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A Escola da luta pela terra

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Academic year: 2019

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Texto

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A Escola da luta pela terra

A Escola Itinerante nos

estados do Rio Grande do Sul,

Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí.

(2)
(3)

Governo do Estado do Paraná

Roberto Requião

Secretária de Estado da Educação

Yvelise Freitas de Sousa Arco- Verde

Diretor Geral

Altevir Rocha de Andrade

Superintendente da Educação

Alayde Maria Pinto Digiovanni

Chefe do Departamento da Diversidade

Wagner Roberto do Amaral

Coordenação da Educação do Campo

(4)

P

rodução

Setor de Educação (MST - PR) e

Secretaria de Estado da Educação (SEED)

– Departamento da Diversidade -

Coordenação da Educação do Campo.

E

laboração

Adilson de Apiaim

Alessandro Santos Mariano

Daiane Maria Paz

Débora Nunes Lino da Silva

Elizabete Witcel

Jurema de Fátima Knopf

Isabela Camini

Marcela Nunes da Cunha

Marli Zimermann de Moraes

Paulo Davi Johann

Sandra G. Scheeren

Sandra Luciana Dalmagro

C

oordEnação

Isabela Camini

Sandra Luciana Dalmagro

C

olaboração

Caroline Bahniuk

Jeansley Lima

r

Evisão

Equipe de elaboração

Nina Fidelis

d

iagramação

Rafael Araújo Saldanha

F

otos

Setor de Educação do MST

(5)

SUMÁRIO

Apresentação

Parte I

Escola Itinerante do RS: pontos e contrapontos

de uma escola em Movimento

Marli Zimermann de Moraes e Elizabete Witcel

Escola Itinerante no Paraná: aprendendo e

ensinando na luta dos Sem Terra

Alessandro Santos Mariano, Jurema de Fátima Knopf e Sandra G. Scheeren

Escola Itinerante em Santa Catarina:

luta e construção

Daiane Maria Paz e Paulo Davi Johann

A Escola Itinerante no estado de Alagoas

Marcela Nunes da Cunha e Débora Nunes Lino da Silva

A Escola Itinerante no Piauí

Adilson de Apiaim

Parte II

Escola Itinerante: do árduo e do belo

Sandra Luciana Dalmagro

A formação dos Educadores Itinerantes

Isabela Camini e Jurema de Fátima Knopf

Anexos

9

15

41

59

95

111

127

(6)
(7)
(8)
(9)

APRESENTAÇÃO

C

ompanheiros e Companheiras,

O Caderno das Escolas Itinerantes nº 5: A escola da luta pela terra: a Escola Itinerante nos estados de AL, PI, PR, RS e SC, retrata a trajetória, a luta e a resistência das Escolas Itinerantes nos estados em que foram reconhecidas e legalizadas pelo sistema público de educação. Embora o estado de Goiás tenha efetivado a Escola Itinerante por três anos (2006-2008), sua experiência não consta neste caderno em virtude das dificuldades conjunturais que impossibilitaram a participação dos educadores do estado nas quatro oficinas de produção deste material, ocorridas entre junho de 2009 e fevereiro de 2010.

Nestes termos, o presente caderno pretende socializar com todos os militantes do MST as experiências das Escolas Itinerantes em âmbito nacional e qualificar o trabalho com a escola. Desse modo, assume um caráter diferenciado em relação às edições anteriores desta coleção. Afinal, os cadernos nº 1 e nº 2 se dedicaram a retratar a história, projetos e experiências das Escolas Itinerantes do estado do Paraná. O caderno nº 3 se ateve às variadas pesquisas sobre o tema no meio acadêmico. O caderno nº 4 destacou as práticas pedagógicas voltada sespecialmente para os educadores das Escolas Itinerantes.

Ao ler este caderno, você terá um reencontro com o início da educação do MST, que teve origem nos acampamentos. Apesar das experiências aqui relatadas não refletirem a concepção de escola do MST, elas apontam as diferentes formas de apreensão do que é educação para o Movimento. O contexto social e a conjuntura da luta vivenciada nos estados interferem na produção dos textos, em que percebemos as contradições do processo e as questões a serem superadas.

Dessa maneira, o presente caderno está dividido em duas partes. A primeira compila os textos elaborados pelos coordenadores das Escolas Itinerantes nos estados correlatos, obedecendo à ordem cronológica de regularização da escola. Vale ressaltar que os referidos textos refletem as ideias dos seus autores, apesar do amplo debate ocorrido no decorrer das oficinas.

Dessa forma, o texto inicial deste caderno demonstra o caráter combativo das Escolas Itinerantes - no seu décimo terceiro ano de existência -, em meio à luta pela Reforma Agrária no Rio Grande do Sul, frente ao crescente processo de criminalização do MST e à truculência dos ruralistas. Assim, situa a escola neste contexto e aponta para os desafios organizacionais e políticos da escola e do MST no estado. Ao ler o relato das experiências destas escolas do Rio Grande do Sul, é possível observar como se aprende lutando e como se luta aprendendo.

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Isso demonstra a complexidade dos aspectos identificados no decorrer do processo de sistematização e a necessidade de serem aprofundados. Da escola como instrumento de luta e resistência, perpassando por sua relação com a comunidade, a organização coletiva, o seu vínculo com a realidade, até a sua instituição como escola pública. É necessário atentar ainda o trabalho que o MST no Paraná tem dedicado à formação dos educadores.

Por sua vez, o estado de Santa Catarina, que teve seu processo regularizado em 2004, nos oferece uma descrição do processo de consolidação desta experiência, refletindo suas práticas e apontando perspectivas. Descreve a especificidade da Escola Itinerante no estado e a relação permanente de luta e resistência para mantê-la em atividade. O relato a respeito da caracterização da escola no estado remonta à relação conflituosa com o governo e aponta a dificuldade de se avançar no processo de sua consolidação. Contudo, a escola continua firme na sua caminhada ao lado do povo Sem Terra e sua luta.

O estado de Alagoas foi o primeiro da Região Nordeste a implementar a Escola Itinerante. Sua principal característica é a luta convergente com as demandas de outros movimentos sociais do campo. Desse modo, a luta por escolas nos acampamentos busca superar o descaso histórico do estado e da região com a educação. Esta experiência reitera que a luta pela Reforma Agrária e pela educação em Alagoas e no Nordeste, e se constitui um elemento central para a superação das desigualdades sociais e a emancipação do seu povo.

A primeira parte do caderno se encerra com o texto do Piauí. O último estado a regularizar as escolas de acampamento, em 2008. Essa experiência aponta um novo caminho, em que surgem vários desafios e perspectivas. O trabalho coletivo na construção da escola é um dos caminhos apontados para a superação das dificuldades e a qualificação da atuação nas escolas do MST. Demonstra, aliás, que a auto-organização e o vínculo com a comunidade são elementos centrais para a construção de uma escola que tem o compromisso de educar para transformar.

Desse modo, nos textos a seguir os leitores estarão diante de diferentes processos de luta e permanência da Escola Itinerante. Assim como identificará similaridades e objetivos comuns em torno da luta por escola. Exemplo disso é o fato destas escolas estarem diretamente relacionada à luta pela Reforma Agrária nos estados. No entanto, a diversidade sócio-cultural, a dimensão geográfica e histórica de cada estado/região, repercute na singularidade das escolas. Logo, se a luta em movimento e a relação desta escola com a realidade é o fator que as une, por outro lado, suas especificidades e distinções temporais produzem diversificadas formas de atuação e práticas pedagógicas.

Os relatos aqui publicados pretendem contribuir para a expansão das Escolas Itinerantes como experiência de educação do MST. Por conseguinte, se constituem um meio de reflexão e aprendizado sobre o trabalho nas escolas, especialmente as escolas de acampamento, sem perder de vista as escolas de assentamento. Assim, ao socializar a todos educadores e educandos as práticas, reflexões, avanços, limites e desafios frente a estas escolas de acampamentos, pretendemos contribuir para o avanço das Escolas Itinerantes como política pública e como contraposição à escola capitalista.

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O resultado deste trabalho é fruto de elaboração e reflexão coletiva. Apesar dos referidos textos terem autores que o assinam, todos passaram por um amplo processo de sistematização e reflexão. Os textos foram escritos pelos sujeitos que estão envolvidos no processo. Assim, entendemos que a sistematização das experiências das Escolas Itinerantes do MST se constituiu em um espaço de formação, onde foi possível ampliar a reflexão, identificando as possibilidades e os limites desta escola nos diferentes estados e em seu conjunto.

Nesse sentido, o primeiro resultado almejado com este caderno é refletir sobre a atuação nas escolas de modo a transformar a realidade. O segundo seria disponibilizar e difundir essa experiência escolar, para que todos sistematizem e qualifiquem a sua atuação. E, por fim, contribuir para que o Coletivo de Educação do MST se apodere deste novo instrumento de ação e reflexão.

Com isso, pretendemos que este caderno seja objeto de estudo de toda a militância Sem Terra, mas que possa servir para ampliar a interlocução entre aqueles que comungam do projeto da Educação do Campo e da Reforma Agrária.

B

om estudo!

Coletivo Nacional de Educação do MST

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(13)

PARTE I

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(15)

Marli Zimermann de Moraes1

Elizabete Witcel 2

Enquanto as dores, frutos da contradição do capitalismo, estiverem aí, doendo, não dá para suprirmos os sonhos, os desejos e as insubmissões socialistas.

Paulo Freire

INTRODUÇÃO

Neste texto abordamos a educação e a escola no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), resgatando a trajetória da Escola Itinerante dos acampamentos no estado do Rio Grande do Sul (1996 - 2009). O registro que nos propomos fazer traz a memória, com os elementos da prática educativa, dos treze anos de existência desta escola. Retomamos os fatos, o movimento, as reflexões e os desafios que marcam a continuidade desta caminhada.

Buscamos significar permanentemente o processo organizativo e formativo ampliando nossa compreensão da luta de classes presente na luta pela Reforma Agrária e do enfrentamento ao latifúndio. Compreender e posicionar-se em relação às práticas desenvolvidas neste percurso não é um ato simples e artificial. É uma exigência que nos persegue sempre, desafiando-nos a ser sujeitos de transformação desse contexto.

As vivências adquiridas nos espaços da luta vão construindo referenciais de participação efetiva dos sujeitos que fazem parte desta organização. Estes desenvolvem valores humanos construídos coletivamente, participando dos processos educativos. Essa vivência vem demonstrando que ter Escola Itinerante nos acampamentos significa reconhecer que as crianças, ao mesmo tempo em que lutam por terra, têm acesso à escola, e, na condição de crianças, são protagonistas na luta organizada pelos pais.

Neste contexto trazemos presente as práticas e as reflexões, com avanços e limites, que a experiência pedagógica aqui relatada apresenta, no intuito de revelar a necessidade histórica almejada pelos trabalhadores: a de possuir escola para seus filhos.

Na primeira parte do texto, analisamos os diversos materiais divulgados na imprensa, as opiniões, os fatos abordados sobre o fechamento das Escolas Itinerantes, as considerações sobre a posição dos governantes do estado do Rio Grande do Sul e as reações geradas nos trabalhadores Sem Terra. São análises que demarcam claramente o campo da luta de classes e, em particular, o campo da educação como um dos componentes fundamentais dessa luta. Notadamente, a educação do campo, pela ação coletiva do MST, passa a exigir o posicionamento de todos. Não há neutralidade nessa luta.

1 Educadora do Setor de Educação MST-RS e da rede Pública Estadual do RS. Com Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento, pela UnB/ITERRA

2 Educadora do Setor de Educação MST-RS e da rede pública estadual do RS. Com Especialização em Estudos Latinos, pela UFMG.

ESCOLA ITINERANTE:

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Na sequência, elencamos um conjunto de atitudes e ações que foram tomadas como justificativas – por parte do poder público – para o fechamento das Escolas Itinerantes. Coerente com estas ações, percebe-se a desconsideração dos órgãos responsáveis em relação às práticas educativas realizadas pelo MST durante estes treze anos. É mais um capítulo da luta pelo direito negado à educação.

A parte central do texto procura abordar a contextualização sobre a aprovação da escola. Essa contextualização, evidentemente, vai revelando e forjando os principais pilares da pedagogia desenvolvida na luta itinerante dos acampamentos do MST-RS.

Por fim, apontamos os desafios e as perspectivas desta escola, já que esta foi impedida de funcionar. Mas a rebeldia do povo organizado almeja a sua continuidade, e se põe em luta, cada vez que necessário for, para garantir escola para as crianças, jovens e adultos nos acampamentos.

POR QUE ENTÃO FECHAR AS ESCOLAS ITINERANTES?

No ano de 2007, o Conselho Superior do Ministério Público – MP do Rio Grande do Sul, conforme Ata3 , declarou a ilegalidade do Movimento Sem Terra, designando uma equipe de promotores

de justiça para realizar uma investigação minuciosa, com vistas a promover uma ação pública para sua dissolução.

Neste sentido, foram propostas diversas ações, dentre elas, a interferência dos órgãos públicos em escolas mantidas e/ou geridas pelo MST. Conforme o termo da Ata do referido Conselho: “...o voto é pela intervenção do Ministério Público nas três ‘escolas’ referidas afim de tomar todas as medidas que serão necessárias para a readequação à legalidade, tanto no aspecto pedagógico quanto na estrutura de influência externa do MST.” Sugeriu-se também se necessário:

...ocorrer o ajuizamento de ações civis públicas com vista a proteção da infância e juventude em relação às bases pedagógicas veiculadas nas escolas mantidas ou geridas pelo MST, nitidamente contrária aos princípios contidos na Constituição Federal e que embasam o Estado Democrático de Direito. (Ata nº 1116 p 02).

Esta mesma Ata orientou para que fossem tomadas medidas judiciais “...para impedir a presença de crianças e adolescentes em acampamentos, assim como em marchas, colunas ou outros deslocamentos em massa de sem-terra.” Um dos principais argumentos é que “este movimento fere os princípios democráticos” 4. E em nome da democracia a aposta é acabar com o MST.

Em novembro de 2008, o MP por meio de um inquérito civil investiga várias ações dos movimentos sociais e instaura um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), declarando o fechamento dos Cursos Experimentais Itinerantes – denominadas Escolas Itinerantes –, que atendiam, naquele momento, mais de 600 crianças, jovens e adultos nos acampamentos de Sem Terra do RS. Seguindo as instruções do TAC, o Governo, em conjunto com a Secretaria do Estado da Educação, delegou a responsabilidade para os municípios próximos aos acampamentos em absorver a demanda escolar dos educandos das Escolas

3 Ata n º 1.116 do Conselho Superior do Ministério Público.

(17)

Itinerantes.

A decisão tomada pela Secretaria e o MP foi levada ao conhecimento das oito comunidades acampadas onde havia Escolas Itinerantes. Com essa determinação, o governo pretendia encerrar, definitivamente, as atividades escolares no início do ano letivo, em 2009. A Escola Itinerante vinha se desenvolvendo há 12 anos.

No nosso entender, os instrumentos jurídicos utilizados pela classe dominante ferem os princípios da dignidade humana. E por diversas vezes, tem como objetivo a repressão dos trabalhadores e suas lutas.

Isto se expressa na agilidade nas reintegrações de posse, com a imediata comunicação aos órgãos da Brigada Militar, do Conselho Tutelar, entre outros. Autarquias públicas estão quase sempre sintonizadas quando se trata de legitimar e garantir a propriedade privada. Para protegê-la é válido o “legítimo” exercício do monopólio da violência por meio das ações truculentas nos despejos, a repressão e a tortura, acompanhado de inúmeros processos judiciais contra os trabalhadores. A luta pela terra, a defesa dos direitos humanos, dentre eles o da educação, passam a ser tratados como um ato criminoso. No caso em questão, com forte colaboração da mídia, e esta, enquanto parte da superestrutura política, jurídica e ideológica, sedimenta e consolida as ideias da classe dominante como universais.

Colabora com o que estamos expondo, as medidas judiciais denominadas de Interditos Proibitórios, cuja finalidade é impedir que os acampamentos se aproximem dos latifúndios e das grandes empresas. Neste caso, a medida vale para proibir, inclusive, que as famílias acampem na beira das rodovias.

A finalidade desta ofensiva é visível: criar situações adversas para desmobilizar e fragilizar o Movimento frente à sociedade, classificando a ocupação de terra como um crime hediondo5 . Evidentemente

que tais medidas buscam colocar na defensiva todos os movimentos sociais que se opõem ao projeto da classe dominante, baseando-se em medidas mais extremas, como parte da criminalização, que questionem a sua ilegalidade e existência política.

As medidas tomadas pelo MP gaúcho são uma reação à luta conduzida pelos trabalhadores organizados. A intenção das medidas tomadas por este do órgão público ficam mais evidente. O que estava antes camuflado em aparente “neutralidade”, agora se mostra na defesa dos interesses econômicos e políticos dos grandes grupos transnacionais, nacionais e do latifúndio aliado do agronegócio.

Pela sua atuação ficou fácil de perceber que a governadora6 do RS, é a grande protagonista

desta ofensiva. À frente do executivo gaúcho, ela articula as forças repressoras do Estado (Brigada Militar, judiciário, MP, entre outros) e os meios formadores de opinião (a mídia escrita, falada e televisiva) reforçando o argumento de que os movimentos sociais são antidemocráticos e devem ser tratados como caso de polícia. Portanto, precisam ser controlados, isolados e responsabilizados criminalmente por suas lutas. Como observa o ex-deputado federal, Plínio de Arruda Sampaio (2008)7 quando afirma:

5 Crimes que o legislador entendeu merecer maior reprovação por parte do Estado. Do ponto de vista da criminologia sociológica, são os crimes mais graves, mais revoltantes, que causam maior aversão. Ou seja, de extremo potencial ofensivo, “de gravidade acentuada”. São considerados crimes hediondos – tráfico ilícito de entorpecentes; tortura; terrorismo. (Wikipédia. Acesso em: out. 2009).

6 Yeda Crusius (gestão 2007 a 2010)

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O discurso continua sendo o discurso rancoroso do tempo da ditadura. Um discurso ameaçador, aterrorizante. E o que nos deixa mais assustado é ver o Ministério Público do Rio Grande do Sul usando esta linguagem, quando na verdade ela já estava descartada do vocabulário das pessoas e das instituições democráticas. O que está havendo, na verdade, é uma criminalização da pobreza. [...] O fato de haver um aumento da distância entre ricos e pobres está fazendo com que os ricos passem a considerar os pobres como seus inimigos...

Se por um lado são tomadas medidas judiciais duras, como o fechamento das escolas e a dissolução do MST, ferindo inclusive preceitos constitucionais, por outro, o MP acoberta as ações do agronegócio que ferem as leis ambientais. Vejam, para citar um exemplo, que grandes grupos econômicos nacionais e internacionais adquiriram mais de 500 mil hectares de terra para o monocultivo de eucaliptos para celulose no RS. Existem várias pesquisas que demonstram os danos ambientais que essa forma de cultivo ocasiona. As denúncias feitas pelas mulheres da Via Campesina, quando da sua mobilização no dia internacional da mulher, revelaram à sociedade as consequências danosas ao meio ambiente e, por extensão à vida humana, dos monocultivos de eucaliptos.

O fechamento das Escolas Itinerantes desconsidera todo o processo pedagógico construído ao longo destes doze anos, responsável pela escolarização milhares de crianças, jovens e adultos. Isto, a nosso ver, fere os Direitos Humanos. A decisão já mencionada acima foi tomada de forma autoritária, sem o diálogo com as partes envolvidas no Convênio8 , que são a Escola Estadual de Ensino Médio Nova

Sociedade - Escola Base9 e o Instituto Preservar10 ; desrespeitou a Constituição Federal, que assegura o

direito à educação para todos, e constituiu-se como um ato contra os direitos e as conquistas da sociedade civil.

O reconhecido jurista Jacques Alfonsin, em entrevista aos meios de comunicação, declara que: “[...] o fato de se cancelar o funcionamento de tais escolas atesta, mais uma vez, em que medida o preconceito ideológico da suspeita infundada pesa sobre os trabalhadores pobres do nosso país, não pelo que eles fazem ou dizem, mas sim pelo que são”11 . Concordamos com Alfonsin, e acrescentamos que

esta é uma visão distorcida e preconceituosa de quem vê nos trabalhadores uma ameaça aos interesses do capital.

A conivência do Ministério Público explicitada nestas decisões declara sua posição contra os interesses da população trabalhadora e reforça a perseguição política, abrindo assim um perigoso precedente jurídico que fere os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores.

Aos olhos da classe dominante, incomodada com as organizações populares, faz-se necessário enfraquecer e desmobilizar as iniciativas da classe trabalhadora. Ela, para continuar dominando como classe, precisa manter o seu modelo de sociedade opressora. Por isso, tenta controlar as iniciativas populares em nossa sociedade. Neste sentido, a educação, bem como outros espaços de formação da

8 Desde o início da aprovação da Escola Itinerante, todos os anos era renovado o Convênio firmado entre a Secretaria de Educação e o Instituto PRESERVAR que garantia a contratação de educadores para atuar nestas escolas.

9 E.E.E. M. Nova Sociedade, localizada no Assentamento Itapuí em Nova Santa Rita, pertencente a 27ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Canoas - RS.

10 Entidade jurídica sem fins lucrativos. Apóia projetos educacionais e ambientais e realizou convênios para contratação de professores para as Escolas Itinerantes.

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consciência, são iniciativas controladas minuciosamente. Experiências como a das Escolas Itinerantes e as práticas pedagógicas a elas vinculadas devem ser derrotadas, pois questionam e ameaçam a pedagogia da supremacia da propriedade privada, da autoridade do Estado burguês e da legitimidade da dominação de classe. Tudo isso é feito em nome do respeito ao “estado democrático e de direito”. Se ficássemos apenas nos marcos dessa legalidade, veríamos que a própria Constituição Brasileira garante o direito à educação, mais que isso, o direito a desenvolver experiências pedagógicas respeitando-se as especificidades culturais, regionais e outras.

No nosso entender não há justificativas plausíveis para legitimar o fechamento das Escolas Itinerantes, pois não existe nenhuma garantia de cumprimento da determinação judicial por parte dos municípios e das escolas estaduais em atender a demanda escolar, com as especificidades da itinerância das famílias acampadas. O referido TAC, em suas resoluções, define que as redes públicas escolares usuais poderiam receber essas crianças em suas escolas, todavia, temos depoimentos que contrariam estas orientações, tais como a declaração do prefeito Rossano Gonçalves, do município de São Gabriel (2009), que afirmou não ter condições de receber, nem possibilidade de transportar as crianças acampadas para as escolas do município.

É cômodo impor que a rede pública de ensino receba as crianças em suas respectivas escolas, sem considerar a condição de itinerância em que vivem. Ou seja, a simples garantia da matrícula não resolve questões como a sociabilidade entre educandos e educadores, a continuidade dos processos de aprendizagem e o respeito às crianças Sem Terra.

Entre as razões apresentadas para o fechamento das escolas, podemos dizer que inúmeras delas eram atribuições da própria Secretaria de Educação, mas que não vinham sendo atendidas regularmente: falta de recursos humanos, a descontinuidade do pagamento dos educadores, os constantes entraves no envio de materiais de infraestrutura, o descaso com a compra de materiais didático pedagógico, a falta de merenda escolar, o não acompanhamento destas escolas, assim como a não preocupação do Estado com a formação pedagógica dos educadores itinerantes. Haja vista que esta escola é pública, estadual, reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação, no ano de 1996.

Deste modo, primeiro houve um processo de sucateamento das condições estruturais destas escolas, ocasionado pelo descompromisso da Secretaria de Educação. A mesma que, posteriormente, questiona a qualidade das Escolas Itinerantes que se desenvolviam em precárias condições.

Outra questão alegada no TAC é de que os educadores que trabalham nas Escolas Itinerantes são pessoas que vivem nos acampamentos e indicadas pelo próprio Movimento e, por isto, o processo de ensino desenvolvido não é laico, pois está sob o “controle” do MST. Esta interpretação do MP não está fundamentada em nenhum instrumento legal, pois os educandos da Escola Itinerante participaram do processo de avaliação externa realizado pelo sistema de avaliação escolar - SAERS e pela Prova Brasil - MEC, no ano de 2007 e 2008, na qual os educandos das Itinerantes apresentaram desempenho similiar às demais escolas do Rio Grande do Sul. O que demonstra que estas Escolas Itinerantes não desconsideram os princípios universais da educação.

(20)

aplicou-se uma interpretação da lei que desconsiderou a história de doze anos de uma escola pública estadual, Itinerante, reconhecida pelas pesquisas12 existentes e que atende uma população que vive em itinerância,

na luta pela Reforma Agrária.

Esta decisão desconsiderou também o projeto pedagógico desenvolvido nestas escolas e que foi aprovado pelo Conselho Estadual de Educação em 1996. Ignora que a maioria dos educadores se encontra em processos de formação em cursos profissionalizantes: ensino médio e superior - Magistério, Pedagogia, Licenciaturas e Especialização em Educação do Campo.

O referido TAC, ainda critica a natureza da Escola Itinerante, alegando que as crianças dos acampamentos, ao terem escolas em suas comunidades, estarão “condenadas” a seguir ao modelo de vida dos pais. Segundo o Promotor de Justiça13 , “Não é a questão do dinheiro, é dar um professor qualificado

para essas crianças para que tivessem direito de um dia participar do processo de inclusão social e não receber um ensino que vai condená-las a repetir um modelo que é dos próprios pais”.

Quando se afirma “que a escola deve estar onde o povo está!” ou ainda “que ela existe porque existem povos itinerantes” é porque ela tem essas características e especificidades. Esta escola está assegurada na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional – LDB (96), nas Diretrizes Operacionais da Educação Básica das Escolas do Campo (2002), conforme o artigo 3 “A educação infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental serão sempre oferecidos nas próprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleação de escolas e de deslocamentos das crianças”14.

Este direito está assegurado também no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) de 1990.

A legislação assegura o direito aos Sem Terra de terem a escola próxima de onde vivem, porém sabe-se que somente será concretizada a partir da luta e da prática concreta.

Entende-se que os argumentos do TAC não sustentam a decisão de encerrar as atividades escolares nos acampamentos do MST, tendo em vista que diversas escolas estaduais do estado funcionam em contêineres, as chamadas escolas de lata. Além de serem escolas em precaríssimas condições de infraestrutura, o que por si só revela o descaso com a educação dos trabalhadores, são escolas sem projeto político e pedagógico e com deficiências na formação de educadores. Podemos nos perguntar: por que então fechar as Escolas Itinerantes?

REFLEXÕES SOBRE A ESCOLA QUE

APRENDE E ENSINA NA LUTA

O enfrentamento aos movimentos sociais já vem de longa data. Sucessivos governos (2003 a 2009) vinham construindo medidas no sentido de perseguir os movimentos sociais com o objetivo de desmobilizar as famílias acampadas, deslegitimar a luta pela terra e precarizar as condições das Escolas

12 Inúmeras monografias de magistério e pedagogia, seis dissertações de mestrado e uma tese de doutorado foram pesquisas realizadas sobre Escola Itinerante no período de 1998 – 2010.

13 Gilberto Thums em Audiência Pública sobre a Escola Itinerante organizada por Deputados da Assembléia Legislativa, MST e diversas entidades apoiadoras da Reforma Agrária, em abril de 2009.

(21)

Itinerantes.

Como consequência deste contexto, verificamos nos acampamentos que o número de famílias diminuiu significativamente. Passamos rapidamente para um tempo de pouco diálogo, apatia e acomodações no conjunto da sociedade e, sobretudo, no conjunto das organizações dos trabalhadores. As promessas de um tempo novo para a classe trabalhadora não se realizam, ao contrário, direitos são sistematicamente negados. A Reforma Agrária, como parte das mudanças mais profundas da sociedade, também é negada aos trabalhadores. Por outro lado, e apesar de todas as dificuldades, esse é um momento oportuno de rearticular as forças, organizar a classe trabalhadora, definir as tarefas estratégicas e motivar a todos para continuar a luta.

Não alheio a este contexto, durante o ano de 2003, apesar das precárias condições, a Escola Itinerante manteve suas atividades educativas. Sem infraestrutura e sem remuneração dos educadores, a escola enfrentou enormes dificuldades para se manter, superada apenas pela disposição e decisão do MST de garantir a educação a todas as crianças acampadas. Essa mesma política de descaso e abandono por parte do Estado foi adotada nos anos seguintes pelos governantes. Já inconformados com tal situação, em outubro de 2008, os educadores e representantes de pais mobilizaram-se em frente à Secretaria de Educação reivindicando melhor tratamento às Escolas Itinerantes e reconhecimento aos educadores. Como parte dos protestos, realizaram um jejum que durou 72 horas, reivindicando que o governo estadual garantisse o convênio para a Escola Itinerante e reconhecesse a proposta pedagógica. Lamentavelmente, os governos se negam a reconhecer esta escola como parte da rede pública estadual de ensino em situação de itinerância15,

que tem como objetivo garantir um dos direitos fundamentais do ser humano que é o direito a educação. A Secretaria de Educação, nos últimos anos, ignorou a caminhada, a vida e o movimento pedagógico desta escola, construída e afinada com o projeto de educação do campo assegurado nas Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, que é uma conquista dos movimentos sociais. Estas diretrizes apontam avanços na compreensão das políticas públicas específicas para as populações do campo. Revelamos que os processos educacionais das Escolas Itinerantes estão abertos para pesquisas, orientações e supervisões dos órgãos da Secretaria de Educação e outros. Não há nenhum segredo que não possa ser revelado. A questão é a forma como a Secretaria vem fazendo as supervisões, pois esta se comporta apenas como órgão fiscalizador e controlador das ações pedagógicas nos acampamentos, fazendo vistorias nas escolas, interrogando os educadores, emitindo documentos/pareceres, desaprovando a forma escolar e as práticas educativas itinerantes.

Em tempos anteriores, quando as relações entre Movimento Sem Terra e governo estadual eram de diálogo, foi construído, conjuntamente, um processo educativo no qual a Escola Itinerante tornara-se uma política pública, efetivado por meio do Parecer nº 489/2002, que aprovou o Regimento Escolar16 e

ampliou o direito à escolaridade dos acampados.

15 Itinerância significa acompanhar o acampamento nas situações vividas pelas crianças acampadas, sobretudo, naquelas que exigem a participação de toda a família nos processos de mobilizações e lutas para a garantia dos seus direitos fundamentais, incluindo o direito à educação.

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Destacamos que essa ampliação foi um marco importante na história da luta pela terra e possibilitou a garantia da escolarização para muitos jovens e adultos que a ela não tiveram acesso em seus tempos de infância, assim como a garantia do direito à educação para crianças e adolescentes em seu tempo devido.

A partir da conquista e ampliação garantida no Regimento Escolar, os governos que sucederam, omitiram-se a dialogar e reconhecer esta escola como parte da rede estadual de ensino, não respeitando suas características de itinerância e os sujeitos que a frequentam.

Desta forma, a educação nos acampamentos começou a ser também desatendida e submetida às regras comuns da escola pública estadual convencional. O efeito da institucionalização da escola fragilizou suas condições estruturais, impondo um conjunto de burocracias que limitaram sua funcionalidade, tais como: a informatização escolar (INE), a impossibilidade de mudanças no calendário escolar, entre outras. Estas medidas, principalmente a de tentar “engessar” a Escola Itinerante, distanciando-a da vida e das práticas sociais que a cercam, dificultaram o funcionamento da Escola tendo em vista seus diferentes contextos e circunstâncias.

O pano de fundo do constante entrave é que, na sua essência, essa escola estimula seus sujeitos a pensar e organizar-se em diferentes situações, visando mudanças sociais, pois impulsiona resolver questões que vão além das atividades escolares tradicionais.

No nosso entendimento, a Escola Itinerante questiona, de modo geral, as estruturas escolares capitalistas, sendo desafiada a criar e recriar dentro das condições apresentadas pela realidade, o seu jeito próprio de funcionar, provocando diversas opiniões sobre a sua condição de escola. Conforme aponta Isabela Camini em sua tese de doutorado:

[...] A proposta de itinerância vista sob tantos olhares até aqui, pode ser incluída entre as experiências pedagógicas significativas que se move em direção a uma escola diferente numa sociedade diferente. Porém, é bom lembrar que a instituição escolar, historicamente, não foi, e nem está sendo hoje, pensada para os trabalhadores ou pelos trabalhadores e muito menos tem sido incluída em um projeto de transformação social. (CAMINI, 2009. p.174)

A Escola Itinerante e a proposta de educação do MST se pautam por um projeto articulado à luta da transformação social. Orienta-se por uma educação popular e transformadora que garante a escolarização para a classe trabalhadora em luta por seus direitos.

Esta escola torna-se uma ameaça para o sistema escolar vigente. A escola convencional, enquanto instituição hegemônica da classe dominante, fortalece a continuidade da ideologia burguesa pelos valores repassados, e quem nela não se “enquadra” sutilmente dela é excluída. Este sistema escolar cria normas que desconsideram as demandas educacionais e as condições reais da classe trabalhadora, que resulta no alto índice de analfabetismo, evasão escolar e baixa escolaridade da população brasileira.

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garantia de permanência e aprendizagem na escola pública sem discriminação de qualquer natureza” 17.

Temos claro que se faz necessário manter a escola vinculada ao poder público, pois ela representa uma conquista como política pública de educação. Contudo, não abrimos mão de sua essência que é ser pensada, construída e conduzida pelo movimento da luta, da resistência, das ocupações e da organização do povo Sem Terra. Porém, por ser desta natureza, e por não ignorar as contradições sociais em seu entorno, esta escola provoca tensionamentos e pressões até ser fechada por aqueles que se negam a entender a dinâmica desta forma escolar. Como podemos analisar a partir da afirmação de Bahniuk, em sua pesquisa de mestrado sobre a Escola Itinerante do Paraná:

As escolas Itinerantes possuem potencialidades maiores em questionar o modelo escolar vigente, pois se encontram num espaço de contestação da ordem legal e hegemônica - que são os acampamentos. E ainda, pautam-se em uma proposta educacional questionadora, tendendo a nos trazer maiores elementos para refletirmos sobre as potencialidades concretas de a escola direcionar-se à perspectiva de emancipação humana (BAHNIUK, 2008, p.12).

Pelo contexto mencionado no Rio Grande do Sul, existem ações contrárias a forma escolar itinerante desenvolvida pelos trabalhadores em situação de acampamento. O Estado burguês não ficou desatento a esta realidade, desconstituindo aos poucos a autonomia desta escola em movimento, retirando as conquistas, dificultando seu desenvolvimento e legitimando, autoritariamente, o fechamento das Escolas Itinerantes.

AS MARCAS QUE PERSISTEM E

MANTÉM A ESCOLA FUNCIONANDO

Mesmo sendo impedida de funcionar e sem o reconhecimento do Estado, as famílias acampadas não se omitiram em garantir a funcionalidade da Escola Itinerante nos acampamentos. Várias ações internas foram, e estão sendo, realizadas para retomar os rumos e continuar sua prática. Os apoiadores da luta pela Reforma Agrária, oriundos de sindicatos e outras entidades18 , também se evolveram. Quando as escolas

foram notificadas do seu fechamento, todas as famílias já estavam preparadas para dar continuidade às atividades escolares.

Neste entendimento, foi necessário garantir a funcionalidade da escola, buscando apoios para adquirir materiais didáticos, pedagógicos e assegurar os recursos humanos. Campanhas externas foram realizadas com amigos, simpatizantes, organizações sociais, sindicatos, prefeituras, entre outros, com o objetivo de garantir as aulas e para resistir à perseguição aos movimentos sociais.

No início do ano letivo de 2009, realizaram-se aulas inaugurais em frente às Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), que foram ministradas por apoiadores que se dispuseram a trabalhar com os

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Sem Terrinha, tratando de temas como o ECA, enfatizando o direito à escola. Essas aulas foram realizadas para exigir o reconhecimento da vida escolar dos educandos e a continuidade das Escolas Itinerantes. Foram realizados os registros nos diários de classe no final de cada bimestre, sendo estes protocolados nas CREs mais próximas aos acampamentos.

Também foi realizada uma Audiência Pública, organizada junto à Comissão de Educação da Assembléia Legislativa, onde a presidente do Conselho Estadual de Educação, Cecília Farias19, afirmou

que “o TAC não tem base legal para sustentar o fim das Escolas Itinerantes”. Afirma também “que não chegou nenhum pedido de fechamento desta escola a este órgão público”. Buscamos nos fundamentar no artigo 81 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que diz: “é permitida a organização de cursos ou instituições de ensino experimentais”. No mesmo documento, o artigo 26 orienta que “os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”. Isso aponta caminhos, os quais foram seguidos pelo processo desenvolvido nas Escolas Itinerantes, buscando ser mais próximo da sua realidade.

Segundo Wanessa Schin, representante do Ministério da Educação (MEC), na mesma audiência pública realizada para debater o assunto, afirmou que “o artigo 28 da LDB define que “na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região”. O inciso I define que poderão ser definidos “conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos das zonas rurais”. O inciso II fala de “organização escolar própria” e o III, em “adequação à natureza do trabalho na zona rural”. Ou seja, estes argumentos, presentes nas leis que regem a Educação, contam a favor da continuidade da Escola Itinerante.

Na semana da criança, no dia 13 de outubro de 2009, mais de 250 crianças, vindas dos assentamentos da região metropolitana, manifestaram seu repúdio à determinação do MP, em frente ao Palácio Piratini, na Praça da Matriz. Nesta manifestação, as crianças tiveram uma aula simbólica com apoiadores da Reforma Agrária, dentre eles a educadora, amiga do MST, Nita Freire. Dela, as crianças acampadas, ouviram a história da vida de Paulo Freire: “Paulo criou teoria embasada no entendimento de que através da Educação se pode mudar o rumo de uma sociedade. A Educação, segundo ele, serve para humanizar. Ele era esperançoso e acreditava que a qualidade da esperança faz parte da natureza humana”. Em entrevista à imprensa local, ela repudiou a ação do fechamento das Escolas Itinerantes.

Embora proibidos pela determinação do poder público em continuar estudando nestas escolas, mesmo com poucos recursos didáticos e pedagógicos, a decisão das famílias acampadas é de manter a continuidade das atividades escolares. Portanto, as crianças, jovens e adultos continuarão estudando nos acampamentos.

Sendo assim, a Escola Itinerante, tornou-se elemento fundamental para a garantia da participação das famílias. Quando se pensa na formação de um novo acampamento, vem junto a preocupação e os encaminhamentos necessários para garantir a educação dos acampados. Nosso entendimento é que a

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Escola do acampamento provoca as famílias a pensar e a cuidar da escolaridade de seus filhos.

A academia reconhece a Escola Itinerante por meio de diversas pesquisas já realizadas no período entre 1998 e 2010. Em geral, as pesquisas apontam sinais de uma pedagogia diferente, com limites e possibilidades. Uma educação comprometida com a classe trabalhadora. Apontam a Escola Itinerante com germens de uma nova escola. Nosso entendimento é que essas pesquisas contribuem para a divulgação e o reconhecimento deste projeto de escola nos acampamentos do MST.

Ao tratar sobre o tema do fechamento das Escolas Itinerantes, Jacques Alfonsin20 afirma:

[...] as suas escolas têm de ser itinerantes. O direito humano fundamental à educação dessas crianças foi reconhecido à custa de muitos protestos públicos, alguns reprimidos com extrema violência, muitas reuniões com representantes da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul em sucessivas gestões públicas do Estado, dedicação cuidadosa e competente de sujeitos, com sacrifício pessoal, às duras condições de trabalho em tais circunstâncias.

Pelas manifestações e a luta de um conjunto de setores de nossa sociedade em defesa das Escolas Itinerantes, se comprova que não é possível aceitar de forma pacífica esta brutalidade cometida por governos e órgãos públicos legitimados pelo “estado democrático de direito burguês”, que impõe à classe trabalhadora ainda maior exclusão, retirando direitos fundamentais, assim como, impedindo que se organizem e lutem por melhores condições de vida e trabalho. Neste sentido, estes ataques sofridos pelas famílias Sem Terra reforçam a necessidade de afirmação das políticas educacionais vinculadas com os processos de transformação social como caminhos imprescindíveis por onde passa a emancipação humana e a construção de um novo projeto de sociedade, justa e solidária.

A CAMINHADA HISTÓRICA E

AS LUTAS DA ESCOLA ITINERANTE

A história da Escola Itinerante começa juntamente com a retomada da luta pela terra, em 1982, no Acampamento da Encruzilhada Natalino, no RS. A preocupação com a educação das crianças criou as condições para realizar o debate sobre a temática entre as famílias acampadas. A necessidade de envolver as crianças com práticas educativas possibilitou a discussão e a materialização destes espaços denominados de “escola do acampamento” com uma “pedagogia diferente”, pois deveria atender as demandas educacionais das crianças, jovens e adultos que ali viviam. Além disto, o trabalho educativo buscava estar articulado com o projeto a ser construído pelos trabalhadores, contrapondo-se ao modelo de escola existente. Deste modo, podemos dizer que a escola nasceu para atender as necessidades da própria comunidade acampada e ela continuou sendo buscada e reivindicada em outros acampamentos que se sucederam neste estado, no período de 1982 a 1995.

A existência desta prática educativa desenvolvida nos acampamentos garantiu a escolarização de muitas crianças e adultos e permitiu que esta experiência fosse reconhecida pelos órgãos públicos,

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amparada na legislação existente, que reconhecia o conhecimento adquirido, mesmo que apreendidos, fora de escolas legalizadas. Desta forma, quando um estudante saia do acampamento e buscava ingressar em uma escola regular, era submetido a uma prova que o classificava e indicava em qual série seria matriculado. O bom desempenho dos estudantes acampados nestas provas passou a ser incentivo ao trabalho pedagógico realizado e alimentou o sonho de buscar na legislação educacional o direito à escolarização para comunidades específicas.

Passados alguns anos, surge a necessidade concreta de lutar pela legalização da vida escolar dos Sem Terra. A princípio, o que motivou esta busca foi o estudo do ECA, realizado por crianças e adolescentes no II Congresso Infanto-Juvenil do MST, em 1995 no RS.

O projeto da Escola Itinerante precisou de muitos esforços para ser construído. Neste período, o Setor de Educação do MST/RS, junto com uma equipe da Secretaria da Educação, elaborou a Proposta de Escola Itinerante. Após ser analisada e debatida pelos membros do Conselho Estadual de Educação, a proposta foi aprovada, em sessão plenária deste mesmo Conselho, no dia 19 de novembro de 1996, sob o Parecer nº 1313/9621. A presença de setenta crianças vindas de dois acampamentos da região contribuiu

fortemente para a aprovação, por unanimidade, da Escola Itinerante.

Com eta aprovação, foram legalizadas as práticas pedagógicas em dois acampamentos22.

Esta escola se fazia nos espaços da luta pela terra, nos acampamentos, nas marchas, nas mobilizações, nas ocupações de prédios públicos e, em todos os lugares onde os Sem Terra estavam. Desta forma, a escola se tornava um espaço favorável de vivências sociais, articulada com o projeto em construção pelos trabalhadores e embasada na Pedagogia do Movimento e na Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, entre outros.

O trabalho na escola era desenvolvido de forma coletiva entre educadores, educandos e comunidade. O planejamento era construído a partir de um diagnóstico feito da realidade, e, por meio dele, eram escolhidos os temas geradores. Isto acontecia, não apenas nos períodos de marchas, mas também nos momentos de retorno ao acampamento onde a escola se insere e retoma as atividades com estruturas mais fixas. Por estar imersa e encharcada nesta realidade, ela necessariamente precisa trabalhar conteúdos escolares que surgem da prática social que a cerca. Portanto, a vida real está conectada com a escola. Estas são marcas que a diferencia das demais escolas convencionais que, muitas vezes, segue um currículo e conteúdos distantes da vida.

A construção do currículo, do planejamento, da avaliação e da formação de educadores foi prioridade na Escola Itinerante, o que fortalece o trabalho didático e a apropriação do conhecimento historicamente produzido pela humanidade e socialmente útil, assim como estimula os educandos à pesquisa da realidade e a construção de um novo conhecimento. Por isso, nesta escola, se aprende e se ensina ao mesmo tempo.

Nas diferentes circunstâncias de vivências e resistências que a luta pela terra proporciona,

21 Sobre a história da Escola Itinerante, ver CAMINI, Isabela. Escola Itinerante: na fronteira de uma nova escola. São Paulo: Expressão Popular, 2009. Também existem dois cadernos (1998) e (2002) da Coleção Fazendo Escola, elaborados pelo Setor de Educação do MST que tratam dessa temática.

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a Escola Itinerante participa ativamente. Seja na confecção de materiais que venham protegê-las dos ataques e da intoxicação, causada pelo gás lacrimogêneo jogado pelos policiais entre os Sem Terra para dispersar sua mobilização, seja no estudo dos sintomas provocados por estes produtos, transformando-se em conteúdos escolares sistematizados na escola.

A escola carrega consigo as marcas da realidade, pois a todo momento é provocada a refletir sobre sua existência. Tomamos como exemplo o depoimento de um dos educadores desta escola, Luis Carlos Pilz23

Um acontecimento marcante na trajetória da Escola Itinerante aconteceu na manhã do dia 11 de março de 2006. A Brigada Militar do RS realizou o ato de desocupação da Fazenda Coqueiros (Guerra), município de Coqueiros do Sul, cumprindo uma determinação da Justiça Federal e forçando, de forma truculenta, os Sem Terra a deixarem a área ocupada.

Montamos o Acampamento Sepé Tiarajú, com mais de 2 mil pessoas. Neste local, construímos uma Escola Itinerante que contou com todos os educandos e educadores dos acampamentos do RS. Foi um dos momentos mais ricos da história pedagógica da Itinerante, estávamos todos compenetrados no ensinar e aprender. Somávamos mais de 500 crianças e 40 educadores, que além de podermos trabalhar em grupos, trocamos muitas experiências pedagógicas. Foram dias em que o sonho de fazer um verdadeiro processo educativo aconteceu. Tudo foi interrompido naquela manhã quando, além de despejarem os Sem Terras, a Brigada Militar queimou nossa Escola , alimentou seus cães na frente das crianças com a merenda escolar e tentaram destruir nossos sonhos.

Ações como estas, frequentes na longa trajetória dos acampamentos, deixam marcas profundas, mas se somam nas reflexões e na análise que fazem os trabalhadores sobre a correlação de forças existente na luta contra o latifúndio e o capital. A Escola Itinerante está diretamente envolvida em situações como estas, ela não se distancia da realidade. Tanto é que o fato ocorrido durante a ação realizada mostra claramente a força que a escola tem, por isso, foi diretamente “atacada”. Para a burguesia, é inadmissível aceitar que crianças, jovens e adultos estejam em processo de aprendizado, no qual possam projetar o seu processo de formação, ampliando o entendimento sobre o mundo e a realidade.

No contexto da escola existe a possibilidade concreta de planejar os temas e conteúdos envolvendo o currículo escolar a ser trabalhado. Os educadores e educandos desenvolvem a capacidade de serem sujeitos atuantes, responsáveis pelos processos com os quais interagem, construindo novos conhecimentos por meio da pesquisa, do estudo, das situações reais e buscando elementos para subsídio na prática.

A comunidade assume a responsabilidade pelo conjunto da escola e referencia os educadores a trabalhar nela, incentivando a participação reflexiva e a apropriação dos conhecimentos entre os sujeitos. Como dizem os acampados, “a Escola é do Estado, mas a pedagogia é nossa”. Essa expressão amplia a visão sobre o papel da comunidade na escola, e torna-a participante dos processos vivenciados, ainda que de forma tímida.

23 Educador da Escola Itinerante. Atualmente, estudante no curso de Licenciatura em Educação do Campo, convênio entre UnB e ITERRA.

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O educador tem a oportunidade de dialogar sobre suas práticas e socializar os conhecimentos adquiridos nos estudos diários. Nas reuniões com a comunidade pode discutir questões sobre a escola. Nos espaços de formação organizados no Movimento como encontros, seminários, congressos e nos intercâmbios com outros movimentos, se dá a troca das experiências entre eles. Estes momentos fortalecem a compreensão sobre a educação com base concreta, o que estimula as transformações sociais e a vivência de novos valores.

Na Escola Itinerante a avaliação do processo escolar valoriza todos os momentos pedagógicos, isto é, o planejamento, a metodologia, o conteúdo, os educandos, os educadores e a comunidade, a partir das responsabilidades de cada um, tendo em vista o crescimento coletivo. A avaliação como forma de garantir as metas propostas pela escola, o aprendizado escolar e a vivência social, e também o avanço de etapas, certificando a escolaridade para fins de ingresso em outra escola.

Constam, nos registros da Escola-Base, dados de todos os acampamentos já existentes no RS, desde a aprovação em 1996, até os dias atuais, totalizando mais de sete mil educandos entre crianças, jovens e adultos e um número significativo de educadores que atuaram e forjaram sua formação proporcionada pela organização por meio de estudos nos cursos formais, com empenho coletivo em momentos de formação na escola e pelo desafio permanente da sua prática nos espaços da mesma.

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DA ESCOLA

A organização curricular é por etapas de ensino, previstas na Proposta Pedagógica da Escola Itinerante, aprovada em 1996, permitindo com que as crianças ingressem na escola e avancem de etapa em qualquer época do ano letivo. Os componentes curriculares, conteúdos e didáticas, levam em conta os objetivos da própria escola, ou seja, respeita os sujeitos envolvidos nesta realidade e trabalha as várias dimensões humanas de forma flexível e organizada.

Em todos os processos da Escola Itinerante, os educadores e educandos são protagonistas do ensinar e aprender. Não existem receitas prontas, mas indicações de como fazer o processo de cada escola que se organiza no acampamento. As problemáticas colocadas são desafios a serem superados em cada realidade encontrada, pois as convicções pedagógicas refletidas sobre a escola direcionam os rumos que está sempre em construção e em movimento.

O educador Paulo Freire é um dos inspiradores da Itinerante, pois suas análises sobre as práticas de educação popular ajudam nos diálogos sobre a escolha dos temas geradores, implementando o princípio da “realidade como ponto de partida”. As reflexões sobre as tensões vivenciadas no contexto da escola vão sendo desenvolvidas em forma de conteúdos nas aulas e ajudam a direcionar o trabalho pedagógico. As decisões dos temas são tomadas na gestão coletiva da escola.

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é imprescindível é a vivência de um dos princípios educativos da proposta do Movimento, que é o do planejamento coletivo, realizado entre educadores, comunidade e escola, partindo da pesquisa da realidade. Os conteúdos trazidos do contexto vivido apontam para a construção de um conjunto de ações que possibilitam a produção de conhecimentos novos. O desafio é buscar permanentemente o fazer coerente entre teoria e prática, para que os educandos possam compreender a realidade e construir o aprendizado por meio do estudo e da pesquisa, desenvolvendo a criatividade e as habilidades dentro do processo vivenciado na escola.

Diante da necessidade de uma elaboração sistematizada que subsidie os educadores, são referendados os Cadernos da Coleção da Escola Itinerante24 e as demais produções elaboradas sobre

escola no MST, que contribuem nas orientações didáticas e pedagógicas a serem desenvolvidas nas Escolas Itinerantes.

O processo educativo é constantemente reconstruído pelo coletivo da escola e comunidade, aproximando-se da vida, ou nas palavras do educador russo:

A escola deve educar as crianças de acordo com as concepções, o espírito da realidade atual; esta deve invadir a escola, mas invadi-la de uma forma organizada; a escola deve viver no seio da realidade atual, adaptando-se a ela e reorganizado-a ativamente. (Pistrak, 2000, p.32-33)

A Escola Itinerante, por estar em constante itinerância busca caminhar junto com a comunidade. Isto possibilita que ela não se afaste da vida real, dos problemas e conflitos sociais enfrentados. A realidade é muito dinâmica e como nos diz Camini (2009, p.201), “é impossível ignorar esta realidade, porque ela invade a vida dos educandos, não permitindo que se viva um mundo fictício, no qual se inventa problemas para serem resolvidos”.

Esta escola mostra que é possível construir saberes em lugares e espaços não imaginados antes pela comunidade e pelas crianças e, a partir destes, se ensina e aprende. Como dizem as próprias crianças: mesmo numa “escola sem sala e paredes” a gente aprende. A Itinerância nos põe a dar aulas debaixo das árvores, em pavilhões, na beira do asfalto, no meio da estrada, nos parques de exposições, em frente aos órgãos públicos federais e estaduais, nas universidades e outros espaços educativos. Desta forma, se organiza aulas sobre diversos assuntos, tendo por base uma realidade que permite produzir conhecimentos sobre a vida, sobre o mundo, e também como tornar o cotidiano mais leve, justo, humano. Exemplo disso, foi o que aconteceu na ocasião da Audiência Pública, em 07 de abril de 2009, na Assembléia Legislativa, sobre o fechamento das Escolas Itinerantes. As crianças estavam mobilizadas na Praça da Matriz, em frente à Assembléia, fizeram o estudo do ECA, enfocando o direito de ter escola. Como resultado deste trabalho, construíram um livro em tamanho gigante com os direitos discutidos por eles e entregaram às autoridades presentes na audiência. As aulas concretizadas nestas situações, os processos de luta permanente e os desafios enfrentados, permitem uma visão politizada e significativa para o aprendizado. As aulas, desse modo, possibilitam momentos educativos jamais vivenciados em outros espaços.

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Este exemplo mostra a Escola Itinerante conectada com a vida, não fechada e nem gradeada. Ela se movimenta, a depender da realidade, do contexto em que se encontra.

O “OFÍCIO” DE SER EDUCADOR DESTA ESCOLA

Esta caminhada sempre contou com o trabalho de muitos educadores comprometidos com a Reforma Agrária. Esses são desafiados a desenvolver práticas pedagógicas diante das diversas situações que a realidade apresenta e, com estas, o compromisso de construir a Pedagogia do MST. Conforme o depoimento de uma das educadoras da Escola Itinerante:

Para mim, como pessoa e educadora. foi um período de extremo crescimento e aprendizagem. Aprendi nesses dois anos de acampamento o que não havia aprendido em todos os anos de escola. Posso afirmar que o confronto entre a teoria e a prática, a reflexão constante em um coletivo unido e em sintonia foi com certeza a alavanca para esse crescimento25 .

As angústias sentidas para fazer esta escola acontecer, as aprendizagens construídas e os caminhos que se abrem são inesquecíveis e de grande significado para os educadores.

É sempre um grande desafio formar coletivos de educação com educadores da comunidade. O Setor de Educação contribui neste processo organizando formações que trabalham temas relevantes à realidade, desde como organizar uma escola, fazer o planejamento escolar, organizar o currículo, a avaliação, entre outros.

A equipe de educação escolhida pelos Núcleos de Base de cada acampamento reúne-se periodicamente para estudo e planejamento. Nas reuniões são trabalhados elementos necessários para a organização e o funcionamento da escola.

Os educadores, ao perceberem a responsabilidade que lhes cabe na condução do trabalho pedagógico desta escola, sentem a necessidade de fazer estudos semanais com materiais de apoio pedagógico, desafiando-se a continuar a formação por meio dos cursos formais organizados pelo Movimento. O exercício de fazer o planejamento coletivo garante a funcionalidade da escola. A realidade vivida pelo acampamento aponta para outras perspectivas de educação. A luta social, os valores humanos e a coletividade, vão além do que a escola convencional, de modo geral, propõe.

A cada nova realidade, o coletivo de educação é desafiado a pensar e a recriar a escola, respondendo às necessidades apresentadas. Os recursos didáticos e pedagógicos são referenciados no contexto, que é dinâmico e novo ao mesmo tempo, necessitando de um processo continuado de reflexões. As situações cotidianas da escola são adversas e as condições precárias demandam muita responsabilidade com o trabalho desenvolvido pelos educadores.

O fazer pedagógico valoriza as questões que circulam próximas da escola e ampliam o conhecimento dos educandos e educadores para além do cotidiano vivido no acampamento. Os fatos

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que acontecem e as decisões tomadas sobre a continuidade da luta possibilitam conduzir o trabalho a partir das necessidades. São os elementos concretos que dão base para produzir conhecimentos e torná-los significativos. Ou seja, a formação humana está articulada a um projeto cultural em que as pessoas se educam dentro de um processo que contrapõe a prática individualista, tendo a práxis como eixo principal da própria formação humana.

Estes sem terra, formado pela dinâmica da luta pela reforma agrária, e do MST, pode ser entendido também como um novo sujeito sócio cultural, ou seja, uma coletividade cujas ações cotidianas, ligadas a uma luta social concreta, estão produzindo elementos de um tipo de cultura que não corresponde aos padrões sociais e culturais hegemônicos na sociedade capitalista [...]. (CALDART, 2000, p.26)

O educador, ao referenciar seu trabalho interpretando a realidade, possibilita ao educando construir novas práticas sociais. Neste sentido, a escola torna-se um espaço de referência dentro do acampamento, que é complementada com outros espaços de formação comunitários que ampliam o processo de ensino-aprendizagem dos educandos.

Os encontros locais, regionais e estaduais dos educadores das Escolas Itinerantes buscam dialogar sobre a educação no MST, realizando também trocas de experiências com outros estudantes e professores das Universidades sobre a luta pela terra, a apropriação do conhecimento, agricultura ecológica, sustentabilidade, dentre outros temas que ampliam as possibilidades das práticas pedagógicas e enriquecem sua vivência social.

Ser educador de um processo itinerante significa compartilhar com as crianças, jovens e adultos, momentos jamais imaginados antes, pois o sentido de viver profundamente o compromisso de educar e assumir o papel de fazer da escola um lugar de vínculo entre teoria e estudo da realidade, contribui para manter a escola conectada com a vida e com a história construída pela classe trabalhadora.

APRENDIZADOS DA ITINERÂNCIA

A Escola Itinerante marca o significado e o lugar da educação e da escola na vida das pessoas, com processos construídos e vivenciados pelos sujeitos que deste contexto fazem parte, conduzindo sonhos, fazendo lutas e produzindo conhecimentos.

Nas crianças e nos adultos, a marca da escola se concretiza na imagem das diferentes atividades e dos muitos espaços em que ela se concretiza. As vivências da luta organizada em movimento, os estudos proporcionados, ocupam o lugar na construção de significados que referenciam aprendizados e interrogam a função social da escola.

A necessidade de construir e reconstruir os espaços da escola na itinerância foi mostrando ao longo da história os caminhos possíveis de construir e relacionar a caminhada da luta pela terra com os estudos escolares, por meio de exemplos concretos vivenciados constantemente.

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descanso acontece a organização das estruturas do acampamento e da escola, são feitas discussões nos núcleos e a formação por meio de estudos com as famílias. Na escola, o trabalho pedagógico é planejado e toma a dimensão de rever e registrar o que vivenciam durante a marcha. É momento de criar e recriar por meio das atividades desenvolvidas, superando as dificuldades, construindo saberes e aprendizados.

Os momentos de dificuldades são sempre mais complexos de serem trabalhados. Nem sempre é fácil falar sobre a dura e árdua realidade enfrentada. É propósito da escola dialogar sobre o assunto para entender os movimentos contraditórios que existem na dialética da luta de classes. Desta forma, é preciso canalizar as tensões em processos educativos, superando os desafios, e com isso compreendê-los e enfrentá-los.

Inúmeros são os exemplos que poderíamos citar de como acontecem as intervenções pedagógicas. Tomemos como referência a marcha Sepé Tiarajú, rumo ao coração do latifúndio, cujo objetivo era pressionar a desapropriação da Fazenda Southal26. Essa marcha durou mais que três meses

e teve início em junho de 2003, com 800 participantes, mulheres, homens e crianças, e passou por várias cidades do centro sul do estado, denunciando o latifúndio e ampliando o diálogo sobre a Reforma Agrária com a sociedade.

A marcha ainda não havia chegado à cidade de São Gabriel e encontrava-se no município de Cachoeira do Sul. Nesta ocasião, circulavam pelas ruas da cidade um panfleto anônimo27 cujo conteúdo28

causou muita indignação aos marchantes e aos que defendem a Reforma Agrária. Este panfleto, altamente discriminatório e racista, provocou reflexões e debates nos diversos espaços de reuniões, formações e nos meios de comunicação, provocando as mais variadas reações.

Na escola, o panfleto serviu para muitos dias de estudo e discussões, pois as crianças liam atentamente as palavras escritas. Em suas afirmações buscavam compreender o por quê daquilo tudo, levantavam hipóteses de quem o havia escrito, ouviam e faziam comentários sobre o conteúdo lido. Também relacionavam ao debate as reportagens com a posição das autoridades de São Gabriel sobre o assunto.

Ao mesmo tempo em que os marchantes eram elogiados e acolhidos pela coragem e pela bravura de estar na marcha em condições precárias, enfrentando o rigor do inverno com frios e chuvas intensas, presenciavam também a crueldade explicitada pelos defensores do latifúndio.

Nesta marcha refletiram o por quê marchar, nos locais de paradas, estudavam: o território

26 Fazenda localizada no município de São Gabriel fronteira sul do estado, com mais de treze mil hectares de terra. A luta antiga pela desapropriação se concretiza ao final de 2008 com a conquista de parte da área para assentamentos.

27 Este panfleto está registrado no livro de Frei Sergio Gorgen (2004).

28 “Gabrielenses e seus apoiadores dizem não à invasão - Povo de São Gabriel, não permita que sua cidade tão bem conservada nesses anos seja agora maculada pelos pés deformados e sujos da escória humana.

São Gabriel, que nunca conviveu com a miséria, terá agora que abrigar o que de pior existe no seio da sociedade. Nós não merecemos que essa massa podre, manipulada por meia dúzia de covardes que se escondem atrás de estrelinhas no peito, venham trazer o roubo, a violência, o estupro, a morte. Estes ratos precisam ser exterminados. Vai doer, mas para as grandes doenças, fortes são os remédios. E preciso correr sangue para mostrarmos a nossa bravura. Se queres a paz, prepara a guerra, só assim daremos exemplo ao mundo que em São Gabriel não há lugar para desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo. Nossa cidade é de oportunidades para quem quer produzir e não há oportunidade para bêbados, ralé vagabundos e mendigos de aluguel.

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geográfico, a quilometragem percorrida nos dias de caminhada, as características da vegetação, os costumes regionais, as culturas, entre outros. São aprendizados significativos construídos nas aulas e que possibilitam compreender a realidade vivenciada. Por serem trabalhados de forma criativa, envolvendo um conjunto de saberes, ajudam a amenizar as influências negativas, como esta causada pelo panfleto.

A comunidade escolar foi também se apropriando deste novo jeito de organizar a luta e a vida escolar, pois as situações concretas fazem as pessoas se posicionarem. Na marcha é possível dialogar com a sociedade sobre a vida, a esperança, os aprendizados e as perspectivas que a luta pela terra viabiliza.

A escola é reconhecida pela sua própria forma de funcionar e dialogar com a comunidade, pois acompanha a itinerância do acampamento e vai construindo referenciais pedagógicos que apontam perspectivas sobre o papel da escola nos movimentos sociais. As pesquisas apontam a Itinerante como um novo jeito de fazer educação. Os aprendizados se multiplicam. Desde colocar outro imaginário de escola a ser construído como a forma de organizá-la e conduzi-la, rompendo com a estrutura escolar das “quatro paredes” e reconstruindo a cada dia uma escola em movimento, indo além do seu papel historicamente construído.

DESAFIOS DA ATUALIDADE

“Vivam por mim, já que eu não posso mais viver a alegria de trabalhar com estas crianças e estes adultos, que com sua luta e com sua esperança estão conseguindo ser eles mesmos e elas mesmas.”

Paulo Freire

Os desafios que permeiam a atualidade são muitos. Entre eles, a continuidade da Escola Itinerante, tendo em vista a conjuntura social e política atual do RS. Considerando esta realidade, o MST vem desenvolvendo um conjunto de iniciativas, nas quais reafirma a necessidade de continuar a luta pelo reconhecimento do direito à escolarização para os acampados, reconstruindo a pedagogia e a estrutura organizativa da escola.

A presença das crianças reafirma a continuidade da luta pela terra, sendo elas parte significativa deste processo. Elas ingressam no acampamento junto com suas famílias e nessa luta ampliam a sua participação em todos os espaços, significando-a e construindo novos valores como a solidariedade, o companheirismo e a cooperação, entre outros.

As reflexões feitas apontam limitações no decorrer do processo escolar vivenciado na Escola Itinerante. Estes limites também fazem parte da realidade da escola de modo geral, porém para avançar em nosso projeto de escola, se faz necessário refletir e reconstruí-la constantemente. Neste contexto, reafirmamos o compromisso de construir uma educação comprometida com a classe trabalhadora e elencamos alguns elementos que apontam para esta continuidade.

a) Continuar construindo a Escola em Movimento

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