosso ver, é permite compreender os mecanismos repressivos e o sentido mesmo da repressão desenvolvida na região.

1 Ver, por exemplo, CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do Araguaia: a esquerda em armas. Goiânia, Editora. da UFG, 1997.

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A região onde se desenvolveu a “guerrilha” é área em que a presença do Estado, no que se refere ao atendimento às demandas sociais, é bastante pequena atualmente e praticamente inexistente durante as décadas de 60 e 70.

Entretanto, quando o estado brasileiro julgou necessário, sua presença na região se expressou na violenta repressão tanto aos militantes do PC do B que pretendiam levar a diante um projeto de transformação das bases sociais e econômicas do Brasil, mas também aos moradores, mesmo aos que não se envolveram na “guerrilha”.

Algumas das questões que se impõem para o entendimento da repressão à guerrilha são: quais as bases dessa violência? Em que contexto ela se desenvolveu? A que projetos e forças sociais ela estava vinculada?

Para oferecer elementos para refletir sobre a primeira questão, tomamos algumas das justificativas dadas pelos militares para justificar a violência utilizada no Araguaia. Em geral os militares procuraram justificar a violência das ações pelo “grau” de ameaça representado tanto pelos militantes do PC do B, quanto pelo “potencial revolucionário” vinculado à pobreza em que viviam os moradores.

Para os militares, em 1972, a presença do PC do B na região era definida como a tentativa de implantação de uma guerrilha rural de tipo maoísta que, na visão dos militares era entendida como a tomada violenta das propriedades rurais, a formação de uma área liberada e o controle das principais vias de acesso da região, como a Belém-Brasília e a Transamazônica. Ressaltavam também a doutrinação marxista subversiva que os militantes haviam recebido do partido, além dão “trabalho de massas”, realizado junto à população2.

Para os militares, tratava-se de um inimigo difícil de combater, já que tratava-se de uma “organização subversiva de vulto” que recebia apoio externo, que arregimentava militantes em outros estados (Maranhão e Goiás), além de promover a arregimentação de moradores para a guerrilha.

2 Exposição para o chefe do Centro de Informações do Exército, Possivelmente outubro de 1972 Local: Brasília, Origem: Ministério do Exército, Gabinete do Ministro, CIE/ADF

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Além do preparo do inimigo, os militares ressaltaram as dificuldades próprias da região, que dificultava ação das forças armadas e colaborava decisivamente para a facilitação da ação dos guerrilheiros. Tratava-se do abandono da região pelo estado.

Do ponto de vista da ocupação militar e policial, foi ressaltada a inexistência de efetivos militares permanentes entre as cidades de Belém e Brasília, o que motivaria a ação subversiva, e foram identificados o norte de Goiás (atual Tocantins), sudoeste do Maranhão e o sul do Pará como áreas propícias à deflagração da guerrilha.

As forças policiais locais são desqualificadas nos relatórios militares, por serem suscetíveis a problemas de natureza policial e social, sendo incapazes de realizar ações antisubversivas. Essa incapacidade devia-se à presença de elementos corruptos e com péssimos antecedentes. Tratavam-se de elementos de diversos locais do país que eram deslocados para a região justamente pela conduta duvidosa.

Um aspecto interessante a observar é que os documentos militares apontam para

3º BPM/GO não é força capacitada para prover a segurança da área, PMs absorvidos por problemas de natureza policial e social; não tem condições para se engajarem em ações antisubversivas.

Os moradores são vistos como instrumentalizáveis pelas forças de oposição ao regime, devido à pobreza em que se encontravam e à falta da presença do estado na região. Segundo os relatórios, a população dependia da madeira e da exploração da castanha e estas eram atividades sazonais, Doenças como malária, leishmaniose, verminoses e outras eram correntes entre os moradores; o único hospital do município de Xambioá não contava com médicos e, o grande problema da região, era apontado como o da posse de terras, pelas tensões entre grileiros e posseiros3.

.Baseados na Doutrina de Segurança Nacional, os militares ajustavam sua conduta repressiva de acordo com os níveis de ameaça à estabilidade do regime. Segundo esta

3 Relatório Especial de Informações Data: 09/11/1972 Origem: Ministério do Exército, Gabinete do Ministro, CIE/ADF Tamanho: 26 páginas Assina: Tenente-Coronel Arnaldo Bastos de Carvalho Braga

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visão, no Araguaia desenvolvia-se uma situação extremamente perigosa, pela conjugação da presença de elementos politicamente “avançados”, com pretensões de mudança no regime político do país, com elementos de “fácil manipulação”, devido às condições de abandono e miserabilidade em que se encontravam.

Em relação ao moradores, duas condutas foram adotadas: a primeira, a de tentativa de atendimento mínimo às demandas da população, através da Operação Aciso (Assistência Cívico-Social). Contudo, a referida operação não se limitou apenas a tentativa de impedir que os moradores, “potencialmente revolucionários”, se tornassem revolucionários de fato. Ela deve ser entendida também como uma tentativa de cooptação dos moradores e de mapeamento das relações e da extensão do movimento do PC do B.

Não existe, até o momento, nenhum estudo que dê conta das especificidades da participação popular na “guerrilha do Araguaia”. Contudo, depoimentos recentes tem demonstrado que o envolvimento da população foi maior e mais intenso do que se supunha e que a não divulgação desse envolvimento foi também uma das estratégias utilizadas pelo estado brasileiro para abafar a guerrilha.

Tais depoimentos também revelam a prática sistemática de torturas, de destruição dos meios de subsistência da população local, além do fortalecimento do latifúndio na região4. Mesmo após exterminados os militantes do PC do B, impôs-se o terror na região, como maneira de desencorajar quaisquer comentários sobre a guerrilha.

O que temos apurado é que a violência no combate aos guerrilheiros se estendeu – de forma brutal – também aos moradores da região. Uma hipótese que levantamos é que os moradores eram suspeitos à priori na visão dos militares, pela condição de miserabilidade, pela pouca ou nenhuma assistência prestada pelo estado na região. Portanto, uma das justificações para a violência utilizada contra os moradores era a própria condição de vulnerabilidade social em que se encontravam.

4 Diversos moradores relataram ao Ministério Público Federal, em duas ocasiões (2004 e 2008), as torturas e

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Em relação à repressão aos militantes do PC do B tem caído por terra a tese tanto tempo sustentada pelos militares acerca da existência de um “combate” no Araguaia. Recentes depoimentos e documentos tem revelado que se tratou de um extermínio, já que atualmente tem-se a confirmação de que ao menos 41 militantes foram mortos após terem sido presos ou seja, foram assassinados sob custodia do estado5.

Esses elementos preliminares que levantamos para discutir a violência na região nos remetem à segunda questão: o contexto em que ela ocorreu. Em geral a historiografia aponta o período em que se desenvolveu a guerrilha como de afrouxamento da repressão e de “abertura”6 Pensamos que o período seria melhor caracterizado, no que se refere à repressão, se levarmos em consideração os extermínios provocados pela ditadura, seja na “guerrilha” do Araguaia, seja no “massacre da Lapa”7, por exemplo. Trata-se de um período em que a ditadura dá seus golpes finais nas organizações de esquerda e nas possibilidades de uma guinada na vida política e econômica do país, promovendo aquilo que Florestan Fernandes caracterizou como “transição transada”.

Finalmente, em relação à terceira questão levantada, à que forças sociais se vinculava à repressão abatida sobre a região do Araguaia, apontamentos de ordem econômica são encontrados na documentação. Não se tratava simplesmente de eliminar uma ameaça ao regime político estabelecido, a ditadura. Tratava-se, também, de oferecer ao capital multinacional e associado a “tranqüilidade social” que havia se estabelecido a partir de 1964. A eliminação do cenário político das forças de esquerda, comunistas ou nacionalistas, foi uma exigência que se impôs ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil na época.

Bibliografia

5 Em depoimento de dezembro de 2008 à Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados, José

Vargas Jimenez admitiu ter praticado torturas. Foi o primeiro militar a admitir publicamente a prática de tortura no Exército. Seu depoimento está disponível em www.camara.gov.br

6 Ver, por exemplo: VILLA, Marco Antônio. Sociedade e História do Brasil: da Abertura Democrática à Nova

República.Instituto Teotônio Vilela, Brasília, 2001.

7 O “massacre da Lapa” ocorreu em 1976 contra grande parte da direção do Partido Comunista do Brasil que, na

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ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Petrópolis, Vozes, 1984.

CABRAL, Pedro. Xambioá: guerrilha no Araguaia. Rio de Janeiro: Record, 1993.

CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do Araguaia: a esquerda em armas. Goiânia, Editora. da UFG, 1997.

DREIFUSS, R. A (1981) 1964: A Conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis, Vozes, 1981.

POMAR, W. Araguaia: O partido e a guerrilha. São Paulo: Brasil Debates, 1980. PORTELA, Fernando . Guerra de guerrilhas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Parma, 1979.

RAGO FILHO, Antônio. “O Ardil do Policitismo: do bonapartismo à institucionalização da autocracia burguesa”. Projeto História, São Paulo (29), tomo I, dezembro de 2004.

SALES, J. R. O PC do B e o movimento comunista internacional nos anos 60. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 35, p. 275-303, 2001. Editora da UFPR.

Referências

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