• Nenhum resultado encontrado

BrevehistóricosobreWinnicoteseuspensamentos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "BrevehistóricosobreWinnicoteseuspensamentos"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

Breve histórico sobre Winnicot e seus pensamentos

(1896-1971) Viveu 75 anos

Donald Woods Winnicott, o caçula de John Frederick Winnicott e Elizabeth Martha Woods Winnicott, nasceu em 07 de abril de 1896, em Plymouth, Devon, nos últimos anos do reinado da rainha Vitória. Era uma tranquila cidade costeira distante da correria e do alvoroço londrino e uma época de relativa confiança, em que a maioria das pessoas não trancava as portas de suas casas. As senhoras usavam espartilhos e os cavalheiros fumavam charutos após a ceia. É muito provável que o sobrenome da família derive de “Winn”, palavra saxônica que, possivelmente signifique “amigo”, e de “Cott”, “casa”. Em Devon existe até uma pequena cidade chamada “Winnicott”. O nome “Donald”, escolhido pelos pais, é um nome profético derivado da antiga palavra celta que significa “poderoso, vigoroso”.

O pai de Winnicott era muito bom nos negócios e ele, juntamente com o irmão, deu seguimento aos negócios do pai (avô de Winnicott), especializando-se em vendas por atacado de uma enorme variedade de produtos, incluindo cutelaria de mesa, produtos de zinco e ferro, banheiras galvanizadas, objetos banhados em prata e baús de viagem em estilo japonês, incluindo um departamento de moda japonesa e outros de grande utilidade para o público em geral, fabricavam espartilhos para mulheres, produziam doces e confeitos variados, entre os quais os “Winnicott Sweets”, de boa fama local, e também forneciam roupas para a Marinha Real.

Os dois irmãos se davam muito bem, indo constantemente jogar bilhar juntos após um longo dia de trabalho. Frederick dedicava muito de sua energia a atividades religiosas e a outros assuntos e, mais tarde, também a atividades políticas locais. Com pouco mais de vinte anos, Frederick deu aulas na Escola Dominical

(2)

da Igreja Metodista da King Street e, em 1876, tornou-se secretário honorário das aulas de instrução bíblica. Em 1879 e 1880 ajudou a construir a Igreja Metodista de Mutley Plain, coletando fundos entre os vizinhos e contribuindo com verba própria. Foi ainda administrador de sua igreja pelo resto da vida, além de deter o posto de tesoureito e de cantar no coral. Trabalhou também como administrador e tesoureiro em faculdades de teologia locais e tornou-se membro do Sínodo Metodista. A cidade de Plymouth concedeu-lhe o status de cidadão em 1934, ele foi condecorado politicamente, agraciado Cavaleiro pelas mãos do Rei George V, entrou para a ordem do Knights Bachelors, que, apesar de não ser uma das ordens reais, era um título antigo e valioso, criado no séc. XVII Pelo Rei James I, fez parte da construção de vários prédios na cidade, entre os quais a Biblioteca Central e o Crematório. Ele aspirava tornar-se membro do Parlamento, mas havia tido problemas de aprendizao quando jovem, faltando-lhe, portanto, tanto a educação quanto a confiança para aventurar-se fora da esfera política local.

A família Winnicott vivia numa casa espaçosa, jardins de quatro níveis, campo, pomar, fonte e horta, rodeada por árvores vistosas, que ainda existe. Elizabeth, mãe de Winnicott, tinha muito orgulho de sua casa e mantinha um livro de visistas, como faziam muitas senhoras dessa época. Ela supervisionava a casa e cuidava de Donald e de suas duas filhas mais velhas, Violet (1889) e Kathleen (1891), sete e cinco anos respectivamente quando Winnicott nasceu. Viva na casa também uma tia, Delia e uma babá, Alice, que cuidava de Winnicott, uma governanta para as irmãs, além de uma cozinheira e várias copeiras. Por vezes alguma outra tia ia viver com eles e tinham ainda um gato de estimação. Winnicott manteve um afeto todo especial pela babá e se sentia tão afinado com as mulheres que passava horas a fio com elas na cozinha - ele deve ter gostado muito de ter sido mimado pelas mulheres.

O pai ficava poucas horas em casa mas todo domingo ele tinha o prazer de voltar da igreja caminhando ao lado de seu pai por cerca de dez minutos. O pai lhe permitiu uma vida livre, certa vez, voltando da igreja Winnicott fez algumas perguntas ao seu pai a respeito da religião e o pai lhe respondeu: “Escute meu filho, você lê a Bíblia – o que estiver lá e decide sozinho o que quer. Você é livre, não tem que acreditar no que eu penso. Tome sua própria posição a respeito disso. Apenas leia a Bíblia”. Tampouco deve nos

(3)

surpreender que , nas décadas seguintes, Winnicott se tornou o líder da tradição independente dentro da psicanálise britânica, desprendido da rigidez de posições teóricas mais ortodoxas.

A família não era classificada como da “alta sociedade” por não ser possuidora de terras, não ter empregados homens como mordomos, lacaios ou cocheiros, como seria próprio de uma família de mais posses.

Podemos imaginar o que teria acontecido se Winnicott tivesse tido mais acesso a figuras masculinas – se essa presença não teria, talvez, impedido o que se revelaria uma imersão fora do comum na vida de mães e filhos. Ele era fortemente identificado com o feminino, se sentiu protegido e seguro, com estabilidade emocional e uma fundação sólida para uma vida adulta firme, produtiva e criativa, e, ao mesmo tempo estimulou nele um grande fascínio pelo mundo interno feminino – que acabou se tornando trabalho de sua vida pois passou mais de quarenta anos explorando e pesquisando a essência da maternidade e a relação entre a criança e a mãe.

Embora Winnicott tenha desenvolvido um senso de masculinidade relativamente firme, alimentado por vários anos em instituições tipicamente masculinas e a Marinha Real, ele sempre falou com uma voz aguda e levemente estridente, ressalta que “Ás vezes, um menino na puberdade não consegue utilizar o novo poder de sua fala masculina, falando em falsete ou imitando, inconscientemente, a voz de uma menina ou mulher que conhece”.

A teoria psicanalítica clássica (Freud), concentrou-se sempre na

Freud (1856 a 1939) Viveu

83 anos

posição da criança com ambos os pais, o drama do Édipo da teoria freudiana requer três participantes: Mãe, pai e filho. Winnicott, no entanto, escreveu muito pouco sobre a figura paterna; a maior parte

(4)

do seu trabalho é centrada apenas na mãe e no bebê. De um modo geral, Winnicott parece ter tido uma infância bastante sólida e previsível, ele não sofreu qualquer tipo de angústia ou perda física, brincava exaustivamente com suas irmãs e primas e viva feliz com o fato de ter suas necessidades regularmente antecipadas. Muitos anos mais tarde, ele recorda: “Lembro-me de que, quando tinha quatro anos, acordei na manhã de Natal e descobri que havia ganho um carrinho de mão suíço, desses que as pessoas de lá utilizam para levar lenha para casa. Como é que meus pais sabiam que era exatamente isso que eu queria?”

O jovem Winnicott teve um objeto transional – uma posse especial da infância: uma boneca chamada “Lily”, que havia pertencido a Kathleen, a mais nova de suas irmãs. Violet e Kathleen tinham outra boneca, “Rosie”, e aos três anos de idade Winnicott quebrou seu nariz com um galho de árvore, possivelmente num ataque simbólico a uma de suas irmãs. O pai, usando fósforos, aqueceu o nariz de cera da boneca e conseguiu remoldar seu rosto. Esse episódio parece ter impressionado Winnicott profundamente, por representar uma experiência de agressão sem que houvesse, necessariamente destruição, experiência que lhe daria muita força durante a sua prática psicanalítica. De fato, Winnicott (1970) viria a crer, mais tarde, que a possibilidade de expressar hostilidade sem aniquilar o objeto de nossa fúria é de importância vital. Basicamente seu pai lhe demonstrou, involuntariamente, que o comportamento violento pode ser controlado e superado, e que até mesmo os destroços de ataques hostis podem ser consertados. Talvez não seja surpreendente portanto, que mais tarde Winnicott se interessasse pelo trabalho com pacientes delinqüentes e violentos.

Winnicott demonstrava um reconhecimento lúcido e emocionado por sua mãe e por sua generosidade. Sem dúvida Elizabeth Winnicott representava uma estabilidade palpável para os filhos, mas apesar de toda essa estabilidade emocional, algo o perturbava, pois ele, sendo filho homem deveria se dedicar aos negócios do pai mas foi se dedicar à medicina e à psicanálise, muito influenciado pela sua infância tendo o relacionamento com tantas mulheres, suas “múltiplas mães”. Ele nunca discutiu realmente os motivos ao quais lhe fez buscar a psicanálise, entretanto aos 67 anos escreveu um poema à mãe: “A Árvore”

“Mamãe lá embaixo chora, chora, chora. Assim a conheci.

(5)

Um dia, deitado em seu colo, Como nesta árvore morta, agora Aprendi a fazê-la sorrir

A estancar suas lágrimas A desfazer sua culpa A curar sua íntima morte. Alegrá-la era a minha vida”.

O poema insinua que Elizabeth teria sofrido de depressão e que, como menino, Winnicott teria assumido a função de animá-la e também teria subentendido, ainda, que seu pai, sempre ocupado, delegara-lhe inconscientemente a tarefa de cuidar da mãe desamparada. Na sua autobiografia não publicada, ele constata que o pai “deixou-me demais com todas as minhas mães. As coisas nunca se consertaram totalmente”. Assim, tudo indica que Winnicott viu a presença de suas múltiplas mães não somente como uma grande vantagem, mas também como uma responsabilidade psicológica e quem sabe uma falta grande do pai.

A psicoterapeuta Alice Miller (1979) escreveu um ensaio muito esclarecedor a respeito das experiências infantis de vários psicanalistas, postulando que muitos desses clínicos buscaram a profissão após fazerem um “formação analítica” durante a infância, como “psicoterapeutas mirins”, ouvindo os sofrimentos e lamentos de seus pais deprimidos e confortando-os em períodos de angústia. Quem mais, exceto os filhos de mães ou pais infelizes, desejaria dedicar sua carreira ao estudo dos problemas emocionais?”

Alguns anos mais tarde, ele escreveria que “A análise é o trabalho que escolhi, é onde sinto que lido melhor com a minha própria culpa, onde posso me expressar de forma construtiva”. Em um de seus escritos ele diz que “os filhos entram em harmonia com o estado mental da mãe: sua função primeiro é lidar com o humor da mãe”. Sem dúvida Winnicott estava se baseando numa experiência pessoal profunda e pode ter se sentido terrivelmente culpado por, mais tarde, não conseguir curar sua mãe ou salvá-la de uma morte precoce (1925 “congestão pulmonar catarral e infiltração cardíaca adiposa”) – ele tinha 29 anos.

(6)

Winnicott teve uma infância rica, cheia de diversões e companheirismo e não somente escreveu poemas como participou de teatro amador, se destacou cantando e tocando piano, além de envolver-se com empenho em diversas atividades esportivas, de forma especial a natação e a corrida.

A infância de Winnicott foi muito boa mas a depressão da mãe e a configuração psicossexual formada por suas múltiplas mães lhe estimularam o desenvolvimento de fantasias de resgate de mulheres atormentadas. Em 1923 ele reconstruiria o cenário da sua infância casando-se com uma mulher muito doente e que lhe trouxe vários anos de angústia e tormento. Apesar disso tudo a família de Winnicott propiciou-lhe a base necessária para que ele buscasse uma via plena e criativa.

Com 14 anos foi para o internato (só para meninos). Talvez essa ruptura com a família também tenha-o feito escrever sobre traumas e rupturas, choques capazes de interromper a continuidade dos vínculos de uma criança.

Ao ir para o Internato, suas irmãs que acabaram sendo as “proteroras” da mãe, não conseguiram se separar, ficaram solteiras e uma ficou cega, mas Winnicott conseguiu “fugir de casa” e perto do fim da vida exclamou para sua segunda mulher “Fui deixado por muito tempo com todas as minhas mães. Graças a Deus fui expulso aos treze anos”(na verdade catorze).

Com relação à sua profissão, em 1934 se formou como psicanalista de adultos (com 38 anos) e tornou-se membro associado da Sociedade Britânica de Psicanálise, e em 1935 recebeu seu certificado de Psicanalista infantil. James Strachey (tradutor oficial de inglês, das obras completas de Sigmund Freud) não somente realizou a primeira análise de Winnicott (1923) como também estimulou-o à entrar em contato com Melanie Reizes Klein.

(7)

Winnicott a conheceu em 1932 (ele com 36 anos e ela com 50) e ainda sofria pela morte da mãe que havia sido recente, citava Klein em seus trabalhos, achava a obra dela bastante interessante do ponto de vista profissional pois ajudou-o a compreender melhor seus próprios casos infantis.

De início fazia supervisão de seus casos infantis. Ele contou como certa vez Klein o salvou de uma situação embaraçosa: “Lembro-me de ter ido um dia para a supervisão, não conseguindo me lembrar de absolutamente nada de toda a semana de trabalho, ela simplesmente passou a me relatar um caso dela” . Ele também a apreciava pela falta de rigidez, e tudo indica que Winnicott passou cerca de seis anos (1935 – 1941) fazendo supervisão com Klein. Segundo alguns autores estudiosos da psicanálise, a maior contribuição de Melanie Klein é a elucidação do primeiro ano de vida da criança, e a intensidade das forças eróticas e sádicas que governam a mente dos bebês, e também que considerou o Complexo de Édipo no primeiro ano de vida. Winnicott precisava que Klein o ajudasse a compreender os primeiros anos da infância, pois muitos de seus pacientes de pediatria ainda não tinham cinco anos de idade.

Embora sua prática clínica como pediatra tenha sido iniciada antes de suas atividades como psicanalista, seu interesse pela psicanálise já se havia despertado antes de seu ingresso na pediatria. Na verdade, no ano de 1919, quando contava com apenas 23 anos e aspirava ser médico clínico no campo, percebeu sua incapacidade para lembrar-se de seus sonhos. Deparou-se, então, casualmente em uma livraria, com um livro sobre Freud escrito pelo suíço Oskar Pfiste e, paralelamente a isso, um amigo lhe emprestou a Interpretação dos Sonhos, despertando-lhe grandes afinidades. E assim, dois motivos levaram Winnicott à pediatria: a admiração por um pediatra famoso e o desejo de submeter-se à análise, o que só era possível em Londres.

Winnicott admirava tanto Klein que quis fazer análise com ela para conhecê-la melhor - conhecer sua teoria mais pessoalmente e também porque sua esposa Alice estava tendo um comportamento bem conturbado e ele queria trocar idéias com Klein, mas para seu desagrado Klein se recusou a tratá-lo pois queria que Winnicott atendesse seu filho Erich e ela queria supervisioná-lo mas Winnicott, de início, não aprovou essa idéia mas acabou tratando o filho de Klein e a filha de Ernest Jones, mas ansioso por aprender

(8)

mais sobre a teoria Kleiniana ele então foi fazer análise com a amiga íntima de Klein Joan Riviere com a qual fez cerca de cinco anos de análise mas no fim a experiência tendeu ao fracasso pois na verdade Winnicott queria ser analisado por Klein, Joan tinha um sentido de “prêmio de consolação”, então não deu muito certo, considerando também que ela era um tanto antiética, falando de casos, inclusive de Winnicott, abertamente em qualquer reunião científica, uma das coisas foi quando disse que “Winnicott só faz teoria a partir de sua própria doença”.

A teoria freudiana tradicional gira em torno do trio mãe, pai e criança, e a teoria Kleiniana focaliza de modo específico o relacionamento entre o bebê e o seio materno. Winnicott considerou essa mudança crítica dada por Klein, que o ajudou a compreender melhor os primeiros terrores e preocupações da criança.

Enquanto a psicanálise sempre considerou as experiências da infância como base do desenvolvimento posterior da personalidade, Klein de fato associou as doenças psicológicas aos primeiros meses de vida. Essa descoberta, baseada em suas minuciosas observações empíricas de crianças durante a análise, estimulou Winnicott a empreender seu próprio estudo sobre a forma como cada nuance dos primeiros toques e modos da mães delineariam e moldariam a vida mental do bebê.

Desde o início , Klein concentrou-se no estudo das fantasias inconscientes da criança, ou seja o mundo interno, Winnicott certamente se interessava pelo mundo interno, mas optou por observar o modo como o mundo externo do ambiente familiar propicia ou inibe o desenvolvimento emocional da criança, e os primeiros Kleinianos sentiram-se extremamente ameaçados pelos que começaram a deixar de analisar o mundo interno.

Winnicott dizia que Klein doutrinava muito seus pacientes e ignorava demais o mundo exterior.

Joan Riviere também recusava as idéias de Winnicott sobre o ambiente, sobre a relação mãe bebê, assim como Klein mas há se de lembrar que nos anos 40, com a Inglaterra em guerra, existia muita hostilidade entre as diferentes facções da comunidade psicanalítica, visto que cada uma lutava pelo controle supremo de uma parte específica da psicologia humana.

(9)

O contato de Winnicott com os Kleinianos tornou-se tão amargo, que ele acabou abandonando qualquer esperança de ser aceito por eles, passando a concentrar suas energias, de forma mais criativa, em seus próprios textos, mas no início Melanie Klein consagrou Winnicott como analista didata Kleiniano, aprovado por ela durante um certo tempo, ele foi uma das cinco únicas pessoas com esse título no período inicial da Psicanálise britânica.

Diferentemente de Klein, Winnicott não concebia também a idéia de um Complexo de Édipo neste primeiro momento, concordava com Freud que o Complexo viria ocorrer depois, porém acrescentando que a criança passaria pelo Complexo de uma forma melhor ou pior, dependendo muito da relação com os seus pais e também, dependendo muito de como foi estabelecido este “alicerce” nos primeiros meses de vida.

Winnicott enfoca a “Constituição do eu”, o ambiente, as questões relacionais. Desta forma, como nos diz Kahr, p. 91, “conforme Winnicott foi crescendo profissionalmente, sua admiração por Klein tornou-se efusiva e ele começou a concentrar mais em sua própria abordagem da Psicanálise infantil”.

Klein tendia a descrever as crianças de forma a ressaltar fenômenos como a inveja, agressividade,voracidade e experiências psicóticas, enquanto que Winnicott enfatiza sua saúde, suas necessidades e seu desejo de serem amadas (Kahr, p.92)

Essas diferencas foram crescendo tanto que Klein já tinha estado agradecida a Winnicott por tratar seu filho “Érick”, mas chegou a insultá-lo nos últimos anos da vida, chamando-o de “aquele homem horrível”.

Charles Rycroftt, um bom observador dos debates entre Klein e Winnicott, lembra que seu relacionamento podia ser caracterizado como “um exercício de não compreensão mútua” – acusação um tanto lamentável, aliás, dadas às extraordinárias capacidades dessas duas importantes figuras.

“O resentimento dos kleinianos em relação a Winnicott e sua crescente independência atingiu proporções tão grandes que, no fim dos anos 60, alguns professores do curso de psicoterapia infantil da Clínica Tavistock (o proverbial “lar” dos Kleinianos) proibiram expressamente que seus estudantes comparecessem a palestras públicas de Winnicott, apesar de Melanie Klein já ter

(10)

morrido alguns anos antes. A Sra Frances Tustin, renomada psicoterapeuta infantil, que estudou na Clínica Tavistock com a analista Kleiniana Esther Bick, confessou que “Em minha formação, fui ensinada a não ler Winnicott”. Outra dessas estudantes, agora profissional experiente, ri ao lembrar que visitava Winnicott em segredo, como se ele fosse o epítome de algum terrível movimento subversivo. Devemos ressaltar, entretanto, que apesar dos comentários maldosos contra Winnicott, ele recebeu diversos convites para orientar os estudantes de psicoterapia infantil da Clínica Tavistock e manteve uma correspondência cordial com Esther Bick. Winnicot também parece ter enviado vários pacientes para os estudantes da Clínica Tavistock. Ao contrário de seus colegas kleinianos, Winnicott nunca foi intolerante e, já mais velho, referia-se frequentemente a Klein com grande respeito apesar de, dois anos antes da morte de Melanie Kleim, ele ter se permitido um comentário mais cândido, feito na relativa segurança da distante Sociedade Psicanalítica de Los Angeles, na Califórnia. Nessa ocasião, numa conversa com um grupo de candidatos à formação psicanalítica, Winniccot (1962) disse que Klein afirma ter prestado total atenção a este fator ambiental, mas na minha opinião ela é, devido ao seu temperamento, incapaz de fazê-lo”. (kahr, p.92,93)

Foram crescendo, no entanto, as divergências de idéias entre Winnicott e Klein, e em “As controvérsias” – título conhecido que provém das diferenças teóricas entre Klein e Anna Freud (as duas também se divergiam muito em diversos aspectos, bem como tinham animosidades pessoais e outras questões privadas, lembrando que Klein foi a rainha da psicanálise britânica de 1926 a 1938, sem nenhuma concorrência, mas com a posição ameaçada por Anna Freud que havia chegado a Londres, de Viena, surgiu “As controvérsias”). Winnicott teve um papel secundário nas “Controvérsias”, em parte porque ele havia se formado há pouco tempo e não possuía a autoridade de muitos dos integrantes mais ativos da série de debates que havia. Depois Winnicott, mais maduro e com a Segunda Guerra Mundial chegando ao fim, ele e alguns colegas que pensavam como ele se aproximaram de um modo um tanto informal para constituirem o chamado “Grupo do Meio” ou (Midle Group), hoje conhecido como o “Grupo Independente” que contou com figuras importantes como Michel Balit, John Bowlby, Masud Khan, Pearl King, John Klauber, Margaret Little, Matrion Milner, Charles Rycroft e vários outros, que eram um grupo intermediário entre Kleinianos e Freudianos “uma

(11)

linhagem de analistas de mente aberta dentro da Sociedade Britânica de Psicanálise” (Kahr, p.100)

Diversos escritores e professores influenciaram a vida de Winnicott, mas sua maior fonte de inspiração e conhecimentos durante seus anos mais maduros tenham derivado do seu trabalho, de suas experiências com seus pacientes. Suas idéias, muitas vezes, surgiam seguindo cuidadosamente um histórico clínico que lhe havia sido fornecido. Ele considerava muito o aprendizado que tinha com seus pacientes e também tinha experiências de vida nesse sentido, não só na sua prática como pediatra que era, mas também como psicanalista depois, na época da Guerra quando ele se responsabilizou pela saúde mental de aproximadamente 285 crianças de cinco abrigos, crianças que haviam sido transferidas de suas casas e separadas de seus pais, com a intenção de serem protegidas dos bombardeios em Londres e outras grandes cidades. Ele manteve esse cargo de 39 a 46. Confome ele foi trabalhando deparou-se com sintomas graves como a enurese, irritações epidérmicas, tiques nervosos, incontinência fecal, roubos em grupo, fuga de abrigos, vandalismos e tantos outros mais, inclusive sintomas psicóticos.

Deste trabalho foi percebendo que as crianças ficavam “desajustadas” e e se tornavam antissociais, acabando por entender que “o ato antissocial pertence a um momento de esperança da criança”, inventou a expressão “tendência antissocial” e a articulou com o ato das crianças normais de roubarem algo da bolsa da mãe, e que por trás do ato antissocial há uma “perda de um referencial afetivo em um momento em que a criança já reconhece que foi o ambiente quem falhou com ela” e geralmente a criança fica calma, deprimida ou desesperançosa, porém se a esperança reaparece a criança tenta recuperar, através das condutas antissocial o objeto perdido”.

Winnicott tornou-se reconhecido no manejo e tratamento de “jovens difíceis”, tanto que o “Comitê Curtis” convidou-o a fornecer relatórios orais e escritos sobre suas experiências, o que constituiu, em parte, a base para o “Estatuto da Criança de 1948” (Kahr, p. 109)

A partir de 1936 (com 40 anos), ele passou a dar um curso regular sobre crescimento e desenvolvimento humano para professores do Instituto de Educação de Londres.

(12)

Winnicott trabalhou durante anos dando palestras para não analistas e valorizava isso como elemento importante para sua pesquisa psicanalítica. Seu diálogo interdisciplinar se estendia às mães, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, professores e profissionais do cuidado em geral. Em diversos textos, ele enfatiza que o saber cuidar não é passível de ser ensinado. No entanto, os cuidadores podem compreender melhor o que se passa em cada estágio do amadurecimento, a fim de permanecerem apenas no lugar de facilitadores.

O autor inglês também mantinha profícua comunicação com seus contemporâneos. Em sua obra, encontram-se comentários e/ou debates sobre e/ou com quase todos os autores que, a partir de diferentes vertentes, buscavam ampliar o campo teórico da psicanálise: Jung, Lacan, Anna Freud, Meltzer, Esther Bick, Susan Isaacs, Joan Rivière, H. Rosenfeld, Bion, Spitz, J. Bowlby, Erick Erickson, Hartmann, Balint e Bowlby, Virginia Axline, Harold Searles, entre outros.

Winnicott divorciou-se de sua primeira esposa em 1951 e, nesse mesmo ano, casou-se com Elsie Clare Nimmo Britton, assistente social psiquiátrica e psicanalista, e na época de casado com ela produziu muito, pois ela era muito incentivadora, ativa, positiva, o contrário de sua primeira esposa.

Winnicott conquistou muito respeito entre seus colegas, tanto na psicanálise quanto na medicina de um modo geral, bem como da população que o conhecia através de programas de rádio, por exemplo.

Com relação à Freud, provavelmente eles nunca se conheceram pessoalmente, mesmo assim, Freud seria sempre a maior influência de Winnicott, muito mais do que Darein, Horder, Strachey, Riviere ou mesmo Klein, apesar de que, provavelmente tenha lido uma quantidade pequena de Freud, mesmo porque não havia muitas traduções para o inglês e não sabia bem o alemão. O seu primeiro analista Strachey o estimulava muito a ler Freud. Winnicott tentou extrair conhecimentos de Freud, de todas as formas possíveis, não apennas de seus eruditos analistas, mas também de conversas pessoais com seu amigo Dr. John Rickman, que havia estudado com o Professor Freud em Viena. Rickman conversou com Winnicott sobre o interesse pouco conhecido de Freud pela experiência do nascimento – área de investigação que em breve Winnicott reivindicaria para si. Mesmo sem citar os

(13)

capítulos e versículos de Freud, Winnicott admitia jovialmente: “Deixe-me dizer de uma vez por todas que extraí a maioria de meus conceitos de Freud”.

Ao contrário do que muitos pensam, Winnicott não foi kleiniano. Ele se apropriou muito particularmente de alguns conceitos dessa genial psicanalista, especialmente a chamada posição depressiva (apesar dele considerar o termo pouco apropriado já que o mais importante é o alcançar tal estágio e não o sentido de estar deprimido). De início muitos pensamentos dele eram semelhantes aos de Klein, depois foram se modificando, enquanto Klein enfocava a criança já vindo com um sadismo, valorizava o mundo da fantasia interna da criança, a ansiedade paranóide e persecutória, Winnicott não concebia a idéia desta forma, pois pensava na necessidade da existência de um “eu” primeiro para que todas as outras demais coisas viessem a ocorrer, desta forma, Winnicott valorizou tremendamente a vida do bebê, especialmente até os seis meses de idade, deu muita, ou melhor, total importância ao ambiente e às questões relacionais, neste período especialmente, no entanto, a amamentação e a forma da mãe se relacionar com o bebê seriam fatores determinantes, os alicerces da vida deste bebê. Com o tempo fica evidente seu distanciamento em como os Kleinianos veem o ambiente, não dando muito importância a ele. Winnicott também criticava o clima fundamentalista da época, que enrijecia e formatava o papel do analista (a tendência à não implicação nas sessões - tudo era o mundo interno do paciente, portanto, projeções passíveis de interpretações).

Winnicott partilhava com Klein que a análise de criança se dá exatamente como a de adultos. De Melanie Klein, Winnicott também adotou o uso de brinquedos pequenos e enfatizou os desenhos. O brincar para Klein tinha a importância de trazer os fantasmas inconscientes à tona, como função de descarga, ou controle de angústia, ou ainda, cumprimento de desejo. Em Winnicott, a importância não está apenas no conteúdo, mas no brincar. Brincar é, em sua teoria, uma capacidade importante que precisa ser alcançada. Posteriormente ele introduz o “Jogo dos Rabiscos” (Squiggle Game), técnica inovadora no atendimento ambulatorial, estimulada pelos milhares de casos atendidos durante seus quarenta anos de profissão.

(14)

Com relação à teoria da posição esquizoparanóide, Winnicott diz que Klein aprofundou nas angústias primitivas de seus pacientes e aplicou seus conceitos em bebês. No entanto, ele considera “que é aqui que cometeu alguns enganos, porque profundo (deeper) em psicologia nem sempre quer dizer inicial (earlier)”. Ela recuava cada vez mais nos “mecanismos mentais individuais, empurrando-os para trás”. Com essa atitude, havia a pressuposição dos impulsos infantis, medos de retaliação e splitting do objeto, antes do bebê ter atingido um estágio em que fosse “capaz de separar objetos internos benignos dos persecutórios”. Winnicott questiona em Klein o recurso ao fator constitucional, principalmente pelo fato dela ignorar que a adaptação materna suficientemente boa propicia que os mecanismos citados acima se tornem relativamente sem importância, até que a organização do ego do bebê capacite-o a usar de introjeções e projeções e obter controle sobre os objetos. Além disso, se não há ambiente suficientemente bom, “o resultado é o caos, mais do que o medo de retaliação ou splitting do objeto em bom ou mau”,

De acordo com Winnicott, o bebê é, desde o início, capaz de experiências, e pode ter sofrido várias interrupções na continuidade de ser, tanto na vida intra-uterina, como durante o nascimento, ou logo depois, e ter reagido a essas intrusões, o que explicaria o estado paranóide. Logo, este estado se deve ao fator ambiental, e não à herança constitucional (que ele admite que pode ocorrer em casos raros).

Melanie Klein, segundo Winnicott, representava a tentativa de estudar os processos internos e precoces do desenvolvimento da criança. Ela até admitia que o cuidado fosse importante, mas não fez um estudo especial disso. O incômodo de Winnicott com as correntes psicanalíticas da época originou-se na ênfase de que tudo fosse ensinado em termos do complexo edípico e da regressão aos pontos de fixação pré-genitais. Através de sua larga experiência com crianças e esquizofrênicos, ele percebia que psicóticos, psicossomáticos ou antissociais revelavam dificuldades em seu desenvolvimento emocional como bebês. Crianças hipersensíveis e paranóides pareciam ter começado assim nas primeiras semanas ou dias de vida. Winnicott enfatizou que “muitos lactentes na verdade nunca chegaram a uma coisa tão normal como o Complexo de Édipo na meninice”.

Assim, seu trabalho clínico voltou-se para a enfermidade precoce dos bebês e sua postura foi a de “se a teoria não se ajustar

(15)

a isso, ela terá de se ajustar a si própria”. Ele entendia que, na conjuntura em que a psicanálise se encontrava, lutando para se estabelecer como ciência, não se podia banalizar a importância dos elementos internos na constituição do psiquismo e na origem dos distúrbios emocionais. Ele tinha a preocupação em valorizar o meio ambiente mas também de não perder tudo o que fora ganho pelo estudo dos fatores internos até então.

Winnicott considerava a obra dos autores, e embora a sua própria obra seja resultado de suas experiências vividas na clínica, Klein lhe influenciou muito e Freud lhe deu muita estabilidade. Pode-se até pensar que todo trabalho de Winnicott seja considerado uma extensão vital da ortodoxia freudiana.

Em contrapartida, Winnicott fez duras críticas ao clima fundamentalista que tomou conta da Sociedade Psicanalítica na época, mas com relação à Freud dizia: “Nunca fui capaz de seguir quem quer que fosse, nem mesmo Freud, mas Freud era fácil de criticar, porque ele mesmo era sempre crítico de si mesmo” – disse isso inclusive referindo-se à Melanie Klein e seus seguidores.

Na teoria winnicottiana, psique e soma são interligados de forma íntima, ou seja, a existência humana é essencialmente psicossomática. Soma, na teoria winnicottiana, consiste no corpo vivo (aspecto do estar vivo do indivíduo) que vai sendo personalizado à medida que é elaborado imaginativamente pela psique. Para que o bebê possa se sentir vivo e apropriar-se de suas potencialidades herdadas, todos os estados de ser precisam ser experienciados.

Winnicott também “descobriu” um “inconsciente não verbalizável”,

fato que trouxe elementos novos tanto para a teoria das psicoses quanto para a prática clínica. Isso não quer dizer que ele tenha invalidado a importância do inconsciente recalcado, pelo contrário, este último permanece como uma aquisição tardia, quando o bebê já vivencia a constituição do mundo interno e do mundo externo. Por isso, o modelo do recalcamento para Winnicott não pode ser tomado como explicação das psicoses, não determina a sexualidade humana e não é o elemento a partir do qual possa ser compreendida a vida e a criatividade cultural. O tema central da psicanálise winnicottiana é a cisão, que consiste em “uma parada no acontecer humano que caracteriza a psicose”.

(16)

A origem da cisão se encontra nas falhas do ambiente no papel de facilitação do amadurecimento do bebê. O que fica cindido é a continuidade de existir do bebê, seus ritmos de ser. As cisões indicam que algo deveria acontecer no amadurecimento do indivíduo, mas não aconteceu (diferentemente do inconsciente freudiano em que algo aconteceu, mas não devia ter acontecido). O exemplo mais claro na obra winnicottiana é que, diante da invasão inesperada do ambiente (que não se adaptou efetivamente às necessidades do bebê), o bebê teve que reagir. A reação, por excelência promove a cisão “no tempo, no espaço, no corpo, nas relações de objeto” em dimensões por onde o bebê poderia continuar a crescer. Esse não acontecido é traumático, porque não pôde ser experienciado. Isso porque o bebê ainda não tem condições de integrar nem o inesperado, nem a reação ao inesperado sob a forma de uma experiência, em função de sua extrema imaturidade. Essa cisão permanecerá até que se dê a cura. Se não houve experiência, houve menos ainda a possibilidade de representação. A cisão antecede, segundo o pensamento winnicottiano, a distinção de inconsciente e consciente. Ainda não há consciente ou inconsciente para o bebê. Daí a psicanálise winnicottiana considerar não apenas o inconsciente recalcado, mas principalmente as agonias do ser e do não ser, que Winnicott denomina “impensáveis”. É exatamente contra traumas que fazem o bebê agonizar que são erguidas as defesas psicóticas. Esse inconsciente “agônico” não é comunicável, e isso não porque houve a censura do verbal, mas pelo fato dessa comunicação não poder ser feita. Para que essa comunicação pudesse ocorrer, seria necessário que o bebê pudesse ter assegurada, continuamente, a comunicação primária com a mãe, que instituiria a experiência de ilusão de onipotência. Na ausência da ilusão básica, o bebê dificilmente poderá estabelecer contato com a realidade externa, experimentar a vida de forma pessoal e que faça sentido para ele: essa é a problemática principal do psicótico na teoria winnicottiana.

Quando a mãe, mesmo mediante ambientes difíceis, não conseguiu “proteger” o bebê, ampará-lo, produz angústias impensáveis de natureza psicótica, como “cair para sempre”, despedaçamento, isolamento, impossibilidade de comunicar. O bebê sofreu de privações e não conseguirá se desenvolver numa trilha pessoal, pois o par não funciona bem. E o desenvolvimento do bebê, nesse caso, relaciona-se mais com uma sucessão de reações

(17)

às invasões ambientais (traumáticas), do que com as urgências internas e fatores genéticos.

Os bebês que recebem apoio egóico inadequado, ou patológico, tendem a apresentar padrões de comportamento semelhantes como inquietude, estranhamento, apatia, inibição, complacência, ao contrário dos bebês bem cuidados que podem revelar sua singularidade. “Os bebês não se recordam de que as pessoas os seguravam bem, no entanto, lembram-se da experiência traumatizante de não terem sido segurados de forma adequada” .(grifo meu)

As falhas ambientais na fase de dependência absoluta promovem uma distorção dos processos de amadurecimento e um prejuízo concreto que pode ser muito difícil de reparar. Winnicott considera dois casos extremos. Na melhor das hipóteses o bebê pode desenvolver um falso self . São indivíduos que, embora tendo seus interesses voltados aparentemente à comunidade, têm vida pessoal tão insatisfatória que não chegam a possuir um verdadeiro sentido de si mesmo. Podem ser brilhantes no que realizam, mas profundamente submissos, pois há uma exterioridade no agir que é reativo e não de acordo com seu “gesto espontâneo”. Nesses casos, muito tempo e energia são gastos em organizar a vida de tal forma que esta dor de “um desastre ocorrido com seu eu”, não volte a ser experimentada (sem contar que fica com uma sensação constante de desmoronamento). Esse falso self, “que a um só tempo quer evitar e compactuar com as bofetadas do mundo” cala toda possibilidade

de expressão de um self verdadeiro.

Na pior das hipóteses, o desenvolvimento emocional da criança é distorcido para sempre, a personalidade é deturpada e a comunicação entra em colapso. O diagnóstico de doença psíquica é geralmente dado e seguido pelo tratamento de uma anormalidade que poderia ter sido evitada. A teoria da esquizofrenia desenvolvida por Winnicott refere-se à anulação dos processos de maturação que ocorrem nas fases iniciais da infância, em função de um cuidado insuficiente. Já os bebês que foram bem segurados não encontram empecilhos para seu rápido desenvolvimento emocional, de acordo com as tendências hereditárias.

(18)

Com relação ao “intelecto”, Winnicott refere-o como um desdobramento

da psique, onde é a “mãe suficientemente boa” que permite o seu desenvolvimento no tempo certo. O uso precoce da mente implica numa defesa patológica, cujo resultado pode ser a constituição do “falso self” (na melhor das hipóteses), bem como a dissociação típica dos esquizofrênico (que pode ser brilhante intelectualmente,

mas tem o amadurecimento distorcido).

Segundo Winnicott, os processos intelectuais vem aparelhar o bebê se houver lacunas da adaptação materna. Certos tipos de autismo, em que há suspeita de dificuldade intelectual, na realidade podem ser associados a essa confusão na apresentação da realidade ao bebê. Winnicott comenta sobre o ambiente inicial “tantalizante” , em que o bebê organiza defesas que, num grau máximo, geram o estado confusional, que é uma deficiência mental não derivada do tecido cerebral.

Algumas crianças, por outro lado, com um potencial intelectual considerável, tiveram que hipertrofiar a mente para lidar com ausências das mães que saíram de cena de forma precoce, para atender suas próprias necessidades.

Clinicamente, isso se manifesta no indivíduo que consegue ser uma “mão maravilhosa para os outros por algum tempo” , mas permanece sob ameaça constante de um colapso. Precisa sempre encontrar alguém que torne real seu conceito de bom ambiente, para que possa retornar ao estágio do psicossoma dependente, “único lugar a partir do qual é possível viver”. Nesses casos, enfatiza Winnicott, com seu modo singular de compreender fenômenos clínicos, “... enquanto a matemática superior ganha impulso, a criança fracassa em saber o que fazer com um centavo” . É fato que a criança inteligente libera a mãe mais cedo, bem como uma criança com dificuldade intelectual exige da mãe maior adaptação, mas nos dois casos, a necessidade de cuidado e confiabilidade permanece crucial para o processo de separação.

Percebemos então como Winnicott veio a contribuir, com suas experiências, à Psicanálise. Algumas das contribuições mais importantes dele são suas ideias sobre o objeto transicional, a diferença entre self verdadeiro e falso, a noção de sustentação ou holding e as muitas aberrações entre o desenvolvimento emocional infantil.

(19)

Um dos fatos interessantes na vida de Winnicott é que em 1951 tentou mostrar o seu trabalho sobre “Objetos e fenômenos transicionais” e Klein não o aceitou para ser publicado num novo livro kleiniano. Klein lhe dissera que o trabalho não tinha nada de relevante a acrescentar à psicanálise. Winnicott saiu desconsolado da reunião com os originais debaixo do braço e logo, este trabalho veio a lhe trazer um reconhecimento mundial.

Winnicott morreu em 28 de janeiro de 1971, após o último de uma série de ataques de coração e foi cremado em Londres.

Para finalizar quero colocar uma frase linda de Winnicott onde em um parágrafo ele diz que: “é através da passagem pelo mundo que o homem pode abandoná-lo ao morrer, assim, o processo psicanalítico não termina enquanto não colocar o morrer sob o domínio da criatividade do analisando e que a morte é então parte da saúde e a análise pode, a partir desse ponto, ser encerrada e é com essas condições que o indivíduo pode afirmar, em sua própria vida: "Oh God! May I be alive when I die!" (Winnicott 1978), e parece ter sido assim que Winnicott morreu.

Referências

Documentos relacionados

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

Boaventura de (Org.).. qual faz uma alusão ao termo “propriedade dos produtos da mente” para significar o rótulo de propriedade intelectual 341. A autora chama atenção para

Após a queima, para os corpos com a presença do sienito observou-se que os valores de densidade diminuíram (comparados às respectivas densidades a seco), já

Principais mudanças na PNAB 2017  Estratégia Saúde da Família/Equipe de Atenção Básica  Agentes Comunitários de Saúde  Integração da AB e Vigilância 

2.1. Disposições em matéria de acompanhamento e prestação de informações Especificar a periodicidade e as condições. A presente decisão será aplicada pela Comissão e

Os roedores (Rattus norvergicus, Rattus rattus e Mus musculus) são os principais responsáveis pela contaminação do ambiente por leptospiras, pois são portadores