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Geografia da inovação

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Academic year: 2021

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Velhos e novos caminhos da geografia da inovação

Ricardo Brinco∗

INTRODUÇÃO

A globalização responde pela criação de novos contextos em uma situação de reestruturação econômica acelerada, que leva empresas, territórios e países a trabalharem dentro de um cenário de elevada competitividade. Cria-se, assim, um espaço global cheio de interdependências, de mobilidade extremada dos fatores de produção e de uma nova divisão internacional do trabalho. A questão passa pela forma como as atividades econômicas se organizam para além das fronteiras de países e de empresas, caracterizando um ambiente de forte entrelaçamento entre estruturas industriais de nações desenvolvidas e em desenvolvimento.

Em nível local, os estudos fundamentaram o surgimento de outros modelos de desenvolvimento a partir de um novo enfoque, tratando das relações entre território e formas de organização da produção. Segundo os mesmos, ficou estabelecida uma ligação entre inovação e território, atribuindo-se também especial relevância à interação entre agentes públicos e privados, em um meio que envolve concorrência, cooperação e emulação. Os desenvolvimentos teóricos relacionando espaço geográfico e organização da indústria e das atividades econômicas em geral partiram, em boa medida, do resgate de alguns autores consagrados, com notório destaque para Marshall — e seus conceitos de distrito industrial e de economias externas de aglomeração — e, naturalmente, para Schumpeter.

Economista, Técnico da FEE.

O autor agradece aos colegas Rosetta Mammarella e José Antonio Fialho Alonso pela leitura atenta do texto e pelas sugestões dadas.

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A inovação como fonte do crescimento econômico e do desenvolvimento adquiriu, de fato, um status privilegiado, em um momento de grandes transformações de natureza técnica-econômica e organizativa da produção. Um ponto controverso está ligado ao debate sobre a maior disseminação geográfica do conhecimento e da inovação, que seria ou não facilitada nas atuais condições impostas pela globalização. Ainda que limitados em número, os exemplos dos países asiáticos bem-sucedidos, que conseguiram dar o salto para as atividades intensivas em conhecimento e estão intensificando sua dinâmica de crescimento, impõem-se forçosamente à consideração.

É em torno dessa temática que se desenvolve o presente artigo, sendo o texto estruturado com base em oito itens, além das Considerações finais. Os três primeiros abordam as relações entre mudança técnica e novo paradigma técnico-econômico e organizativo da produção, as novas abordagens das políticas de desenvolvimento local — que atribuem aos territórios uma função de agente de desenvolvimento — e os impactos resultantes da disseminação das formas mais flexíveis de produção. O quinto item trata da diminuição ou não do divide Norte/Sul, enquanto o sexto e o sétimo abordam os desdobramentos resultantes da fragmentação das diferentes etapas da cadeia de valor e de sua dispersão geográfica, bem como o papel estruturante das redes globais de produção. Enfim, o sétimo e o oitavo examinam o “modelo asiático” e suas estratégias industriais e tecnológicas, reveladoras, na dinâmica global contemporânea, das possibilidades de evoluir para situações de capacitação própria no domínio da inovação.

1 MUDANÇA TÉCNICA E EVOLUÇÃO DO PARADIGMA TÉCNICO-ECONÔMICO E ORGANIZATIVO DA PRODUÇÃO

Alguns dos maiores avanços das últimas décadas no campo da economia regional estão ligados aos estudos que buscaram determinar os fatores que regulam a organização do espaço, com o estabelecimento das

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relações entre território, sociedade e economia. Com isso, o espaço geográfico, em seu corte de nível regional, adentrou definitivamente no campo da análise econômica. Ganharam também relevo as teorias e as políticas que apostam nos territórios como “atores” privilegiados, capazes de criar as condições para realizar o desenvolvimento socioeconômico.

Do mesmo modo, resultaram fortalecidos os atributos positivos associados à incorporação continuada das inovações tecnológicas e daquelas de caráter organizacional, garantidoras da produtividade e da competitividade desses territórios e de suas economias. São essas as vantagens que fazem a diferença, no contexto mundial, para todos aqueles que se notabilizam por trabalhar com produtos ou com processos inovadores.

Schumpeter fez sua reaparição em primeiro plano nos estudos econômicos, sendo retomada sua concepção da inovação tecnológica enquanto fator determinante dos processos de desenvolvimento. Nas suas palavras,

[...] a forma como surgem as inovações e como as mesmas são absorvidas pelo conjunto dos agentes públicos e privados é capaz de explicar as contínuas revoluções econômicas, as quais representam a principal característica da história econômica (Schumpeter apud Araujo, 1999). Mais precisamente, Schumpeter faz referência ao fato de serem as inovações propiciadoras dos grandes lucros as que respondem pelos impulsos básicos para assegurar, no sistema capitalista, as melhores condições competitivas. Ora, as inovações tendem a surgir eminentemente nos países mais ricos, que, dessa forma, podem desfrutar, em primeira mão, das margens extraordinárias de lucros por elas geradas. É o meio ambiente ali encontrado — com os altos níveis de renda prevalecentes, os sistemas de crédito fácil e abundante e a concessão de incentivos de toda ordem, dentre outros elementos — que colabora para criar e sustentar esse círculo virtuoso garantidor do progresso técnico; é

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ele que fomenta a grande empatia que, na dupla altas rendas/grandes inovações, uma demonstra ter pela outra.1

Schumpeter foi devidamente “atualizado” pela economia evolucionária ou neoschumpeteriana, que se ocupa dos efeitos virtuosos que se processam entre aglomeração produtiva, tecnologia desenvolvida internamente e desenvolvimento do território. Nesse quadro, seria essa a fórmula que muitos estimam ser a melhor para superar as barreiras à entrada nos mercados internacionais, bem como os diferenciais em termos dos condicionantes impostos, no cenário mundial, pelos padrões desiguais de difusão da tecnologia e da competição.

As inovações técnicas ganharam força, de fato, enquanto elemento explicativo das mudanças que vêm condicionando a evolução do mais recente paradigma técnico-econômico e organizativo da produção. Mostram-se as mesmas intimamente vinculadas às grandes transformações sociais e institucionais em curso, sendo por elas tanto viabilizadas como viabilizadoras de sua manifestação. Nesse contexto, é compreensível que o estudo da inovação e do aprendizado como uma das fontes principais do crescimento e do desenvolvimento tenha assumido uma particular relevância, passando a ocupar um lugar de destaque entre os economistas. É de ressaltar-se, todavia, que uma tal acepção contrasta fortemente com o entendimento da teoria econômica convencional a respeito do assunto, que sempre encarou o progresso técnico como um dado de natureza eminentemente exógena, a ser, portanto, posicionado junto aos fatores externos à economia do crescimento.

Na verdade, a inovação assumiu um papel central no universo da chamada competitividade dinâmica, que pouco tem a ver com as 1 “O lado oposto desse círculo virtuoso aponta para uma segunda tendência, qual seja, a de que os países mais pobres, que se posicionam na parte final do processo, estão destinados a colher poucos — ou, até mesmo, nenhum — dos benefícios das inovações [...]. A difusão espacial das inovações acompanha pari passu a sua rotinização, ou seja, o fim de sua condição de inovação no contexto global mais amplo. Como resultado, no momento em que os ‘novos’ produtos e técnicas são adotados pelos países pobres, tendem a estar sujeitos a uma intensa competição e não mais se mostram capazes de gerar as altas taxas de retorno que tinham nos países ricos [...].“(Arrigui; Silver; Brewer, 2003, p. 18).

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vantagens competitivas tradicionais, ditas de caráter estático, ligadas à exploração, muitas vezes abusiva, dos recursos humanos e naturais ou ao apelo a taxas de câmbio manipuladas. Na nova realidade, precisamente, são privilegiadas as vantagens competitivas de caráter dinâmico, que dependem da introdução e do uso disseminado das inovações de cunho tecnológico, organizativo e de gestão no quotidiano das atividades produtivas.

O espectro de aplicação das inovações é deveras amplo e abrangente, passando pela permanente introdução de novos produtos e pela incorporação de novos materiais e insumos em sua fabricação, sem esquecer o nunca findo movimento de “renovação” daqueles já colocados no mercado, que podem ser objeto de incessantes pequenas “melhorias”, algumas efetivas e outras que se enquadram mais propriamente na categoria de “factóides” mercadológicos. Decorre daí uma sistemática generalizada de encurtamento dos prazos de concepção, de desenvolvimento e de fabricação dos produtos. Os processos produtivos utilizados, por sua vez, resultam igualmente afetados, com a atualização de linhas de produção já em funcionamento, a disponibilização de novos equipamentos e o descarte de velhas plantas industriais estando inseridos no bojo de um processo de obsolescência técnica que afeta drasticamente sua vida útil. Tem-se aí um traço intrínseco ao processo de inovações — a saber, seu caráter formalmente destrutivo —, a que Schumpeter, aliás, já se referia como o da “eliminação dos elementos antiquados da estrutura industrial”. O processo de renovação daí resultante é facilitado pela incorporação dos modernos instrumentos organizativos e de gestão, que estão no fulcro das mudanças em andamento. São, assim, diretamente influenciados os processos de trabalho, a organização da produção e a própria qualidade dos produtos, além de tornar-se possível o acompanhamento on-line de uma extensa gama de informações organizacionais e de controle.

Foram muito marcantes, com certeza, os avanços registrados, em especial a partir dos anos 80 do século passado, no campo dos

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conhecimentos científicos e tecnológicos e das inovações técnicas de toda ordem. Configurou-se, assim, um processo de transformações muito abrangente, por conta de seus impactos e implicações nas sociedades em geral, o qual segue intensificando seu ímpeto. É um cenário que remete às “ondas longas” de acumulação capitalista, aquelas capazes de configurar uma nova estrutura socioeconômica e dar origem a outros setores industriais motrizes. Traz consigo, igualmente, o advento de novos conteúdos tecnológicos e energéticos, que devem moldar, cada vez mais, os modernos processos produtivos. Mais além, é o arcabouço econômico, social e institucional até então hegemônico que vai sendo, dessa forma, gradativamente minado.

O movimento responde, basicamente, às inumeráveis conquistas alcançadas em algumas áreas muito específicas — de que são exemplos notáveis a microeletrônica, a tecnologia da informação e as telecomunicações — e cujos desdobramentos são mutuamente alimentadores em termos de expansão. Só para situar a questão no contexto mais amplo, observe-se, por exemplo, que o forte crescimento registrado pela economia norte-americana ao longo da década de 90 (correspondendo a uma variação efetiva do PIB de 3,7% a.a. entre 1993 e 2000) respondeu significativamente ao incrível dinamismo demonstrado por alguns poucos setores produtivos. Foram eles os responsáveis pelo boom tecnológico do período, cabendo ressaltar que muitos nem existiam ou eram incipientes no decênio precedente.

No que concerne, por sua vez, às economias em desenvolvimento, o movimento de aceleração do progresso técnico-científico tem desdobramentos potencialmente contraditórios e nem sempre fáceis de serem aquilatados, o que também contribui para explicar a disparidade das análises e interpretações encontradas. A grosso modo, sabe-se que o quinhão que reverte a essas economias é, tradicionalmente, o dos produtos de menor valor agregado e de baixa competitividade, enquanto os países avançados costumam posicionar-se na fronteira tecnológica, ofertando bens e serviços de maior grau de sofisticação. O novo cenário,

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visto dessa perspectiva, pode parecer bastante negro e preocupante, na medida em que se encontram, assim, reeditadas as condições para a consolidação das estruturas desigualitárias instaladas no plano mundial. O reverso dessa medalha, todavia, é enfatizado pelos que tendem a admitir a chegada de um tempo de redenção para as economias atrasadas — até mesmo um futuro messiânico, segundo alguns arautos dessa perspectiva —, consubstanciado na consagrada expressão da abertura de “janelas de oportunidade”.2 Reencontra-se aí um clássico ponto de vista

neoschumpeteriano, “[...] que discute a maneira como mudanças nos paradigmas técnico-econômicos alteram a fronteira tecnológica e criam novos conjuntos de padrões, práticas e processos” (Cassiolato; Lastres, 2005, p. 39).

2 TERRITÓRIO E PROGRESSO TÉCNICO

O território assumiu ares de agente pleno do desenvolvimento, não mais sendo considerado um ator passivo. Essa é uma visão típica dos novos enfoques adotados pelas teorias e políticas de desenvolvimento local, que apostam na sua condição de elemento facilitador de transformação da realidade social e que fazem apelo às potencialidades empresariais e produtivas nele encontradas.

A proximidade territorial mantida pelos agentes produtivos é encarada, nessa acepção, como tendo um efeito altamente benéfico no que respeita à capacidade inovativa das empresas e ao seu desempenho competitivo. Ou seja, haveria um forte inter-relacionamento entre a dimensão territorial e as mudanças técnicas, com a primeira contribuindo para o desenvolvimento das segundas e, com estas últimas, conformando 2 “O presente artigo propõe interpretar o desenvolvimento como um processo de acumulação de capacidades tecnológicas e sociais, dependente do aproveitamento das sucessivas e diferentes janelas de oportunidade. Essas são determinadas a partir dos países do centro, pelas revoluções tecnológicas que se produzem a cada meio século [...]. As possibilidades de progredir, em cada oportunidade, dependem dos resultados alcançados na fase precedente, da identificação da natureza da atual e da compreensão do paradigma técnico-científico da revolução em pauta, bem como da capacidade de conceber, a cada vez, uma estratégia que leve em conta os interesses das empresas mais poderosas.” (Perez, 2005, p. 165).

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e reforçando a dinâmica da dimensão territorial. Ganharam força, assim, as interações locais na sua condição de dinamizadoras dos processos de aprendizado e de inovação, bem como os valores e normas, muitas de caráter informal, garantidoras do dinamismo, da diferenciação e da valorização econômica a que podem aspirar os territórios e as aglomerações produtivas (Albagli, 2004, p. 44). Isso equivale a dizer que, na dinâmica do crescimento, passou a ser atribuída à proximidade — e à concentração — de atores e atividades uma função primordial, capaz de fazer surgir e de fortalecer os fenômenos das externalidades positivas. Nessas condições, o capital humano, o capital técnico, o capital físico e o capital público não só têm o status de fatores de produção, como são considerados elementos geradores de externalidades (Dejardin; Guio; Marechal, 1999, p. 92).

A literatura pertinente, nesse aspecto, consagrou o termo “regiões ganhadoras” para falar daquelas em que o modelo de organização industrial assentado nas pequenas e médias empresas se mostraria mais eficiente do que o baseado nas grandes organizações. Outro traço marcante dessas regiões seria o de constituir-se em torno de redes locais, próprias para o estabelecimento de um ambiente intensivo em cooperação e em compartilhamento do conhecimento (inclusive tácito), portanto, particularmente benéfico ao desenvolvimento tecnológico.

A inovação, nesse contexto, resultaria de um processo de aprendizado, de caráter cumulativo e virtuoso, estabelecendo a relação entre concentração industrial e modernização tecnológica e sendo intensamente dependente das redes locais de cooperação em funcionamento em um dado território, bem como das políticas públicas capazes de apoiar e direcionar, de modo direto ou implícito, o desenvolvimento científico e tecnológico. É daí que surge a questão de levar em conta os traços institucionais, culturais e históricos que definem

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um dado território, sendo igualmente lembrado o papel dos aparelhos públicos como os elementos animadores desse ambiente inovador3.

O desenvolvimento endógeno foi concebido, nesse cenário, como a ferramenta própria para promover a articulação interna do sistema produtivo de um dado território, de forma a “internalizar” o crescimento econômico e trabalhar em condições de competitividade de longo prazo nos mercados. Isso exige um ambiente favorável à incorporação de inovações tecnológicas, capaz de gerar conhecimentos específicos, para o que resulta essencial a existência de uma atitude criativa por parte das empresas localizadas em um dado território. As estratégias de desenvolvimento endógeno pressupõem uma organização da produção com base em pequenas e médias empresas, funcionando em rede e tirando proveito das possibilidades colocadas pela especialização flexível. De acordo com seus mais ardentes defensores, o modelo endógeno seria, na verdade, o verdadeiro sucessor do regime fordista, capaz de desvendar a nova forma do desenvolvimento capitalista, o que, no mínimo, parece ser um exagero.4

O território passa a ser visto, nessas condições, com uma construção social, não sendo, portanto, obra do acaso, mas, sim, bem ao contrário, aparecendo como o fruto de um processo histórico e institucional bem localizado, isso é, está associado a um tempo e a um lugar bem determinados. Isso também já dá uma boa pista acerca das imensas dificuldades de espraiamento do "modelo", por conta das suas 3 “O principal interesse dessa abordagem reside na hipótese segundo a qual os ‘milieux’ regionais geram a inovação. Em outros termos, o desenvolvimento bem-sucedido de certas regiões seria devido à sua capacidade autônoma de gerar novos produtos, novas técnicas e novas organizações. Os comportamentos inovadores dependem de variáveis definidas a nível local ou regional, do passado dos territórios, de sua organização e de sua capacidade de levar avante projetos em comum. O acesso ao conhecimento tecnológico, a presença do savoir-faire e a composição do mercado de trabalho determinam com que as regiões se mostrem mais ou menos receptivas às inovações.” (Grosjean, 2001, p. 49).

4“Não é difícil compreender a incongruência entre o limitado nível do local ou da província e a grandiosidade de construir totalidades sociais de maior alcance [...] Em todo caso, temos a convicção de que o desenvolvimento local, a partir do local, não pode ser um modo de desenvolvimento generalizado, sendo, ao contrário, uma exceção, a menos que instâncias supralocais — regionais e nacionais — possam promovê-lo e articulá-lo de forma horizontal e de modo a potencializá-lo ante as forças de mercado.” (Coraggio, 1999).

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condições de aplicabilidade em contextos diversos. Nesse mesmo sentido, e considerando especificamente o conceito de "milieu", não parece demais considerar que se trata de uma noção que se aproxima muito do inapreensível, em função da dose de abstração que pressupõe.5

3 O MODELO FORDISTA DE DESENVOLVIMENTO E A ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

As mudanças ocorridas materializaram-se na gradativa perda de importância relativa das formas estandartizadas de produção em massa e que fazem uso abundante de economias internas de escala. Como se sabe, o modelo fordista remete a uma aglutinação de atividades em torno de alguns setores-chave e gira em torno da grande empresa manufatureira — das indústrias petroquímica, siderúrgica, automotiva, naval, dentre outras —, dos esquemas de consumo de massa e da organização taylorista do trabalho. Pressupõe uma quase irrestrita utilização de algumas fontes energéticas — em especial, de um recurso estratégico e de baixo custo, como o petróleo — e uma despreocupação com os impactos ambientais decorrentes e com o esgotamento do estoque de recursos naturais não renováveis.

O consumo de massa tem seu principal esteio no incentivo à demanda agregada, que foi viabilizado pela manutenção, durante longo tempo, de um pacto social que assegurou a estabilidade de um processo de trabalho garantidor de uma expansão permanente da produtividade e da competitividade empresariais. O referido pacto envolveu governos, empresários e trabalhadores e deu sustentação a uma relação salarial que

5“O entorno inovador, herdeiro do distrito industrial marshaliano constituiria, em si mesmo, um fator intangível de produção regional, capaz de gerar endogenamente processos de desenvolvimento sustentável [...] As descrições relativas à Terza Italia, ao

Silicon Valley e outros casos deram lugar ao intento de modernizar e replicar tais

experiências, até agora sem êxito. Assim como havia sido difícil criar as condições para um desenvolvimento industrial sustentado nos lugares em que, segundo os critérios de mercado, o mesmo não deveria ocorrer, parecia agora difícil gerar as condições para o desenvolvimento endógeno ali onde o mesmo não havia ocorrido como resultado de antigos processos culturais.” (Coraggio, 1999).

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assegurou a prática de reajustes salariais atrelados, em boa medida, à evolução positiva dos índices de produtividade da economia.

Todos esses elementos, que favoreceram sobremaneira o desenvolvimento do modelo fordista, mostram-se, todavia, potencialmente problemáticos e infensos à manutenção da expansão das atividades industriais tradicionais no novo cenário marcado por grandes transformações tecnológicas. De fato, a rigidez da estrutura produtiva implantada e a sua baixa capacidade de incorporar ajustes para adequar- -se aos novos parâmetros operacionais passaram a pesar de forma negativa.

Caracterizados pela máxima especificidade dos ativos empregados (especialmente moldados para a produção de uma dada mercadoria) e pela rigidez das relações que se estabelecem entre esses ativos, os tradicionais processos de produção fordistas apresentam dificuldades, altos custos e/ou longos prazos de maturação para a realização das adaptações relevantes, o que parece torná-los pouco adequados para atender as necessidades de mercados cada vez mais segmentados e dinâmicos. (Uderman, 2007, p. 18).

O novo paradigma pressupõe, portanto, a troca paulatina de um modelo assentado em tecnologias intensivas em capital, de produção em massa e grande consumidor de energia em outro em que a ênfase passa a estar no uso de tecnologias intensivas em informação e de instrumentos computadorizados. As mudanças nos processos produtivos revertem-se em forte crescimento dos índices de produtividade e possibilitam um aproveitamento mais eficiente do capital e do trabalho utilizados, bem como do consumo de materiais e de energia.

Foi, de fato, pela introdução de formas flexíveis de produção que o modelo fordista passou, de forma crescente, a ser posto em xeque. Daí resultaram uma grande ampliação do elenco de produtos oferecidos e a implantação de uma capacidade produtiva capaz de se adequar aos desígnios de uma demanda cada vez mais envolvida com a diferenciação e

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a diversificação dos produtos. A própria empresa, nos moldes de sua organização técnica e gerencial, foi afetada de forma marcante, passando a ter controle em tempo real — via uso intensivo da tecnologia da informação — de todas as fases de seu processo de funcionamento. Aumentaram, assim, os graus de liberdade com que conta no sentido de, com maior eficiência, prosseguir no caminho da internalização das atividades e das funções produtivas ou, de forma mais atualizada, de fortalecer a opção pela subcontratação externa ou por outras formas de organização industrial. E é a microeletrônica, com suas vastas aplicações, que, em definitivo, deu viabilidade às inúmeras formas que a produção flexível pode assumir, “[...] ao possibilitar o domínio da informação a baixo custo e a integração de todas as etapas do processo econômico e da gestão empresarial numa mesma unidade de tempo real” (Albuquerque, 1998, p. 40).

A especialização flexível coloca-se, na sua forma organizacional, como a generalização do sistema produtivo das pequenas empresas, um conceito desenvolvido por Michael J. Piore e Charles F. Sabel a partir das experiências dos distritos industriais da Itália. Seria, conforme alguns, uma alternativa global ao fordismo, com um modelo de demanda não mais estandartizado, mas, sim, adaptado a uma oferta dotada de grande flexibilidade. Tal como representado no norte da Itália, o distrito industrial é marcado por uma forte combinação de concorrência com competição nas diferentes etapas da cadeia de valor, com o comportamento das empresas — que operam em rede — favorecendo sobremaneira as atividades inovativas.6

Na verdade, os conceitos criados com base em aglomerações geográficas de empresas foram desenvolvidos tendo em conta algumas situações de economias locais extraordinárias, como o Vale do Silício nos

6“Mas a sacada genial de Michael Piore e Charles Sabel foi a de interpretar o sucesso dos distritos industriais como um caso particular dentro de uma tendência muito mais ampla. Referindo-se (sem dúvida, de forma abusiva) ao enfoque da regulação, eles estabeleceram que, à produção de massa fordista, deveria suceder um regime baseado na especialização flexível, cuja forma espacial seria o distrito [...].” (Benko; Dunford; Lipietz, 1996).

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Estados Unidos, a Rota 128 na Grande Boston, a região de Baden- -Würtemberg na Alemanha e, é claro, a já citada e emblemática Terceira Itália, com seu sucesso de industrialização em pequena escala. Ou seja, o que seria o novo arranjo industrial formado por organizações industriais de pequeno e de médio porte apenas se manifesta em situações muito particulares:

A localização das pesquisas em algumas poucas áreas de produção similares aos distritos industriais italianos mascara o fato de que essas áreas se constituem em exceções, mais do que exemplos regulares de operação do modo de produção capitalista” (Uderman, 2007, p. 20).

Para além da questão específica do distrito industrial, há uma profusão de conceitos alternativos ou concorrentes encontrados na área do desenvolvimento local: clusters, sistemas locais de produção, micros-sistemas de inovação, ambiente inovador, micros-sistemas produtivos locais, distritos tecnológicos, dentre inúmeros outros. Em nenhum, todavia, é apreensível a realidade de um modelo generalizável, facilmente transferível, o que não é surpreendente, bastando considerar-se a multiplicidade de determinantes que caracterizam um dado contexto em relação aos demais.

De qualquer forma, o certo é que noções como a da acumulação flexível pretendem-se potencialmente capazes de trazer a epifania para regiões atrasadas ou intermediárias em termos de desenvolvimento, graças às possibilidades de difusão e de desconcentração da produção que as anima. Seus críticos, por seu turno, não se cansam de lembrar que a evolução da economia internacional e a localização territorial das atividades produtivas continuam dependentes do capital hegemônico e de suas estratégias de médio e de longo prazo. É até possível que estas últimas contemplem, igualmente, a reestruturação de determinadas economias regionais. Todavia, de imediato e ignorando maiores nuanças, o caráter geral do movimento parece apontar a manutenção da concentração territorial e da concentração dos capitais e do poder decisório. No mínimo, permanece como uma questão controvertida — e,

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assim, merecedora de maiores análises — a da chegada de uma era de facilidades para as regiões não desenvolvidas (ou não plenamente desenvolvidas), por conta da difusão das novas tecnologias e de modelos como o da produção flexível.

Ainda assim, é tendo em vista as vantagens e as exigências do paradigma pós-fordista, que muitos analistas são levados a apostar nas pequenas e médias empresas nessas circunstâncias. Esse não é, certamente, um ponto de vista que goze de unanimidade, até mesmo porque o tamanho da empresa parece continuar a ser um elemento determinante na moderna economia. De fato, há especificidades técnicas e tecnológicas que justificam a manutenção da concentração do capital e o recurso às economias de escala. Além disso, apesar de o fordismo ser, basicamente, constituído por setores industriais maduros, colocaram-se amplas possibilidades reais para sua modernização, através da incorporação dos mais recentes avanços técnicos. Da mesma forma, há estratégias dinâmicas oferecidas pelo novo padrão tecnológico — devidamente assimiladas pelas grandes corporações —, que são capazes de lhes atribuir maior flexibilidade operacional. É o caso da formação das redes globais de produção por elas lideradas e dos processos de terceirização da produção, elementos favorecedores do processo de desintegração/integração de atividades ao longo das cadeias de valor. Foi, precisamente, o que fizeram as grandes empresas a partir dos anos 80 do século passado, que tiveram êxito ao tornarem mais flexíveis as suas operações, justapondo o universo das economias de escopo ao das economias de escala com que sempre operaram (Uderman, 2007, p. 20).

4 INDUSTRIALIZAÇÃO VERSUS CONVERGÊNCIA DOS NÍVEIS DE DESENVOLVIMENTO

A propalada convergência do grau de industrialização entre países do Primeiro e Terceiro Mundos não tem correspondência em termos da convergência dos níveis de renda e de riqueza desfrutados, em média,

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pelos habitantes desses dois grupos de países. Tal observação contradiz a tese da redução das desigualdades Norte-Sul, segundo a qual ter-se-ia processado, nas últimas décadas, uma notável diminuição das diferenças separando os países avançados daqueles da periferia. Isso seria uma decorrência da convergência mundial determinada pela reestruturação do sistema capitalista. Ora, o divide Norte-Sul continua representando uma dimensão fundamental na dinâmica global contemporânea.

Tradicionalmente, considerava-se que a maneira mais eficiente e direta de alcançar a convergência em termos dos níveis de renda passava pela diminuição do hiato de industrialização imperante entre países ricos e atrasados. Na prática, verificou-se, de fato, a ocorrência de um estreitamento desse gap, ainda que sob condições muito diferenciadas em termos dos países beneficiados. Isso é, há o caso daqueles que foram favorecidos pela redução tanto do gap de industrialização como de renda, enquanto a “receita” não funcionou bem para a maior parte dos demais. Em suma, a industrialização da periferia foi marcada por um acentuado processo de assimetria, com a criação de postos de trabalho e a “deslocalização” de plantas industriais beneficiando um grupo limitado de economias do Terceiro Mundo. E, mais ainda, deve ser salientada a contribuição marcante, nesse movimento, de um único país — a China, com seu fabuloso ritmo de crescimento econômico nas décadas mais recentes — para o declínio da taxa de desigualdade encontrada entre países ricos e pobres.7

Os resultados alcançados por algumas das economias emergentes foram, com efeito, particularmente notáveis. Basta dizer que, entre os 12 maiores exportadores mundiais de produtos de alta tecnologia, em 2003, 7 “Por conta da dimensão geográfica da China e de sua histórica centralidade na região, sua contínua expansão é muito mais significativa para a subversão da hierarquia global da riqueza do que os precedentes ‘milagres’ econômicos da Ásia tomados em conjunto. Porque todos esses milagres (inclusive o japonês) constituíam instâncias de mobilidade ascendente dentro de uma hierarquia global de riqueza basicamente estável. A hierarquia podia acomodar, e acomodou, a subida de um punhado de nações asiáticas, que representavam um vigésimo da população mundial. Acomodar, todavia, a ascensão de uma nação que contribui com um quinto da população mundial constitui uma outra história. Estatisticamente, a própria estrutura piramidal haveria de ser subvertida.” (Arrighi; Silver; Brewer, 2003, p. 27).

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seis deles constituíam economias em desenvolvimento: China, Hong Kong, Cingapura, Coreia do sul, México e Malásia. A China, em especial, respondia por 8,8% das exportações globais de alta tecnologia, o que lhe assegurava uma terceira posição no ranking (Gereffi, 2005, p. 7).

De qualquer forma, foi o movimento de deslocamento da produção industrial dos países avançados para outros locais além de suas fronteiras — caracterizados por oferecer menores custos de mão de obra — que promoveu, essencialmente, a tendência de desindustrialização observada no centro. Tal circunstância teve um peso maior do que o de qualquer desenvolvimento industrial, de caráter mais generalizado e com características endógenas, observado na periferia do sistema. É o que explica, de um modo geral, a dinâmica que marcou a evolução industrial no Terceiro Mundo.

Essa virtual falta de correspondência tem reflexos ao nível das oportunidades para o crescimento econômico, que foram apropriadas de forma distinta por países do Terceiro Mundo nas condições estruturais determinadas pela globalização das últimas décadas. As nações do Leste Asiático, muito em particular, revelaram uma impressionante capacidade e um grande senso de oportunidade para, através da industrialização, tirar o melhor proveito das “janelas” abertas pela revolução tecnológica.

5 A ESPECIALIZAÇÃO VERTICAL (GLOBAL OUTSOURCING)

Na economia global, as diferentes atividades produtivas podem ser enquadradas em algumas categorias bem definidas, dependendo do estágio mais ou menos avançado da sua transferência inter e intrafirmas ao longo da cadeia de valor, ou seja, conforme esteja mais ou menos evoluído o processo de desintegração/integração vertical das atividades no seio das redes globais de produção. No caso das firmas dos países em desenvolvimento, correspondem a uma sequência de papéis econômicos por elas assumidos no seu caminho de integração aos padrões do desenvolvimento industrial imperantes.

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A situação mais elementar remete às tarefas de montagem básica, normalmente realizadas com a incorporação de insumos e de componentes importados e voltadas à produção de bens para a exportação. As encomendas dos bens a produzir partem, normalmente, de empresas dos países avançados e são elas também que costumam fornecer os insumos empregados.

Uma segunda situação está associada às atividades manufatureiras realizadas sob o chamado regime Original Equipment Manufacturing (OEM), que implica a produção manufatureira — com insumos locais — de um bem ou de algum componente por encomenda e, muitas vezes, segundo especificações da empresa contratante. Assim sendo, o fabricante original do bem ou do componente não o comercializa diretamente no mercado, repassando-o à firma que vai revendê-lo ou incorporá-lo sob sua própria marca.

Uma terceira situação está associada ao chamado regime Original Design Manufacturing (ODM), que pressupõe um estágio mais avançado do processo de desintegração vertical, na medida em que o fabricante se ocupa não só das atividades de produção propriamente ditas, como também daquelas de concepção e de desenvolvimento dos produtos. Eles são repassados completos à firma contratante — que, via de regra, não possui plantas produtivas próprias — e comercializados sob sua própria marca. Configura uma modalidade que se mostra em franca expansão na economia globalizada, com as firmas que fornecem em regime de ODM mostrando-se capazes de atender a múltiplos clientes e já respondendo por uma grande parte da produção mundial de manufaturados.

Por fim, tem-se uma quarta situação, em que a terceirização das atividades atinge a própria área dos serviços ligados à produção, com o deslocamento para o exterior inclusive das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento, usualmente localizadas nas matrizes das grandes empresas dos países avançados.

Na verdade, são todas as atividades econômicas envolvidas na produção de algum bem ou serviço, e que integram a cadeia de valor, que

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são afetadas no decorrer do processo. Têm seu início com as tarefas de concepção e de desenvolvimento do produto, passam pelas distintas fases de sua produção e completam-se nas de comercialização junto ao consumidor final. Essas distintas etapas podem ser internalizadas pela própria empresa ou repassadas a alguma firma subcontratada ou, ainda, serem levadas a efeito no contexto de alianças ou de acordos entre empresas que compartilham as informações e os conhecimentos necessários ao desenvolvimento das atividades.

Há um traço básico comum ao moderno comércio mundial, que se reflete na intensificação do comércio intraindustrial e interindustrial. Isso foi tornado viável, precisamente, pela decomposição dos processos de produção em múltiplas etapas, distribuídas em locais geograficamente distanciados. Com isso, tornou-se possível a “integração do comércio” com a “desintegração da produção” na economia global. Essa crescente integração do comércio mundial foi consagrada pelo comportamento adotado pelas grandes multinacionais ao desintegrarem seus processos produtivos, por considerarem que a terceirização de uma parte crescente de suas atividades lhes resultava altamente benéfica do ponto de vista financeiro. Esse é, naturalmente, um movimento que contradiz um dos preceitos básicos do modelo fordista, diretamente comprometido com as virtudes da integração vertical da produção (Gereffi, 2004, p. 13).

A terceirização (offshoring) implica, portanto, o ato de deslocar a produção de um determinado bem ou serviço para instalações no exterior. As atividades “deslocalizadas” podem tanto ser levadas a cabo em uma planta de propriedade da própria empresa ou ficarem a cargo de alguma firma local ou multinacional instalada no país beneficiário da terceirização. No caso dos fabricantes norte-americanos, por exemplo, a decisão envolveu habitualmente a realocação industrial em alguns destinos bem específicos, tornados particularmente atrativos, como o México, o Japão e os países do Leste Asiático.

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É usado o termo “fragmentação” para descrever a divisão internacional do trabalho, que possibilita com que produtores localizados em diferentes países — e, frequentemente, com distintas estruturas patrimoniais — formem redes de produção através das fronteiras para o fornecimento de partes e componentes. “Blocos de produção” especializados são coordenados por meio de links de serviço, que abrangem atividades como transportes, seguros, telecomunicações, controle de qualidade e especificações administrativas [...]. (Gereffi, 2004, p. 13).

O termo cunhado para descrever tal situação de “fragmentação” é o da especialização vertical, que se aplica à circunstância de que firmas de distintos países passam a estar ligadas, de forma sequencial e de modo cada vez mais íntimo, em redes globais de produção. Corresponde a um movimento iniciado há duas ou três décadas e que reflete o processo expansionista próprio à geografia da produção internacional e das redes de comércio nas condições da presente economia global. Não é mais, na atualidade, um processo circunscrito à produção de bens e serviços, estendendo-se, inclusive, às etapas de projeto e de desenvolvimento de novos produtos. A especialização vertical configura, assim, um dos elementos inerentes à globalização nos moldes atuais, na medida em que reflete as necessidades impostas pela competitividade internacional e a cada vez mais intensa interdependência e o entrelaçamento verificados entre as estruturas industriais de países ricos e pobres, formando um cenário maior que perpassa as fronteiras das empresas e das nações.

Um dos principais desdobramentos da especialização vertical remete ao mundo do trabalho, que é, de forma direta e sobremaneira, afetado pela amplitude e pela diversidade dos avanços tecnológicos registrados nos últimos decênios. Com efeito, está em curso uma alteração significativa dos conteúdos demandáveis da força de trabalho no que concerne à informação e ao conhecimento, com óbvias repercussões em termos das exigências de capacitação profissional colocadas pelo mercado. Com a chegada do modelo de flexibilização da produção, são todas as etapas da cadeia de valor que acabam sendo envolvidas, passando a serem cobradas uma maior qualificação e uma polivalência dos fatores

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produtivos empregados. Isso decorre da necessidade de ajustar-se à maior flexibilidade e à superior capacidade de adaptação próprias às novas linhas de produção e às mais recentes formas de organização empresarial. Além disso, como as novas tecnologias incorporadas aos processos produtivos mostram-se, via de regra, poupadoras de mão de obra, o cenário tendencial aponta uma situação de menor criação de empregos.

Esse é um contexto tipicamente configurador da instalação do desemprego sistêmico na economia e que vem cobrando um alto preço — para muitos, de forma preocupante —, inclusive no campo dos países mais ricos. De um modo amplo, deve ser dito que, por princípio, tais países revelam-se menos expostos às decorrências nefastas das grandes inovações, posto que têm melhores condições, em termos econômicos e sociais, de “encaixar” os golpes e de empenhar-se com mais facilidade na reconversão de atividades.

Mas é, sem margem para dúvidas, na situação dos países em desenvolvimento que o caráter impiedoso do movimento mais se evidencia, por força da exclusão a que são relegados enormes contingentes de mão de obra de baixa ou de nenhuma qualificação. O aumento dos índices de precarização e a explosão da informalidade, comprometedores dos níveis de vida de suas populações, surge como a manifestação mais inequívoca de suas conotações destrutivas nesse quesito.

No contexto mais amplo, é preciso observar que a interpretação que alguns dão aos impactos ligados ao outsourcing como sendo negativos é encarada por outros como não justificável, quando consideram ser preferível enfatizar as oportunidades de renovação assim colocadas. Com efeito, seria o caso da troca de atividades de baixo valor agregado ou de velhas indústrias por outras de maior produtividade, que estão na fronteira tecnológica. Para os setores e indivíduos diretamente atingidos, todavia, o problema é muito concreto e tende apenas a exacerbar-se, na

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exata medida da amplificação da tendência observada (Gereffi, 2005, p. 2).

Ainda que os movimentos iniciais de deslocamento de plantas industriais para a periferia, na busca do aproveitamento de uma mão de obra com menores salários, tenha ali dado origem à criação de muitos empregos, a verdade é que sua inserção se revelou frágil para muitas dessas economias. Não é surpreendente, nessas condições, que algumas tenham buscado fugir da armadilha, procurando evoluir de forma ascendente e de maneira qualitativa na escala de integração das cadeias de valor. As oportunidades que se colocam, nesse processo, para os que optaram por se transformar em “fornecedores locais globais”8 têm

derivado do aprendizado tecnológico e da transferência de conhecimentos que se processam entre as firmas dos países avançados e as dos países em desenvolvimento.

Apesar de prevalecer a idéia de que já houve uma ampla transferência de muitas plantas e setores produtivos para as economias em desenvolvimento, o fato é que as economias avançadas continuam retendo grande parte das atividades que sempre sediaram. A grande novidade, no quadro atual, é que as mesmas se mostram cada vez mais intimamente interligadas com as atividades que foram transferidas. Predominam, crescentemente, os complexos arranjos interfronteiras, envolvendo fabricantes, fornecedores e usuários.

A primeira onda de outsourcing teve início na décadas de 1960 e 1970, com o êxodo, para os países em desenvolvimento, das atividades produtoras de sapatos, roupas, produtos eletrônicos simples e brinquedos. Após, tornaram-se globais os serviços pouco complexos, como os 8 “Um bom exemplo é o da co-evolução entre os fabricantes sob contrato na área da eletrônica de Taiwan e as firmas dos Estados Unidos. Empresas líderes da indústria global de computadores — como a Hewlett Packard/Compaq, Dell, Apple e IBM — passaram a depender fortemente dos fabricantes sob encomenda de Taiwan para fornecer seus notebooks e microcomputadores de mesa, monitores, placas-mãe, discos óticos e servidores. Foi ao início dos anos 1990 que os fornecedores de Taiwan — conhecidos como Original Design Manufacturers (ODM) — passaram a trabalhar com serviços de projeto e de desenvolvimento, além dos serviços já prestados no campo da produção em larga escala. Algumas companhias locais, como a Acer, chegaram a criar suas próprias marcas de computadores pessoais [...].” (Gereffi, 2005, p. 14).

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de processamento de faturas de cartão de crédito e os de reserva de passagens aéreas, feitas em centrais de atendimento, e a programação de códigos básicos de software. Nos dias de hoje, puxados pela digitalização, pela internet e pelas redes de dados de alta velocidade que circulam pelo mundo, qualquer tipo de trabalho envolvendo o conhecimento pode ser terceirizado para qualquer lugar [...]. (Gereffi, 2004, p. 12).

Está em curso, com efeito, um amplo movimento de terceirização em escala global, que aparenta ser irreversível. Ganha forças porque as grandes multinacionais o sustentam, já que se revela altamente benéfico para a maximização de seus lucros e, ao mesmo tempo, consolida-se porque é do interesse dos grandes fabricantes offshore. O fator limitante, como já se viu, reside nas dificuldades de sua generalização para um espectro mais amplo de países. Para a grande maioria, os efeitos da globalização, ampliados pelas tradicionais condições de poder assimétricas imperantes nas relações internacionais, parecem reeditar, em grandes linhas, o world divide que marcou a industrialização anterior na periferia. Foi apenas para uns poucos países em desenvolvimento que as “janelas de oportunidade” se mostraram efetivas.

6 O PAPEL ESTRATÉGICO DAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO

Está já bem identificada essa estrutura que organiza os grupos mundiais em redes globais de produção. É ela que permite aos processos produtivos serem “fragmentados”, de forma tal que as diferentes partes componentes sejam localizadas em um grande e disperso número de países, ou seja, é ela que viabiliza a disseminação geográfica das cadeias de valor. Na verdade, são duas as dimensões aqui envolvidas e que marcam o fenômeno da especialização vertical: uma de organização (com o deslocamento da integração para a desintegração) e outra de localização (com o deslocamento da concentração para a dispersão). Como decorrência, há um grande aumento da participação das vendas de partes e de componentes no comércio global, ocorrendo a reintegração através

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das redes globais de produção. Foram precisamente os países e regiões que mais se incorporaram a essa estrutura de redes que conseguiram industrializar-se e crescer de forma mais rápida (Ernst, 2003a, p. 7 e 11).

Essa é uma tarefa tornada possível, efetivamente, pela existência de um sistema global de redes interligando as grandes empresas através das fronteiras. Constituem redes de informação à disposição das administrações centrais das firmas, que lhes permitem gerenciar todas as etapas econômicas da produção distribuídas pelo mundo, por meio dos mais variados tipos de alianças e de acordos firmados entre fabricantes, concorrentes, fornecedores e clientes.

Em muitos setores industriais, o sistema está altamente concentrado no topo das cadeias de valor global, havendo um número limitado de grandes firmas que controlam uma muito fragmentada e imensamente competitiva rede de produtores, que se encontram na base da cadeia de valor. Uma grande parte do comércio internacional é, atualmente, de natureza intra-firmas ou faz uso de sofisticadas redes inter-firmas. (Gereffi, 2005, p.46).

São dois os tipos de redes que o capital industrial e comercial utiliza em suas estratégias de globalização: redes globais de commodities controladas pelos fabricantes (producer-driven) e redes controladas pelos compradores (byer-driven). No primeiro caso, são as firmas líderes transnacionais que desempenham as tarefas de coordenação das redes de produção, envolvendo sistemas integrados de participantes de vários níveis, e podem agregar milhares de firmas, subsidiárias ou sub-contratadas. Sua principal característica é a de exigirem elevados investimentos em capital e tecnologia, sendo a indústria automobilística um exemplo clássico de redes producer-driven.

Já as redes de commodities buyer-driven integram setores industriais onde atuam grandes redes varejistas, intermediários atacadistas e fabricantes que vendem sob suas próprias marcas. Formam redes descentralizadas de produção, abrangendo, via de regra, fabricantes do Terceiro Mundo que entregam bens finais para compradores no exterior. Constitui um padrão de industrialização “puxado” pelo comércio e

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é típico de indústrias intensivas em mão de obra e de setores como vestuário e sapatos, brinquedos e bens de consumo em geral. As firmas que realizam as encomendas são chamadas de “fabricantes sem fábricas”, já que sua atuação está concentrada nas etapas de desenvolvimento do produtos e na de comercialização dos bens finais. Seus lucros provêm não da escala de produção ou dos avanços tecnológicos incorporados (como nas producer-driven), mas, sim, de uma combinação de projeto, vendas, marketing e serviços financeiros, que possibilitam explorar com eficiência os grandes mercados de bens de consumo.

Essa é uma característica básica da atual dinâmica que marca a atuação dos sistemas globais de produção e que é determinada pelo fato de, cada vez mais, haver uma separação entre as etapas de projeto e de desenvolvimentos dos produtos — levadas a cabo por empresas destituídas de plantas manufatureiras, mas que os disponibilizam nos mercados sob suas própria marcas — e as etapas de fabricação propriamente ditas, a cargo de firmas que operam sob regime de contratos.

Na verdade, a ascensão dos chamados “compradores globais” constitui um dos traços marcantes da nova economia internacional, com o destaque sendo a terceirização da produção, junto a produtores de baixo custo no exterior, de muitas marcas mundialmente consagradas. Estão aí inseridas as grandes redes varejistas, os supermercados, as lojas de departamentos e todos os que, destituídos de plantas industriais, comercializam produtos com sua própria marca.

Esses atacadistas e varejistas desempenham um papel direto na montagem da produção internacional a partir da demanda, especificando quais firmas fabricarão seus produtos, onde, quando e a que custo. Os compradores globais tornaram-se os guardiões dos mercados nos países desenvolvidos e também controlam a dinâmica do progresso técnico nas economias em desenvolvimento. (Gereffi, 2005, p. 11).

Observe-se que, na industrialização da América Latina, predominou largamente o modelo das redes producer-driven, com as empresas

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transnacionais tendo implantado na região, dentro do modelo de substituição de importações, grandes plantas manufatureiras para atender aos mercados internos e, só mais recentemente, orientando-as para a exportação. Já o esquema das redes buyer-driven é por ali praticamente desconhecido, o que deixou campo livre para os países do Leste Asiático na sua conquista dos mercados norte-americanos e europeus de bens de consumo.

7 A OPÇÃO PELA INOVAÇÃO NO “MODELO ASIÁTICO”9

Uma parte dos processos de transferência tecnológica envolve os chamados conhecimentos tácitos, que não estão, via de regra, embutidos nos projetos, nem aparecem impressos nos manuais ou nas instruções de funcionamento. Forma um conteúdo que é mais dificilmente repassado, o que traz implicações quanto aos tempos e aos investimentos requeridos nos processos de absorção tecnológica. Há, de fato, uma defasagem entre o acesso a uma dada tecnologia por parte de um país, o domínio que se processa sobre a mesma e seu efetivo aproveitamento nos processos de produção, com eficiência similar à demonstrada pelos concorrentes líderes.

Alguns países em desenvolvimento conseguiram contornar esse tipo de armadilha e têm-se mostrado bem-sucedidos na tarefa de ascender ao longo da escala do aprendizado, revelando-se aptos a ir além da etapa de imitação passiva e chegando a consolidar processos continuados e ativos de absorção e aperfeiçoamento de tecnologias. Isso teve repercussões evidentes em termos da elevação de seus índices de produtividade e da modernização de seus parques produtivos. Esse é, precisamente, o caso dos Tigres Asiáticos, cujas estratégias de crescimento estiveram, de início, muito centradas nas atividades de imitação e pouco nas de inovação. Os objetivos então perseguidos buscavam, sobretudo, o catching-up em

9O desenvolvimento dos itens 7 e 8 tem uma grande dívida em relação aos conceitos e ideéias apresentadas em Ernst (2000; 2003a; 2003b; 2004; 2008) e Ernst e Lüthje (2003).

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relação à capacidade manufatureira dos países líderes, em uma estratégia de rápida expansão da produção e da busca de uma posição de fornecedores globais de baixo custo. Foi só mais recentemente que tiveram seus investimentos e esforços recompensados, com o ingresso no mundo da efetiva competitividade.10

As estratégias seguidas por esses países, no campo da eletrônica, precisam ser vistas dentro de uma perspectiva mais ampla de resposta aos dilemas enfrentados por suas maiores firmas em momentos de incerteza e de crise nos mercados, bem como de mudanças aceleradas de natureza tecnológica. Foi, com efeito, a necessidade de manter as margens de lucro e superar as limitações impostas pelo tradicional modelo exportador de bens de menor valor adicionado que as levou a buscarem o ingresso em mercados tecnologicamente mais sofisticados.11

As firmas líderes de países como a Coreia do Sul, Taiwan, China, Cingapura e Índia estão, cada vez mais, tendo destaque como fontes potenciais de inovação nos setores de componentes eletrônicos, de bens de consumo digitais, de sistemas de comunicação wireless e de software de negócios. O próprio registro das patentes, que sempre refletiu a supremacia dos países avançados, começa também a dar alguns sinais de mudança. Taiwan, por exemplo, que não se enquadrava, até 1990, entre os 10 maiores países com registros de patentes nos Estados Unidos, já ocupava a quarta posição em 2000 (precedendo a França e o Reino Unido), enquanto a Coreia do Sul vinha na oitava posição (Ernst, 2003a, p. 4). Isso não significa, em absoluto, que estejam desbancando a posição 10“Parece que souberam aproveitar as novas oportunidades para criar comercialmente bem-sucedidas inovações na produção de hardware, de software e de serviços [...] O papel dos atores líderes da Ásia na indústria eletrônica está mudando, na medida que os mesmos se tornam bases globais de produção para a exportação de hardware e

software, havendo uma transição em curso que aponta para o desenvolvimento de

inovações e de padrões aceitos do ponto de vista comercial [...].” (Ernst, 2003a, p. 2). 11“O deslocamento do poder econômico regional do Japão para a China forçou a Coréia,

Taiwan, Cingapura e Malásia, bem como a Índia, a fortalecerem suas capacidades próprias em matéria de inovação, em um esforço para permanecerem competitivas. Na medida em que seu papel econômico regional declina, o Japão aparece crescentemente como menos importante enquanto fonte de capital, tecnologia e como modelo de desenvolvimento. Por outro lado, o novo papel da China, como uma base extraordinária de mercado e de produção de bens industriais cada vez mais sofisticados, forçou os cinco países antes referidos a elevarem seus padrões.” (Ernst, 2004, p. 4).

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de liderança dos Estados Unidos, do Japão ou da Europa como os maiores centros de inovação, processo este que segue concentrado nos países ricos. Constata-se, simplesmente, que há um punhado de países emergentes da Ásia que estão consolidando rapidamente posições na divisão internacional da produção do conhecimento.

A China, nesse aspecto, é um exemplo mais do que ilustre. Começou trabalhando com a produção offshore e tornou-se logo uma opção obrigatória em se tratando de bens de baixo custo de mão de obra. Mas evoluiu rapidamente, diversificando sua pauta de produtos industriais sofisticados e passando a abastecer uma grande parte dos grandes fabricantes mundiais, fazendo-o de forma regionalmente integrada com seus parceiros do Leste Asiático e aproveitando-se das complexas redes de produção para exportação que foram montadas.12

8 O FENÔMENO DA “ADERÊNCIA ESPACIAL” E A QUESTÃO DA TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA

A situação evoluiu de tal forma no campo da P&D que, como já se viu, as grandes corporações se mostram crescentemente dependentes de muitas atividades nesse domínio realizadas em algumas economias emergentes, em especial naquelas que se transformaram em países líderes na exportação de produtos eletrônicos. A realocação de atividades de P&D obedeceu ao critério da busca por serviços de menor custo, hoje disponibilizados por muitas firmas asiáticas que se especializaram em P&D. O fato de, nesses países, terem-se desenvolvido também fortes redes de fornecedores de componentes de qualidade e de serviços à produção vem servindo, da mesma forma, para consolidar a tendência observada, especialmente aplicável ao caso da indústria eletrônica. Isso 12“A emergência da China, tal como a de outros ‘milagres econômicos’ está inextricavelmente associada a seu papel junto aos compradores globais. Trata-se muito mais de um caso de demand-pull do que de supply-push. Um exemplo revelador, nesse aspecto, é o das relações que mantém com a Walmart, a maior rede varejista mundial, cujas vendas superaram os US$ 245 bilhões em 2003. Mais de 80% das 6.000 fábricas que integram sua rede mundial de fornecedores estão na China. Em 2003, a Walmart gastou US$ 15 bilhões em produtos exportados por esse país, o que representava quase 1/8 das vendas chinesas para os Estados Unidos [...].” (Gereffi, 2005, p. 19).

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ocorre tanto em função de o processo estar ali mais avançado em termos da economia das redes globais, como também pela própria dimensão já assumida pelo fenômeno da terceirização e pelo ambiente de forte integração de atividades já viabilizada pelas redes em operação. A eficiência do ferramental proporcionado pela tecnologia da informação é outra condição facilitadora do gerenciamento das complexas operações envolvidas no funcionamento de redes globais com tamanha dispersão do ponto de vista geográfico.13

O fato de existir um quadro propício a uma maior disseminação da inovação não assegura, todavia, a capacidade de transferência dos resultados nesse domínio. Isso seria uma decorrência direta das dificuldades de acompanhar, para os que não estão na origem de seu desenvolvimento, as rápidas mudanças de conteúdo que costumam caracterizar o processo de desenvolvimento tecnológico. A presença das modernas tecnologias de informação e de comunicações não seria um fator suficiente, nessa perspectiva, para suprir a falta de interação entre produtores e usuários, em um momento em que a parcela dos conhecimento tácitos está crescendo em importância.14

A codificação dos conhecimentos tem-se mostrado, de qualquer forma, uma ferramenta poderosa para agilizar os processos de difusão no campo da tecnologia, especialmente se se considerar o movimento em curso que vem assegurando a crescente modularização do conhecimento hoje circulante nas redes globais de produção. Com efeito, elementos constituintes das etapas de concepção e de desenvolvimento de produtos 13“Todas essas firmas estão, na atualidade, expandindo suas atividades e atualizando seus centros de P&D na Ásia. Estão também terceirizando atividades nesse domínio (sobretudo, os projetos de ‘colarinho branco’ e as implementações de engenharia), em prol de fornecedores asiáticos especializados em P&D. Os locais mais procurados para fins de terceirização, nos casos de P&D, ficam na China, Índia, Taiwan, Coréia do Sul e Cingapura. Deve ser observado, todavia, que a relocalização dos centros de P&D por parte das corporações globais estende-se também a clusters especializados encontrados em países de segundo nível, como a Malásia, Filipinas, Indonésia e Vietnã.” (Ernst, 2003a, p. 4).

14“A difusão das tecnologias de informação e comunicação implica maiores possibilidades de codificação e transmissão desses conhecimentos codificados, mas, de forma alguma, anula a importância dos conhecimentos tácitos, que permanecem difíceis de transferir e sem os quais não se têm as chaves para a decodificação dos primeiros.” (Lastres; Cassiolato, 2003, p. 190).

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já integram as relações normais mantidas entre as firmas que operam no formato de redes, sendo tal a amplitude do fenômeno que, até mesmo, conhecimentos de cunho estratégico estão sendo tratados como commodities. Vêm já embutidos em procedimentos de rotina padronizados — adotados em projetos e em pacotes modulares de desenvolvimento de software e de design de semicondutores — ou podem ser acessados como um serviço “externo”, a cargo de firmas especializadas subcontratadas. São também parte integrante de todo tipo de componentes “de prateleira”, que possibilitam montar sistemas customizados e permitem sua incorporação em um sem-número de bens finais.

A modularização da fase de projeto revela-se altamente facilitadora da transferência dos trabalhos especializados de engenharia — como os disponibilizados por redes globais de projetos — e de relocalização de partes da “cadeia de produção do conhecimento” para centros que funcionam em um contexto de mais baixos custos. Isso implica, inclusive, o recrudescimento da competição entre tais centros de engenharia de baixo custo localizados nos países emergentes, como a que opõe Bangalore, a capital indiana do software, e outros centros que estão surgindo na China (Ernst; Lüthje, 2003, p. 5-8).

Um exame mais atento desse tipo de resultados obriga que se coloque em discussão a tão difundida acepção de que a inovação, ao contrário das demais etapas da cadeia de valor, é basicamente um fator imóvel. Isso é, a praxe tem sido a de considerar-se que a mesma é marcada por uma forte “aderência espacial”. Ou seja, a inovação seria, em essência, de natureza fixa, realizada nos países de origem das empresas, o que se manteria verdadeiro inclusive no presente contexto de intensa dispersão geográfica dos mercados, da produção e das finanças. O conhecimento e a inovação, nessa acepção, teriam dificuldades em cruzar fronteiras, não acompanhando automaticamente a produção após esta ter migrado.

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Uma interpretação mais nuançada do fenômeno, todavia, aponta os desdobramentos transformadores proporcionados pelas tecnologias da informação e por aspectos específicos do atual quadro de globalização, com seus efeitos espaciais sobre a inovação que favorecem a dispersão geográfica. No que se refere à difusão tecnológica e ao papel das redes globais, cabe, portanto, ter muito presente que as mesmas amplificam e aceleram a transferência de know-how tecnológico para os países em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que estão criando novas formas de distribuição desigual de conhecimentos estratégicos (Ernst; Lüthje, 2003, p. 7 ).

O fato de esse tipo de observação aplicar-se, mais especificamente, a alguns países asiáticos não elimina a importância da constatação e deve, ao contrário, suscitar o mais amplo interesse em conhecer com mais detalhe as condições em que o “modelo asiático” vem prosperando, bem como o papel decisivo ali desempenhado pelas políticas públicas favorecedoras da industrialização e da inovação.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das grandes contribuições dos países asiáticos reside em que foram capazes de demonstrar a importância da incorporação dos conhecimentos científicos e tecnológicos e dos processos de inovação para o desenvolvimento econômico. Não obstante as diferenças do “estilo” da intervenção encontradas nos participantes do “modelo asiático”, verifica- -se que os países em questão seguiram caminhos bastante semelhantes, trabalhando com setores industriais selecionados, definindo metas nos campos científico e tecnológico, privilegiando investimentos em tecnologia e favorecendo uma estratégia de inserção nos mercados internacionais através das exportações, com vistas a conquistar seu espaço em um cenário de intensa concorrência global. Fugindo a qualquer ortodoxia em matéria de políticas de desenvolvimento, o Estado soube ali promover a

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