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NEGLIGÊNCIA LAPSO MANIFESTO

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 640/20.1T8BCL.G1 Relator: ALDA MARTINS

Sessão: 04 Março 2021 Número: RG

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: IMPROCEDENTE

CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL NEGLIGÊNCIA LAPSO MANIFESTO

Sumário

Sumário (elaborado pela Relatora):

1. A verificação objectiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contra-ordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência, que o agente agiu, por acção ou por omissão, pelo menos negligentemente.

2. No n.º 2 do art. 1.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, onde se refere “n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho”, deve ler-se “n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho”, uma vez que o mencionado art. 5.º, que não tem sequer números, não se reporta à matéria do «registo», regulado, isso sim, no art. 4.º, e, por outro lado, o

mencionado Decreto-Lei não prevê a emissão de portaria em qualquer outro lugar.

3. A interpretação da lei penal que tenha em conta a rectificação de

manifestos lapsos de escrita, nos termos conjugados dos arts. 9.º e 249.º do Código Civil, não ofende o princípio da legalidade plasmado no art. 1.º do Código Penal, que apenas proíbe a analogia, pois as razões de ser do princípio da legalidade e da proibição de analogia não se verificam em situações em que a conduta típica e a sanção aplicável resultam expressamente da lei e a

existência de um mero lapso de escrita não impede que o destinatário da norma imediatamente o constate e alcance a redacção que seria correcta.

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Alda Martins

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. Relatório

O presente recurso foi interposto pela arguida X – PORTUGUESA DE AUTOMÓVEIS TRANSPORTADORES, S.A., por não se conformar com a sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial por ela interposto e que confirmou a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou a coima de 121 UC pela prática, como reincidente, da contra-ordenação prevista e punida pelos arts. 4.º, n.º 1 e 14.º, n.º 3, al. a) do DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com o art. 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.

Formula as seguintes conclusões:

«A – O facto do A. D. não se fazer acompanhar do LIC no momento da

fiscalização dos autos se deveu a esquecimento seu, ou seja, a um facto apenas e só a si imputável, que pode acontecer a qualquer pessoa,

independentemente da sua profissão, e que, como é óbvio, a recorrente não podia controlar.

B – A recorrente ministrou formação ao A. D. sobre a importância e regras de preenchimento do LIC, dando-lhe ordens e instruções sobre a utilização do mesmo e dispõe de pessoa responsável pela verificação dos LIC e dos tempos de trabalho dos seus funcionários, tendo o A. D., após a fiscalização,

preenchido do LIC logo que o conseguiu alcançar.

C – Assim, nenhuma responsabilidade, por ação ou omissão, pode ser imputada à recorrente a propósito da infração dos autos.

D – os nºs 1 e 2 do artigo 4º do DL n.º 237/2007, de 19.06, prescrevem o seguinte: “1 – No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) N.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir

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apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles. 2 – A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos

transportes”. Neste quadro, a portaria a que se alude no n.º 2 do artigo transcrito é a Portaria n.º 983/2007, de 27.08, que, no seu artigo 1º, estabelece o seu âmbito de aplicação da seguinte forma: “1 – A presente

portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afeto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho. 2 – A presente portaria estabelece ainda a forma de registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho. 3 – O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afetos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de

controlo no domínio dos transportes rodoviários”.

E – Da leitura do nº 2 do artigo transcrito resulta uma remissão para um artigo que não existe nos termos descritos, pois que o artigo 5º do DL n.º 237/2007, de 19.06, é um artigo único, não estando redigido em números conforme pressuposto em tal remissão.

F – Existe, pois, um evidente lapso de escrita, pois a remissão pretendida deveria ser o artigo 4º e não o 5º do DL n.º 237/2007, de 19.06.

G – Atendendo a que estamos no domínio contraordenacional, jamais se

poderá admitir uma qualquer interpretação corretiva da norma incriminadora, dado que, estas deverão ser absolutamente claras e inequívocas, de forma a que o agente saiba exatamente aquilo que lhe é permitido e proibido.

H – Não poderá admitir-se a aplicação de uma portaria cuja norma que estabelece o seu âmbito de aplicação, e como tal, tem influência na determinação do conteúdo da prescrição aplicável ao presente processo, contém um lapso de escrita e carece de ser interpretada de forma corretiva por forma a poder ser retirado o seu real significado.

I – Ao decidir como decidiu, violou a decisão recorrida, entre outros, os artigos 4º, 5º e 14º do DL n.º 237/2007, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente da contraordenação que lhe foi imputada, com o que se fará JUSTIÇA.»

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Admitido o recurso pelo tribunal recorrido, com efeito devolutivo, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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2. Objecto do recurso

De acordo com o art. 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art. 50.º, n.º 4, do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, as questões que cumpre decidir são as seguintes:

- se a infracção pode ser imputada à arguida, atendendo a que, alegadamente, a falta de livrete individual de controlo se deveu a esquecimento do ajudante de motorista;

- se podem ser aplicadas normas punitivas que carecem de interpretação correctiva dum lapso de escrita.

3. Fundamentação de facto

I - O tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

1- No dia -/07/2017, pelas 12H15M, na Rotunda de Acesso à AE28, Apúlia (EN 13), circulava o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula HN,

propriedade da arguida.

2- No acto da fiscalização, o distribuidor/ajudante de motorista, trabalhador móvel não condutor da arguida, A. D., não tinha em seu poder o Livrete Individual de Controlo.

3- O identificado ajudante de motorista, no acto de fiscalização da actividade declarou ter-se esquecido do mesmo em Campo-Valongo, na base estável do “Supermercado ...”.

4- O identificado trabalhador, ajudante de motorista de veículos pesados pratica um horário móvel na empresa arguida, motivo pelo qual os registos dos tempos de trabalho são efectuados em Livrete Individual de Controlo. 5- Na altura da infracção, o identificado trabalhador da arguida acompanhava o condutor exercendo a função de ajudante de motorista.

6- Como empregadora, a arguida agiu sem a diligência e cuidado devidos e de que era capaz que acautelasse o cumprimento das normas jurídicas aplicáveis. 7- No âmbito do processo n.º 101200174, foi a arguida responsável pela

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b) da Lei 27/2010.

8- A arguida conhece a necessidade de utilização do Livrete Individual de Controlo para os trabalhadores móveis não sujeitos ao aparelho de controlo tacógrafo.

9- No dia 04/05/2017, a arguida proporcionou ao trabalhador A. D. e a outros trabalhadores móveis não sujeitos ao aparelho de controlo tacógrafo formação sobre a importância e regras de preenchimento do Livrete Individual de

Controlo, dando-lhe ordens e instruções sobre a utilização do mesmo. 10- A arguida dispõe de pessoa responsável pela verificação dos Livretes Individuais de Controlo e dos tempos de trabalho dos seus funcionários. 11- A. D. foi admitido ao serviço da recorrente em 14/05/2010, exercendo, desde essa altura, as funções de ajudante de motorista. 12- Aquando da operação de fiscalização que teve lugar no dia 12/07/2017, o referido trabalhador apercebeu-se que não tinha consigo o Livrete Individual de Controlo.

13- Após a fiscalização, o A. D. procedeu ao preenchimento do Livrete Individual de Controlo, logo que o conseguiu alcançar.

II - O tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:

A) No dia -/07/2017, o trabalhador A. D., antes de iniciar a viagem, retirou o colete que tinha vestido, o qual continha no seu bolso o seu livrete individual de controlo.

B) Na sequência disso, quando se preparavam para iniciar a viagem, aquele funcionário voltou ao local onde tinha deixado o colete (Parque do

Supermercado ...) e vestiu um outro que aí se encontrava, pensando que era o seu.

C) A arguida agiu com o cuidado devido na situação em apreço, nada podendo fazer para evitar a concreta situação ocorrida, tendo esta ocorrido fora do seu alcance.

4. Apreciação do recurso

4.1. Coloca-se primeiramente a questão da imputação da infracção à ora Recorrente.

Estabelece o DL n.º 237/2007, de 19 de Junho, na parte que interessa: Artigo 1.º

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1 - O presente decreto-lei regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.

2 - O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário.

3 - O disposto nos artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.

Artigo 4.º Registo

1 - No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo

Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver

prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.

2 - A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.

(…)

Artigo 10.º

Disposições gerais

1 - O regime geral previsto nos artigos 614.º a 640.º do Código do Trabalho (1) aplica-se às contra-ordenações por violação do presente decreto-lei, sem

prejuízo do disposto nos artigos 11.º e 12.º

2 - O empregador é responsável pelas infracções ao disposto no presente decreto-lei.

(…)

(7)

Registo (…)

3 - Constitui contra-ordenação muito grave: a) A não utilização de suporte de registo; (…)

d) A não apresentação, quando solicitada pelas entidades com competência fiscalizadora, do suporte de registo correspondente à semana em curso e aos 15 dias anteriores em que o trabalhador prestou actividade;

(…)

Por seu turno, estabelece a Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, na parte que releva:

Artigo 1.º Objecto

1 - A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis

propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.

2 - A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º (2) do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.

3 - O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.

Artigo 3.º Registo

O registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos

respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características:

(…)

Retornando ao caso dos autos, constata-se que a Recorrente sustenta que a infracção não lhe pode ser imputada porque a falta de apresentação do Livrete Individual de Controlo pelo seu ajudante de motorista A. D. se deveu a

esquecimento deste, facto que a arguida não podia controlar, sendo certo que esta facultou formação profissional e organizou o trabalho de modo a que o trabalhador pudesse cumprir aquela obrigação.

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que, aquando da operação de fiscalização que teve lugar no dia 12/07/2017, o identificado ajudante de motorista da arguida apercebeu-se de que não tinha consigo o Livrete Individual de Controlo e declarou ter-se esquecido do mesmo em Campo-Valongo, na base estável do “Supermercado ...”, não tendo, todavia, se provado que tal declaração tivesse correspondência com a realidade - cfr. a factualidade dada como não provada sob as alíneas A) e B).

Assim, provado simplesmente que o trabalhador incorreu na omissão indevida, e não a justificação que apresentou, não pode concluir-se que a formação ministrada sobre a importância e regras de preenchimento do Livrete Individual de Controlo e as ordens e instruções dadas sobre a utilização do mesmo – sem maior concretização – fossem as adequadas a evitar aquele resultado, justificando-se a responsabilização da Recorrente a título de negligência, na qualidade de empregadora, nos termos do acima transcrito art. 10.º do DL n.º 237/2007.

Na verdade, segundo o art. 548.º do Código do Trabalho, constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima. E, de acordo com o art. 550.º, a negligência nas contra-ordenações laborais é sempre punível.

Ora, nos termos do art. 15.º do Código Penal, aplicável, com as necessárias adaptações, por força do regime contra-ordenacional laboral, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:

a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de contra-ordenação mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto. Assim, a negligência supõe o poder/dever de o responsável, embora não pretendendo cometer a infracção, ter a possibilidade de actuar de modo a impedir que ela se verifique, e, ainda assim, omitir tal actuação. Não é

necessário, sequer, que o agente tenha conhecimento de que a infracção possa ser cometida, se tal falta de conhecimento resultar do facto de o mesmo se ter demitido dum dever que lhe incumba (negligência inconsciente),

designadamente, no caso em apreço, o dever de o empregador assegurar que o seu trabalhador se fazia acompanhar do Livrete Individual de Controlo, através de formação profissional concretamente adequada e do exercício efectivo dos seus poderes de direcção e fiscalização.

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A violação do dever de cuidado objectivamente devido é, assim, o elemento essencial e característico do tipo de ilícito negligente, entendendo-se como tal a violação de exigências de comportamento cuja observância, na situação concreta, evitaria o preenchimento de certo tipo objectivo de ilícito.

Por outro lado, o cuidado exigível há-de ser determinado pela capacidade de cumprimento do agente, que deve partir do que seria razoavelmente de

esperar de um homem com as qualidades e capacidades daquele, sendo esse o elemento revelador de que na conduta ou omissão se exprimiu uma

personalidade leviana ou descuidada perante o dever legalmente imposto. Em suma, a negligência determina-se com recurso a uma dupla averiguação: por um lado, há que procurar saber que comportamento era objectivamente devido em determinada situação, em ordem a evitar a violação não querida do direito; e, por outro lado, se esse comportamento podia ser exigido do agente, atentas as suas características e capacidades individuais.

Posto isto, cumpre ter presente que, conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de Dezembro de 2012, proferido no processo 272/11.5TTBRR.L1-4 (3), “[q]uer a prova direta, quer a prova indireta são

modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, a perceção dá imediatamente um juízo sobre um facto principal, ao passo que na segunda a perceção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se

presunção (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 1993, 79). (…)

O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta. Como ensinava Cavaleiro Ferreira (“Curso de Processo Penal”, II, 1981, pág. 292), existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indirecta, como são todos os elementos de estrutura psicológica.

(…)

Por isso, verificada a materialidade da infração e conhecida a proibição legal, segundo as regras da experiência comum, podemos deduzir que aquela foi cometida com dolo ou, pelo menos, com negligência.

(…)

No sentido de que uma presunção ilidível de dolo ou de negligência não viola a presunção de inocência, pode ver-se a jurisprudência do TEDH citada por

(10)

Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição atualizada, UCE, anotação ao artigo 127.º, pág. 334.

Se é assim no âmbito criminal, pelo menos, por identidade de razão, também deve sê-lo em matéria de contraordenações.

Assim, a verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contraordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência que o agente agiu, por acção ou por omissão, pelo menos, negligentemente.”

Em suma, a verificação objectiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contra-ordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência, que o agente agiu, por acção ou por omissão, pelo menos negligentemente, tudo sem prejuízo da possibilidade de demonstração, designadamente pelo agente, de que o mesmo agiu sem culpa, sendo certo que essa presunção mínima e ilidível de negligência não viola a presunção de inocência. (4)

Ora, no caso em apreço, não obstante o provado sob os n.ºs 8, 9 e 10, infere-se da situação objectiva verificada que a arguida não assegurou que fossem ou estivessem implementadas medidas adequadas a evitar que o seu trabalhador acima identificado iniciasse a viagem sem estar munido do Livrete Individual de Controlo, sendo certo que, tratando-se de uma sociedade por quotas, dedicada à actividade de transportes, lhe era exigível que tivesse esse

cuidado, e daí o acerto de ser dado como provado o facto constante do n.º 6. Isto é, em suma, não pode senão concluir-se da factualidade provada que a arguida agiu com negligência, improcedendo o recurso nesta parte.

4.2. A Recorrente, ao que se percebe, sustenta a inaplicabilidade da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, na medida em que o seu art. 1.º, n.º 2 refere que “A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho”, quando

deveria dizer “A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho”, uma vez que o mencionado art. 5.º, que não tem sequer números, não se reporta à matéria do «registo», regulado, isso sim, no art. 4.º.

Ora, da própria argumentação da Recorrente se retira que está em causa – e ela assim o entende – um mero lapso de escrita manifesto, revelado pela

própria letra da lei, pois o aludido art. 5.º não tem sequer números e não trata do «registo», que está regulado no art. 4.º.

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erro de escrita e descortina a redacção que seria correcta, até porque o

Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, não prevê a emissão de portaria em qualquer outro lugar.

O disposto no art. 249.º do Código Civil, nos termos do qual o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à

rectificação desta, enuncia um princípio geral aplicável à interpretação da lei nos termos do art. 9.º do mesmo diploma.

Por outro lado, a interpretação da lei penal que tenha em conta a rectificação de manifestos lapsos de escrita, nos termos daquele art. 9.º do Código Civil, não ofende o princípio da legalidade plasmado no art. 1.º do Código Penal, que apenas proíbe a analogia, resulte esta da sua invocação expressa ou de

pretensa interpretação correctiva. Na verdade, as razões de ser do princípio da legalidade e da proibição de analogia não se verificam em situações como a dos autos, em que em que a conduta típica e a sanção aplicável resultam

expressamente da lei e a existência de um mero lapso de escrita não impede que o destinatário da norma imediatamente o constate e alcance a redacção que seria correcta.

Improcede, pois, o recurso também nesta parte. 5. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. Em 4 de Março de 2021

Alda Martins Vera Sottomayor

1. Esta menção reporta-se ao Código do Trabalho de 2003, devendo

considerar-se substituída pela referência aos arts. 548.º a 566.º do Código do Trabalho de 2009 e ao regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

2. Apesar de referido o art. 5.º, trata-se de lapso manifesto, uma vez que tal norma, que não tem sequer números, não se reporta à matéria do «registo», regulado, sim, no art. 4.º.

(12)

3. Disponível em www.dgsi.pt.

4. Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Junho de 2018, proferido no processo n.º 1208/17.5T8LMG.C1; em sentido semelhante, o Acórdão da

Relação de Lisboa de 22 de Março de 2017, proferido no processo n.º 4948/16.2T8LSB.L1-4, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Referências

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