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Publicidade, interseccionalidade e o imaginário coletivo: representações da beleza feminina brasileira na pósmodernidade

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Academic year: 2021

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Publicidade, interseccionalidade e o imaginário coletivo:

representações da beleza feminina brasileira na

pós-modernidade

Paula Viegas1

Apesar de ser uma temática bastante desenvolvida no meio acadêmico, a relação da mulher com o próprio corpo parece ainda ser delicada. Além disso, falar de beleza soa muitas vezes como algo superficial e sem importância. Mas se considerarmos as representações da beleza feminina como algo que funciona de forma articulada a outras potencialidades culturais e históricas, a aparência poderá ser utilizada como um elemento relevante na compreensão de um conjunto social.

Partindo desse pressuposto, o presente estudo busca compreender a articulação das representações da beleza feminina, em uma perspectiva interseccional, e do imaginário com suas vertentes sociais, culturais e históricas. Os principais objetivos de pesquisa são a análise de imagens publicitárias relacionadas à beleza feminina e a observação dessas representações articuladas ao imaginário coletivo brasileiro. A proposta teórica é pensar no imaginário (DURAND, 2004; 2012), em que as representações da beleza feminina podem ser compreendidas como formas (SIMMEL, 2006) que se articulam e se reiteram através de um imprinting (MORIN, 2011).

A publicidade está sendo considerada como uma tecnologia do imaginário (SILVA, 2012; 2016) em um discurso que veicula de forma repetitiva em diferentes meios. Este discurso funciona em articulação a outras mídias e também a outros tipos discursos - científico, jurídico, etc. - que servem como dispositivos de relações de poder (FOUCAULT, 1979; 1987; 1996) e da reiteração de um ideal regulatório (BUTLER, 2000; 2016). E é através das categorias interseccionais que atravessam cada mulher,

1 Doutoranda em Comunicação e Informação (UFRGS), mestra em Comunicação Social (PUCRS),

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2 como raça, classe e idade (HOOKS, 2000; HIRATA, 2014; COLLINS, 2015), que essa relação de poder tem a possibilidade de ser naturalizada e legitimada.

Aqui serão consideradas principalmente as imagens da publicidade como uma aparência, que comunica, gera efeitos e faz a manutenção de relações de poder. De acordo com Maffesoli, a aparência, como aquelas manifestadas na publicidade, “mais que uma simples superficialidade sem consequências, inscreve-se num vasto jogo simbólico, exprime um modo de tocar-se, de estar em relação com o outro, em suma, de fazer sociedade” (MAFFESOLI, 2010, p. 141). A publicidade é compreendida por Maffesoli (2010) como modulação da aparência que colabora na formação de um conjunto significativo que exprime uma dada sociedade. Assim, é possível pensar a publicidade articulada em um rede de discursos, e não funcionando em um vácuo social. Isto porque ela colabora nas representações e imagens que alimentam o imaginário coletivo brasileiro.

Para atingir os objetivos deste estudo, a abordagem teórico-metodológica se desenvolverá a partir das indicações sobre leitura crítica de imagens de Kellner (2013), tendo algumas imagens publicitárias como objeto. Segundo Kellner (2001), a mídia desempenha “papel fundamental na reestruturação da identidade contemporânea e na conformação de pensamentos e comportamentos” (p. 304), o que facilita o condicionamento de um indivíduo. O autor aponta que a cultura da mídia assume funções que antes eram designadas aos mitos e rituais, e que integravam os indivíduos em uma ordem social, reverenciando valores dominantes e promovendo modelos de pensamento, comportamento e sexo para imitação.

A partir da repetição, por exemplo, a cultura da mídia veicula imagens onde seu público pode se identificar e imitar tais modos de comportamento. Nesse sentido, a publicidade é um texto social importante, que se prolifera através de anúncios e imagens culturais multidimensionais. Segundo Kellner, ler criticamente a publicidade mostra que “ela é avassaladoramente persuasiva e simbólica e que suas imagens não apenas tentam vender o produto, ao associá-lo com certas qualidades socialmente desejáveis, mas que elas vendem também uma visão de mundo” (KELLNER, 2013, p. 109). É dessa forma,

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3 que as imagens tem potencialidade para produzir vontades e desejos. Assim a publicidade mostra comportamentos dominantes de gênero, que são socialmente aprovados e que vão se reforçando e se naturalizando.

Mais que uma distração, as mídias são potentes armas pedagógicas que permeiam toda a vida de um ser humano ocidental, a partir de diversos pontos de contato. As imagens da publicidade possuem uma forte significação, que muitas vezes não está explícita na mensagem. Além disso, "qualquer manifestação da imagem representa uma espécie de intermediário entre um inconsciente não manifesto e uma tomada de consciência ativa" (DURAND, 2004, p. 36). Dessa forma, mais do que a ação do consumo dos produtos anunciados, a publicidade também exerce uma consciência sobre o consumo das imagens ali veiculadas.

Ao representar mulheres em imagens midiáticas, principalmente através de repetições de um padrão muitas vezes inalcançável, a publicidade colabora na manutenção de um ideal regulatório, produzindo diversas consequências no imaginário social. A reiteração de imagens femininas padronizadas provoca, frequentemente, a insatisfação das mulheres com elas mesmas, o que é bastante reforçado pela publicidade que parece mostrar que elas nunca são magras, belas e jovens o suficiente (VIEGAS, 2017). As interseccionalidades que atravessam essas mulheres, como as questões de raça, etnia e classe social, também são potenciais fatores de insatisfação pois funcionam principalmente através da discriminação e/ou invisibilidade.

Isso pode ser observado em relação à pele negra, por exemplo, através de imagens e discursos que vem sendo reiterados através de um processo histórico que sustenta o imaginário coletivo. Winch e Escobar (2012) apontam que o discurso publicitário acostumou-se a destinar espaços e posições subalternas para as mulheres negras. Com a desculpa de provocar projeções identitárias positivas nos consumidores, os publicitários alegavam – por volta de 1984 – que a beleza no país era considerada predominante europeia: pessoas louras com olhos claros. Desse modo, mesmo que a indústria publicitária brasileira enxergasse o público negro como consumidor potencial, colocá-los nos anúncios se mostrava como um risco.

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4 A invisibilidade e deturpação da imagem de pessoas negras na publicidade sempre fora um assunto velado, mas a partir da década de 80, foi possível perceber mudanças neste aspecto, gerando inclusão e valorização do negro no discurso midiático (WINCH; ESCOBAR, 2012). Uma implicação desta problemática pode ser percebida nos xingamentos direcionados à Miss Brasil 2017. Entre os piores comentário estão

“cara de empregadinha” e “devia morrer”2. Por ser um concurso diretamente

relacionado com a beleza, estas falas são muito simbólicas, pois fazem emergir questionamentos sobre como a mulher negra é vista por algumas pessoas.

Apesar de ser possível observar algumas mudanças na publicidade, ainda há diversas questões pouco questionadas que se encontram, principalmente, em anúncios aparentemente neutros. Alguns desses pontos podem ser percebidos em anúncios de cremes antirrugas, por exemplo.

Figura 1 - Lançamento da linha Renew Genics da Avon

Fonte: Diário do Nordeste3.

A marca possui a linha Renew “anti-idade”, termo com um significado potente e normalmente direcionado às mulheres. De acordo com Wolf, “o envelhecimento na mulher é ‘feio’ porque as mulheres adquirem poder com o passar do tempo” (WOLF, 1992, p. 17). A autora articula suas reflexões a partir do conceito de “mito da beleza”,

2 Fonte:

<https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/08/nova-miss-brasil-e-alvo-de-racismo-tem-cara-de-empregadinha-devia-morrer.html> Acesso em: 4 out. 2017.

3 Fonte:

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5 que segundo ela determina o comportamento e o controle da mulher, não a aparência. Para ela, mesmo após as grandes revoluções e avanços feministas, as mulheres não estão completamente livres, o que pode ser compreendido como uma “liberdade provisória”. Nesse sentido, a publicidade traz um discurso que promete moldar o corpo feminino, mantendo o peso e as rugas sobre controle.

Essa vigilância é apontada por Foucault (1987) em suas reflexões sobre a produção de corpos dóceis. De acordo com Foucault, “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações" (FOUCAULT, 1987, p. 118). Nas práticas de contingência das mulheres, essa docilidade dos corpos é muito eficaz, pois silencia e treina a mulher para este lugar de obediência através da incessante necessidade reiterada de se enquadrar em um padrão de beleza. Poder é compreendido aqui em termos foucaultianos, como algo que se exerce, se efetua e funciona como uma maquinária ligada em toda estrutura social, não como um objeto, mas uma relação de forças. O poder não é apenas ideológico e repressivo pois não é composto apenas de proibição, mas de produção de imagens, indução ao prazer e formação do saber, ou seja “uma rede produtiva que atravessa todo corpo social” (FOUCAULT, 1979, p. 8).

Para compreender as relações de poder acerca do gênero, é preciso compreender primeiramente que não uma essência ou um ponto de partida, apenas produção e reiteração de normas através das práticas discursivas da performatividade. Isso significa que é preciso abandonar o caráter essencialista e biológico dos modos de ser mulher, assim como aquele puramente construcionista, entendendo as práticas discursivas como constituidoras e constituídas por relações de poder. Esses modos de ser mulher são constituídos através de reiteração de práticas de gênero que são performáticas.

Nesse sentido, entende-se que o gênero não está apenas no discurso, mas também na materialidade do corpo, através de atos, gestos e ações que são performativos. A performatividade deve ser compreendida muito além de um ato singular, pois funciona através de uma prática reiterativa do discurso. A formação do sujeito da publicidade ocorre por uma abjeção e um repúdio ao que foge da

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6 normalização e que faz com que pessoas não sejam consideradas “sujeitos”, como um espectro ameaçador (BUTLER, 2000). Essa reiteração de normas através da prática discursiva é necessária para a performatividade, colaborando para manter a estabilidade sobre as questões de gênero e suas interseccionalidades.

De acordo com Hirata (2014), questões relacionadas a sexo, raça e classe representam um ponto central na questão da desigualdade, mas a interseccionalidade vai muito além dessas questões. Interseccionar desigualdades sociais é levar em conta as múltiplas fontes de identidade e, nesse sentido, “a interseccionalidade é vista como uma das formas de combater as opressões múltiplas e imbricadas, e portanto como um instrumento de luta política” (HIRATA, 2014, p. 69). Isso aponta a importância do cruzamento de raça e gênero, entre outras categorizações.

Hooks (2000) aponta que desde pequenas, as mulheres negras vêm apenas mulheres brancas na mídia, isto porque a negritude é invisibilizada e a pele branca vira sinônimo de beleza. Ela argumenta que por longo período na história, as mulheres negras eram representadas por um longo silêncio, o silêncio da opressão. De acordo com Collins (2015), considerar o feminismo dessa forma não é apenas um projeto de conhecimento, mas também, uma arma política. Para a autora, “raça, classe, gênero, sexualidade, idade, capacidade, nação, etnia e categorias de análise semelhantes são melhor compreendidas em termos relacionais do que isoladamente uma da outra” (COLLINS, 2015, p. 14). Para isso, é preciso considerar os diferentes pontos de vista, realidades e experiências, a diferença de tempo e espaço entre esses marcadores, levando em consideração que este é um processo social complexo.

Atualmente, algumas marcas se propõe a romper certos padrões e trazer diversidade para suas imagens midiáticas. Algumas imagens desviantes podem ser percebidas na nova campanha da Avon, em sua linha Color Trend. A marca busca explorar a diversidade brasileira em seus anúncios publicitários através do uso da imagem de mulheres muito além da modelo branca, cisgênera, magra, alta, de cabelo liso.

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7 Figura 2 – Imagem da Campanha ColorTrend da Avon

Fonte: Página do Facebook AvonBR4.

Esta não é a primeira marca de cosméticos que traz um questionamento sobre o ideal de beleza. A empresa Dove, há dez anos, veicula a campanha da Real Beleza, com mulheres de diferentes idades, corpos e cores. A Natura também têm explorado essa temática, principalmente através das hashtags #OcupeSeuCorpo e #VelhaPra, que favorecem não apenas a criação de conteúdo contra um padrão de beleza, mas também o compartilhamento pelos consumidores da marca.

Considerando essa problemática, o estudo busca analisar imagens publicitárias em uma perspectiva histórica através de uma leitura crítica. Com os resultados, espera-se localizar as imagens desviantes em um processo histórico e repensar o papel da representatividade na publicidade brasileira.

Palavras-chave

Comunicação; Publicidade; Gênero; Interseccionalidade; Beleza.

Referências bibliográficas

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do "sexo". In LOPES, Guacira (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 151-172.

4 Fonte: <https://www.facebook.com/avonbr/photos/fpp.339804526194/10155079249251195/?type=3>.

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8 ______. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

COLLINS, Patricia Hill. Intersectionality’s Definitional Dilemmas. Annual Reviews of

Sociology, v. 41, n. 1, p. 1 - 20, 2015. Disponível em: <http://www.annualreviews.org/doi/pdf/10.1146/annurev-soc-073014-112142> Acesso em 23 jun. 2016.

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MORIN, Edgar. O método 4: as ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 2011.

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9 ______. Em torno de uma noção de imaginário. In. Comunicação e imaginário. TONIN, Juliana; AZUBEL, Larissa (Org.). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016.

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WINCH, Rafael Rangel; ESCOBAR, Giane Vargas, Os lugares da mulher negra na publicidade brasileira. Cadernos De Comunicação, UFSM, Santa Maria, v. 16, n. 2, jul-dez, 2012.

Referências

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