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Palavras-chave: educação intercultural crítica, diferenças culturais, escola.

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ESCOLA E INTERCULTURALIDADE: CONSTRUINDO CAMINHOS Adélia Maria Nehme Simão e Koff

UNESA/ PUC-RIO

Maria Elisa Almeida Bacal PUC-RIO

A partir da problemática da “crise da escola” e da necessidade de uma reinvenção da escola fundamentada e/ou orientada pelos princípios do que denominamos Educação Intercultural Crítica, e tendo presente que integramos grupo de estudos que tem como eixo central de suas pesquisas a relação entre cotidiano escolar, educação e cultura, este artigo tem por objetivo apresentar um breve balanço crítico sobre alguns “achados” que são frutos das pesquisas concluídas pelo grupo no período de 1996 a 2013. Assim, buscamos nos resultados dessas pesquisas algumas reflexões que pudessem ajudar a construir caminhos em busca de uma reinvenção da escola, orientada pelos princípios da Educação Intercultural Crítica. Dentre todo o material produzido, privilegiamos trabalhar sobre os sete livros já publicados com artigos frutos de tais pesquisas e priorizamos a seleção dos dez artigos que se referem de modo mais específico a escolas do ensino básico e que expressam resultados de pesquisas empíricas nelas realizadas. Os dez textos foram mapeados e classificados, tendo presente dimensões que integram o mapa conceitual da Educação Intercultural Crítica, distribuídos, inicialmente entre dois grandes movimentos: os que questionam a escola e aqueles que apresentam possíveis caminhos para promover uma ação no sentido de sua reinvenção. Cada um deles foi analisado e registrado segundo as categorias: sujeitos e atores socioculturais, saberes e conhecimentos, práticas socioeducativas e políticas públicas e seus pressupostos. A análise desses artigos nos permite reconhecer a necessidade de se avançar na perspectiva de apontar alternativas ou “maneiras de” conceber e fazer acontecer uma escola intercultural crítica, evidenciando também que não há um só caminho, mas que ela deverá estar em permanente dinâmica de reinvenção - construção - reinvenção - reconstrução.

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A escola em crise: um ponto de partida

A escola, concebida para educar crianças e jovens, desde a sua invenção já passou por uma série de transformações e há um bom tempo vem sendo alvo de constantes questionamentos e debates. À medida que são evidenciadas as inúmeras mudanças ocorridas na sociedade contemporânea, acentuam-se as críticas à escola, que parece não acompanhar ou ser pouco sensível às exigências dessa sociedade. Assim, de um modelo de certezas, passou para um modelo de promessas e hoje, como afirma Canário (2006), apresenta um cenário marcado por incertezas.

Apontar e situar o que se convencionou chamar a “crise da escola” constitui-se como nosso ponto de partida para a elaboração deste trabalho. Partimos, portanto, da visão de uma escola que, de um modo geral, não responde às demandas do mundo pós-moderno e nem às das crianças e adolescentes que nele vivem.

Se no passado “a educação escolarizada funcionou como uma imensa maquinaria encarregada de fabricar o sujeito moderno” (Veiga-Neto, 2003, p. 110), hoje a escola encontra-se desafiada a posicionar-se frente à existência de uma revolução tecnológica que afeta, de forma significativa, entre outros aspectos, o modo de estabelecer relações e de acesso à informação, frente à globalização da sociedade que atinge os sistemas produtivos, de organização do trabalho e o próprio modelo vigente de desenvolvimento econômico que tem gerado significativa exclusão social, situação de pobreza e alterações na organização familiar. Entendemos que esses e outros aspectos da sociedade contemporânea acabam por impactar a escola - o seu papel e o seu modo de fazer e acontecer.

Outra crítica que evidencia a crise da escola é a denúncia de seu caráter padronizador, homogeneizador e monocultural (Candau, 2000a), transformando-a num espaço que pouco ou sequer dialoga com a(s) cultura(s) de referência dos sujeitos que dela participam.

A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais e dos povos desfavorecidos (exceto os elementos de exotismo), o problema da fome, do desemprego ou dos maus tratos, o racismo e a xenofobia, as consequências do consumismo e muitos outros problemas que parecem “incômodos”. Consciente ou inconscientemente se produz um primeiro velamento que afeta os conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente (Gimeno Sacristán, 1995, p. 97).

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No Brasil, a escola básica está quase universalizada, recebendo crianças e adolescentes que integram diferentes grupos culturais e não sabe lidar com os problemas decorrentes das diferenças e da pluralidade cultural, étnica, social, religiosa, etc. dos seus sujeitos e atores. São os seus próprios sujeitos que dizem: “a diferença está no chão da escola e não sabemos como lidar com ela” (Candau e Leite, 2006). Apesar de a escola configurar-se como um “cruzamento de culturas” (Pérez Gomez, 1998), a cultura escolar predominante em nossas escolas revela-se como “engessada” e pouco permeável ao contexto no qual está inserida (Candau, 2000b). Nesse sentido, toda a rigidez da qual se reveste a escola e as suas práticas pedagógicas, bem como o seu caráter homogeneizador devem ser questionados.

Embora já existam experiências que busquem romper com esse modelo padronizador, a escola que conhecemos é monocultural em todas as suas dimensões e, portanto, precisa reinventar-se. Vale ressaltar que tal reinvenção da escola não supõe e nem tampouco se limita a um único modelo, e necessita ser concebida com a participação de seus sujeitos. Trata-se de um processo em constante mutação que deve partir do seu interior e manter um diálogo permanente com o movimento presente em seu contexto. Desse modo, sublinhamos a necessidade de a escola ser repensada e recriada na perspectiva de ser concebida como

Um espaço de busca, construção, diálogo e confronto, prazer, desafio, conquista de espaço, descoberta de diferentes possibilidades de expressão e linguagens, aventura, organização cidadã, afirmação da dimensão ética e política de todo o processo educativo (Candau, 2000a, p. 15).

Assim, entendemos que é preciso repensar e ressignificar o seu papel e reinventar currículos, práticas pedagógicas, modos de lidar com seus sujeitos, relações, práticas de gestão. Acreditamos que essa reinvenção passa, portanto, pela reinvenção do “formato” escolar (Canário, 2006), entendido aqui como um conceito bem amplo e que toca as diversas dimensões da escola. Nesse sentido, a escola é chamada a assumir uma configuração plural, e pode ser, para além de um espaço de aquisição crítica, um lugar de produção de conhecimentos, construídos a partir do diálogo entre diferentes conhecimentos e culturas que para ela convergem e nela se cruzam (Koff, 2009).

Estamos convencidas de que essa reinvenção da instituição escolar precisa estar fundamentada e/ou orientada pelos princípios do que denominamos Educação Intercultural Crítica. Uma perspectiva que pressupõe a relação intrínseca entre educação e cultura e a promoção de

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Uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. (Candau, 2009, p. 59).

Diante do cenário exposto, e tendo presente que integramos um grupo de estudos que tem como eixo central de suas pesquisas a relação entre cotidiano escolar, educação e cultura, optamos por apresentar, no âmbito deste artigo, um breve balanço crítico sobre alguns “achados” que são frutos das pesquisas concluídas pelo grupo no período de 1996 a 2013. Nosso objetivo é buscar, nos resultados dessas pesquisas já desenvolvidas, algumas reflexões que possam ajudar a construir caminhos em busca de uma reinvenção da escola, orientada pelos princípios da Educação Intercultural Crítica.

O nosso percurso: apontamentos teórico-metodológicos

Ao longo dos 17 anos de atuação do nosso grupo de pesquisa, foi produzido um vasto acervo de material (relatórios, livros, artigos publicados em periódicos e anais de congresso, dissertações de mestrado e teses de doutorado), produto de estudos que privilegiaram pesquisas de natureza qualitativa, de inspiração etnográfica, enfatizando estudos de caso com observações participantes, entrevistas individuais e coletivas, grupos focais, análises de documentos, revisões bibliográficas, etc.

Dentre todo o material já produzido, privilegiamos aqui trabalhar somente sobre os sete (07) livros já publicados com artigos frutos de tais pesquisas e organizados sob a orientação da coordenação de nosso grupo de estudos. A opção por tais coletâneas, em detrimento de outras formas de publicação, dá-se pela ampla divulgação e fácil acesso a esses livros.

Embora nossas pesquisas já tenham alcançado diversos segmentos da educação, como os ensinos fundamental e médio, pré-vestibulares comunitários e a universidade, além de gestores/dirigentes e especialistas em nosso campo de estudos, optamos aqui por um recorte com o foco na escola básica, já que nosso objetivo é pensar os caminhos possíveis para a sua reinvenção.

Assim, a partir de uma primeira análise dos sete (07) livros publicados, foram selecionados, inicialmente, todos os artigos que apresentavam reflexões abrangendo tanto os aspectos conceituais relacionados a construções teóricas e que diziam respeito à Educação Intercultural Crítica no âmbito escolar, como também aqueles artigos que se

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referiam a pensar e apontar sugestões, com vistas à transformação da escola, sua concepção e as práticas didático-pedagógicas, iluminadas pela perspectiva intercultural crítica. Dentro desses parâmetros, foram encontrados vinte e um (21) textos.

Todavia, em função do espaço disponível, elegemos analisar com maior profundidade e apresentar aqui os dez (10) artigos que se referem de modo mais específico a escolas do ensino básico e que expressam resultados de pesquisas empíricas nelas realizadas. Trata-se, portanto, de um trabalho pautado em uma análise documental, ou seja, em uma revisão crítica de tais artigos sob a luz da perspectiva intercultural crítica em educação.

Cabe destacar que os dez textos (ver anexo) foram mapeados e classificados, tendo presente elementos e/ou dimensões que integram o mapa conceitual da Educação Intercultural Crítica construído, coletivamente, por nosso grupo de estudos. Assim sendo, inicialmente, os textos foram distribuídos levando em conta dois grandes movimentos: os que questionam e/ou interpelam a escola e aqueles que apresentam possíveis caminhos para promover uma ação no sentido de sua reinvenção. A seguir, cada um deles foi analisado registrando-os segundo as categorias (1) sujeitos e atores socioculturais, (2) saberes e conhecimentos, (3) práticas socioeducativas e (4) políticas públicas e seus pressupostos. Também foram registrados os referenciais teóricos utilizados e a metodologia adotada na pesquisa que deu origem aos artigos em pauta. Neste caso, todas de natureza qualitativa, de inspiração etnográfica e que priorizaram estudos de caso em escolas públicas e/ou particulares, situadas em diferentes bairros do município do Rio de Janeiro.

Para favorecer a compreensão acerca dos critérios que orientaram a nossa análise, consideramos fundamental fazer alguns comentários sobre o referido mapa conceitual. A primeira observação diz respeito aos dois movimentos que o integram - questionar e promover - que são como princípios gerais que incidem sobre cada uma das quatro categorias básicas configuradoras da perspectiva intercultural crítica. Nesse caso, estamos querendo enfatizar que, além da necessidade de problematizar, ou seja, por em questão os diversos aspectos que reforçam a monoculturalidade, a desvalorização ou a negação das diferenças culturais, as relações assimétricas de poder, o preconceito, a discriminação, a homogeneização de conhecimentos e práticas, entre outras dificuldades que com frequência estão presentes na escola, é preciso, com a mesma força, por em evidência mecanismos, estratégias, alternativas, ações, etc. que valorizam as diferenças culturais, entendendo-as como riquezas pedagógicas, superam as padronizações e adotam a

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diversificação e/ou diferenciação de saberes, conhecimentos, práticas, atividades, recursos, linguagens, narrativas, entre outras dimensões, mobilizadas para promover a construção da Educação Intercultural Crítica, no âmbito escolar.

São movimentos/princípios que se articulam e orientam e/ou fundamentam as quatro categorias básicas acima indicadas e que podem ser assim compreendidas:

- Sujeitos e atores socioculturais. Nesse caso, a perspectiva intercultural crítica quer estimular e promover relações mais igualitárias entre indivíduos e/ou coletivos que integram diferentes grupos culturais. E ainda: questionar uma visão essencializadora das identidades; fortalecer a construção de identidades dinâmicas, abertas e plurais; valorizar processos de empoderamento; estimular processos de construção da autoestima, da autonomia e no sentido da emancipação social.

- Saberes e conhecimentos. Aqui a proposta é romper com a hierarquização entre conhecimentos (relacionados aos conceitos, ideias e reflexões sistematizadas, considerados científicos, universais e monoculturais) e saberes (reconhecidos como produções dos diferentes grupos socioculturais, relacionados às suas práticas cotidianas, tradições e visões de mundo, concebidos como particulares e assistemáticos); estimular o diálogo entre esses diferentes conhecimentos e saberes e saber lidar com os possíveis conflitos que emergem da tensão entre universalismo e relativismo.

- Práticas socioeducativas. No contexto da Educação Intercultural Crítica é necessário favorecer dinâmicas participativas; promover processos de diferenciação didático-pedagógica, bem como das atividades e dos recursos utilizados; incentivar a utilização de múltiplas linguagens e narrativas e a construção coletiva, questionando, portanto, dinâmicas padronizadas e desvinculadas dos contextos socioculturais dos sujeitos que delas participam. É relevante também favorecer a articulação e o diálogo entre as dinâmicas escolares e aquelas que acontecem em outros espaços educativo-culturais de aprendizagem.

- Políticas públicas. Diz respeito às relações entre os processos educacionais e os contextos político-sociais em que se inserem; ao reconhecimento dos diferentes movimentos sociais presentes na sociedade brasileira; à defesa de políticas que articulam direitos da igualdade e da diferença; as questões de reconhecimento e de redistribuição, bem como dos processos de construção democrática que têm como horizonte a consolidação de uma democracia radical.

A partir desse quadro de referências passamos, então a “olhar” os artigos para, segundo nossas leituras e interpretações críticas, perceber os movimentos/os princípios,

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os questionamentos e/ou as “pistas” neles indicados em relação às diferentes categorias básicas pensadas no contexto da concepção e construção de uma Educação Intercultural Crítica. Cumpre ressaltar que, embora as categorias não possam ser vistas de modo isolado - elas se articulam -, procuramos perceber e classificar os artigos priorizando suas ênfases. Entretanto, aconteceram casos de um mesmo artigo, pela maneira com que abordou sua temática, ser classificado em mais de uma categoria.

Em busca de caminhos possíveis: construções a partir da escola

A primeira constatação que fizemos se refere aos dois movimentos/princípios: questionar e promover. Sete dos dez artigos analisados questionam, principalmente, a monoculturalidade que, de maneira geral, configura a escola. Uma monoculturalidade que se expressa seja no modo de tratar os sujeitos-atores socioculturais e/ou de lidar com os saberes e conhecimentos e/ou de desenvolver as práticas socioeducativas.

No caso dos artigos que foram incluídos na categoria sujeitos-atores socioculturais, os autores apresentam seus questionamentos destacando que os alunos são, na maioria das vezes, representados pelos professores, a partir de um padrão do que seja um aluno ideal. Todavia, os autores sublinham que as representações não são uniformes no que tange aos critérios utilizados para nomeá-las, ou seja, (1) ora estão relacionadas ao domínio da cultura acadêmica (quando os professores afirmam, por exemplo: os

adolescentes leem pouco ou a cultura deles é ruim), (2) ora expressam um olhar

impregnado pelos estudos psicológicos e/ou psicanalíticos (quando, por sua vez, os docentes dizem: são inseguros, têm atitudes que são próprias da fase da adolescência), (3) outras vezes dizem respeito às relações que os alunos estabelecem com o contexto em que estão imersos (é o caso dos professores que analisam seus alunos afirmando: são

egoístas, alguns amadurecem mais cedo por conta de suas dificuldades econômicas, o que significa que têm a infância roubada, já outros são infantilizados até mesmo por conta do modo como são tratados pela mídia. E outros ainda apontam a existência de uma geração videoclipe, em constante interação e/ou interatividade com as tecnologias da informação e comunicação) e (4) há as representações pautadas na comparação entre

gerações (alguns professores dizem: são menos politizados do que as gerações passadas, enquanto outros afirmam: eles têm consciência do seu papel político e das desigualdades

presentes na sociedade).

Ainda no que se refere aos questionamentos associados à categoria sujeitos-atores socioculturais, os autores também destacam o silenciamento em torno da presença na

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escola de integrantes de diferentes grupos culturais. Nesse caso, o tema do não reconhecimento e/ou da não valorização das linguagens utilizadas pelas crianças e, principalmente pelos adolescentes e suas consequências sobre as relações estabelecidas entre os diversos sujeitos-atores é objeto de atenção especial. Ressaltam, ainda, a dificuldade que a instituição escolar tem de lidar com as diferenças culturais, na perspectiva de valorizá-las e de reconhecê-las como possibilidades de enriquecimento das relações interpessoais, bem como de entendê-las, em consonância com a educadora Emília Ferreiro, como vantagens pedagógicas (apud LERNER, 2007). Ao contrário e com frequência, tais diferenças são vistas como problema, deficiência e/ou como déficit cultural. Silêncio e/ou dificuldades e/ou problemas que, segundo os autores, estariam alimentando preconceitos, atitudes racistas, discriminações e, consequentemente, gerando conflitos, bullying e diversas outras formas de violência (simbólicas e físicas).

Por sua vez, mesmo diante de todo esse complexo contexto, os autores apontam que há na escola potencialidades (a própria existência das diferenças culturais) para lidar com a pluralidade dos sujeitos-atores socioculturais que a caracteriza e que, portanto, o diálogo e/ou as relações interculturais são possíveis de ser praticados no seu interior. E sublinham que um passo importante para isso acontecer é buscar conhecer em profundidade quem

são esses diferentes sujeitos-atores: seus traços identitários, seus processos de

identificação, suas experiências e histórias, suas trajetórias de vida, suas linguagens e narrativas, etc.

Vale dizer que reconhecemos que os cinco artigos analisados e classificados nessa categoria (artigos 02, 04, 06, 08 e 10) contribuem para dar maior visibilidade a essas questões, oferecem elementos para o debate e apontam a necessidade da escola: reconhecer e valorizar os diferentes sujeitos-atores socioculturais nela presentes, promover mecanismos de empoderamento desses mesmos sujeitos-atores, valorizando suas referências culturais e estimulando-os à construção de sua autoestima, incentivar trocas e diálogos igualitários, pautados em respeito mútuo e no reconhecimento e valorização do “outro”, bem como promover relações interpessoais mais democráticas, inclusive trabalhando os conflitos que lhe são inerentes.

Quanto ao questionamento que põe em evidência o tratamento monocultural e que se refere à categoria saberes e conhecimentos, classificamos apenas um artigo (artigo 01). Nele sua autora sublinha, entre outros aspectos, que o universo escolar é bastante

uniforme, não favorece o diálogo entre as diferentes culturas, prioriza o conhecimento escolar, cuja seleção é pautada, principalmente, pelo livro didático ou apostilas e

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segundo critérios externos à própria a dinâmica escolar. A autora destaca ainda que a

sala de aula se constitui como espaço privilegiado da cultura escolar e que há muito

pouca articulação entre a cultura escolar e os saberes sociais de referência dos alunos.

Para ela e segundo sua pesquisa retratada nesse artigo, a escola tende a naturalizar seu caráter monocultural, priorizando (no caso estudado e analisado) o conhecimento

científico, com ênfase na preparação para o vestibular e na certificação. E que as

possibilidades de ruptura no sentido da valorização dos saberes de referência apareciam nas atividades extraclasses, embora o diálogo entre essas atividades e a sala de aula fosse praticamente nulo. Também chama a atenção para o fato de que, de um modo geral, o caráter monocultural da escola tende a ser naturalizado pelos seus sujeitos-atores.

Apesar da pequena representatividade - apenas um artigo de um conjunto de dez analisados, aborda com ênfase a questão da monoculturalidade relacionada aos saberes e conhecimentos - reconhecemos a força dessa denúncia, uma vez que, embora não seja uma categoria enfatizada nos demais textos que analisamos, ela aparece, mesmo que nas entrelinhas, principalmente quando os demais autores aqui estudados fazem seus questionamentos, apontando sistematicamente que as diferenças culturais não são visibilizadas, ou pior, são anuladas. O que entendemos como algo que afeta e invisibiliza e/ou desvaloriza os saberes e conhecimentos, bem como suas linguagens/narrativas que são próprios dos indivíduos e coletivos que integram os diferentes grupos culturais.

Por isso mesmo, trata-se de um texto que reconhecemos também oferecer subsídios, para, a partir do conhecimento do que acontece na escola, fazer o debate e tentar buscar alternativas, na direção de transformá-la em um espaço de identificação, circulação, não hierarquização, valorização, interação e cruzamento de diferentes saberes, conhecimentos e culturas e, desse modo, dar passos na direção da concepção e construção da escola pautada pela da perspectiva intercultural crítica.

No que tange ao questionamento que aborda a monoculturalidade da escola associada à categoria práticas socioeducativas, identificamos dois artigos (artigos 01 e 03). São textos, cujas autoras chamam a atenção para o fato de que, nas escolas pesquisadas, as práticas vividas na sala tendem a ser uniformes, priorizando as aulas expositivas de caráter frontal, centradas no professor e na transmissão do conhecimento escolar. São práticas que, portanto, acabam favorecendo a ruptura entre o conhecimento escolar e o conhecimento social de referência e, nesse sentido, dificultando o diálogo com a cultura dos alunos. De um modo geral, o diálogo que existe se limita à dinâmica de perguntas e respostas relacionadas ao tema da aula. Os autores questionam o

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funcionamento da sala de aula, destacando: a pouca ou nenhuma utilização de mecanismos de diferenciação das atividades didático-pedagógicas, a adoção de uma organização espacial convencional (predomínio das carteiras enfileiradas), o uso frequente do quadro verde, das apostilas e do livro didático, bem como o uso tímido das tecnologias da informação e da comunicação, a falta de uma participação mais ativa e protagonista por parte dos alunos, que, na maioria das vezes, limitam-se, por exemplo, a fazer anotações, realizar cópias, responder apenas quando são interpelados, embora e principalmente no caso dos alunos do Ensino Médio, se preocupem muito com a avaliação, cuja prática, como ressalta uma das autoras, é bastante valorizada pelos professores, tendo inclusive, prioritariamente no caso da escola particular, a aprovação no vestibular como meta.

Nesses dois artigos encontramos também reflexões que sublinham que as práticas pedagógicas vividas no âmbito da sala aula enfatizam o uso das linguagens escrita e oral apesar dos alunos expressarem interesse por outras linguagens audiovisuais e saberem manejar com desenvoltura aquelas que estão relacionadas às mais diversas mídias da informação e da comunicação. São artigos que, portanto, põem em evidência o fato de que as práticas educativas escolares enfatizam as dinâmicas homogeneizadoras, invisibilizando e/ou ocultando as diferenças culturais. Por outro lado, nos dois artigos encontramos comentários que indicam que as atividades extraclasses, no caso das escolas pesquisadas, são bem mais dinâmicas, criativas, flexíveis e plurais em relação ao formato que utilizam, ao próprio papel que os alunos nelas desempenham, aos recursos e linguagens que adotam, podendo ser identificadas como alternativas para o rompimento da padronização que, de modo contundente, configura o trabalho que acontece nas salas de aula, abrindo espaço para o trato com as diferenças culturais - seu reconhecimento, sua valorização e sua apropriação como matéria-prima da ação e dos processos de aprendizagem.

No que se refere ao movimento/princípio, associado à ideia de promover, ou seja, de apontar alternativas possíveis para a vivência da Educação Intercultural Crítica, encontramos três artigos (artigos 05, 07 e 09), sendo que dois deles (07 e 09) apresentam reflexões sobre a mesma experiência - trabalho centrado em projetos - realizada em uma escola particular, enquanto o artigo cinco trata de apontar caminhos, tendo como referência a identificação e a análise dos saberes docentes que são mobilizados para o enfrentamento das diferenças culturais em uma escola pública.

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Vale dizer que foi possível identificar, nesses artigos, “pistas” que nos parecem relevantes para orientar a transformação e/ou reinvenção da escola na perspectiva intercultural crítica e cujo pressuposto comum é o fato de que foram concebidas, a partir do trabalho sistemático e coletivo de seus sujeitos-atores (gestores, professores e alunos) e em permanente diálogo (com e/ou contra) com o que estava acontecendo no contexto intra e extraescolar. Além disso, são “pistas” que têm como princípio básico o reconhecimento das diferenças culturais como riquezas ou vantagens pedagógicas e que sugerem uma reorganização de todas as dimensões que configuram o “formato” escolar, a saber: (1) reorganização dos tempos escolares, implicando, inclusive, romper com a organização por disciplina e conceber uma distribuição do tempo menos fragmentada e mais integrada, como por exemplo, uma organização em torno de temas, experiências, problemas, questões, etc. O que também parecia favorecer maior identificação, circulação, não hierarquização, articulação e cruzamentos de saberes, conhecimentos e culturas; (2) uso dos diversos e muitos espaços escolares como lugares de aprendizagem, bem como a reorganização espacial da própria sala de aula para favorecer a integração, a convivência e o diálogo entre os diferentes sujeitos-atores; (3) valorização das relações interpessoais, com sensibilidade para o que estava acontecendo no interior dos grupos e/ou emergindo dessas relações e também com o cuidado de administrar conflitos e promover negociações; (4) adoção de currículos e práticas/atividades diversificadas que priorizavam o aprender a aprender, a pesquisa em diferentes fontes, a produção de conhecimentos, o trabalho individual, mas também solidário e coletivo, a construção da autonomia o aluno, bem como a ressignificação de seu ofício (mais protagonista) nos processos de aprendizagem e, consequentemente a do ofício de professor, o uso de diferentes recursos, linguagens e narrativas, que, inclusive, favoreciam o reconhecimento e a valorização da pluralidade das identidades culturais; (4) adoção de práticas de avaliação diversificadas, mais formativas, compartilhadas e a serviço das aprendizagens. Cumpre registrar que não encontramos reflexões mais detalhadas sobre a categoria políticas públicas. Apenas alguns poucos artigos comentam a importância de se promover políticas públicas que articulem igualdade e diferença no âmbito escolar, enquanto um deles registra a existência de documentos oficiais (do Ministério da Educação ou da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro) que abordam o tema das diferenças culturais, recomendando que sejam valorizadas.

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A análise desses dez artigos nos permite concluir que o movimento/princípio questionar foi priorizado nos sete livros editados pelo nosso grupo de estudos e que o movimento/princípio promover ainda precisaria avançar. Nos permite reconhecer a necessidade de se avançar na perspectiva de apontar alternativas, quer dizer, “maneiras de” conceber e fazer acontecer uma escola intercultural crítica. Entretanto, fica claro também que não há um só modelo, um só caminho. Ao contrário, coerente com a ideia de que essa escola se faz a partir de seu interior e sempre em diálogo com o que acontece à sua volta (do local ao planetário) a escola intercultural crítica deverá estar em permanente dinâmica de reinvenção - construção - reinvenção - reconstrução. Todavia, consideramos que indicar “pistas”, construídas a partir de pesquisas feitas com a escola, promovendo reflexões críticas em torno delas pode colaborar e muito com manutenção dessa dinâmica, bem como com a superação da crise da escola.

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