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HISTÓRIA ORAL ENTRE REFLEXÕES E MEMÓRIAS: Revisitando o percurso de Antônio Torres Montenegro e suas trilhas metodológicas do fazer historiográfico

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Erinaldo Vicente Cavalcanti

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Fagno da Silva Soares

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,

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Entrevista realizada em 07 de abril de 2016, com o historiador Antônio Torres Montenegro, professor Titular de História do Brasil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), referência nos estudos em história oral no Brasil.

Recebido em: 01.04.2016. Aceito em: 30.04.2016. Publicado em: 30.05.2016.

1

Doutor e mestre em História pelo do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), realizou Estágio Doutoral na Universidad General San Martin em Buenos Aires, Argentina. Professor Adjunto na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Líder do grupo de pesquisa Consciência Histórica: Narrativa, Ensino, Política e Memória (CH-NEPOM). E-mail: ericontadordehistorias@gmail.com

2 Doutor em Geografia Humana pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) e doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre e especialista em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA/Campus Açailândia). Líder do CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesquisa em História Oral e Memória (IFMA). Pesquisador do Núcleo de Estudos de História Oral (NEHO/USP), Culturas, Identidades e Dinâmicas Sociais na Amazônia Oriental brasileira (UNIFESSPA) do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC/UFRJ). E-mail: fagno@ifma.edu.br

3

Endereço de contato dos autores (por correio): Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA/Campus Açailândia). Rua Projetada, s/n, Vila Progresso II, 65930-000. Açailândia - MA,Brasil.

HISTÓRIA ORAL ENTRE

REFLEXÕES E MEMÓRIAS:

Revisitando o percurso de

Antônio Torres Montenegro

e suas trilhas metodológicas

do fazer historiográfico

Entrevista

Interview

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Antônio Torres Montenegro pesquisador pernambucano de reconhecida atuação no uso da metodologia da história oral. Seus estudos acerca das relações entre a história e memória, teoria da história e lutas políticas no âmbito da História do Brasil Contemporâneo têm ressonâncias nacionais e internacionais. Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP, 1974), mestre e doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, 1983/1991), realizou seu estágio pós-doutoral na State University of New York - Stony Brook (2000) e na Universidade Federal Fluminense (UFF, 2016). Ao longo de sua carreira acadêmica, no campo da história, publicou inúmeros artigos em periódicos nacionais e internacionais, organizou e/ou publicou vários livros e capítulos de livros. Participou de aproximadamente 100 bancas de defesas de dissertações e teses e de inúmeros eventos acadêmicos regionais, nacionais e internacionais. Atua do Conselho Editorial de importantes periódicos nacionais na área de história, a exemplo Territórios e Fronteiras do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) da Revista História Oral da Associação Brasileira de História Oral (ABHO) da Revista Tempo do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) entre outras.

ERINALDO CAVALCANTI E FAGNO SOARES: Vamos iniciar a entrevista com o Prof. Dr. Antônio Torres Montenegro, para a Revista Observatório da Universidade Federal do Tocantins – UFT, em que ele vai nos relatar um pouco de sua trajetória e de suas pesquisas, do seu envolvimento com o trabalho da história oral, e as contribuições dessa metodologia de trabalho para a historiografia. Então, professor, muito boa tarde, é um prazer estar com você para entrevistá-lo sobre suas experiências com a história oral no Brasil. Então, professor, primeiramente gostaria que o senhor relatasse um pouco como ocorreu o processo de utilização da metodologia da história oral no Brasil. ANTÔNIO MONTENEGRO: A experiência da história oral no Brasil tem sido bastante documentada e analisada na revista História Oral da Associação Brasileira

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de História Oral – ABHO. A nossa revista é, de certa forma, uma revista pioneira na área no Brasil; alguns artigos publicados ao longo desses anos mostram como se deram as primeiras experiências, como é que elas foram avançando. Há um artigo, de

autoria de Marieta de Morais Ferreira4 que narra as primeiras iniciativas do uso da

história oral no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas em 1975. Nesse momento, foram convidados especialistas da Fundação Ford e também do México para ministrar um curso de História Oral, onde participaram pesquisadores de diversas regiões do Brasil. Por meio desse curso se esperava ampliar o uso dessa metodologia no Brasil. Embora, o curso tenha trazido alguns resultados muito positivos e ajudado a consolidar essa metodologia nos projetos desenvolvidos pelo CPDOC, em termos de Brasil essa metodologia nesse momento não ganhou significativo impulso. No entanto, o CPDOC se consolidou na área agregando vasta e diversificada documentação acerca da história do Brasil contemporâneo e significativo acervo de entrevistas de história oral. As experiências com o uso da metodologia da história oral, continuaram fragmentadas e foram se construindo de forma atomizada. Há notícias de projetos que utilizaram a metodologia da história oral que ocorriam nessa época, no Paraná, em São Paulo na USP, em Pernambuco, no Ceará, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, porém apenas no inicio da década de 1990 é que se pode apontar um movimento mais sistemático na direção da construção de canais de comunicação entre esses projetos até então bastante atomizados.

Em 1992 houve um primeiro encontro de história oral na USP; nesse encontro em que participaram pesquisadores principalmente do Sudeste, ele ocorria exatamente na direção da preocupação em criar uma associação brasileira de história oral.

4 A professora e historiadora Marieta de Moraes Ferreira foi a primeira presidente da Associação

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Sobretudo, porque alguns pesquisadores, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul vinham frequentando e acompanhando o movimento da história oral internacional. No entanto, a International Oral History Association não era ainda uma associação, apenas um movimento. A passagem de movimento para Associação ocorre em 1996 no Congresso da IOHA em Gotemburgo na Suécia. Nesse congresso houve significativa participação de pesquisadores brasileiros, que junto com colegas latino-americanos

irão ter influência decisiva na eleição da primeira diretoria.5

Voltando então ao movimento da história oral no Brasil em 1992. Esse encontro, que ocorreu em São Paulo na USP, coordenado pelo professor José Carlos Sebe Bom Meihy com o apoio da professora Maria Lourdes Janotti (USP) e da pesquisadora Alice Beatriz Gordo Lang, do Centro de Estudos Rurais e Urbanos – CERU/USP –, debateu entre outros temas a criação da Associação Brasileira de História Oral. Estiveram reunidos diversos pesquisadores que vinham trabalhando com a história do tempo presente. Este conceito ainda não era muito comum, mas eram pesquisadores que vinham pesquisando, debatendo e escrevendo acerca da história do Brasil no século XX.

Nesse encontro, decidiu-se que não era o momento para se criar a associação brasileira. Foi aprovado entre os participantes que, ao longo de um ano ou dois, seriam realizados contatos com pesquisadores de outras regiões que utilizavam a metodologia da história oral. Esses pesquisadores seriam convidados para participar de um próximo encontro para a fundação da Associação Brasileira de História Oral. Uma preocupação era a de não criar uma associação meramente de pesquisadores

5

FERREIRA, Marieta de Moraes. A Institucionalização e a expansão da História Oral: dez anos de IOHA. In: História Oral, v. 10, n. 1, p. 131-147, jan.-jun. 2007.

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que já se conheciam. Dessa forma, depois de dois anos de contato e mobilização foi decidido, por este grupo, realizar no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), em 1994, na Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro (o encontro para a criação da ABHO. No debate realizado para a aprovação do estatuto de fundação da ABHO, um dos artigos mais polêmicos foi o de definir qual o entendimento que os participantes tinham do termo história oral. Afinal, discutia-se na época que sociólogos, antropólogos, educadores, entre outros, realizavam entrevistas orais, mas não denominavam esta atividade de pesquisa de história oral. Após longo debate, em que se questionava se o nome da associação deveria contemplar o termo ‘história oral’, foi argumentado que não utilizá-lo dificultaria a sua inserção no nível internacional. Mas ao mesmo tempo, tínhamos forte preocupação de que a ABHO acolhesse não apenas historiadores e, por essa

razão, ficou definido no estatuto “Art. 1º, § 1º

Por história oral

se entende o trabalho

de pesquisa que utilize fontes orais em diferentes áreas de conhecimento nas quais

essa metodologia é utilizada”.6

Dessa forma, nós tentamos contornar a dificuldade em associar outros profissionais além de historiadores. Há outra situação, no nível pessoal, que coincide com este momento.No inicio da década de 1990, havia defendido minha tese em história na Unicamp, em que utilizei largamente as entrevistas orais de memória, sobretudo entrevistando os moradores e trabalhadores do bairro de Casa Amarela e do bairro

do Recife. A tese tem como título

História em campo minado: a cultura popular

revisitada

, no entanto, ao ser aceita para publicação foi definido um novo título:

História Oral e Memória, a cultura popular revisitada

. Dessa maneira, por meio do meu trabalho de pesquisa, aproximei-me de outros grupos que utilizavam a história oral e participei ativamente das articulações para a criação da ABHO. Quero também registrar algumas publicações que na época foram muito importantes para escrita da

6

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minha tese. Primeiro, destaco o livro,

Memória & Sociedade: Lembrança de Velhos

, da Profa. Eclea Bosi, da área de Psicologia Social. Sobretudo, pelas reflexões acerca da memória que a autora apresenta, amparada nos relatos de velhos e no diálogo com autores como Maurice Halbawchs, Henri Bergson e Walter Benjamin entre outros.

Nesse período, outras pesquisas, dissertações e teses que utilizavam a metodologia da história oral foram também encontrando campo mais propício para publicação. Ao narrar sucintamente às articulações que concorreram para a criação da ABHO, não se pode perder de vista o cenário político mais amplo. Primeiro, o fim do regime civil- militar, levando em consideração as diversas lutas travadas na sociedade, em que destacaria o fim do AI 5, o retorno a liberdade de imprensa, a conquista da anistia – mesmo não atingindo os torturadores e assassinos do regime civil-militar – e a volta dos exilados. Também as greves se ampliaram e concorreram para produzir uma onda de liberdade que se dissemina e ajudam a reduzir o clima de medo e apreensão que vivia uma parcela significativa da sociedade. Essas transformações têm significativas ressonâncias nas Universidades, e, sobretudo, no debate acadêmico. Uma parcela dos cientistas sociais – na minha avaliação – vivia engessado pelo marxismo, considerada a teoria que melhor ajudava a analisar e criticar o regime civil-militar. Outras correntes de pensamento passaram a ter mais ‘espaço’ para serem lidas e debatidas. Não existia mais – para alguns – a obrigação política de ser marxista ou de utilizar a teoria marxista. Nesse período, havia entre os críticos do regime o que então se convencionou denominar ‘patrulha ideológica’ em que o que era lido, dito ou defendido, muitas vezes, era pautado na perspectiva de avaliar se contribuía ou não para fortalecer o regime civil militar.

O marxismo se transformou numa teoria da resistência, como se fosse uma trincheira em que eram construídas analises acerca do regime civil – militar. No entanto, na

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Europa e nos EUA muitas obras no campo da filosofia e da história já vinham (desde o final da década de 1960 e início da década de 1970) problematizando os postulados marxistas no sentido de uma critica a visão de progresso, à perspectiva do determinismo econômico e da dialética como lei da história, a visão de totalidade, entre outros conceitos caros a essa teoria.

A adoção da metodologia da história oral está relacionada a possibilidade de ruptura com a tradição positivista da história no sentido mais amplo. Quero destacar, “a possibilidade de ruptura” porque é possível encontrar dissertações e teses entre outros trabalhos de pesquisa que utilizam a fonte oral de memória, sem considerar as implicações metodológicas e teóricas a que estas remetem. Entre os aspectos que caracterizam mais propriamente esta fonte documental, destaco: primeiro a dimensão de uma fonte em que o pesquisador participa de sua elaboração, já que essa é construída por meio de entrevistas; segundo, uma fonte produzida sempre a partir do momento presente, em que o rememorar não prescinde das incontroláveis resignificações das experiências vivenciadas no cotidiano. Esses dois aspectos, entre outros, remetem a múltiplas questões que devem exigir dos historiadores uma maior atenção metodológica. Lembro-me de um historiador considerado uma referência no estudo do movimento operário, mas que não aceitava de forma nenhuma a utilização da entrevista oral de memória nas pesquisas históricas. Seu argumento era o de que uma certa vez foi entrevistar um operário já idoso e que tinha tido papel de relevo em diversas greves, mas ele fazia a maior confusão com as datas. E em seguida comentava: “Como posso confiar numa fonte como esta?”. Este comentário revela completo desconhecimento das teorias que estudam a memória.

Avalio que a ruptura com a tradição positivista – alem dos fatores políticos e sociais

que comentei – teve no Brasil a influência da publicação de algumas obras, como

A

Formação da Classe Operária Inglesa

de Edward Palmer Thompson,

A Instituição

Imaginária da Sociedade

de Cornelius Castoriadis, a coletânea de artigos e

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entrevistas de Michel Foucault traduzidas e organizadas por Roberto Machado no

livro

Microfísica do Poder

, o livro O

Queijo e os Vermes

de Carlo Guinzburg e a

coletânea em três volumes,

Walter Benjamin

Obras Escolhidas.

Estas concorreram

de diferentes maneiras para importantes deslocamentos metodológicos em nossa área e para, de maneira fundamental, flexibilizar o espectro das fontes documentais disponíveis, sobretudo, orais, visuais e literárias. No meu ponto de vista, esse conjunto de obras – além de outras – concorreu para romper com um dos conceitos que fundamentava a visão histórica até então dominante, o conceito de totalidade. No esteio da crítica a este conceito, também teve forte influência a problematização do conceito de verdade, de causalidade, de poder, de classe e de realidade.

A ruptura com a visão histórica fundada na totalidade significou para o historiador se desfazer da pretensão de narrar à história de todos os homens e/ou de todas as mulheres de determinada sociedade. Ou mesmo, de todos os trabalhadores(as) que atuam em determinada atividade profissional e/ ou cultural. E vamos assistir a história quantitativa perder a hegemonia e o caráter de verdade irrefutável que durante certo período os gráficos e tabelas adquiriram. No entanto, isto não significa que a quantificação não seja importante, claro que é, mas com as implicações teóricas e metodológicas próprios a qualquer fonte documental. Paralelamente, ocorre a lenta adoção da perspectiva qualitativa da história: documentos que contemplam experiências individuais passam a ser valorizados e utilizados pelos historiadores. Constrói-se outro entendimento acerca da subjetividade e da objetividade. Em relação a esses dois conceitos, no meu percurso pessoal, autores com perspectivas teóricas diferentes como René Descartes, Sigmund Freud, Maurice Halbawchs, Michel Foucault e Gilles Deleuze foram muito importantes para desconstruir a visão dicotômica e pensar a subjetividade e a objetividade como indissociáveis. Pensar a objetividade como construção da subjetividade que é aprendida socialmente por meio da linguagem. Completa ruptura com a

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epistemologia que pensa o conhecimento como relação entre sujeito e o objeto. A perspectiva da indissociabilidade entre subjetividade e objetividade aponta para a relação contínua entre sujeitos que aprendem/ensinam uns aos outros a pensar/representar o mundo. Percebemos o mundo não como ele se apresenta, mas como socialmente os outros nos ensinam a lê-lo, a representá-lo, a significá-lo. Dessa forma, o entrevistado ao relatar suas experiências remete à dimensão individual, mas este individual é também social, porque não há individual sem o social, não há individual sem as marcas sociais. Então, comecei a construir outra perspectiva epistemológica, a operar deslocamentos analíticos em razão da leitura e estudo desses autores.

ERINALDO E FAGNO: Professor, quais os temas principais que vem fazendo uso das fontes orais nas pesquisas acadêmicas?

ANTÔNIO MONTENEGRO: – Os temas mais presentes nos estudos e pesquisas que fazem uso da metodologia da história oral podem ser mapeados por meio dos anais de nossos Encontros Nacionais e Regionais como também pela revista História Oral.

Dois artigos –

História

Oral no Brasil: uma análise da produção recente (1998 – 2008)

7

e

Associação Brasileira de História Oral, 20 anos depois: o que somos? O que

queremos ser?

8

publicados na Revista História Oral são uma boa fonte para refletir sobre essa pergunta. No primeiro artigo foi utilizada como fonte a referida Revista e também os cadernos de resumos das comunicações dos Encontros Nacionais. Foi organizado um gráfico relacionando as publicações na Revista desde seu primeiro

7 PEREIRA NETO, A.F.; MACHADO, B.A.; MONTENEGRO, A. História Oral no Brasil: uma análise da

produção recente (1998 – 2008). In: História Oral, v. 10, n. 2, p. 113-126, jul.-dez. 2007.

8 Gomes, Ângela de Castro.

Associação Brasileira de História Oral, 20 anos depois: o que somos? O que queremos ser?In: História Oral, v. 17, n. 1, p. 163-192, jan./jun. 2014.

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número9 em 1998 até 2008; constata-se que 48% dos artigos no período de 1998 a 2008, contemplavam a temática história oral, camadas populares e suas manifestações culturais. A segunda temática que mais agregava artigos (36%) era historiografia, teoria e metodologia e, por fim, 15% estava relacionado aos setores dominantes. No levantamento que realizamos nos cadernos de resumos dos Encontros Nacionais de História Oral a temática historiografia e teoria e metodologia (que era de 36% na revista) passa a 51%. E a temática dos setores dominantes (que era de 15% na revista) salta para 34%, enquanto a temática história oral e camadas populares (que era de 48% na revista) passam para 15%. Assim temos este primeiro mapeamento dos temas mais estudados e debatidos na Revista e nos cadernos de resumos dos encontros nacionais.

O outro artigo “

Associação Brasileira de História Oral, 20 anos depois: o que somos?

O que queremos ser?”

foi apresentado inicialmente como conferência de abertura do XII Encontro Nacional de História Oral na Universidade Federal em 2014. Esse artigo ampliou as fontes utilizadas pelo primeiro artigo e também o período, pois o objetivo era também refletir acerca do papel exercido pela ABHO nos vinte anos (1994 a 2014) de atuação assim como analisar desafios e perspectivas para o futuro. Estabeleceu outro critério de classificação das temáticas dos artigos publicados na revista História Oral por meio da análise dos dossiês dos vinte e três números até então publicados. Dessa forma, foram mapeados conjuntos de temas significativos em que perpassam questões relacionadas à história, à memória, ao tempo e à construção de identidades associadas às reflexões metodológicas. Um segundo conjunto agrega o tema da política, relacionado à violência, à militância e ao comunismo. Um terceiro conjunto de artigos trata do tema trabalho e trabalhadores,

9

Em 1998 foi lançado o primeiro número da Revista História Oral que hoje chega a seu vol 19, número 2 de 2016, com produção regular e semestral. Esta é uma produção da Associação Brasileira de História Oral. (ABHO)

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e debates sobre a Amazônia, ambiente, cultura e natureza. Entretanto, merece destaque o fato de que as reflexões e análises teórico-metodológicas estão muito presentes nas abordagens das mais diversas temáticas.

ERINALDO E FAGNO: Para você, professor Antonio como

pesquisador/referência na utilização dessa metodologia de trabalho, como as fontes orais possibilitam um deslocamento analítico e interferem o “fazer historiográfico’’ por assim dizer? Em outras palavras, em que a historiografia ganha, quando se faz uso das fontes orais?

ANTÔNIO MONTENEGRO: Quando você pergunta “o que a historiografia ganha quando se faz uso da história oral?” quero destacar dois aspectos. Inicio lembrando uma reflexão apresentada por Ângela de Castro no artigo “20 anos da história oral no Brasil” que acabo de me referir. Esta comenta a preocupação com a qualidade historiográfica de muitas comunicações apresentadas nos encontros de história ora, mas também – segundo a autora – revelam graves problemas no uso da metodologia da história oral em diversos aspectos.

Nesse sentido, a questão que se coloca e você também como professor na área, deve vivenciar, é o problema não apenas do uso da história oral como fonte documental, mas de qualquer documentação. Ou seja, remete à formação do historiador, ao aprendizado da pesquisa e aos seus prolongamentos no campo teórico-metodológico.

Este aprendizado implica em princípio a desconstrução do historiador natural que todas as pessoas se tornam sem ter consciência. Este historiador é formado nos referenciais e conceitos do senso comum, da família, da escola entre outros grupos e instituições da sociedade. Aprende a pensar historicamente na perspectiva de causa e consequência, de progresso, da transcendência, da lógica bipolar e dual. Em síntese, há uma miríade de pensamentos/sentimentos que são interiorizados em face dos

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múltiplos processos de educação e socialização que são instituintes do historiador natural.

No entanto, do meu ponto de vista, para nos tornarmos historiador profissional, somos desafiados a desconstruir esse historiador natural por meio de um processo de reeducação. Nessa linha de pensamento, o desafio do uso da fonte oral não está dissociado do percurso relacionado à própria formação do historiador.

Este ao realizar o percurso de formação na área, poderá ou deverá vivenciar o processo interior de mudança de percepção, de mudança de compreensão que apontam para possíveis deslocamentos nas práticas de inserção no universo social, cultural e político. E essa operação é muitas vezes dolorosa e trabalhosa. Logo, não é apenas a utilização de coleções documentais Y, Z ou F que contemplem dimensões sociais, culturais, políticas ou econômicas, que garante uma maior qualidade à produção historiográfica.

Então, esse é o primeiro aspecto que destaco no sentido de criticar a prática equivocada que transforma a utilização da entrevista, da fonte oral, em algo valioso em si para o campo historiográfico. O segundo aspecto que destaco, relacionado à

metodologia da história oral – amplamente analisado por Alessandro Portelli10 –

reside no fato de que enquanto entrevistadores nos transformamos em participantes ativos na produção dessa fonte. Entretanto, há que considerar, ainda, a relação que

se estabelece entre entrevistado e entrevistador os aspectos éticos11, em que o

controle – ou a última palavra – sobre o texto da entrevista a ser divulgado é sempre daquele que concede a entrevista.

10 Portelli, Alessandro.

O que faz a história oral diferente. In. Revista Projeto História. São Paulo (14). Fev. 1997.

11 No site (http://www.históriaoral.org.br/informativo/view?ID_INFORMATIVO=104) é possível

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No entanto, ainda sobre esta relação, no que tange a condução/realização da entrevista, é fundamental ao entrevistador diferenciar uma entrevista que tem como objetivo registrar opiniões, pontos de vista, análises daquela voltada para a reconstrução de memórias, de experiências significativas, de história de vida. Embora não seja possível estabelecer uma fronteira rígida que distinga essas duas formas de entrevista, a maneira de formular as perguntas estabelece um diferencial. Quando o entrevistador pergunta ao entrevistado, o que ele pensa ou qual sua opinião, qual seu ponto de vista, qual sua avaliação sobre determinado fato ou tema, normalmente a resposta do entrevistado não irá contemplar reconstrução mnemônica ou relatos de experiência, ou mesmo narração de “causos”.

Por outro lado, quando a entrevista contempla a história de vida do entrevistado, ou foca a dimensão de reconstrução mnemônica do passado vivido, as perguntas são formuladas no sentido de ‘provocar’ a reminiscência. São questões construídas no sentido de instigar o processo de rememoração, ou seja, o que o entrevistado recorda/lembra, quais as lembranças mais marcantes de determinados períodos da vida, ou quando exercia determinada atividade, ou sobre determinado acontecimento.

Ao mesmo tempo, o entrevistado pode intercalar em seu relato de história oral, análises/comentários sobre determinados acontecimentos e pontos de vista, com reconstruções mnemônicas, assim como, o entrevistador em seu roteiro de perguntas poderá contemplar também essas duas dimensões.

Algumas vezes o historiador em face da escassez de documentos, ou de conflitos de informações encontrados na documentação formula perguntas ao entrevistado no sentido de preencher lacunas ou compreender melhor certas contradições registradas em outras fontes documentais. Essa estratégia de utilização da história em geral é problemática, porque a memória da história de vida não é um arquivo ou

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depósito de registros. Nesse sentido, primeiro há que se considerar a dimensão seletiva da memória. Nossa memória não é um depósito com o registro de todos os

eventos vivenciados. O conto de Jorge Luis Borges, “

Funes o memorioso

” é uma

excelente metáfora da impossibilidade do conhecimento, ou mesmo da vida, se tudo

que a percepção apreendesse se transformasse em memória voluntária.12

Outro aspecto fundamental a ser considerado encontra-se nas reflexões de Henri Bergson, ao analisar a relação de indissociabilidade entre memória e percepção. São distintas, porém imbricadas. Essa associação é revelada pela impossibilidade da percepção pura e da memória pura. Não há percepção pura, portanto é impossível a apreensão e a compreensão da realidade exterior em si. Toda percepção está relacionada aos conhecimentos e as experiências que temos acumulado e elaborado/reelaborado ao longo da vida. Logo, reconhecemos e lemos o mundo por meio da percepção, mas, esta recebe da memória os elementos, as informações, os saberes aprendidos. Por meio destes é possível a efetividade da percepção e, portanto, nossa inserção na realidade social. Logo, não há percepção sem o aporte

da memória.13

Por outro lado, Henri Bergson ao afirmar que não há memória pura analisa como o ato de recordar ou rememorar não significa retornar a primeira memória, ou a memória original. Todo ato de rememorar é construído a partir da percepção do presente que nos mantém em contato com a realidade cotidiana. Portanto, por meio da percepção estabelecemos conexão com novas experiências, novos eventos, novos conhecimentos no movimento constante e infindável da vida. Este fluxo do presente – que a percepção apreende – produz em nós deslocamentos e por extensão nos transforma. Não somos os mesmos de segundos atrás. Logo, a percepção, ao

12

Borges, Jorge Luis. Funes el Memorioso. http://www.literatura.us/borges/funes.html

13 Bergson, Henri.

Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Trad. Paulo Neves. São Paulo. Martins Fontes, 1999.

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intermediar esse movimento da vida que nos cerca e dessa forma se constitui no vetor dos deslocamentos que somos alvos, registra a impossibilidade de voltarmos à primeira memória, pois não somos os mesmos de minutos antes. Vivemos em fluxo permanente.

Ao considerar essa reflexão de Henri Bergson acerca da relação indissociável e em constante movimento da memória para a percepção, e da percepção para a memória é que podemos compreender como os relatos orais de memória de eventos ou experiências comuns são semelhantes e distintos ao mesmo tempo. Semelhantes enquanto vivido por outras pessoas, porém, ao mesmo tempo, distinto, porque ao ser incorporado como registro de memória, é alvo de transformações e resignificações. A memória do entrevistado não é o registro passivo dos eventos e situações apresentadas/vivenciadas por meio das percepções, mas o que se apreende pela percepção que interage e é transformada por esta memória pessoal anterior. A prática da história oral surpreende também o pesquisador em face de uma dimensão fundamental, a capacidade de narrar do entrevistado. Fazer-se narrador da própria história de vida, através da reconstrução das marcas e trilhas mnemônicas, não é natural. Alguns entrevistados, não são capazes de construir narrativas ou revelam dificuldades em transformar as recordações, ideias, pensamentos, pontos de vista em relato oral. No momento em que o pesquisador se depara com a transcrição da entrevista, esta dificuldade de narrar do entrevistado se revela com mais evidência.

As reflexões de Walter Benjamin, no texto

“O narrador”

14, mesmo projetado em

contexto inteiramente distinto, poder-se-ia considerar como inspirador para pensar o narrador, como aquele que é capaz de apropriar-se das experiências vividas, as mais

14 Benjamin, Walter. O narrador. Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. Trad. Sérgio Paulo

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diversas e difíceis, e as transformam em sabedoria, transmitida às novas gerações pela tradição oral. Não que tenhamos a ilusão de encontrar esses narradores ‘perdidos’ segundo Walter Benjamin, porém quantas vezes uma entrevista não se transforma num relato de vida, carregado de ensinamentos??!! Porém, outra vez o historiador será desafiado, a não se deixar capturar pela armadilha do discurso sedutor do entrevistado; mas deve ser capaz de construir o contra discurso historiográfico que produz deslocamentos analíticos. Então, há um amplo espectro de questões que a prática da metodologia da história oral suscita. Porém, além da questão apontada, há entrevistas, sobretudo aquelas relacionadas a eventos bastante comentados pela mídia e/ou pela historiografia, em que o discurso do entrevistado não apresenta diferença do que se encontra registrado em outras fontes.

Ao mesmo tempo, há um procedimento metodológico na pesquisa, não apenas relacionado ao relato do entrevistado, mas imprescindível ao estudo de qualquer documentação, sobretudo a mídia e as ‘escritas de si’, que remetem às indagações: “quem diz, o que diz, quando diz e como diz”. O pesquisador ao revelar atenção metodológica para com essas dimensões da produção discursiva, sem dúvida dará maior consistência analítica ao seu texto historiográfico.

Ainda, retomando a relação ‘memória & percepção’ em Henri Bergson, não se deve olvidar que o rememorar é um movimento de resignificação a partir do presente. Alguns entrevistados comentam: “olha, aconteceu dessa forma, eu pensava dessa maneira, mas hoje eu não penso mais assim, não compreendo como naquela época”. No entanto, outros não relatam na entrevista as mutações e resignificações que construíram ao longo da vida. Antes, colam ao evento passado o discurso, a análise, o ponto de vista construído no presente, como se sempre tivessem agido e pensado da forma como narram no presente.

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Em face do exposto, os desafios metodológicos no uso da documentação pelo historiador não remete apenas à história oral. A mídia, os processos judiciais, as cartas, as fotografias, a literatura, a documentação policial, hospitalar, escolar, entre outras coleções documentais, todos apresentam inúmeras especificidades, e o historiador ou o pesquisador de qualquer área deve estar atento. Qualquer documento exige que se reflita acerca da sua produção, afinal a fonte documental é uma construção, uma representação acerca do vivido, do acontecido. Não é reflexo do real, reflexo do passado, mas representação e deve ser pensada e problematizada nessa perspectiva. Em síntese, ao historiador hoje se exige dele esse cuidado e essa atenção em problematizar e não naturalizar a fonte, qualquer que seja, não tomá-la como reflexo ou como resgate do passado.

ERINALDO E FAGNO: Então, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre quais são suas atuais pesquisas, como e em quê ou em quais projetos está atuando no momento e se nesses projetos há utilização das fontes orais, como são usadas, o que estão sinalizando, quais as possibilidades de trabalho nas atuais pesquisas que está desenvolvendo no momento.

ANTÔNIO MONTENEGRO: No que tange as minhas pesquisas atuais, ao utilizar a metodologia da história oral, tenho um livro em preparação com cinco histórias de vida de padres europeus – dois franceses, dois holandeses e um belga – que vieram para o Nordeste nas décadas de 1960 e 1970. As entrevistas foram realizadas em 1998, mas nunca as publiquei na íntegra. Apenas escrevi alguns artigos em que trechos das entrevistas foram citadas.

No momento atual, como realizo estágio Pós-Doutoral na Universidade Federal Fluminense, encontro tempo para organizá-las para publicação em livro. Essas entrevistas exigiram um grande número de notas para ajudar o leitor a se situar historicamente. Também estou escrevendo uma apresentação em que analiso alguns

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aspectos que me parecem significativos para o debate historiográfico e político. Essas entrevistas podem constituir-se em fonte documental importante para quem trabalha e pesquisa sobre o regime civil-militar (1964 – 1985), sobre a história da Igreja Católica, sobre movimentos sociais rurais no Nordeste, entre outros temas. Há um aspecto que ao realizar as entrevistas causou-me surpresa. É o fato de que esses padres relatam que a vinda para a América Latina atendia a convocação da

Encíclica Fidei Donun, lançada em 1957 pelo Papa Pio XII15. Além das atividades

missionárias que deveriam realizar, destacava-se o combate ao comunismo, ao protestantismo e ao espiritismo. No entanto, alguns deles, sobretudo durante o período do regime civil-militar serão taxados de comunistas, um deles preso e outro, ao viajar para ministrar um curso na Universidade de Louvain na Bélgica, proibido de retornar ao Brasil. Enfim, são cinco histórias de vida. Estou concluindo a preparação desse livro para lançar este ano ou no próximo ano.

[...] O projeto atual que realizo com apoio do CNPq tem como título “Justiça do Trabalho, Dissídio Coletivo e o Regime Civil-Militar de 1979 a 1985”. O objetivo é estudar a atuação do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região nas negociações que serão realizadas nos dissídios coletivos dos canavieiros no período de 1979 a 1985. Refletir acerca das relações de poder que serão estabelecidas entre o TRT 6ª Região, a Delegacia Regional do Trabalho, o Ministério do Trabalho, o governo do Estado de Pernambuco, e os órgãos de classe dos trabalhadores e patronais. Em outros termos, meu foco de estudo e análise são as formas como foram urdidas as relações de poder entre a Justiça do Trabalho e o governo civil-militar, no nível estadual e federal, em razão da retomada das mobilizações para greve na zona açucareira. Embora existam diversos artigos e livros que refletem acerca das pressões exercidas

15 A Encíclica Fidei Donun, inicialmente, estava voltada para atender a escassez de padres nas dioceses

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pelo governo civil-militar, sobretudo no que tange as decisões dos conflitos coletivos, as pesquisas que realizei apontam como foi sendo construída, também por parte de alguns juízes, uma política de consulta às agências policiais, militares e de informação. Esse projeto atual contempla a primeira grande greve que houve dos canavieiros em Pernambuco em 1979. É considerada um marco porque é a retomada das lutas dos trabalhadores da cana, e, por conseguinte, dos trabalhadores rurais do Brasil. Essa greve de 1979 gerou um dissídio coletivo. Os sindicatos dos trabalhadores rurais junto com a Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (FETAPE) tiveram que cumprir todos os procedimentos legais para poderem decretar a greve. Pelo que li na imprensa, o governo do estado e o federal atuaram fortemente para tentar encerrar a greve rapidamente, mas não conseguiram.

No ano passado (2015), realizamos um Seminário16 com vários juízes e

desembargadores que atuaram diretamente nesse dissídio dos canavieiros em 1970. Convidei-os a darem entrevistas e eles concordaram. Também temos plano de entrevistar trabalhadores e lideranças sindicais que atuaram nessa greve. Estas são algumas entrevistas que tenho como plano para realizar em função de nosso projeto de pesquisa atual.

Acredito que os historiadores que pesquisam sobre temas relacionados à história do tempo presente, sempre que possível não devem prescindir da possibilidade de realizar entrevistas. É uma fonte que abre muitas perspectivas de análise historiográfica.

No entanto, quero retornar a questão epistemológica que avalio fundamental ao historiador. Você mesmo, Erinaldo, um profissional muito estudioso, e muito atento às implicações teóricas e metodológicas pode atestar como inúmeras vezes

16 V Seminário Justiça do Trabalho e Historiografia: Passado e Presente, realizado no Centro de

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encontramos dissertações, teses, artigos e livros em que os documentos são apresentados como prova do passado, do acontecido, numa relação de correspondência entre o vivido e o documento que o registra.

Penso, que algumas vezes historiadores ao escreverem seus textos, não tornam claramente manifesta a diferença entre o passado e o registro documental. Afinal, o registro não é o acontecido, ele é uma produção, uma elaboração com bases em diversas pesquisas e estudos. A operação historiográfica implica não o retorno ao passado, mas deslocamentos analíticos que estabelecem outras formas de entendimento acerca do passado histórico, e responde a questões e a problemas colocados na contemporaneidade.

Nessa perspectiva é oportuno recordar Pierre Nora e a reflexão de que história e memória são conceitos antitéticos. A história prima pelo refazer crítico permanente, como analisa na introdução a coleção os “Os lugares de memória”. Afinal a história é a resignificação contínua que Nora representa por meio da metáfora do ceifador. As novas experiências vivenciadas no cotidiano, as novas reflexões teórico-metodológicas, os novos documentos eventualmente descobertos, produzem novas perguntas ao passado e por extensão a permanente reescrita historiográfica. Na direção oposta encontra-se a memória histórica que, para Pierre Nora, é revelada por uma série de lugares e procedimentos (os monumentos, as comemorações de datas cívicas, os hinos, as bandeiras, os livros escolares) que têm como objetivo eternizar, e congelar significados históricos. Por essa razão história e memória são conceitos

inconciliáveis.17

Este é o desafio, pensar a história enquanto constante reconstrução, porque ela atende ao movimento de resignificação permanente. Dessa forma, ao mesmo tempo

17 Nora, Pierre. Entre Memória e História. A problemática dos lugares. In: Proj. História, São Paulo (10),

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em que nós reconhecemos que o documento é o registro e como tal estabelece relação com o acontecido, não enquanto comprovação, porém na dimensão da metáfora do Carlo Ginzburg, entendemos o documento como sinal, índice, e não

como prova.18 Agora, por outro lado, nós não podemos prescindir da dimensão que

o índice e sinal tem correspondência com o que aconteceu.

Há todo um percurso metodológico que o jovem pesquisador deve estar atento, porque estão cercados por conjuntos de documentos que afirmam dizer o passado, ser o espelho do passado; observe como nas entrevistas, nos jornais, nos inventários, entre outra infinidade de registros, constantemente o documento é apresentado como evidência e prova do acontecido. O documento também é carregado pela dimensão dos signos da prova, da comprovação.

Apenas o aprendizado metodológico possibilita ao historiador se desfazer da força do discurso da evidência, da objetividade como se os significados brotassem do real, dos eventos, das próprias coisas. Em síntese, é a herança cartesiana, galileana do mundo como realidade objetiva.

Para concluir, desejo reforçar a dimensão social da memória individual. O entrevistado ao narrar sua experiência de vida, ou sobre determinado evento ou período histórico, está reconstruindo relatos carregados com as marcas comuns a outras pessoas com inserção social, cultural, política comuns. São marcas de um tempo histórico vivenciado por determinada pessoa na rede social, cultural, política, profissional em que atua. Dessa forma, o relato individual é também social na medida em que revela as experiências, valores, ideias, sentimentos socialmente compartilhados.

18 Ginzburg, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, Emblemas, Sinais. Morfologia e

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