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O masculino e o feminino: o gênero na psicanálise

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Academic year: 2018

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o

MASCULINO E O FEMININO: O GÊNERO

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

J'

NA PSICANALISE*

dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

R o s e a n e F r e i t a s N i c o l a u ' .

RESUMO

E s t e a r t i g o r e fl e t e s o b r e a q u e s t ã o d o g ê n e r o , a p a r t i r d e n o ç õ e s p s i c a n a l í t i c a s , t e m a c o m p l e x o e a i n d a n ã o b e m

d e l i m i t a d o p e l o s v á r i o s r a m o s d a s c i ê n c i a s . T o m a n d o - s e a s d i s c u s s õ e s e m t o r n o d o c o m p l e x o d e É d i p o e a n g ú s t i a

d e c a s t r a ç ã o , m a s c u l i n i d a d e e fe m i n i l i d a d e , a t i v i d a d e e p a s s i v i d a d e , d e s e j o d e s a b e r , d i s c u t e - s e a c o n s t i t u i ç ã o d o

s u j e i t o , m a r c a d o p e l a fo l t a . V a l o r i z a - s e a é t i c a d a p s i c a n á l i s e , c a l c a d a n a c o n c e p ç ã o d e u m s u j e i t o d e s e j a n t e p a r a

fo z e r a l e i t u r a d o m a s c u l i n o e d o fe m i n i n o , c o m o e s t r u t u r a n t e s d a p e r s o n a l i d a d e , u l t r a p a s s a n d o o s l i m i t e s d a s

r e p r e s e n t a ç õ e s s o c i a i s q u e o r e d u z e m a h o m e m e m u l h e r .

P a l a v r a s - C h a v e : p s i c a n á l i s e - g ê n e r o - c o m p l e x o d e É d i p o .

M a s c u l i n e a n d P e m i n i n e : T h e g e n d e r i n p s y c h o a n a l y s i s

ABSTRACT

T h i s p a p e r a n a l y s e s q u e s t i o n s o f g e n d e r fr o m t b e p o i n t o f v i e w o f t h e p s y c h o a n a L y s i s . T h i s t h e m e i s c o m p l e x

a n d h a s n o t y e t b e e n i o e l l d e l i m i t e d .

It

d i s c u s s e s t b e c o n s t i t u t i o n o ft h e / a c k i n g s u b j e c t , b a s e d u p o n t h e F r e u d i a n

c o n c e p t s o f O e d i p u s c o m p l e x , c a s t r a t t o n a n g u i s h , m a s c u l i n i t y a n d fe m i n i n i t y , a c t i v i t y a n d p a s s i v i t y a n d t h e

d e s i r e o f k n o w l e d g e . T h e p s y c h o a n a L y t i c e t h i c s i s c o n s i d e r e d a n d r e l a t e d t o t h e c o n c e p t i o n o f a ' ' s u b j e c t t h a t

d e s i r e s " i n o r d e r t o u n d e r s t a n d t b e m a s c u l i n e a n d t h e fe m i n i n e a s d i ffi r e n t e l e m e n t s t h a t c o n s t r u c t t h e p e r s o n a l i t y ,

g o i n g b e y o n d t h e s o c i a l r e p r e s e n t a t i o n s t h a t r e d u c e s t h i s s u b j e c t t o "man" a n d " i o o m a n " . K e y w o r d s : p s y c h o a n a L y s i s - g e n d e r - O e d i p u s c o m p l e x o

. Trah.rlho .ipresenrado na 11semana unificado de Psicologia UFC/UNIFOR .

.. Professora Assistente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Doutoranda em Sociologia (UFC).

23

(2)

1

INTRODUÇÃO

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A categoria gênero surgiu no meio

acadêmi-co no âmbito das ciências sociais, onde referências a

essa ternárica eram ouvidas na forma de expressões

como: "Isto é uma questão de gênero", "O gênero

dentro do trabalho", "O gênero e a política", "A

cons-trução de gênero", expressões que apontam para a

diferença entre homens e mulheres. Todas as

cultu-ras se debateram com esta diferença e esse fato tem

suas ressonâncias em campos como a divisão social

do trabalho, a economia, a política e a ética, os

com-portamentos, enfim, a cultura. A constatação de que

as comunidades são formadas por pessoas do sexo

masculino e por pessoas do sexo feminino e que

exis-tem diferenças entre elas fez as várias ciências

volta-rem o olhar para as particularidades que

apresen-tam essas diferenças.

No âmbito dos movimentos feministas

utili-zou-se a palavra gênero como uma forma de

enten-der, visualizar e referir-se à organização social da

re-lação entre os sexos. Segundo Eunice Guedes (1989)

isso implicava numa resistência ao determinismo

biológico presente no uso dos termos como sexo ou

diferença sexual. As feministas desejavam, segundo

a autora, enfatizar o caráter fundamentalmente

so-cial das distinções baseadas em sexo, o que

redun-daria em que o gênero seria uma categoria sexual

imposta sobre um corpo sexuado. Isso pressupõe

todo um sistema de relações que pode incluir o sexo,

mas que não é diretamente determinado pelo sexo

nem determina diretamente a sexualidade.

Discute-se também a identidade de gênero,

como é construída, a partir de formação de conceitos/

preconceitos, imaginária e simbolicamente. Esta

discussão leva em conta a linguagem enquanto

elemento formador e constitutivo do psiquismo, bem

como os símbolos que prendem os sujeitos a formas

normativas de exercer sua subjetividade, ditando como

viver o exercício da sexualidade que está invariavelmente

.amarrado aos conceitos de papéis sexuais, de masculino/

feminino, de normalidade e anormalidade, etc.

M as, a temática gênero, vem sendo discutida

também nos últimos anos no campo da psicologia e

nesta reflexão, questões como "feminino",

"mascu-lino", "constituição da diferença sexual",

"feminis-mo" e "feminilidade" se fizeram presentes na

dis-cussão e tem demandado da parte dos estudiosos a

24

procura de subsídios teóricos para dar conta dos

es-tudos em andamento. Essas temáticas são

recorren-tes na psicanálise e é por esta via que se pode pensar

uma possibilidade de trabalhar com a questão de

gênero neste campo. Vejamos o que um psicanalista

pode refletir sobre as questões de gênero, uma vez

que esta categoria não é do campo da psicanálise.

2

A PSICANÁLISE E O GÊNERO OU O

GÊNERO NA PSICANÁLISE

É fato que homens e mulheres são diferentes

desde o anatômico - aparente - até o psíquico

-latente, passando pelas manifestações disso nos

do-mínios sócio-econômico-político e familiar. A

psi-canálise, entretanto,

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m e r g u l h a da superfície das

di-ferenciações anatômicas Homem - M ulher para as

"profundezas" das conseqüências psíquicas, ou seja,

em psicanálise melhor é falarmos em M asculino

-Feminino, cujas ressonâncias vão além de ser

ho-mem ou mulher (fenômenos), mas são questões

es-tritamente vinculadas à própria constituição do

su-jeito, fazendo referência a uma estrutura. Remete a

P a i e M ã e simbólicos e a uma suposta tendência

bissexual na espécie humana. Portanto, discutir

so-bre gênero em psicanálise passa por questões

relaci-onadas a constituição do sujeito, este que se

consti-tui nos limites de uma relação triangular que

pressupõe a existência de uma função paterna, de

uma função materna e de si mesmo, enquanto

su-jeito em constituição. Habitante do desejo do

ou-tro e produtor de seu teatro particular, o sujeito se

vê, desde a ontogênese, entre o masculino e o

femi-nino e, é a partir desse território que se posicionará

diante da vida, repetindo, inclusive, em parte, os

s c r i p t s da história de seus ancestrais. Refiro-me aqui

ao drama edípico, à história de Édipo e seus pais

Laio e Jocasta, que levou Freud a privilegiá-Ia como

um mito de referência, porque viu no relato de

Sófocles a presença de desejos fundamentais de todo

ser humano: parricídio e incesto, conflitos

psíqui-cos vividos pelo sujeito nos primórdios de sua

cons-tituição enquanto tal.

O mito não explica o desejo mas serve-lhe de

referência e serve a Freud para uma certa objetivação

da subjetividade crivada por desejos infantis que com

leitura/interpretação da tragédia podem ser

(3)

trados. É mais por outros aspectos que a tragédia

grega de Édipo interessa a Freud, além de seu cc •••

pla-no universal em que todos somos semelhantes".

Édipo está próximo de Freud menos pelo seu caráter

universal de continente desses desejos

inconscien-tes e mais pela originalidade pela qual desnuda a

"verdade" sobre si mesmo. Se não é o mito que vai

nos dizer o que pretende a psicanálise, do que Freud

percebeu da mitologia representada em tragédia no

caso de Édipo, é alguma coisa presente na história

edipiana e narcísica que vai ser o núcleo da

psicaná-lise. O que aparece no mito deve ser lido desde o

registro do simbólico, com reconhecimento de uma

lógica, e não como fato que o mito põe em cena.

O percurso da teoria freudiana aponta que o

que está em jogo nos mitos é a

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d i ft r e n ç a . A

diferen-ça sexual, a hesitação do falante em torno da sua

relação ao sexo. Aquilo que Freud equacionou e

reorizou com o nome de c a s t r a ç ã o . Esta está na

ori-gem da diferença dos sexos. Inicialmente Freud não

coloca em primeiro plano, como enigma

fundamen-tal, a origem da diferenciação masculino-feminino.

Ele aceitaria uma espécie de reconhecimento

"pré-castrarivo" ou "pré-edipiano" de uma diferença, ou

melhor, de uma distinção entre homem e mulher,

entre pai e mãe. M as esse conhecimento não teria

valor pulsional. O impulso de saber das crianças

surge do incitamento das pulsões egoístas que as

dominam quando se encontram diante da chegada

de um novo bebê. O incitamento só chegará,

por-tanto, no momento em que se acrescenta um

ele-mento pulsional, precisamente o ciúme em relação

a uma outra criança. Daí então que o problema

número um das teorias sexuais infantis é saber de

onde vem as crianças. É neste ponto que Freud vai

fazer sua primeira descrição teórica do conflito

in-fantil, do conflito que chama de edipiano, no

senti-do de que este estabelece um confronto entre a

cri-ança e os pais. Esse conflito, considerado nuclear,

centra-se exatamente na noção de saber. O conflito

psíquico seria, portanto, no início, um conflito em

torno do saber e em torno da recusa parental em

proporcionar este saber. A resposta relacionada à

pergunta "de onde vem os bebês?" vem em forma

de fábulas, que as crianças se recusam a aceitar,

pas-sando a acreditar que existe algo de interdito, de

proibido, que as "pessoas grandes" guardam para elas

e por este motivo as crianças passam a fazer segredo

-''-'U~

de suas investigações subseqüentes. Vivem ai um

conflito psíquico, na medida em que opiniões,

pe-las quais sentem uma preferência de natureza

pulsional, mas que não são corretas aos olhos das

"pessoas grandes", entram em oposição com outras,

baseadas na autoridade dessas "pessoas grandes". Esse

conflito pode tornar-se uma "clivagem psíquica".

Esta clivagem fundamental, que tem origem no

pri-meiro conflito psíquico, é a grande clivagem do

su-jeito em inconsciente e pré-corisciente -

conscien-te. Em suma, o domínio reservado dos adultos é a

garantia do domínio reservado das crianças. Há uma

clivagem que faz com que os pais se reservem

algu-ma coisa e ualgu-ma clivagem no próprio sujeito, que faz

com que a criança se reserve uma certa fantasmização

dos fatos. O segredo dos adultos é para as crianças a

possibilidade de se conservar na posse de um

domí-nio secreto, que é o domídomí-nio de suas próprias

teori-as sobre a sexualidade.

Quais são estas teorias?

1- a de que todos os seres humanos, inclusive

os seres femininos, têm um pênis.

2- A teoria do nascimento cloacal

3- a concepção sádica do coito.

A teoria da castração se insere nas três teorias,

mas a primeira evoca mais explicitamente a questão

da castração. Os dois gêneros são admitidos, mas

sua distinção não passa pela diferença de sexos. Elas

são exteriores (saias, calças). Essa distinção entre

masculino e feminino, segundo Freud, só se daria

na puberdade, porque a distinção não existe, todos

tem pênis. O fato de Ter um pênis nada implica

quanto à distinção de gêneros. Temos que

conside-rar ai também a noção de valorização narcísica do

pênis. Ele é autônomo em relação ao corpo, isto o

torna falo, podendo estar presente em todos os

cor-pos. Sua implantação narcísica no corpo tem uma

contraparrida - se pode ser implantado pode ser

cortado.

Temos então que a criança, após deparar-se

com a diferença do ponto de vista visual, após

per-ceber que existe uma diferença na zona geniral,

per-gunta-se porque aquilo está diferente e inventa as

historinhas que inventa: ela supõe que não deveria

haver diferença e quando encontra a diferença não

consegue articulá-Ia com coisas que considera de fato

diferentes. Concebe que há uma coisa ou falta uma

coisa, que Freud chama de pênis. Identifica a

dife-25

(4)

rença com a presença ou ausência de pênis da qual

ela tema dar coma. Esse sujeito supôs de saída que

só existia uma coisa que todos deviam Ter. Se o

ou-trO não tem é porque tiraram,

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a q u i l o lhe foi tirado.

M as a operação lógica não para por ai, se parasse a

diferença estaria resolvida: uns têm outros não têm.

M as o que não tem é porque provavelmente lhe

ti-raram e o que tem está sob a ameaça de perder a q u i

-l o . Instala-se a ameaça da perda ou da castração. O

importante para a criança é eliminar a diferença. A

que não tem não fica definitivarnenre frustrada

por-que, se o outro tem e ela não tem, é porque perdeu,

logo o outrO também pode perder. A partir deste

jogo de presença e ausência produz-se a necessidade

de se inscrever, no lugar desta diferença, alguma

coisa. No jogo da diferença está implícito a

presen-ça e ausência. E é isto que Freud chama de falo.

Em Lacan a base sexual do funcionamento

psíquico faz referência ao falo como organizador do

psiquismo. Está na origem do desejo. É o significante

que indica o lugar da falta no Outro. Da ordem falo

- desejo - falta resulta o funcionamenro psíquico.

O período em que a criança ainda não se deu conta

da separação é o que Lacan chama do período da

criança como falo da mãe. O incesto no

inconsci-ente é a fusão com a mãe. Somos expulsos da

pleni-tude narcísica pela falta. O percurso entre a falta e

representação dela é o desejo

Originalmeme o que há é indiferença. Ao

in-vés de duas marcas há uma, na origem, no

surgimento do falante, só se encontra como apoio

para esta fala, para seu modo específico de ser, uma

única marca diferencial. Freud diz que não se

en-contra nenhuma marca de diferença sexual na fala,

nas articulações inconscientes do analisando.

Nin-guém, quando fala, tem como garamia uma marca

de posição sexual, uma marca que seja originária.

Por isso as crianças produzem teorias sexuais,

ten-tando explicar a diferença que as surpreende. O que

há é uma única marca que Freud chama de Falo. Ao

falame só é dada uma diferença, marca produtora

de diferenciação mas que, ela própria, é unária,

úni-ca, indiferenciada, puro traço, puro corte. Assim,

nenhuma antropologia, sociologia ou psicologia,

nenhum discurso que queira encontrar a zoologia

do homem, que queira dizer que animal é o

ho-mem mediante a combinatória de diferenças

enun-ciadas, poderá descrevê-Ia. Porque originalmente não

26

se encontra mais que uma marca diferencial, que é

diferenciante mas não tem o menor sentido, a

me-nor significação. A referência, portanto, é unária e

sem sentido.

Voltemos à constituição da diferença sexual

em Freud. Ela se dá pela organização genital,

com-plexo de Édipo, fetichismo. Freud discute esta

ques-tão exclusivamente da ótica do menino. Somente a

partir de 1925 é que falará a partir da menina. O

menino, o pequeno Hans, em seus diálogos,

apre-senta essa teoria da identidade dos gêneros quanto à

posse do pênis. Essa teoria está fundada na unidade

dos sexos. A conseqüência desta teoria - a

atribui-ção de um pênis a todos os seres humanos, coloca

em primeiro plano a imagem quase universal da

mulher com pênis. Essa representação reaparece mais

tarde no sonho dos adultos. Aí parece existir o

pon-to de partida para a homossexualidade: A mulher

sem pênis é objeto de aversão ou de horror. Esse

horror da castração será relacionado, pela primeira

vez, a algo que o precipita: a ameaça de ser

submeti-do ao ato da castração. A noção de castração, em

todo caso, surge sobre o fundo da teoria da

identi-dade narcísica dos sexos.

Assim, toda mãe é fálica, não é homem nem

mulher. Ela só se torna mulher quando ele descobre a

castração nela. A representação do feminino como

cas-trado se cola ao infantil (objeto, passivo, cascas-trado).

essa época a castração impõe-se a Freud

es-sencialmente como uma teoria fanrasistica que

per-mite um cerro ordenamento dos fatos. a medida

em que a ênfase recai sobre a teoria, enfatiza a

estru-tura. Pode-se resumir esta teoria assim.

A distinção dos gêneros converte-se em

dife-rença de sexos;

Essa diferença é específica pela

presença-au-sência do pênis;

Essa diferença explica-se por uma ação de

amputação, uma castração, operada por um

tercei-ro (esboça-se aqui a questão da lei); essa amputação,

essa possibilidade de amputação abre caminho para

o processo de restituição, quando não para uma

pro-messa de troca, o que aponta para a organização de

uma estrutura. O fetichismo, porra de entrada

ne-cessária ao estudo das perversões em Freud, é um

modo de solução específico do desejo, mas pode ser

demarcado como uma estrutura. O fetiche é um

substituto fálico atribuído como símbolo à mãe, no

(5)

momento em que a criança descobre a realidade

or-gânica de que esta não tem pênis. A privação da

mãe assume aí um valor simbólico na subjetividade

da criança. O fetichista se empenha, em última

ins-tância, à tarefa de garantir a não castração da mãe.

Existem os casos em que o indivíduo fixa em

ima-gens pregnantes, quase indestrutíveis no

inconsci-ente: imago da mulher com pênis, imago do

feri menro, da mutilação, suscitada pela visão do sexo

feminino.

M as o que se passa entre homem e

mu-lher? Esta é outra questão fundamental que

Freud, numa construção também mítica,

cha-mou de

dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

c e n a p r i m d r i a . Não se sabe, porque,

ape-sar de sabermos que existe uma diferença,

origi-nalmente não se sabe qual é. O homem, por não

trazer a inscrição sexual psíquica, não sabe qual

é sua posição no sexo. Por isso Lacan vem nos

dizer que não há relação sexual. A teoria do gozo

explica que, para Lacan, "não há nenhuma estesia

do sexo oposto (nenhum conhecimento, em

sen-tido bíblico) para explicar a pretensa relação

se-xual" ( R a d i o p h o n i e ) . De fato, o gozo (entendido

aqui como prazer) só é atingido pelo homem

quando ele identifica a mulher com o objeto a ,

o que o leva a ver na mulher a personificação da

ameaça de castração. E o gozo não é atingido

pela mulher a não ser quando esta identifica o

seu parceiro "com o falo, seja com o pênis

ima-ginado como órgão da rumescência, seja, ao

con-trário, de sua real função". Portanto, o homem

é confrontado com uma falta simbólica, a

cas-tração, e a mulher é confrontada com uma falta

real, a privação: "Disso decorrem os dois

roche-dos, o da castração, no homem, e o da inveja do

pênis, na mulher" ( E s c r i t o s ) .

O aforismo "não há relação sexual" também é

visto por Lacan como uma forma do real, como

impossível:

A mulher "não entra em função na relação

sexual senão como mãe". Por seu turno, o homem

"não entra nela senão q u o a d c a s t r a t i o n e m , isto é,

en-quanto tem uma relação com o gozo fálico". É por

isso que "não há relação sexual- essa é uma fórmula

que.não se suporta senão do escrito, pelo fato de que

a relação sexual não pode se escrever". Isto significa

que a relação não se dá de sujeito a sujeito, mas de

sujeito a objeto, este imaginarizado, idealizado.

3

O DESEJO DE SABER

O sujeito depara-se com o enigma dos

se-xos, digo, vive entre o masculino e o feminino e, é

nesse aspecto, daquele que encontra uma saída

ori-ginal para suas questões, que o Édipo de Sófocles

será mais instigante para Freud. Édipo também é

aquele que decifrou o enigma da Esfinge. Nesse

aspecto está ai colocada a pulsão de saber, deslocada

das pulsões eminentemente sexuais e que substitui

. . . .

as pnmelfas perguntas estntamente sexuais por

questões sobre o mundo físico, biológico,

huma-no (Kupfer, 1989). Esta idéia da origem do

co-nhecimento está em Freud, para quem a

investiga-ção sexual é correlativa da pulsão epistemofílica.

O pequeno Hans nos ensina que a nossa vontade

de saber surge de uma falta, de uma perda (a falta

da mãe, a perda desta). O pequeno Hans descobre

a castração no momento em que diz que o enigma

de todos nós está ligado a uma perda.

É a partir das primeiras indagações sobre sua

origem que o sujeito constrói explicações para sua

existência. Para Freud as primeiras indagações são

sem-pre sexuais, pois a criança tem necessidade de definir

seu lugar no mundo e esse lugar é, a princípio, um

lugar sexual. Esse lugar é situado em primeiro lugar,

em relação aos pais. M ais do que isso, em relação

àquilo que os pais esperam que ele seja. A questão

"de onde viemosequivale a "qual é a minha origem

em relação ao desejo de vocês? por que me puseram

no mundo? para atender a quais expectativas?

espe-rando que eu me torne o que?" É na busca de saber

da origem das coisas que nos interpelamos sobre

nos-sa própria origem, nosnos-sa posição em relação ao

dese-jo de nossos pais. Nessa esteira o sujeito começa a

debater-se pela definição entre ser homem ou

mu-lher. Na clínica da psicanálise, a dúvida entre ser

ho-mem ou ser mulher tem sido apontada como a

prin-cipal dúvida do sujeito histérico (Nasio, 1991). O

não saber, ao fazer questão, produz imaginário e

ten-ta responder produzindo saberes que dêem conta dessa

questão. Por isso a criança desenvolve suas teorias,

bem como a ciência tenta dar conta da diferença.

As expectativas, vinculadas às representações

sociais do masculino e do feminino sob o domínio

da fantasia, vão conflituar com as estruturas

psíqui-cas do mesmo, pois no real nada falta e será a partir

da representação, do imaginário e do simbólico que

27

(6)

a falta se instala. Estes são dados importantes para

compreendermos as vicissitudes do sujeito que se

encontra entre o masculino e o feminino.

Portanto, homem/mulher,

masculino/femini-no, atividade/passividade encerram muito mais que

um simples corpo biológico, com sua conformação

anatôrn ica. Podemos aqui perguntar: anatomia é

destino? Ou o destino de cada sujeito sofre os

efei-tos dessa anatomia? Esta parece ser a conseqüência

da teorização freudiana. Com Freud sabemos que a

sexualidade humana é diferente da animal. Não se

encontra nestes as perversões. Há também em Freud

a idéia de masculino e feminino enquanto estados

puros, como puras idealizações. O que de fato

exis-te é um continuum entre estas posições. Vide a idéia

de bissexualidade inata. Algo do recalcado retoma

sempre. Lacan diminui a distância entre o homem

e a mulher, seja com a noção de sujeito, seja com a

afirmação mal entendida "a mulher não existe". A

inexistência do sexo feminino significa a existência

de um representante único no imaginário. Se a

mulher não admite o vazio ela perde a

possibilida-de possibilida-de colocar outras coisas no lugar. M as a

femini-lidade também comporta o masculino. Existe o

lado feminino no homem e o lado masculino na

mulher. É preciso reconhecer no outro o

masculi-no e ou feminimasculi-no e suas associações com a atividade

e a passividade circunscritas no domínio da

fanta-sia. O sujeito tem que se posicionar frente ao

enig-ma dos sexos do homem e da mulher. Se preferir a

ignorância ele sofre, dividindo o mundo não entre

homens e mulheres sexuados, mas em binarismos

adulto/criança, forre/fraco, o que tem pênis e o

que tem vagIna.

Esses termos (masculino/feminino, atividade/

passividade) são peças fundamentais na construção

de uma rede de interpretações do mito de Édipo. É

na passagem pelo Édipo que se dá a construção de

uma posição sexual a partir das identificações daí

resultantes.

4

PARA CONCLUIR

A relação de gênero é complicada em

psica-nálise, considerando que para esta disciplina a

pró-pria relação sexual não existe, como nos disse Lacan.

O que se passa entre homem e mulher só pode ser

pensado pela via das questões referentes à

feminili-28

dade, masculinidade, atividade, passividade. M

as-culinidade e feminilidade são construídas e estão

diretamente coladas ao sexo. Pensar a diferença

se-xual é também pensar quais os atributos que são

próprios do sexo biológico e o que são próprios da

cultura. A feminilidade, por exemplo, é uma

esco-lha que a mulher pode fazer, ou não. A menina pode

identificar-se com a virilidade idealizada que a mãe

tem da figura do pai. A cultura constrói e

sistemati-za a feminilidade. O homem é educado para

expan-dir o seu potencial. A mulher é educada na

conten-ção dos seus impulsos. O mito da mulher insaciável

fundamenta a educação para a contenção. São

ques-tões colocadas pela educação e não por algo

biolo-gicamente determinado. Assim criam-se

expectati-vas em torno do comportamento do homem e da

mulher, sendo a relação entre eles permeada pela

idealização. Eis mais um motivo para concordar com

a afirmação de Lacan: a relação sexual não existe,

pois relacionam-se no plano da idealização que cada

um tem do outro.

Freud toma uma posição ambivalente em

relação à posição feminina. A psicanálise dá o

primeiro falo da mulher - fala própria, de si, do

sofrimento, da inquietação, da angústia. É a fala

do desejo que é permitida pela psicanálise. A

questão da bissexualidade fundamental

demons-tra que é a partir desta que se põe a questão como

se faz uma mulher ou um homem. O complexo

de Édipo vem definir isto, ninguém nasce

ho-mem ou mulher. Nossa sexualidade é

organiza-da em torno do falo. No Édipo a mãe é o

pri-meiro objeto de desejo. Se ela não quer só a mim,

quem ou o que ela quer? Se é o pai, a menina

volta-se para este, fazendo nascer o Édipo e

re-organizando o seu desejo. O menino só vai

de-sejar a mulher se coloca um fetiche para desejar

(substituir o pênis). A mulher simboliza um falo

no homem para acompanhar o objeto (pênis) no

corpo. Ela se apaixona pela inteligência, pelo

di-nheiro, pela beleza, etc. M as como a mulher

su-pera a humilhação de ser castrada? Como? Freud

responde: é o seu bebê que vai substituir o falo.

Na organização do psiquismo da mulher há que

superar a reorganização de seu desejo. No início

a menina deseja a mãe, depois volta-se para o

pai que pode lhe dar o filho (falo). M as ela se

coloca a questão: "não posso Ter o pai, é preciso

(7)

que outro o substitua". Para o homem é

diferen-te: "não posso Ter minha mãe, mas posso Ter

rodas as mulheres do mundo". M as ele fica

pre-so ao círculo - desejo - falo - falta. Assim ele

conquista o falo e perde. A mulher só tem a

chance no amor, ela precisa ser amada, não se

realizando no exercício da sexualidade livre. Se

não for amada, não tem falo para ela. O amor

inclusive é mencionado por Lacan como aquele

que faz suplência à relação sexual.

Em Freud a feminilidade é fugaz, ela só existe

para enganar o homem. Depois que ela tem os filhos

acaba. A psicanálise fica perguntando sempre "o que

quer uma mulher?" A feminilidade é comparada ao

desamparo, ao frágil. Nos discursos feministas a

cul-tura falocrática impõe à mulher a posição de

passivi-dade. Ela é pensada como aquilo que faz exceção.

Aponta-se para uma mudança na relação da mulher

com a castração, mudando também a dialética do

desejo masculino/feminino. M as o homem também

ganha com o acesso ao feminino. O masculino pode

ser tocado com o feminino e a mulher tocada pelo

masculino. Para a psicanálise o falo é para todos. Se o

falo é diferente do pênis, o significante do falo é

rela-tivo a todos os sujeitos submetidos à castração e que

adentraram no mundo do simbólico: homens e

mu-lheres. Atualmente as mulheres estão mais à vontade

com o campo do masculino.

A posição feminina é difícil. Qual é o

lugar do feminino na cultura? Não tem lugar.

Se, como diz Lacan, o inconsciente tem uma

sintaxe particular, esrruturado como uma

lin-guagem, isso coloca a mulher fora do

nominável, já que a Língua é construída no

masculino. A mulher é não toda submetida à

castração. Logo, em cada mulher, uma a uma,

algo escapa a esta lógica fálica: trata-se do

inominável. A mulher nada sabe falar deste

gozo, apenas goza (mito de Tirézias - Zeus e

Hera). Quanto ao seu gozo fálico, ele é

logicamente semelhante ao do homem: gozo

localizado, gozo de significante. A escrita, a

fala, a procura de sentido, tudo isto implica

em uma ordem fálica.

Para finalizar coloco a questão de que os

sujeitos devem respeitar suas diferenças. Lacan

nos diz que "O homem, uma mulher, não são

mais que significantes.

É

daí, do dizer enquanto

encarnação distinta do sexo, que eles recebem

sua função" (o seminário, livro 20,1985). O

pro-blema é que a gente goza onde é proibido, por

isso há tanta confusão entre o masculino e o

fe-m fe-m fe-mo.

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