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Sumário. Texto Integral. Tribunal da Relação do Porto Processo nº

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Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0530459

Relator: TELES DE MENEZES Sessão: 06 Abril 2006

Número: RP200604060530459 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.

DIVÓRCIO DIREITO AO ARRENDAMENTO

Sumário

Em acção de divórcio para se saber a qual dos cônjuges deve ser concedida a primazia, no direito ao arrendamento, a lei refere, com intenção

declaradamente exemplificativa, dois factores: as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B….. suscitou, por apenso à acção de divórcio que lhe moveu C….., o incidente de atribuição da casa de morada de família, alegando que o requerido

abandonou a requerente e as filhas do casal, tendo sido declarado o único culpado pela ruptura da sociedade conjugal, ao passo que a requerente

continuou na casa que era a morada de família, na companhia das filhas. Tem sido ela, com os seus ganhos como modista, quem tem suportado as

amortizações dos débitos contraídos para a aquisição da dita casa. O requerido tem uma reforma de 200.000$00 mensais, é fisioterapeuta e massagista desportivo e canta o fado em estabelecimentos nocturnos, angariando espectáculos de diversão.

Foi designada data para uma tentativa de conciliação, na qual as partes pediram a suspensão da instância por 30 dias, alegando a possibilidade de acordo.

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para contestar, o qual o fez dizendo que a habitação em causa é um bem comum do dissolvido casal, estando pendente inventário subsequente ao divórcio, para partilha dos bens comuns. Assim, a solução normal será ou a licitação do bem por um dos cônjuges, vendo o outro a sua quota preenchida em dinheiro, ou a venda do bem a terceiro com a distribuição do valor apurado pelos interessados, mediante o qual os mesmos poderão prover às suas

necessidades habitacionais. Só em casos especiais o tribunal deverá lançar mão da medida prevista no art. 1793.º do CC. O facto de o requerido ter sido declarado o único culpado do divórcio não releva para o caso e as filhas do casal já são maiores e trabalham, dispondo de autonomia económica, podendo contribuir para as despesas domésticas.

Por outro lado, a habitação é uma moradia, com logradouro, em prédio

geminado, perto do centro da Maia, sendo o seu valor locativo não inferior a € 750,00 mensais.

Além disso, o requerido não tem rendimentos como massagista desportivo e fisioterapeuta, nem como cantor de fado ou angariador de espectáculos de diversão. Teve um acidente de que ficou com sequelas que o diminuem fisicamente e vive sozinho em casa arrendada, pagando mensalmente € 385,58.

Concluiu pelo indeferimento do incidente ou, quando assim se não entenda, pela fixação de uma renda mensal não inferior a € 750,00.

II.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas e veio a ser proferida decisão que julgou o pedido da requerente improcedente.

III.

A requerente recorreu, concluindo como segue a sua alegação:

1.º. O facto de não se terem dado como provados os proventos mensais quer da recorrente quer do recorrido não se revela um factor essencial para a definição do que sejam as necessidades dos cônjuges. Este seria um elemento decisivo se a recorrente estivesse a pedir alimentos – o que não é,

evidentemente, o caso.

2.º. As necessidades habitacionais dos cônjuges não devem ser aferidas, apenas, pelos seus rendimentos mensais, mas atendendo à realidade mais vasta do agregado familiar de cada um.

3.º. O agregado familiar da recorrente, constituído por si e suas filhas, revela muita maior necessidade da casa de morada de família do que o recorrido, que vive sozinho. É por isso inequívoco que os interesses das filhas do dissolvido casal estão indissoluvelmente ligados às necessidades habitacionais da

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recorrente, determinando, assim, que esta tenha maior necessidade de ver ser-lhe atribuída a casa de morada de família, para poder, desta maneira, providenciar uma habitação para as suas filhas.

4.º. Os critérios explanados no art. 1793.º do CC são meramente

exemplificativos e a outros tem de se atender, designadamente, à culpa dos cônjuges, no caso, do recorrido – especialmente no âmbito do divórcio-sanção. 5.º. Como refere Leite de Campos, in Lições …, pág. 305, o art. 1793.º tem que ser entendido com particulares cuidados no quadro do divórcio-sanção, não podendo o direito ao arrendamento da casa ser atribuído ao cônjuge culpado. Prossegue o citado Autor afirmando “de outro modo, ir-se-ia contra o espírito que anima o sistema de divórcio, a partilha de bens depois do casamento, e a perda de benefícios que o cônjuge culpado ou principal culpado se vê

infligida”.

6.º. No caso dos autos, o recorrido foi declarado cônjuge culpado, uma vez que abandonou a casa de morada de família, deixando todos os encargos desta serem suportados pela recorrente, violando, assim, também os deveres de cooperação e assistência.

7.º. Nesta medida, a culpa tem que ser vista como um factor determinante, sob pena de quase se “premiar” o cônjuge infractor.

8.º. Por outro lado, a sentença recorrida considerou não estarem em causa os interesses dos filhos do dissolvido casal. Este é, no entanto, um entendimento pouco acertado, não só pelas razões já aduzidas em 3.º, mas porque mesmo que assim fosse, deveria a sentença, atenta a factualidade do presente caso, lançar mão do factor “culpa”, também ele decisivo. Desta opinião partilha, aliás, Antunes Varela, In Direito da Família, pág. 527, que afirma que “a culpa deve relevar, sobretudo em casos limite e quando o interesse dos filhos não exija solução diversa”.

9.º. O poder conferido ao tribunal pelo art. 1793.º não é um poder

discricionário, na medida em que só mediante a verificação de determinados factores (requerimento de um dos cônjuges, as necessidades destes, o

interesse dos filhos do casal, a culpa dos cônjuges, p.e.) pode o tribunal agir e depois, mas sobretudo, porque sendo um poder discricionário não estaria sujeito ao controlo das instâncias superiores (art. 679.º do CPC), o que, como é por demais evidente, não é manifestamente caso, como resulta

expressamente do disposto no n.º 3 do art. 1413.º do CPC.

10.º. Nestes termos, a sentença ao não atribuir a casa de morada de família à recorrente violou o disposto nos art.s 1793.º do CC, 679.º e 1413.º do CPC, pelo que deve ser revogada e atribuída à recorrente a referida casa.

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do recurso por, estribando-se no que foi dito na decisão recorrida, se estar “perante um verdadeiro poder discricionário de quem tem de julgar”, e face ao disposto no art. 679.º do CPC.

Em seguida, suscitou a questão da inutilidade da lide, por estar a correr termos o inventário para partilha dos bens do dissolvido casal e aí se ter

realizado a conferência de interessados, na qual a recorrente licitou no imóvel por € 115.100,00, apenas faltando a sentença homologatória da partilha, que confirmará a propriedade da recorrente sobre a habitação em questão nos autos (juntou certidão da acta da conferência de interessados, realizada em 6.12.2004 – fls. 133 e 134).

No mais, pronunciou-se pela confirmação do julgado. IV.

No despacho preliminar do relator, face à invocação da inutilidade

superveniente da lide por via da partilha, determinou-se a notificação do apelado para informar se já havia sido proferida sentença homologatória da partilha.

A resposta foi negativa.

A apelante respondeu à questão prévia da inadmissibilidade do recurso, invocando o que em contrário se estabelece no n.º 3 do art. 1413.º do CPC. Por seu turno, o apelado veio dizer que se não tinha apercebido dessa norma e reconhecer a recorribilidade da decisão.

Foi proferido despacho pelo relator determinando a suspensão dos autos até se mostrar concluído o inventário, com o argumento de que, embora sendo a casa de morada de família bem comum do casal, ser possível dá-la de

arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido (art. 1793.º do CC), mas nesta hipótese, se em futura partilha a casa for adjudicada ao arrendatário, extingue-se o arrendamento (Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, I, 2.ª ed.

Assim, para evitar a possibilidade de uma decisão inútil, determinou-se a conclusão do inventário.

Tal despacho foi proferido em 3.3.2005.

Foram-se pedindo informações ao processo de inventário, a última das quais revela que estão a correr diligências junto da instituição bancária, a fim de a apelante poder depositar as tornas devidas, não se prevendo a data da

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Entretanto, a apelante manifestou interesse na decisão do recurso, ao passo que o apelado entende que o mesmo perdeu todo o interesse com a licitação do bem por aquela.

Certo é que os autos não podem esperar mais tempo pela resolução do inventário, sem que haja a certeza de um prazo aceitável para a sua conclusão.

Assim, urge saber se o recurso perdeu o interesse, como defende o apelado. É manifesto que não.

Com efeito, a inutilidade superveniente da lide só sobrevirá quando a sentença homologatória da partilha estiver firme, isto é, transitar em julgado. Como ainda nem sequer foi proferida, há que convir que o recurso mantém a sua utilidade.

Posto isto, e corridos os vistos legais, cumpre decidir a questão central suscitada.

V.

Factos considerados provados na decisão recorrida:

1.º. Por sentença proferida em 6.12.2002 nos autos principais de divórcio litigioso e há muito transitada em julgado, foi dissolvido o casamento entre a requerente B….. e o requerido C….. .

2.º. Na mesma e entre o mais foi o requerido considerado o exclusivo culpado pela ruptura da relação conjugal em apreço.

3.º. Após a data da separação de facto do dissolvido casal, a qual ocorreu no dia 24 de Dezembro de 1997, o requerido abandonou o lar conjugal,

permanecendo no mesmo a requerente e as duas filhas de ambos. 4.º. As mesmas filhas são hoje maiores e exercem ambas actividades profissionais remuneradas.

5.º. A casa que foi morada de família corresponde a uma habitação de rés do chão, com jardim na frente e na parte lateral, respectivamente com 38 m2 e 6 m2, inserida no prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua …., n.ºs … e …, da freguesia de ….., concelho da Maia.

6.º. Sobre o imóvel incide uma hipoteca correspondente a um crédito para aquisição do mesmo concedido à requerente e ao requerido pela CGD. 7.º. Em Junho do corrente ano (2004) a dívida ascendia a € 24.772,67, existindo na mesma data várias prestações mensais em dívida.

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independente, auferindo pela mesma proventos mensais cujo montante não foi apurado.

9.º. Quanto ao requerido não foi possível apurar se o mesmo aufere quaisquer proventos, ficando apenas assente que sofreu há algum tempo atrás um

acidente de viação que o impossibilitou durante largo tempo de exercer

qualquer actividade profissional remunerada, nomeadamente a de massagista e fisioterapeuta desportivo.

10.º. Provou-se ainda que o mesmo por vezes canta o fado em locais públicos, designadamente em restaurantes, consistindo o pagamento de tal actividade apenas e só na oferta de refeições.

11.º. O requerido após a ruptura da vida conjugal celebrou o contrato de arrendamento cuja cópia foi junta a fls. 35 e ss., pelo qual e à data de 15.3.2000 pagava a renda mensal de 70.000$00.

12.º. Actualmente, o requerido já não reside no mesmo local, continuando, no entanto, a morar em casa arrendada, não tendo ficado apurado qual o

montante da renda respectiva. VI.

A questão a saber é a de definir se a requerente preenche os requisitos para lhe ser atribuída a casa de morada da família.

Sobre o assunto rege o art. 1793.º/1 do CC, que estabelece:

«Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal».

Referem Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anot., IV, 2.ª ed., 569 a 571, que se trata de uma das normas integradoras do sistema global arquitectado pela Reforma de 1977 para protecção da habitação da família, um pouco na

sequência do pensamento programático da acção do Estado delineada nos art.s 65.º e 67.º da Constituição. Assim, o preceito permite a celebração, por imposição do Estado (tribunal), de um novo arrendamento, com um dos cônjuges, quer o prédio (a casa de morada da família) seja comum, quer seja pertença (coisa própria) do outro cônjuge.

No arrendamento da casa de morada da família há uma verdadeira medida de expropriação prévia, embora limitada, dos poderes do contitular ou do

proprietário singelo, para, com base neles, celebrar o contrato de

arrendamento com o cônjuge em quem se considera encabeçada a família depois do divórcio.

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E continuam os mesmos Autores que para se saber a qual dos cônjuges deve ser concedida a primazia, a lei refere, com intenção declaradamente

exemplificativa, dois factores: as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

Por comparação entre o art. 84.º/2 do RAU e o texto do artigo 1793.º/1,

entendem que foi intencional a omissão neste último da referência à culpa do divórcio como factor a considerar. A lei não quis resolver o incidente com base na culpa do infractor, mas com fundamento na necessidade advinda da

separação e tendo como objectivo a salvaguarda da instituição familiar. Deve, pois, atender-se, dizem, como primeiro factor, e de acordo com a lei, à actual necessidade de cada um dos cônjuges, tendo em conta também, se for caso disso, a posição que cada um deles fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar.

O segundo factor atendível é o do interesse dos filhos do casal, dando como exemplo a proximidade do estabelecimento do ensino que frequentam, do local em que trabalham, etc.

Pereira Coelho, por seu turno, em anotação ao acórdão do STJ de 2.4.1987, RLJ 122.º - 118 a 121, 135 a 143 e 206 a 209 (tirado sobre o tema do n.º 3 do art. 1110.º do CC, entretanto revogado pelo art. 3.º/1-a) do DL 321-B/90, de 15.10, que aprovou o RAU, e que hoje corresponde ao n.º 2 do art. 84.º deste diploma, mas cuja filosofia é, mutatis mutandis, aplicável ao caso), afirma que aquele preceito defende a estabilidade da habitação familiar (pág. 136),

querendo a lei que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e outro (pág. 137).

E passando do caso do arrendamento (art. 1110.º) para o do art. 1793.º, anota que no caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, o tribunal pode dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal (págs. 137-138).

Propondo-se fixar um critério geral para atribuição do direito ao

arrendamento na sequência da acção de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, diz que não pode ser outro senão o de que deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. O objectivo da lei é proteger o cônjuge ou ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio ou pela

separação quanto à estabilidade da habitação familiar. A necessidade da casa (a premência da necessidade) será o factor principal a atender. E na

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respectiva avaliação deve o tribunal ter em conta tanto a situação patrimonial dos cônjuges como o interesse dos filhos. Naquela trata-se de saber quais são os rendimentos e proventos de um e outro, assim como os respectivos

encargos, neste há que saber a qual deles ficou a pertencer a guarda dos filhos menores, no processo de regulação do poder paternal, e se é do

interesse dos filhos viverem na casa que foi do casal com o progenitor a quem ficaram confiados. Mas haverá, ainda, que considerar as demais «razões

atendíveis»: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc.

Quando possa concluir-se, em face destes elementos, que a necessidade ou a premência da necessidade de um dos cônjuges é consideravelmente superior à do outro, deve o tribunal atribuir o direito ao arrendamento da casa de

morada da família àquele que mais precise dela (págs. 207 e 208). Na sentença escreveu-se:

«Em tese nada obstaria a que a pretensão da requerente (…) fosse tida em consideração.

Isto se estivesse em causa uma situação em que existissem por exemplo filhos menores do extinto casal e/ou uma situação financeira tão precária que

exigisse a intervenção tutelar do tribunal em defesa da parte mais desfavorecida.

Ora e salvo melhor opinião, não é claramente o que aqui ocorre.

Isto porque não se provou que a situação da requerente fosse manifestamente mais desfavorável do que a do requerido, sendo por outro lado certo que as duas filhas do dissolvido casal são já maiores e exercem ambas actividades profissionais remuneradas.

É por outro lado verdade que o requerido foi tido como o exclusivo culpado pela ruptura da vida conjugal com a requerente, mas este facto só por si não justifica que venha a ser vencido nesta acção.

(…)

Cabe por último fazer notar que a redacção dada pelo legislador ao n.º 1 do art. 1793.º, designadamente a expressão “pode o tribunal” faz concluir que estamos perante um verdadeiro poder discricionário de quem tem que julgar». Começaremos por dizer que a expressão «Pode o tribunal» não significa que a decisão da providência esteja na discricionariedade do julgador. Com efeito, o direito substantivo deve conjugar-se com o adjectivo. E deste resulta que estamos perante um processo de jurisdição voluntária, cuja natureza liberta o

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tribunal de critérios de legalidade estrita, permitindo-lhe adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna – art. 1410.º do CPC. É, pois, com este sentido que a expressão deve ser entendida.

Na decisão da providência há que ter em linha de conta a premência da necessidade, de que fala Pereira Coelho, bem como que o procedimento tem em vista a salvaguarda da instituição familiar, devendo atender à posição dos cônjuges em face do agregado familiar, para aferir daquela necessidade. Efectivamente, não foi possível quantificar os proventos auferidos por requerente e requerido.

No entanto sabe-se que a requerente trabalha como modista independente. Quanto ao requerido desconhece-se praticamente tudo, mas sabe-se que é massagista e fisioterapeuta desportivo, embora tenha estado impossibilitado ‘largo tempo’ de exercer essa actividade, por ter sido vítima de acidente. Além disso, por vezes, canta o fado, recebendo em espécie, na forma de refeições. No entanto, vive em casa arrendada, tendo pago na que ocupava

anteriormente a quantia de 70.000$00/mês de renda, desconhecendo-se quanto paga agora. Isto revela que o requerido aufere rendimentos, pois se assim não fosse não podia arcar com as despesas da renda. (Poder-se-ia ter questionado directamente as partes sobre os seus rendimentos concretos – n.º 2 do art. 1409.º do CC).

Assim, do ponto de vista da situação económica, não podemos concluir que a situação da requerente é inferior à do requerido.

Mas temos de entrar em linha de conta com outras coordenadas, já que, conforme dizem Pires de Lima e Antunes Varela, as enunciadas no art. 1793.º são declaradamente exemplificativas.

Com efeito, foi o requerido que saiu da casa da família na sequência da separação de facto. E por via disso teve de arranjar uma casa para morar, tendo-a arrendado. Sem entrar em linha de conta com a culpa no decretação do divórcio, que foi atribuída ao requerido, mas que, conforme entendem os Autores citados não deve nesta providência ser valorada, ao contrário do que a lei dizia e diz para a atribuição da casa de morada da família quando esta se encontra instalada em prédio arrendado (art.s 1110.º/2 do CC e 84.º/2 do RAU), a verdade é que o requerido tem casa arrendada, não tendo a requerente outra habitação, visto que permaneceu no prédio que é bem comum do casal e onde esta mantinha a sua residência familiar.

Por conseguinte, do ponto de vista da premência da necessidade, parece manifesto que perante as dificuldades de arrendamento (facto que, sendo notório, não carece de prova nem de alegação – art. 514.º/1 do CPC) e tendo o

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requerido já resolvido o seu problema habitacional, a situação da requerente é inferior à dele.

Por outro lado, já vimos que a providência tem em vista salvaguardar a instituição familiar. O que quer dizer que, embora a situação dos filhos menores seja factor de relevância decisiva, não significa que se não deva atender ao agregado familiar tal como ele derivou da separação dos cônjuges. Por isso, os mesmos Autores, a págs. 571, referem como factor a ter em conta o local de trabalho dos filhos. E neste caso as filhas maiores do casal ficaram na companhia da mãe a habitar a residência familiar. É verdade que estas filhas já têm independência económica, mas não deixam de viver com a mãe, constituindo o núcleo que resultou do desmembramento da sociedade

conjugal. E esse elemento deve ser tido em linha de conta e beneficia a requerente.

Finalmente, a margem de actuação dada ao tribunal pelo art. 1410.º do CPC, relacionada com a natureza de jurisdição voluntária do processo, aconselha que a situação de facto que se vive, da requerente, juntamente com as filhas, se terem mantido na casa da família, não seja abruptamente interrompida. De novo sem entrar em linha de conta com a culpa no divórcio, a verdade é que o cônjuge não culpado é aquele que maior ofensa sofre com a violação dos deveres conjugais. E sem se pretender dar-lhe um prémio de consolação, também o transtorno da desocupação da casa, com perturbação da

estabilidade familiar se nos afigura de atender e, consequentemente, de evitar. Finalmente, sempre sem cuidar de prever para o futuro, porque até pode

acontecer que a resolução do processo de inventário, que se tem arrastado ao longo do tempo, acabe por tornar inútil o aqui decidido, a verdade é que a atribuição do direito a um dos cônjuges equivale ao estabelecimento de um contrato de arrendamento (n.º 1 do art. 1793.º do CC), arrendamento esse sujeito às regras do arrendamento para habitação, podendo o tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, como pode fazê-lo caducar, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o

justifiquem (n.º 2 do mesmo preceito). Do que resulta que o cônjuge

desapossado não fica desprotegido, porque a renda a fixar tem de ser justa e adequada ao objecto do arrendamento.

Por outro lado, é o próprio requerido que se não opõe abertamente a esta hipótese, porquanto, para a hipótese de sucumbir a sua oposição, propõe a fixação de uma renda mensal não inferior a € 750,00.

Por conseguinte, a apelação deve proceder.

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relativamente às condições do contrato de arrendamento, que deverão ser fixadas pelo tribunal após ouvir os cônjuges e promover as diligências necessárias nesse sentido, como seja a realização de arbitramento para determinar o montante da renda, ao abrigo do n.º 2 do art. 1409.º do CPC. Constatada essa deficiência na matéria de facto, não nos resta senão, ao abrigo do n.º 4 do art. 712.º, anular a decisão da matéria de facto com o

propósito exclusivo de a ampliar, apurando-se todos os elementos necessários para definir as condições do contrato de arrendamento, mormente o montante da renda.

Face ao exposto, julga-se a apelação procedente e, revogando-se a sentença, encabeça-se a requerente no direito ao arrendamento da casa de morada da família.

Mas porque os autos não contêm os elementos necessários à definição das condições desse contrato, anula-se a decisão da matéria de facto com o fim exclusivo de os apurar e de se decidir, depois, em conformidade, essa questão. Custas pelo requerido.

Porto, 06 de Abril de 2006

Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes

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