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CAMPO RELIGIOSO EM PIERRE BOURDIEU: EXPLORANDO A DINÂMICA DAS INSTITUIÇÕES BUROCRÁTICAS

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Edição 10 – Dezembro de 2015

CAMPO RELIGIOSO EM PIERRE BOURDIEU: EXPLORANDO A

DINÂMICA DAS INSTITUIÇÕES BUROCRÁTICAS

GUIDOTTI, Vitor Hugo Rinaldini1

Resumo

Partindo da contribuição sociológica sobre o campo religioso de Pierre Bourdieu, o presente texto procura esboçar uma breve reflexão sobre como a burocracia torna-se um aporte às religiões sacerdotais que se relacionam com grupos dominantes e dominados, no pretexto de balizar um imaginário social onde a desigualdade, exploração e as várias formas de discriminação perdurem de modo latente e justificado. Para tanto, explora-se aspectos pertinentes da teoria de Bourdieu e a contribuição sobre os estudos da burocracia, no intento de evidenciar como as instituições religiosas burocráticas operam a fim de buscar a monopolização desse campo em disputa. Como consideração diante do panorama suscitado, é possível indicar proposições emancipatórias, ainda que diminutas, oriundas do próprio campo religioso.

Palavras-Chave: Sociologia da religião. Burocracia. Desigualdade. Discriminação. Abstract

Accepting the sociological contribution on religious field of the sociologist Pierre Bourdieu, this paper searches to delineate a brief reflection on how the bureaucracy become an support to the sacerdotal religions that interact with dominant and dominated groups above the pretext of marking a social imaginary which the inequality, exploitation and the many forms of discrimination continue hardly and justifiably. Therefore, we examine many aspects of Bourdieu’s theory and the studies of bureaucracy attempting to show how the bureaucrat religious institutions operate in order to seek the monopolization of this field in dispute. As a consideration in front of this panorama, it is possible to indicate emancipatory propositions, coming from the religious field itself.

Keywords: Sociology of religion. Bureaucracy. Inequality. Discrimination.

INTRODUÇÃO

O cenário do mundo globalizado onde o sistema capitalista impõe seus tentáculos em todas as direções para manter a produção e reprodução dos bens materiais e simbólicos que estruturam sua sobrevivência carrega consigo aspectos intrínsecos à modernidade. No limiar desse percurso constata-se a potencialidade contínua da exploração, desigualdade e discriminação, portanto uma configuração social que não cria condições favoráveis à emancipação dos povos sejam eles pensados a partir de classes ou de grupos.

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Mestrando em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGS-UFGD). Endereço eletrônico: vitor_guidotti@live.com / vitor.guidotti@uniesp.edu.br

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Se a exploração entre os homens já fora bem descrita por Marx e Engels (2005), onde apresentam que a história da humanidade é constituída basicamente pela apropriação da força de trabalho de uma classe por outra, a sociedade pós-revolução industrial atribui-se veementemente disso e proporciona aspectos discriminatórios que sustentam violações históricas dos direitos humanos contra grupos marginalizados pelo sistema, como negros, mulheres, indígenas e orientais, ainda que isso não seja uma característica apenas inerente da modernidade (SOUSA SANTOS, 2013).

Portanto, a de se constatar que o paradigma da sociedade capitalista longe está de ser uma proposta de alteridade e autonomia, haja vista que seu objetivo é discrepante à prerrogativa da dignidade humana. No entanto, é interessante refletir em como esse sistema econômico e produtivo impera, sendo que os grupos ou classes oprimidos sustentam os opressores sem que haja uma efetiva contestação da situação decadente que estes primeiros vivenciam.

Acreditamos que a partir da contribuição à Sociologia da Religião elaborada por Pierre Bourdieu (2011) é possível pensar em uma das maneiras em como esse imaginário social opressivo mantêm-se operante e validado. Não obstante, o objetivo do presente trabalho é compreender como a burocracia possui papel imprescindível segundo Bourdieu no que tange a atuação das religiões. Para tanto, foi feita uma síntese do pensamento do autor e buscou-se atentar-se em elaborar um entendimento da dinâmica que a burocracia, especialmente como sustentáculo legitimador das atividades religiosas, contribui para o a justificação da desigualdade e da discriminação.

1. DINÂMICA DAS INSTITUIÇÕES BUROCRÁTICAS RELIGIOSAS

Pensar a relação entre religião e a condição social de grupos sejam opressores e oprimidos é exercitar um raciocínio que coloca as atividades religiosas como não simplesmente algo que busque a fé em si mesma, isto é, ao pensar a religião meramente como uma organização cujo intuito é apenas dedicar-se a uma divindade ou divindades, perde-se todo o potencial implicado numa análise de estruturas estruturantes e estruturadas, ou seja, de mecanismos onde são desenvolvidos e reproduzidos discursos que contemplam alianças entre grupos e instituições. É preciso, portanto, ao pensar as religiões de modo sociológico, compreender qual seu propenso papel na configuração social imposta.

Está é a contribuição que Bourdieu (2011) nos traz. Ao elaborar a gênese e estrutura do

campo religioso, abarcando a contribuição dos clássicos da sociologia no que tange a religião e

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propõe uma explicação sobre a religião em que a Sociologia possui papel basilar, para além de uma explicação transcendentalista ou teológica.

Inicia tratando a religião como língua ou forma de comunicação, criando condições favoráveis para que sua mensagem seja devidamente compreendida pelos grupos, especificamente. Isto porque as religiões não constroem explicações únicas, pois seu intento é que as mensagens sejam devidamente aceitas por grupos diversos.

A primeira tradição trata a religião como língua, ou seja, ao mesmo tempo enquanto um instrumento de comunicação e enquanto um instrumento de conhecimento, ou melhor, enquanto um veículo simbólico a um tempo estruturado (e portanto, passível de uma análise estrutural) e estruturante, e a encara enquanto condição de possibilidade desta forma primordial de consenso que constitui o acordo quanto ao sentido dos signos e quanto ao sentido do mundo que os primeiros permitem construir (BOURDIEU, 2011, p. 28).

Portanto, a religião pretende arquitetar explicações de mundo cuja aceitação seja condição

sine qua non para sua existência. Suas explicações precisam atender as ansiedades de todos os

grupos a partir das condições materiais e sociais de suas existências, respectivamente. Não seria oportuno elaborar uma explicação teológica sobre a configuração social em que seja facilmente identificada uma impossibilidade de transformação para aqueles em situação caótica ou uma explicação em que os grupos dominantes fossem condenáveis, diante de sua posição opressora. Mais do isso, as explicações religiosas necessitam ir de acordo com os interesses dos grupos dominantes, para que estes mantenham-se em tal situação e que os grupos dominados compreendam a condição que lhes foi imposta, pois isto lhe propicia à religião devida aliança com aqueles que detêm o poder, pertinente para sua situação de monopolização do campo religioso, marcadamente em disputa com outras denominações religiosas e variados discursos teológicos – aspectos que trataremos adiante. Para isso, as explicações religiosas atuam subordinando-se “às funções socialmente diferenciadas de diferenciação social e de legitimação das diferenças”, de modo que “as divisões efetuadas pela ideologia religiosa vêm recobrir (no duplo sentido do termo) as divisões sociais em grupos ou classes concorrentes ou antagônicas” (BOURDIEU, 2011, p. 30-31), sempre em detrimento dos oprimidos e em favor dos opressores, seja no aspecto da desigualdade ou da discriminação.

Neste ponto, Weber está de acordo com Marx ao afirmar que a religião cumpre uma função de conservação da ordem social contribuindo, nos termos de sua própria linguagem, para a “legitimação” do poder dos “dominantes” e para a “domesticação dos dominados”. [...] Em outras palavras, a religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão política apresenta-se como estrutura natural-sobrenatural do cosmos (BOURDIEU, 2011, p. 30-31-32).

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É interessante pensar que os discursos produzidos pela religião necessitam ser naturalizados, isto é, demonstrar que as explicações sobre as condições sociais são fruto de uma vontade divina e que, portanto, aos olhos dos fiéis, seriam explicações inexoravelmente perfeitas. Isso fortaleceria os discursos religiosos quanto à configuração social e daria credibilidade aos que comungam de tais entendimentos – grupos dominantes e dominados. Tal assertiva é corroborada com a interpretação de Oliveira quanto ao escrito de Bourdieu, onde demonstra como a religião pretende construir concepções de mundo consagradas, isto é, reconhecidamente divino, que “desempenha a função simbólica de conferir à ordem social um caráter transcendente e inquestionável [...]”, residindo aí “sua eficácia simbólica e, ao mesmo tempo, sua função eminentemente política” (2011, p. 180), portanto, a religião:

[...] não fornece justificação para a existência humana abstrata, mas sim na forma tal como existimos em situações socialmente determinadas. [...] Não basta, contudo, que o conjunto de práticas e esquemas de pensamento religioso seja coerentemente estruturado para exercer essa função social. Sua eficácia simbólica reside em sua capacidade de inculcar-se nos membros de uma dada sociedade, e assim moldar seu comportamento. Em outras palavras, a religião só é socialmente eficaz quando seus esquemas de pensamento se inscrevem nas consciências individuais e nelas se incorporam como se naturais fossem, transformando-se então em hábitos. [...] Toda religião exerceria, assim, a função política de eternizar uma dada ordem hierárquica entre grupos, gêneros, classes ou etnias (OLIVEIRA, 2011, p. 180-181).

Certo de que a religião contribui para a conservação da configuração social que notadamente explora a partir do trabalho e discrimina por processos históricos de desigualdade, mantendo grupos em situação subalterna, temos que avançar no raciocínio de Bourdieu e compreender como se da as relações no campo religioso. Se o intento das religiões é monopolizar este campo para que sua sobrevivência seja possível e sua expansão viável conjuntamente a partir de relações com grupos dominantes que detêm o poder no campo político, faz-se obrigatório travar a disputa com várias denominações religiosas e discursos proféticos que também pretendem participar da disputa, sejam por motivos iguais ou diferentes.

Bourdieu então lança mão de uma classificação que insere dois principais protagonistas na disputa, sendo que “a luta pelo monopólio do exercício legítimo do poder religioso sobre os leigos e da gestão dos bens de salvação organiza-se necessariamente em torno da oposição entre (I) a Igreja

e o profeta e sua seita (II)” (2011, p. 58). Os agentes da Igreja seriam os sacerdotes - portanto

religiões sacerdotais - que intentam monopolizar o campo religioso e atribuir seu trabalho a manutenção da ordem estabelecida; os profetas seriam agentes que surgem em determinadas

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condições sociais e trazem consigo um discurso religioso contestador às religiões que estabeleceram domínio (OLIVEIRA, 2011).

É evidente que a essa forma de ver as relações de embate no campo religioso traz consigo a constatação que os sacerdotes possuem melhores condições de atuação e efetivação do controle da produção dos bens de salvação, isto é, os discursos que serão destinados aos mais variados grupos no intento de manter o status quo, pois sua posição em relação aos profetas sempre está garantida, seu poder e raio de atuação maior do que este último. Bourdieu esclarece que a posição do profeta é sempre de contestação à religião que impera no campo, e a Igreja no papel de deslegitimar o discurso profético e de estabelecer seu discurso de modo impositivo a partir do trabalho dos sacerdotes.

Para que a religião sacerdotal – ou Igreja – tenha maior poder de atuação e melhores condições de realizar o trabalho religioso2 do que o profeta, Bourdieu esclarece que os sacerdotes possuem em seu favor “um aparelho de tipo burocrático”, enquanto os profetas possuem basicamente “sua ‘pessoa’ única caução ou garantia na falta de qualquer capital inicial” (2011, p. 60).

Eis aqui o interesse propriamente particular do presente trabalho, isto é, embora Bourdieu não alongue a exploração de como se da a dinâmica da instituição burocrática religiosa em favor do trabalho religioso dos sacerdotes, nos parece imprescindível identificar a força se seu aporte em detrimento das ações dos profetas, para que a Igreja continue em sua situação dominante no campo religioso e consiga produzir e reproduzir os discursos que cabem aos grupos dominantes com quem realiza alianças, para a finalidade última de monopolização do campo religioso – por parte da Igreja – e da contínua exploração dos grupos dominados – por parte dos grupos dominantes. Portanto iremos explorar os estudos sobre burocracia para procurar compreender o papel dessas instituições burocráticas e sua relação com a religião.

Segundo Freund (2003), ao interpretar a contribuição teórica que Max Weber oferece sobre a burocracia, podemos dizer que esta “é o exemplo mais típico do domínio legal” (2003, p. 170), isto por possuir oito características, que segundo Freund (2003) seriam: (i) a divisão do trabalho previamente elaborado de acordo com as normativas impostas pela organização, (ii) a defesa por parte da organização burocrática diante da atuação de seus funcionários, (iii) centralização do poder a partir da elaboração da hierarquia de funções, (iv) seleção daqueles que irão compor a organização a partir da comprovação da especialização destes para o trabalho, (v) designação de remuneração

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Segundo Oliveira (2011, p. 182), “há trabalho religioso quando seres humanos produzem e objetivam práticas ou discursos revestidos de sagrado, e assim atendem a uma necessidade de expressão de um grupo ou classe social”.

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aos que efetuem o trabalho, (vi) o controle do trabalho dos funcionários pelo gestores, isto é, aqueles que lideram a organização, (vii) critérios pré-estabelecidos de promoção daqueles que fazem parte da organização e (viii) diferenciação do cargo e daquele que o ocupa. Todas essas características trazem para a organização – neste caso a instituição burocrática religiosa – condições favoráveis para sua atuação na sociedade e a legitimação de seu trabalho, no intento de seus objetivos.

As partir das considerações feitas por Freund (2003) quanto à concepção weberiana de burocracia, é possível pensar em como os sacerdotes irão atuar de acordo com os interesses da

Igreja, isto é, no intuito de corroborar para a conservação da ordem social sem que estes agentes

tenham liberdade para alteração de suas funções, visto que os papéis de seus cargos estão previamente estipulados, e que sua formação seja especialmente dedicada à sua função. Além disso, o sacerdote possui como aparato de seu trabalho todo um aparato burocrático, que seria a instituição burocrática, que lhe dá credibilidade perante leigo – aqueles que demandam os bens de salvação – para sua atuação e, mesmo que ocorra algum erro ou incoerência por parte do agente – sacerdote –, a própria instituição burocrática terá o controle social suficiente para suprimir tal deslize.

A lógica do funcionamento da Igreja, a prática sacerdotal e, ao mesmo tempo, a forma e o conteúdo da mensagem que ela impõe e inculca, são a resultante da ação conjugada de

coerções internas, inerentes ao funcionamento de uma burocracia que reivindica com êxito

mais ou menos total do monopólio do exercício legítimo do poder religioso sobre os leigos e da gestão de bens e salvação, e de forças externas que assumem pesos desiguais de acordo com a conjuntura histórica. As coerções internas surgem como imperativo da

economia de carisma que deseja confiar o exercício do sacerdócio, atividade

necessariamente “banal” por ser cotidiana e repetitiva, a funcionários intercambiáveis do culto e dotados de uma qualificação profissional homogênea adquirida por um processo de aprendizagem específica, e aparelhados com instrumentos homogêneos capazes de possibilitar uma ação homogênea e homogeneizante (BOURDIEU, 2011, p. 65-66).

Quanto às forças externas descritas por Bourdieu (2011), essas seriam as relações com as classes ou grupos dominantes, a qual a Igreja deve propor concessões para que haja uma aliança, e os próprios profetas e suas seitas, em intenso embate perante a naturalização do discurso da religião sacerdotal. A questão é que, pelo profeta não ter um aparato burocrático que lhe dê maior confiabilidade para uma comunidade em relação ao sacerdote, este irá atuar sempre em desvantagem e, não obstante, a Igreja irá impor tentativas de eliminá-lo, seja “por meio da violência física ou simbólica (excomunhão)” ou agregando o profeta a sua instituição burocrática religiosa, perante sua submissão por meio do “reconhecimento da legitimidade do monopólio eclesiástico”, permitindo “sua anexação pelo processo de canonização” (2011, p. 62).

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A configuração das organizações burocráticas propicia uma articulação entre os interesses propriamente daqueles que gerenciam a organização para com os que ocupam os diversos cargos e funções. Por exemplo, a partir da estruturação de uma organização burocrática, cada indivíduo teria sua função estabelecida, e isso faria com que este não possua liberdade de alterar suas tarefas por vontade própria. A racionalização das tarefas e a coerção das atividades mediante normativas é algo que torna possível à uma organização burocrática fazer com que todo o trabalho desenvolvido pelos agentes que compõem a organização contribuam para os objetivos previamente estabelecidos por aqueles que ocupam o topo da pirâmide hierárquica e/ou os que possuem relações de aliança com a organização.

Assim sendo, segundo Faria e Meneghetti (2011, p. 427), “para Weber [..] a burocracia é um eficiente instrumento de poder”, primeiramente porque ao firmar-se como instituição burocrática em uma sociedade seu desmoronamento torna-se deveras dificultado, pois não se tratará mais de intentos individuais e puramente subjetivos, mas firmará um caráter estruturado e racionalizado, oferecendo mais credibilidade à sociedade diante de sua atuação. Ainda a burocracia pode ser considerada um instrumento de poder porque “potencializa segredos, conhecimentos e intenções, [...] na medida em que oculta conhecimentos e ações” (2011, p. 427). Essa característica da burocracia, como efetivo mecanismo de poder, denota aporte à relação entre Igreja e as classes dominantes, pois:

O papel das organizações burocráticas não está associado apenas à produção de riqueza, de capital e das demais mercadorias e serviços, e, tampouco, à reprodução da mão de obra como força de trabalho ou garantia da sobrevivência do trabalhador por meio do salário. O papel das organizações burocráticas constitui-se em garantidor do controle social por meio do estabelecimento das relações de poder, que sempre ocorrem entre desiguais. As organizações burocráticas servem de unidades de dominação, sendo, igualmente, responsáveis pela inculcação ideológica, pela adoção da submissão, pelos comportamentos controlados e socialmente aceitos, todos entendidos como naturais. Assim, a organização burocrática configura-se numa estrutura de controle e poder (FARIA e MENEGHETTI, 2011, p. 434).

É interessante perceber a colocação feita por Faria e Meneghetti (2011) sobre a burocracia como controle e poder e o que Bourdieu (2011) fala sobre a atuação das religiosas. Parece-nos que ambas as considerações são sinônimas, na medida em que suas características são as mesmas, mesmo que a burocracia seja uma ferramenta e, portanto, um meio de controle poder, e a religião a utilize como modo de atingir seus objetivos, que seria o controle e o poder, sejam para ou por uma classe dominante, seja para a monopolização do campo religioso.

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Produto da institucionalização e da burocratização da seita profética (com todos os efeitos correlatos de “banalização”), a Igreja apresenta inúmeras características de uma burocracia (delimitação explicita das áreas de competência e hierarquização regulamentada das funções, com a racionalização correlata das remunerações, das “nomeações”, das “promoções” e das “carreiras”, codificação das regras que regem a atividade profissional e a vida extraprofissional, racionalização dos instrumentos de trabalho, como o dogma e a liturgia, e da formação profissional etc.) opõe-se objetivamente à seita assim como a organização ordinária (banal e banalizante) opõe-se à ação extraordinária de contestação da ordem ordinária (BOURDIEU, 2011, p. 59-60).

Nesse sentido, a partir da dinâmica das instituições burocráticas religiosas é possível pensar em como a burocracia serve como aporte a manutenção do poder da Igreja no campo religioso, em detrimento do antagonismo do profeta que considera tal estrutura estruturante sempre como errônea, e busca a partir dos povos o apoio necessário para a efetiva contestação da produção de bens de salvação que propiciem a conservação da ordem estabelecida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir desse pequeno levantamento teórico, propusemos compreender como se dá a dinâmica da burocracia como configuração de organização que contribui legitimar a função dos agentes religiosos, os sacerdotes, no intento de monopolizar o campo religioso proposto por Pierre Bourdieu (2011).

Para além de uma mera exploração dos conceitos teóricos, o que essa dinâmica nos revela é que as instituições burocráticas religiosas trazem consigo o poder e controle de manter grupos ou classes na condição de explorados e discriminados, numa situação de evidente desigualdade, muitas vezes relacionada exclusivamente com a condição de trabalho dos indivíduos pertencentes a esses grupos ou classes, no intento de conservar o poder político que favorece a Igreja a contínua monopolização de seu campo. Numa sociedade em que organizações propiciam um cenário decadente quanto a dignidade humana a partir da exploração da força produtiva e de suas consequências políticas, culturais e sociais, há de se posicionar de tal modo que essa configuração social seja contestada.

Nesse sentido Sousa Santos (2014) traz uma contribuição pertinente, na medida em que vê nas teologias progressistas e pluralistas, isto é, concepções religiosas de mundo contrárias a desigualdade, exploração e discriminação social que reivindicam seu espaço na sociedade. Tais teologias podem ser um forte componente de luta contra a desumanização dos povos provocada pelo capitalismo e pelas organizações que o sustenta simbolicamente, nesse caso as próprias religiões sacerdotais. Talvez possamos encaixar essas teologias progressistas e pluralistas como as

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seitas e os teólogos de tais propostas como os profetas na classificação feita por Bourdieu. Ainda que não tenham um aparato burocrático a seu favor, resta-nos considerar a proposição emancipadora dessas teologias como inerentes a busca pela dignidade humana e emancipação dos povos.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Gênese e estrutura do campo religioso. In: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.

FARIA, José H. de; MENEGHETTI, Francis K. Burocracia como organização, poder e controle. RAE – Revista de Administração de Empresas, vol. 51, nº. 5, 2011. Disponível em <http://rae.fgv.br/rae/vol51-num5-2011-1/burocracia-como-organizacao-poder-controle>. Acesso em: 13, Fev 2015.

FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: Feuerbach – A oposição entre as Concepções Materialista e Idealista. São Paulo: Martin Claret, 2005.

OLIVEIRA, Pedro A. R. de. A teoria do trabalho religioso em Pierre Bourdieu. In: TEIXEIRA, Faustino. Sociologia da religião: enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2011.

SOUSA SANTOS, Boaventura. Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. In: SOUSA SANTOS, Boaventura; CHAUÍ, Marilena. Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013.

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