ESTRESSE E ENGAGEMENT NO TRABALHO DOCENTE
PORTO-MARTINS, Paulo Cesar – UP paulocpmar@yahoo.com.br AMORIM, Cloves A. - PUCPR clovesamorim@hotmail.com Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo
A prática docente, dentro dos estudos de saúde mental, é tradicionalmente vinculada com o sofrimento psicológico, fato este que esta em sintonia com o modelo médico tradicional que prioriza a nosologia e o sofrimento em detrimento do estudo do bem estar. Os professores, de maneira geral, enfrentam condições como: baixos salários, falta de participação nas decisões da instituição, pressão para se manterem atualizados, entre outros fatores que tornam esta categoria profissional susceptível ao desenvolvimento do estresse. Tais dificuldades são consideradas como agentes estressores, levando ao estresse pela alteração da homeostase do organismo. Porém, nem sempre o estresse é algo necessariamente negativo (eustresse) podendo trazer prazer e satisfação, mesmo acarretando transtornos e desgaste de energia. Por outro lado, o construto engagement no trabalho é considerado como uma resposta positiva em decorrência de estressores do ambiente laboral, sendo formado por três dimensões básicas:
vigor, dedicação e absorção. O engagement no trabalho tem sido estudado mais recentemente em nível mundial, sendo inicialmente tido como um fenômeno inverso à síndrome de burnout.
O objetivo do presente estudo foi realizar uma pesquisa documental acerca do engagement no trabalho na atividade docente. Para tanto utilizou-se as seguintes bases de dados: MedLine;
Scielo; Lilacs e Ibecs. Como resultado encontrou-se estudos nacionais com o termo engagement , no entanto, nenhum deles referia-se ao constructo abordado neste trabalho para nenhum tipo de categoria profissional. Com relação a outros países, foi encontrado apenas um artigo publicado no Journal of School Psychology, no ano de 2006, indicando o pouco interesse, no meio científico, em relação aos aspectos positivos na prática docente. A docência é considerada como uma atividade estressante, merecendo especial atenção não apenas para sua profilaxia no que se refere ao estresse, mas também para tornar esta profissão mais prazerosa e geradora de saúde, mais especificamente de engagement no trabalho.
Palavras Chaves: Docência. Estresse. Engagement no trabalho.
Introdução
Esta comunicação inicialmente abordará o tema do estresse docente e, em seguida,
será apontado o engagement no trabalho. O primeiro processo é tido como uma resposta
nociva, sendo que o segundo tem sido considerado como o seu inverso, isto é, como uma
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forma de relação positiva com a prática profissional. Pelo ineditismo do constructo engagement no trabalho no Brasil, este terá uma predominância maior.
Abordar o tema do trabalho dos professores, segundo Alves (2010) significa estar diante de um universo de amplos aspectos, com vários temas a serem ponderados, como as questões relativas aos saberes profissionais, formação, gestão, políticas de ensino, entre tantos outros. A saúde docente é o objeto desta mesa redonda e, a proposição desta contribuição, é compreender os mecanismos desencadeadores, as condições do exercício profissional, os fatores precipitantes que levam ao estresse, assim como discorrer sobre o constructo engagement no trabalho docente, tido como um fator modulador do estresse.
O professor não é apenas um mero transmissor de conteúdos, um instrumento para fornecer informações aos alunos. Para isto os meios de comunicação e, em especial a internet, cumprem bem esta função. Dele se requer muito mais que isso, tendo um papel muito mais complexo e importante na sociedade.
Nessa realidade “o professor se tornou um aprendiz permanente, um construtor de sentidos, um cooperador e, sobretudo, um organizador da aprendizagem” (GADOTTI, 2005, p.18). Segundo este mesmo autor (2005, p.17) “o professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do aluno que é sujeito da sua própria formação”.
Facci (1998, p.28) relata que o papel do professor “é muito mais atuante do que apenas uma pessoa que oferece condições, que dá pistas para que o aluno construa por si só o conhecimento, como se este aprendesse independentemente da escola”. “Na atualidade, o papel do professor extrapolou a mediação do processo de conhecimento do aluno, o que era comumente esperado” (GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2005, p.191).
Para Gadotti (2005, p.28-29) “a competência do professor não se mede pela sua capacidade de ensinar – muito menos lecionar – mas pelas possibilidades que constrói para que as pessoas possam aprender, conviver e viverem melhor”. Levando em conta que “o aprendizado ocorre mediante a inserção do indivíduo em um grupo cultural, promovendo o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (pensamento, percepção, memória, raciocínio e volição)” (TULESKI et al, 2005, p.135).
Autores como Lara, Tanamachi e Lopes (2006, p.477) complementam que “o
professor como responsável por conduzir, dirigir e orientar as atividades educativas”. “Não
pode ser um mero executor de currículo oficial e a educação já não é mais propriedade da
escola, mas de toda a comunidade” (GADOTTI, 2005, p.26).
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Com relação à responsabilidade social dos docentes Souza-Neto (2005, p.256) relata que “os profissionais da educação, nomeadamente os professores e professoras, por intermédio da sala de aula, tiveram e têm grande responsabilidade sobre os destinos que a sociedade tomou e toma”.
Prática docente e estresse
Amorim (2009) lista alguns eventos estressantes na pratica docente: idealismo no exercício da profissão, expectativas na carreira, lutos, fofocas no ambiente de trabalho, problemas familiares e sentimentos de incapacidade para fazer frente às demandas que se apresentam no cotidiano escolar. Este mesmo autor não descarta as fontes ditas institucionais, elencando entre estas: conflitos interpessoais (basicamente indisciplina e desmotivação dos alunos), sobrecarga e dinâmica das atividades profissionais docente.
Lipp (2002) apresenta uma lista de eventos que podem ser causadores de estresse no professor: falta de formação científica, punição e injustiça; cultura organizacional baseada na ameaça, falta de comunicação, pressão do tempo, restrição ao desenvolvimento pessoal, a própria carreira docente, condições de trabalho, colegas, a modalidade de gestão empregada na escola e o clima de trabalho (AMORIM, 2009, p.113)
Jesus (2007, p. 18 e 19) apesar de propor uma mudança do foco do mal-estar docente para o bem-estar, lista, citando Esteve (1991; 1992), treze eventos estressores do professor:
(1) O aumento das exigências em relação ao professor; (2) A inibição educativa de outros agentes de socialização; (3) O desenvolvimento de fontes de informação alternativa á escola;
(4) A ruptura do consenso social sobre a educação; (5) O aumento das contradições no aumento da docência; (6) A mudança de expectativas em relação ao sistema educativo; (7) A modificação do apoio da sociedade ao sistema educativo; (8) A menor valorização do trabalho do professor; (9) A mudança dos conteúdos curriculares; (10) As mudanças nas relações entre o professor e o aluno; (11) A fragmentação do trabalho do professor; (12) As deficientes condições de trabalho; (13) E a escassez de recursos materiais.
Witter (2002) ao analisar a produção científica e o estresse do professor, aponta as seguintes variáveis como fontes estressoras: história de vida, contingências de vida familiar, características pessoais, conhecimento e prática do controle do estresse, carreira docente, condições de trabalho, gestão acadêmica, o aluno, ambiente/clima de trabalho, entre outros.
Todavia, Dunham (citado por JESUS, 2007), salienta que “[...]a dificuldade em administrar a
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desmotivação e a indisciplina dos alunos é o fator de estresse apontado com maior frequência nas pesquisas realizadas em diversos países” ( p. 19).
Engagement no trabalho e atividade docente
A arte de ensinar demanda criatividade, alegria e amor ao que se faz, sentimentos que estão em sintonia com o constructo engagement no trabalho.
A condição psicológica dos professores inegavelmente é fator de relevante impacto para a qualidade da grande responsabilidade que é o ato de lecionar. Diante dos desafios de se estudar as condições psicológicas destes trabalhadores, encontra-se uma dificuldade técnica em abordar indicadores de saúde e “felicidade” pois, conforme autores como Maslach e Leiter, 2008; Maslach et al., 2001; Salanova et al. (2000); Salanova e Schaufeli (2009), a grande prioridade da ciência sempre foi o sofrimento diante do trabalho, como por exemplo o estresse, a depressão e síndrome de burnout, em detrimento dos aspectos positivos como o engagement no trabalho.
O engagement no trabalho pode ser considerado como um constructo que vem em resposta a este modelo médico tradicional, de priorizar o sofrimento em detrimento do bem estar, que pode ser considerado como um movimento relativamente recente em nível mundial, característica ainda mais acentuada dentro das publicações brasileiras.
As pesquisas empíricas sobre engagement no trabalho datam do princípio da década de 90, tendo seu início com o estudo de Willian A. Kahn, que foi o responsável pela conceituação acadêmica do termo engagement (SALANOVA; SCHAUFELI, 2009).
Kahn conceituou engagement no trabalho como a oportunidade dos membros de uma organização aproveitarem seus próprios papéis pessoais. Desta forma, as pessoas utilizam-se e expressam a si mesmas, física, cognitiva, emocional e mentalmente durante suas atividades (KAHN, 1990).
O engagement no trabalho pode ser definido como um estado cognitivo positivo, (BAKKER et al., 2007; BAKKER et al., 2008; LLORENS; SCHAUFELI; BAKKER;
SALANOVA, 2007; MORENO-JIMÉNEZ et al., 2010; SCHAUFELI et al., 2002;
SCHAUFELI; BAKKER, 2004), sempre relacionado com o trabalho (BAKKER et al. 2007;
BAKKER et al., 2008; SALANOVA et al. 2000; SCHAUFELI et al., 2002; SCHAUFELI;
BAKKER, 2004), persistente no tempo, (LLORENS et al., 2007; MORENO-JIMÉNEZ et al.,
2010; SALANOVA et al. 2000; SCHAUFELI et al., 2002), de natureza motivacional e social,
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(SALANOVA; SCHAUFELI, 2009) e não é focado em um único objetivo, evento ou situação (SCHAUFELI et al., 2002; MORENO-JIMÉNEZ et al., 2010). É caracterizado por vigor, dedicação e absorção (BAKKER et al., 2007; BAKKER et al., 2008; MORENO-JIMÉNEZ et al., 2010; SALANOVA et al., 2000; SCHAUFELI et al., 2002; SCHAUFELI; BAKKER, 2004), composto por fatores de conduta que traduz energia (vigor), emocional (dedicação) e cognitivo (absorção) (SALANOVA; SCHAUFELI (2009).
Existe também uma concepção de que engagement no trabalho é caracterizado por energia, envolvimento e eficácia profissional, o que para autores como Maslach e Leiter (1997) seriam os opostos diretos das três dimensões da síndrome de burnout. Nesta perspectiva, o engagement no trabalho é medido por um padrão oposto aos escores das dimensões da síndrome de burnout avaliados pelo Maslach Burnout Inventory – MBI (MASLACH e cols., 1996). Dentro desta compreensão, engagement no trabalho é considerado quando se apresentam baixos resultados em exaustão emocional e desumanização (despersonalização), bem como altos escores em eficácia profissional, isto é, as três dimensões avaliadas pelo MBI (MASLACH et al., 2001), perspectiva que não obteve respaldo de outros pesquisadores (BAKKER et al., 2008; SCHAUFELI et al., 2002).
Há diversos conceitos que se correlacionam positivamente com o engagement no trabalho como, por exemplo, compromisso organizacional (SALANOVA et al, 2000;
BAKKER; LEITER, 2010). Bakker e Leiter, (2010) verificaram associação positiva e significativa entre engagement e pró atividade, assim como com iniciativa, qualidade no trabalho, auto-eficácia, dependência no trabalho (workaholism). Carvalho et al. (2006) identificaram correlação com o constructo de resiliência.
Com relação a aferição do engagement no trabalho, o UWES (Utrecht Work Engagement Scale) é o instrumento mais utilizado mundialmente (BAKKER e cols., 2008) e está constituído pelas três dimensões básicas: vigor, dedicação e absorção.
Vigor é caracterizado por altos níveis de energia (BAKKER e cols., 2008; BAKKER;
LEITER, 2010; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000; SCHAUFELI et al., 2002), persistência (BAKKER et al., 2008; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006;
SALANOVA v., 2000; SCHAUFELI et al., 2002), desejo de se dedicar ao trabalho (BAKKER v., 2008; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000;
SCHAUFELI v., 2002) e resiliência mental nas atividades laborais (BAKKER et al., 2008;
BAKKER; LEITER, 2010; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SCHAUFELI et al., 2002).
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A dimensão denominada dedicação se caracteriza pelo sentimento de estar plenamente concentrado (involved) na realização da atividade profissional (BAKKER et al., 2008;
BAKKER; LEITER, 2010; SALANOVA et al., 2000), sensação de que o tempo passa
“voando” e o profissional se “deixa levar” pelo trabalho (SALANOVA et al., 2000), inspiração (BAKKER et al., 2008; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000; SCHAUFELI et al., 2002), orgulho (BAKKER et al., 2008; GONZALEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000; SCHAUFELI et al., 2002), desafio (BAKKER et al., 2008;
GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SCHAUFELI et al., 2002), gostar de desafios profissionais (SALANOVA et al., 2000); significado laboral (BAKKER et al., 2008; BAKKER; LEITER, 2010; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000; SCHAUFELI et al., 2002) e entusiasmo (BAKKER et al., 2008; BAKKER; LEITER, 2010; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000; SCHAUFELI et al., 2002).
A terceira dimensão, absorção, se caracteriza pela sensação de estar plenamente concentrado e feliz na realização do trabalho (BAKKER et al., 2008; BAKKER; LEITER, 2010; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000; SCHAUFELI et al., 2002), sensação de que o tempo passa “voando” e o trabalhador se “deixa levar” pelo trabalho (BAKKER et al., 2008; GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SALANOVA et al., 2000;
SCHAUFELI et al., 2002)
1e dificuldade de se distanciar do trabalho (GONZÁLEZ-ROMÁ et al., 2006; SCHAUFELI et al., 2002). Uma possível consequência negativa desta característica é a dificuldade da pessoa se “separar” de suas atividades laborais devido às emoções positivas experimentadas durante o trabalho (SALANOVA; BRESÓ; SCHAUFELI, 2005; MORENO- JIMÉNEZ et al., 2010).
Com o objetivo de verificar a situação atual das publicações referente ao engagement no trabalho realizou-se uma busca, no mês de agosto de 2011, utilizando-se para tal as bases de dados: MedLine; Scielo; Lilacs e Ibecs. Os resultados obtidos encontram-se a tabela 1.
Tabela 1 – Detalhamento da busca realizada em bases de dados científicas
Base de dados Palavra(s) Chave(s) Local Resultados
Lilacs engagement descritor 0
Ibecs engagement descritor 0
Medline engagement descritor 0
Scielo engagement título 26
Lilacs Engagement titulo 26
Ibecs Engagement Título 9
Medline Engagement Título 2500
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