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Crise e criação: interações entre as artes do corpo e o audiovisual na experimentação contemporânea

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Academic year: 2023

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUCSP

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

WAGNER MIRANDA DIAS

CRISE E CRIAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE AS ARTES DO CORPO E O AUDIOVISUAL NA EXPERIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA.

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO 2022

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WAGNER MIRANDA DIAS

CRISE E CRIAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE AS ARTES DO CORPO E O AUDIOVISUAL NA EXPERIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA.

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica - Área de concentração: Signo e Significação nos Processos Comunicacionais - Linha de Pesquisa II: Processos de Criação na Comunicação e na Cultura pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Cecilia Almeida Salles.

SÃO PAULO 2022

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Prof. Dr. Evaldo Mocarzel – Pesquisador Independente

______________________________________

Prof.ª Drª. Lúcia Isaltina Leão – PUC-SP ______________________________________

Prof.ª Drª. Christine Greiner PUC-SP ______________________________________

Prof.ª Drª. Kenia e Silva Dias - Pesquisadora independente

______________________________________

Prof.ª Drª. Cecilia Almeida Salles PUC-SP

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AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES) - NÚMERO DO PROCESSO: 88887.163061/2018-00

This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brazil (CAPES) -. PROCESS NUMBER:

88887.163061/2018-00

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AGRADECIMENTOS

Para a minha orientadora Cecilia Salles por toda confiança, estímulo e carinho. Obrigado por ter dividido tantos ensinamentos preciosos e por ter me dado a mão inúmeras vezes nas dificuldades que tive ao trilhar o caminho desta pesquisa. Obrigado pelas idas ao teatro, pelas risadas, pelas conversas. Quero que saiba que, certamente, o tempo que atravessamos juntos, no mestrado e doutorado, foram alguns dos melhores anos de minha vida. Que nossa amizade e parceria siga florescendo. E que venha o futuro!

Para João Rafael Ferraz. Sem você eu não seria quem sou hoje. Obrigado por tanto amor, força e companheirismo. Te amo.

Para Creso Pessurno, por toda irmandade e infinita paciência. Você é minha família escolhida e amada. Obrigado por tudo. Sempre.

Para minha prima Ana Maria Carvalho que um dia me deu um voto de confiança; uma luz que me animou a chegar até aqui. Te amo, Aninha.

Para Celio Rentróia, meu melhor amigo, por sempre me questionar e estar ao meu lado. Obrigado pelas gargalhadas que demos, damos e daremos.

Para meu mestre Amir Haddad, pela enorme generosidade e, especialmente, por nossas conversas inesquecíveis.

Para Roberto Alencar, pela amizade e parceria e por sempre estar pronto a contribuir com essa pesquisa. Você foi essencial de muitas maneiras para este estudo.

Obrigado, querido Murilo Chevalier, por ter me dado tanto amor e crédito.

Obrigado ao grupo Grua Gentlemen de Rua, pela confiança ao cederem seus documentos de processo de criação.

(6)

Obrigado ao grupo TUCA-Rio, pela atenção e trocas emocionantes.

Agradeço, especialmente, a minha amiga Kenia Dias que me inspira e ilumina com sua presença e espírito. Uma amizade que levo no meu coração espiralado. Uma artista e pesquisadora única, especial, potente. Obrigado por tudo.

Para minha amiga Paula Martinelli, por partilharmos inúmeras alegrias e desafios em nossas aventuras acadêmicas e na vida. Quem venham mais encontros felizes!

Para Lúcia Leão, pelas sugestões e questionamentos preciosos feitos durante a qualificação deste trabalho.

Aos meus companheiros do Grupo de Pesquisa em Processos de Criação e aos amigos e colegas que fiz no COS durante todos esses anos. Caminhar ao lado de vocês foi um prazer, uma alegria.

Para todos os professores do COS. Foi um privilégio aprender com vocês.

Para Cida Bueno, por sua disponibilidade, atenção e carinho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe, Neide, e à minha avó, Sinhá. Elas já partiram, no entanto, ainda vivem em mim.

Sou quem sou, graças a elas. Da minha mãe – a pessoa mais viva e alegre que já conheci - herdei o bom humor inabalável e a curiosidade. De minha vó – uma mulher iletrada, simples e muito sábia - herdei a capacidade de lutar pelas coisas que acredito. Obrigado, meus amores!

Aqui estou: resistindo!

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O que é o amor? A criação? O anseio? O que é uma estrela? – assim pergunta o último homem revirando os olhos.

Nietzsche

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RESUMO

CRISE E CRIAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE AS ARTES DO CORPO E O AUDIOVISUAL NA EXPERIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA.

Esta tese investiga as relações entre crise e criação, observando os procedimentos e processos artísticos como ações de resistência às crises. Para isso, se aprofunda, especificamente, nos vínculos entre as artes do corpo e o audiovisual. As experiências de hibridização entre as artes do corpo e o audiovisual se dão desde o século XIX, no entanto, esses trânsitos se acirram nos últimos anos devido a fatores como o desenvolvimento e o barateamento das tecnologias digitais, que propiciam facilidades de difusão para os artistas e de acesso para o espectador, gerando uma efervescente área de interação. A crise instalada no contexto pandêmico aumentou flagrantemente essas interações e, para colocá-las em perspectiva nesse estudo, foi necessário abordar alguns trajetos de criação (coletivos e individuais) que se dão antes e depois da pandemia. A fundamentação teórica se estrutura a partir da teoria crítica dos processos de criação de Cecilia Almeida Salles.. O referencial teórico propõe diálogos com Edgard Morin, David Harvey, Michel Serres, Zigmunt Bauman, Lucia Santaella, Arlindo Machado, Jacques Rancière, Flavio Degranges, Béatrice Picon-Vallin, Christine Greiner, Lúcia Leão e Vincent Colapietro, entre outros.

Palavras-chave: Processos de criação; Artes do Corpo; Audiovisual, Comunicação; Crise.

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ABSTRACT

This thesis investigates the relationship between crisis and creation, observing artistic procedures and processes as actions of resistance to crises. For this, it delves, specifically, into the links between body arts and audiovisual. The experiences of hybridization between body arts and audiovisual have been taking place since the 19th century, however, these transits have intensified in recent years due to factors such as the development and cheapening of digital technologies, which provide diffusion facilities for artists and access for the spectator, generating an effervescent area of interaction. The crisis installed in the pandemic context blatantly increased these interactions and, in order to put them into perspective in this study, it was necessary to address some creative paths (collective and individual) that took place before and after the pandemic.

The theoretical foundation is structured from the critical theory of creative processes by Cecilia Almeida Salles. The theoretical framework proposes dialogues with Edgard Morin, David Harvey, Michel Serres, Zigmunt Bauman, Lucia Santaella, Arlindo Machado, Jacques Rancière, Flavio Degranges, Béatrice Picon-Vallin, Christine Greiner, Lúcia Leão and Vincent Colapietro, among others.

Keywords: Creative Processes; Body Arts; Audiovisual; Communication; Crisis.

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 Finger Pointer Worker, Kota Takeuchi (2011). Fonte:

https://kadist.org/. ………. 35

Fig. 2 Diário (2015), de Marilá Dardot. Fonte: hyperallergic.com. ... 36 Fig. 3 Still de 12 Short Songs (2009), de Jorge Macchi. Fonte:

hyperallergic.com. ... 37 Fig. 4 Chinese Democracy and the Last Day on Earth Video Trilogy, de

Federico Solmi, (2011-2014). Fonte: hyperallergic.com. ……… 38 Fig. 5 Hoje, sou apenas uma borboleta a enviar-te uma frase (2016), de

Patrícia Almeida. Fonte: http://www.patriciaalmeida.com/. ……… 39 Fig. 6 This Lemon Tastes of Apple (2011), do artista iraquiano Hiwa k. Fonte:

http://www.hiwak.net/projects/lemon-tastes/. ... 40 Fig. 7 Ensaio Atores/Técnicos: Renata Jesion, Zemanuel Piñero e Marcelo

Poveda. Foto de Cacá Bernardes. Fonte: acervo do artista. …………. 51 Fig. 8 Página do site do grupo Teatro Para Alguém. Foto: Barbara Ablas. …. 59 Fig. 9 Por conta da casa, peça de Sérgio Roveri e direção de Zeca

Bittencourt. Fonte: www.teatroparaalguem.com.br. ……… 62 Fig. 10 Angélica di Paula na peça O Ovo e a Galinha. Foto: Lenise Pinheiro. 66 Fig. 11 Corpos de Passagem, trabalho do Grua Gentlemen de Rua (2011).

São Paulo. Foto de Guto Muniz. Fonte: acervo do artista. ... 72 Fig. 12 Grua Navegantes: uma rota de afetos - Filme. Dir. Osmar Zampieri.

Fonte: Vimeo. ... 77 Fig. 13 Grua Navegantes: uma rota de afetos - Filme. Dir. Osmar Zampieri.

Fonte: Vimeo. ... 79 Fig. 14 Corpos de Passagem – Sesc em Casa, (2020). Fonte: Youtube. ... 85 Fig. 15 Corpos de Passagem – Sesc em Casa, (2020). Fonte: Youtube. ... 88 Fig. 16 Grua Mirante - Filme. Dir. Osmar Zampieri. Fonte: Vimeo. ……….….. 92 Fig. 17 Imagem do documento Roteiro: Imagens e Ações a Partir da

Colaboração Criativa Coletiva. Fonte: acervo do artista. ……… 94 Fig. 18 Grua Mirante - Filme. Dir. Osmar Zampieri. Fonte: Vimeo. ………….... 95 Fig. 19 Videoperformance de Murilo Chevalier. Fonte: perfil do artista no

Instagram. ... 107 Fig. 20 Videoperformance de Murilo Chevalier. Fonte: perfil do artista no

Instagram. ... 107 Fig. 21 Fotoperformance de Murilo Chevalier. Fonte: perfil do artista no

Instagram. ... 109 Fig. 22 Fotoperformance de Murilo Chevalier. Fonte: perfil do artista no

Instagram. ... 109 Fig. 23 Perfil de Murilo Chevalier no Instagram. Fonte: perfil do artista no

Instagram. ... 114 Fig 24 Perfil de Murilo Chevalier no Instagram Fonte: perfil do artista no

Instagram. ... 114 Fig. 25 Cena de O coronel de Macambira. Fonte: acervo do grupo Tuca - Rio. 125 Fig. 26 Flyer eletrônico da peça ReAcordar. Fonte: acervo do grupo Tuca -

Rio. ... 126 Fig. 27 Apresentação de ReAcordar na plataforma Zoom. Fonte: print do

autor. ……….. 141

Fig. 28 Espetáculo Os Cegos, de Maurice Maeterlinck e direção de Denis Marleau. Fonte: http://nancytobinarchives.net/en/les-aveugles/. …….. 143 Fig. 29 Merce Cunningham filmando seus dançarinos, 1975. Foto de Jack

Mitchell. ... 152

(12)

Fig. 30 Biped. 1999. Fonte: https://www.researchgate.net/. ... 153 Fig. 31 Trisha Brown performando If you couldn’t see me, 1994. Solo feito com

a colaboração de Robert Rauschenberg. Fonte: acervo de Joanne Savio e Trisha Brown Dance Company. ... 154 Fig. 32 Glacial Decoy (1979). Coreografia de Trisha Brown, design visual

(imagens projetadas) e figurinos de Robert Rauschenberg. Foto:

Babette Mangolte. Fonte: Trisha Brown Dance Company Archives. .... 155 Fig. 33 Roof and Fire Piece (1973). Filme de Babette Mangolte com

coreografia de Trisha Brown. Fonte: https://artsmeme.com/tag/roof-

piece/. ………. 156

Fig. 34 Opal Loop/Cloud Installation #72503 (1980). Foto: Julieta Cervantes. 157 Fig. 35 Falls the Shadow. Fonte: Print Youtube. ……… 158 Fig. 36 Estudos/desenhos para Alfaiataria de Gestos. Fonte: acervo do

artista. ... 160 Fig. 37 Estudos/recortes. Fonte: acervo do artista. ... 161 Fig. 38 Ana Seelaender e Renata Aspesi em cena de Alfaiataria de Gestos.

Foto de Gal Oppido. Fonte: acervo do artista. ... 161 Fig. 39 Projeto do espetáculo Zoopraxiscópio, fotos de sequência de

movimentos de Alencar intermediadas pelo app The Muybridgizer.

Fonte: acervo do artista. ... 163 Fig. 40 Desenhos de Alencar feitos a partir da decupação das fotos e postos

num disco similar ao utilizado no aparelho zoopraxiscópio. Fonte:

acervo do artista. ... 163 Fig. 41 Reprodução de sequência de fotos de Muybridge sobre um cavalo

correndo. Fonte: https://www.gettyimages.pt/fotos/eadweard- muybridge. ... 164 Fig. 42 Desenhos de Roberto Alencar sobre homem-cavalo em movimento

nos cadernos de ensaio de Zoopraxiscópio. Fonte: acervo do artista. 165 Fig. 43 Cena de Zoopraxiscópio. Máscara de papel. Foto de Rogério

Marcondes. Fonte: acervo do artista. ... 166 Fig. 44 Caderno de anotações dos ensaios de Zoopraxiscópio. Fonte: acervo

do artista. ... 167 Fig. 45 Cena de Zoopraxiscópio. Foto de Rogério Marcondes. Fonte: acervo

do artista. ... 170 Fig. 46 Caderno de folhas transparentes. Fonte: acervo do artista. ... 171 Fig. 47 Desenhos no tecido sobrepostos em movimento. Foto de Gal Oppido.

Fonte: acervo do artista. ... 172 Fig. 48 Desenhos no tecido sobrepostos em movimento. Foto de Gal Oppido.

Fonte: acervo do artista. ... 172 Fig. 49 Colagens feitas no processo de Um Porco Sentado. Fonte: acervo do

artista. ... 176 Fig. 50 Estudos feitos a partir das ilustrações de Gustave Doré para a Divina

Comédia, de Dante Alighieri. Fonte: acervo do artista. ... 180 Fig. 51 Estudos feitos a partir das ilustrações de Gustave Doré para a Divina

Comédia, de Dante Alighieri. acervo do artista. ... 180 Fig. 52 Diagram for Gesture Dance, 1926. Fonte:

https://modeenmodule.tumblr.com/post/46498344484/oskar-

schlemmer-diagram-for-gesture-dance-1926. ... 181 Fig. 53 Estudos/desenho. Fonte: acervo do artista. ... 182 Fig. 54 Estudos/desenhos recortados. Fonte: acervo do artista. ... 183 Fig. 55 vídeo base (Coreografias de Papel) da manipulação dos bonecos em

Aglomerado. Fonte:

https://www.Youtube.com/watch?v=CL5IJecm01w&t=267s. ... 187 Fig. 56 Aglomerado. Fonte:

https://www.Youtube.com/watch?v=ZmnkFzrS5c0&t=4s. ... 188

(13)

Fig. 57 Fragmento do caderno de ensaios de Zoopraxiscópio (2014). Fonte:

acervo do artista. ... 190 Fig. 58 Apresentação ao vivo da performance visual Aglomerado dentro do

projeto Terça Aberta, da Cia. Fragmento de Dança, com mediação de Vanessa Macedo e Janaína Leite. Print do pesquisador. Fonte:

https://www.Youtube.com/watch?v=E22kFkHozss. ... 194 Fig. 59 .flutuação.ir.e.vir.das.espirais.ósseas.poética.dos.ossos. Fonte: perfil

da artista no Instagram. ... 205 Fig. 60 .poética dos ossos. .rosto expandido. Fonte: perfil da artista no

Instagram. ... 206 Fig. 61 .pelve.em.visão.poética.dos.ossos. Fonte: perfil da artista no

Instagram. ... 206 Fig. 62 Enunciado de post. Fonte: perfil da artista no Instagram. ... 214 Fig. 63 .mobilidade da coluna e da articulação coxofemoral. – sequência de

movimentos na kurunta. Fonte: perfil da artista no Instagram. ... 215 Fig. 64 .cervical.trança.muscular.tudo.no.corpo.é.relacional. Fonte: perfil da

artista no Instagram. ... 217 Fig. 65 Nebulosa Cabeça do Cavalo registrada na luz infravermelha pelo

Hubble. Localizada a 1500 anos-luz da Terra e tem 16 anos luz de diâmetro. Fonte: perfil da artista no Instagram. ... 218 Fig. 66 .movência.dos.ossos.sim.eles.se.movem..poética.dos.ossos. perfil da

artista no Instagram. ... 218 Fig. 67 .pontos.em.vista.mão. Frame de vídeo. Fonte: perfil da artista no

Instagram. ... 222 Fig. 68 .paisagem.inversa. Fonte: perfil da artista no Instagram... 226 Fig. 69 Meu Nascimento (1932). Frida Kahlo. Fonte: https://historia-

arte.com/obras/mi-nacimiento. ... 227 Fig. 70 Autorretrato com Orelha Cortada (1889). Vincent van Gogh. Fonte:

http://www.artandarchitecture.org.uk/ ... 228 Fig. 71 .fluidos.nosso.oceano.interno. Frame de vídeo. Fonte: perfil da artista

no Instagram. ... 231 Fig. 72 Kenia Dias atuando em Sem Palavras. Foto de Nana Moraes. Fonte:

perfil da artista no Instagram. ... 232 Fig. 73 Kenia Dias atuando em Sem Palavras. Foto de Nana Moraes. Fonte:

perfil da artista no Instagram. ... 233 Fig. 74 Inside. Foto: Marilena Stafylidou. Fonte:

http://www.dimitrispapaioannou.com/en/recent/inside. ... 244 Fig. 75 Videoinstalação Inside, (2017). Basileia, Suíça. Fonte:

https://twitter.com/papaioannou_d/status/917059615677874177 ... 245 Fig. 76 Pedro Brício em cena em A Falta que Nos Move ou Todas as Histórias

são Ficção. Foto: divulgação. ... 246 Fig. 77 Foto da exibição da videoinstalação ou cinema performance A Falta

que nos Move, no Parque Lage em 2016. Print do pesquisador. Fonte:

https://christianejatahy.com.br/project/a-falta-que-nos-move. ... 247 Fig. 78 Marat Descartes em Peça. Print do autor. Fonte:

https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1671236679893319-veja-

cenas-de-peca-espetaculo-virtual-de-marat-descartes. ... 253 Fig. 79 Ítala Nandi em Paixão Viva. Print do autor. Fonte:

https://www.Youtube.com/watch?v=pdPQfiX80BU. ... 254 Fig. 80 Grupo Magiluth. foto: Pedro Escobar. Fonte:

https://revistacontinente.com.br/secoes/indicacoes/-cenicas--tudo-

que-coube-numa-vhs. ... 264 Fig. 81 Interações no Instagram durante Tudo que Coube numa VHS. Fonte:

print da tela do celular do pesquisador. ... 269

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Fig. 82 Interações no WhatsApp em Tudo que Coube numa VHS. Fonte: print da tela do celular do pesquisador. ... 271

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SUMÁRIO

Introdução... 16

Capítulo 1 - Crise e criação: as artes em contextos de crise ... 22

1.1 Teatro Para Alguém ... 45

1.2 Grua Gentlemen de Rua ... 70

1.3 Murilo Chevalier ... 100

Capítulo 2 - Crise e a sobrevivência dos processos de criação ... 118

2.1 Amir Haddad e ReAcordar: das ruas às redes ... 119

2.2 Roberto Alencar e Aglomerado: o corpo virtual em trânsito ... 149

2.3 Kenia Dias e as Dramaturgias da Vida: o coração espiralado ... 197

Capítulo 3 - Crise e cena virtual: autoria, interdisciplinaridade e espectador ... 235

3.1 Expansão e interdisciplinaridade: cruzamentos entre artes do corpo, audiovisual e ciberespaço ... 236

3.2 Uma autoria em rede: o espectador invisível ... 256

Considerações finais: entender o mundo que nos espera ... 274

(16)

DOUTORADO COS – PUC SP - 2022

CRISE E CRIAÇÃO: INTERAÇÕES ENTRE AS ARTES DO CORPO E O AUDIOVISUAL NA EXPERIMENTAÇÃO CONTEMPORÂNEA.

Wagner Miranda Dias

Orientação: Profª. Drª. Cecília Almeida Salles

(17)

16

Introdução

Inicialmente, me interessei pelos trânsitos entre o audiovisual e as artes do corpo quando passei a usar o vídeo como elemento para a composição cênica na peça “Yo Soy o que a água de meu - Frida”, sobre a pintora mexicana Frida Kahlo, experimento cênico que dirigi em 2007, na cidade de São Paulo. O trabalho teve origem em uma pesquisa implementada com incentivo da Lei de Fomento ao Teatro da Secretaria Municipal de Cultura. O trabalho experimentava interações entre as linguagens da performance, do teatro, das artes visuais e do audiovisual. Como encenador, tentei fazer com que as imagens das pinturas de Kahlo e as cenas criadas nos ensaios pelos seis atores- performers fossem mais do que ilustrações, simples comentários sobre a vida da artista ou composição cenográfica. Era preciso, a meu ver, imprimir profundidade, dar maior densidade à cena, e procurava recursos para alcançar esse objetivo.

Nessa perspectiva, o audiovisual me pareceu bastante adequado para criar uma ponte poética entre Kahlo, os artistas que participavam do experimento e o público. Entre outros aspectos, procurava algo que interferisse na visão do público, que não facilitasse a visão da peça, que a imagem e o mecanismo de projeção se estabelecessem como incômodo, algo que reverberasse fisicamente no público. Desejava a quebra de uma possível atitude burguesa e passiva da plateia, propunha que determinados significados pudessem ser extraídos dessa experiência do desconforto. Em “Yo soy o que a água me deu – Frida” era preciso oferecer uma vivência de acossamento e limitação física para a plateia, pois estava tocando em interpretações da vida e da obra de Frida Kahlo, afinal. Tudo deveria ser atravessado por aquela “beleza difícil”, característica da obra da pintora. Como conseguir isso?

O espaço da encenação era composto por um corredor de arquibancadas, uma em frente a outra e a ação do espetáculo se espalhava no centro e nas bordas de entrada e saída de cena. Na frente de cada arquibancada, havia um

“filtro” de tecido translúcido, que as separava do espaço de atuação e servia

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17 como tela em que parte das projeções se davam. O espaço era completamente branco, em contraste com a sala preta das artes cênicas, aludindo mais a um cubo branco, espaço expositivo tradicionalmente ligado às artes visuais. As projeções dos vídeos e imagens eram feitas com a utilização de quatro projetores, um para cada arquibancada e um para cada parede de fundo.

Quando as imagens eram projetadas, atravessavam os filtros e, consequentemente, se sobrepunham aos corpos do espectador e, também, dos atores-performers. O público tinha que, literalmente, encontrar “modos de ver”

as interações entre a cena e as imagens, pois havia a luz de um projetor, quase sempre ligado diretamente à sua frente.

Esse foi uns dos modos que nós, os artistas envolvidos no processo, encontramos para criar algo, nessa experiência, que conversasse com os estados de crise internas e externas que atravessaram toda a vida da pintora e que definiu a sua arte. Imaginei um procedimento com o audiovisual que possibilitasse criar uma pequena metáfora cênica sobre esses estados de crise.

Além disso, a linguagem audiovisual foi usada como construtora de narrativas dramatúrgicas e visuais (o que, naquele contexto, talvez tenha sido a mesma coisa).

Como não me interessava que o vídeo relatasse algo ou surgisse como apoio imagético somente; como já disse, era fundamental a integração com o espaço cenográfico e com os corpos dos atores-performers. O uso dos quatro projetores tornava o espaço um “carrossel” de imagens oferecendo uma experiência imersiva ao espectador, sem hierarquias entre as imagens construídas ao vivo e as projetadas. Pretendia que uma perpassasse a outra.

Mais do que uma interpretação da “vida” de Kahlo, a interação entre as linguagens devia ser o centro do espetáculo. A partir dessa experiência, passei a me interessar sobre os aspectos das interações entre a cena e o audiovisual como artista e, também, como pesquisador.

As circunstâncias de constante estado de crise em que os processos de criação de Frida Kahlo se davam, também me chamaram atenção. Kahlo teve sua vida marcada por extremas dificuldades físicas e emocionais. Ao longo da

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18 vida, sofreu inúmeras cirurgias que a obrigaram a ficar longos e dolorosos períodos acamada, presa a coletes ortopédicos ou em cadeiras de rodas, viveu relações atribuladas e grandes perdas. Obviamente, esse estado de crise quase permanente influenciou profundamente a sua produção artística. Ao pensar sobre a crise como ponto de inflexão definidora, em muitos aspectos, da criação de Kahlo, me perguntei até que ponto os contextos de crise definem algumas características dos processos de criação dos artistas.

Além dos processos de criação realizados em circunstâncias particulares de crise (doenças físicas e mentais, mortes de pessoas próximas etc.) que marcam a produção de vários artistas, passei a observar o quanto a produção artística estava enredada com ambientes de crise coletivos, especialmente no ocidente. Nesse estudo, faço uma rápida abordagem histórica dessa perspectiva para contextualizar a experimentação contemporânea das artes do corpo em interação com o audiovisual.

Essas questões estavam latentes quando cursei o mestrado em Comunicação e Semiótica pesquisando os processos de criação do artista visual e do corpo paulistano, Roberto Alencar. Para o doutorado, inicialmente, propus o projeto “Os trânsitos dos corpos nas artes: processos comunicativos e criativos em hibridização”, com a intenção de investigar interações entre diversas linguagens de arte na elaboração dos processos de criação e comunicação de grupos e artistas de teatro, dança e performance. No entanto, com o advento da crise pandêmica, no início de 2020, essa proposta se inviabilizou, pois previa acompanhamentos presenciais de vários projetos. Já pensava em desenvolver uma pesquisa que investigasse as relações entre crise e criação e as artes do corpo e audiovisual no futuro um pouco mais distante, possivelmente num pós- doutoramento.

Quando diversos grupos e artistas das artes cênicas, diante do isolamento social imposto por pelas circunstâncias pandêmicas, passaram a usar o ciberespaço1, as redes e as tecnologias de imagem e som digitais para

1 Utilizo, nesta investigação, a definição de Pierre Lévy (2010, p. 94 e 95) de ciberespaço “[...] como o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos

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19 discutirem seus projetos, ensaiarem, mostrarem e apresentarem seus processos de criação, percebi que deveria investigar esses movimentos. Essas experiências colocaram uma nova possibilidade para a minha pesquisa: se os artistas podiam criar e se apresentar nas interações com o audiovisual e o ciberespaço, minha investigação poderia ser feita do mesmo modo. Acredito que aprofundar, especificamente, as relações entre os estados de crise, as artes do corpo, o audiovisual e as mídias digitais, trazendo esse aspecto para esta pesquisa de doutorado, tenha sido um caminho natural devido ao cenário provocado pela pandemia e ao meu interesse sobre os trânsitos entre linguagens.

Em 2019, eu e a minha orientadora, Cecilia Salles, escrevemos o artigo Interações do Audiovisual e Processos de Criação: um Campo de Experimentação, publicado na Revista Significação2 da ECA USP. No artigo, apontávamos os cruzamentos entre as artes do corpo e o audiovisual como um fator relevante para determinados processos de criação na experimentação contemporânea e discutimos, por esse viés, as singularidades dos projetos artísticos do documentarista Evaldo Mocarzel e do artista do corpo Roberto Alencar.

É claro que as confluências entre as artes do corpo e o audiovisual acontecem desde a invenção do cinema. Mas, certamente, esse trânsito se estreita nos últimos anos devido ao aperfeiçoamento das transmissões de informações nas redes digitais, à possibilidade de acesso a equipamentos de áudio e vídeo mais compactos, baratos, com mais qualidade e com maior capacidade de armazenamento de dados pelos artistas e técnicos.

Obviamente, a instalação da pandemia de 2020 propiciou o aumento das interações das artes do corpo com o audiovisual – o que deve ser contemplado

computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. Insisto na codificação digital, pois ela condiciona o caráter plástico, fluido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informação que é, parece-me, a marca distinta do ciberespaço.”

2 https://www.revistas.usp.br/significacao/article/view/164288/161862.

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20 de modo importante nessa pesquisa. Todavia, considero outros contextos em que se deram esses diálogos. Nesse sentido, para entender mais claramente determinados fatores constitutivos e as consequências desses cruzamentos, foi necessário examinar as experimentações, elencadas para essa pesquisa, acompanhando os seus processos de criação antes e depois da pandemia, mapeando a trajetória desses trabalhos e observando as recorrências relativas à exploração do audiovisual como procedimento de criação e estratégia de sobrevivência das artes presenciais.

Na primeira parte do capítulo 1, “Crise e criação: as artes em contextos de crise.” Trato dos conceitos de crise, discutindo seus significados etimológicos, históricos, econômicos e sociais. Também abordo três experiências pontuais de criação caracterizadas pelas interações artes do corpo- audiovisual, que já se construíam no período anterior à crise pandêmica, de modo a refletir sobre quais características apresentam em seus processos e modos de produção e quais pontos de confluência essas experiências apresentam.

No capítulo 2, “Crise e resistência: ciberespaço, audiovisual e três criadores”, observo experiências de interação de três propostas artísticas com o ambiente virtual e o audiovisual que se configuram em ações nas brechas, reações ao estado pandêmico. São artistas que, diante de um acontecimento coletivo absolutamente limitante para as artes presenciais, criam procedimentos para que a criação se dê, que se caracterizam como atos de sobrevivência e afirmação contra as crises inscritos nas características gerais dos processos de criação como procedimentos, estratégias e modos de produção que surgem das limitações do meio histórico, geográfico, social e cultural.

Na primeira parte do capítulo 3, “Crise e cena virtual: autoria, interdisciplinaridade e espectador”, reflito sobre os processos de autoria da cena virtual, observados como redes complexas em constante expansão, considerando suas relações formativas multidisciplinares e históricas, destacando aspectos de constituição de expansão de campos artísticos e de interdisciplinaridade realizados nos trânsitos de algumas propostas cênicas

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21 contemporâneas com o audiovisual e o ciberespaço. Na segunda parte, reflito sobre a ida, a partir de hibridizações com o audiovisual, de processos de criação da cena para os ambientes virtuais e suas interações com o espectador, investigando as mudanças de paradigmas ligados à tradição e outras perspectivas de interação artista-espectador-autoria que se aprofundam no momento.

Essa tese foi elaborada a partir de interlocuções com pesquisadores como Cecília Salles (2004, 2006, 2008, 2010, 2017, 2020), Lucia Leão (2002, 2005, 2011, 2016, 2020), Christine Greiner (2005, 2009, 2011, 2020), Edgard Morin (2011, 2013, 2015, 2020), Michael Serres (2017), Vincent Colapietro (2014), Zigmunt Bauman (2001, 2006), Josette Ferál (2015), Lucia Santaella (2003, 2004, 2005, 2012, 2014), Arlindo Machado (2007) e David Harvey (1992, 2012, 2016), entre outros.

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Capítulo 1 - Crise e criação: as artes em contextos de crise.

No ocidente, o estado de crise contemporâneo é consequência de um intricado processo histórico, social e cultural de enorme abrangência. Se inicia a partir do final do século XVIII após a revolução francesa com seus ideais iluministas e se projeta nas consequências da Revolução Industrial. Segundo Giordani:

O estudioso da História do século XX deve ter presente a profunda influência dos acontecimentos do século XIX. A corrente histórica não conhece barreiras cronológicas nem solução de continuidade. Assim é que o espírito do século XIX,

“filho tanto da Revolução Francesa como da Revolução Industrial” (Liberalismo, Nacionalismo, Socialismo etc.), está presente no limiar do século XX. (GIORDANI, 2012, p.14)

Esse processo, que se solidifica a partir da segunda metade do século XIX, adentra violentamente no século XX (modernidade e pós-modernidade) e chega ao século XXI criando grandes paradigmas e nomeando um fenômeno social, político, ambiental e econômico que alguns pensadores têm percebido como um estado constante de crise caracterizado por crises sucessivas, a ponto de uma se sobrepor a outra. Essa característica, levanta a hipótese de que esse fenômeno, talvez, possa se tratar da “mesma imensa crise que alimenta a si mesma e muda com o tempo, transformando e regenerando a si própria como entidade teratogênica monstruosa” (BAUMAN e BORDONI, 2016, p.15).

Voltando aos fatores que originam as crises que singularizam o século XX, Harvey discorre, ao interpretar Adorno e Horkheimer, sobre a falência dos ideais

“otimistas” do Iluminismo:

O século XX – com seus campos de concentração e esquadrões da morte, seu militarismo e das guerras mundiais, sua ameaça de aniquilação nuclear e sua experiência de Hiroshima e Nagasaki – certamente deitou por terra esse otimismo. Pior ainda, há a suspeita de que o projeto do Iluminismo estava fadado a voltar-se contra si mesmo e transformar a busca da emancipação humana num sistema de opressão universal em nome da liberdade humana. (HARVEY, 2008, p.23)

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23 Nos últimos anos, diversas crises atingem algumas nações, que sofrem processos de fragilização em suas democracias. A crise social, ambiental, política e econômica é acirrada pela trágica pandemia de Covid-19, que se inicia em 2020.

São bastante claras e estão muito bem documentadas as relações entre as crises que a Europa apresenta desde o final do século XIX e o surgimento das vanguardas do século XX. Após a Segunda Guerra Mundial, o deslocamento do polo produtor de arte da Europa para os Estados Unidos influencia o surgimento da Action Paint, da Pop Art e do Minimalismo, por exemplo. David Harvey, em seu livro “Condição Pós-Moderna” argumenta que as crises capitalistas, seus desenvolvimentos e respostas, serviram como pontos materiais dos quais os movimentos estéticos da modernidade retiraram suas problemáticas, questões e reflexões (HARVEY apud MENEZES, 2017, p.9)

O desenrolar desses acontecimentos, revelam um período de avanços tecnológicos sem precedentes que, lamentavelmente, não ampliam direitos ou diminuem os abismos sociais entre os países ricos e o restante do planeta. Ao contrário, algumas conquistas tecnológicas (armas, informação, tecnologias espaciais etc.) parecem estar a serviço da manutenção do estado de crise.

Considero essa percepção importante para refletir sobre algumas questões que serão apresentadas sobre processos de criação em arte inseridos nesses contextos, principalmente ligados à experimentação contemporânea.

Mudanças radicais nas linguagens de arte e nos procedimentos e processos artísticos ocorrem simultaneamente aos estados de crise deflagrados no século XX. Todos os “ismos” das vanguardas europeias da primeira metade do século XX se alinham às crises que se dão a partir da segunda metade do século XIX (HAUSER, 1998, p.957-962).

Limites – tomados aqui sob o ponto de vista dos contextos históricos - nos processos de arte, podem definir aspectos como materialidades, poéticas, procedimentos, recepção e, até, movimentos de arte. Podem ser determinados pelo próprio artista e/ou pelas circunstâncias em que os processos se dão. De

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24 acordo com Salles, “a criação realiza-se na tensão entre o limite e liberdade:

liberdade significando possibilidade infinita e limite estando associado a enfrentamento de restrições” (SALLES, 2011, pg.68). No entanto, nem sempre as restrições impostas aos processos se relacionam com circunstâncias explicitamente de crise, porém, estão sempre ligadas ao modo como os indivíduos se encontram inseridos em seus contextos históricos e sociais em determinado tempo.

Desse modo, é possível que as conjunturas de crise possam vir a ser definidoras de processos criativos importantes para o surgimento de novas interações e propostas artísticas, pois estimula o surgimento de ambientes efervescentes e reativos culturalmente.

A efervescência cultural é um conceito trazido por Edgar Morim (2011, p.35), em que “o encontro de ideias antagônicas cria uma zona de turbulência que abre uma brecha no determinismo cultural; pode estimular, entre indivíduos ou grupos, interrogações, insatisfações, dúvidas, reticências, busca”. Sob esse ponto de vista, consequentemente, as reações à crise podem alimentar ambientes culturais efervescentes e, a partir daí, fomentar mudanças, propiciar a busca de soluções, invenções e novos modos de criação.

Possíveis diálogos sobre o conceito de crise

A noção de “crise” é encontrada nos estudos de sociologia, política, economia, psicopatologia, física etc., tendo se tornado comum a quase todas as áreas do conhecimento. Essa disseminação de seu uso cria ruídos, que colocam algumas dificuldades para entendermos o que realmente significa. Nessa conjuntura, para refletir sobre desdobramentos importantes dos significados de crise no contemporâneo, é necessário que voltemos um pouco mais no tempo, investigando sua procedência. A origem etimológica da palavra “crise” se localiza na Grécia antiga. Segundo Bordoni, se origina:

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25 Da palavra grega κρίσις, “juízo”, “resultado de um juízo”, “ponto crítico”, “seleção”, “decisão” (segundo Tulcídedes), mas também

“contenda” ou “disputa” (segundo Platão), um padrão, do qual derivam critério, “base para julgar”, mas também “habilidade de discernir”, e crítico, “próprio para julgar”, “crucial”, “decisivo”, bem como pertinente a arte de julgar (BAUMAN e BORDONI, 2016, p.9)

O conceito de crise, para os autores, se forma nas esferas médicas, em que é usada até hoje, pela necessidade de tomadas de decisões em contextos de extrema urgência. Quando uma doença se estabelece no paciente, um ponto de incerteza se instala, seu corpo é tomado por algo estranho, alienígena a esse sistema. Para Bauman:

Tenho a impressão de que a ideia de “crise” tende hoje a deslocar-se de volta às suas origens médicas. Ela foi cunhada para denotar o momento no qual o futuro do paciente estava na balança, e o médico tinha de decidir que caminho tomar e que tratamento aplicar para levar o doente à convalescência.

(BAUMAN e BORDONI, 2016, p.16)

Entende-se a crise, nessa circunstância, como o ponto em que o corpo não consegue mais se defender adequadamente da invasão pela doença – uma situação de culminância em que, a partir desse limite, ou o corpo se cura ou morre. Nesse caso, a cura depende de uma intervenção extra corpo. Assim, a sobrevivência do paciente não dependerá de sua vontade, mas, da ação de um médico, um remédio, de um fator externo qualquer. Ampliando esse aspecto, Bauman diz que:

Falando de crise de qualquer natureza que seja, nós transmitimos em primeiro lugar o sentimento de incerteza, de nossa ignorância da direção que as questões estão prestes a tomar, e, secundariamente, do ímpeto de intervir: de escolher as medidas certas e decidir aplicá-las com presteza. Quando diagnosticamos uma situação de “crítica”, é exatamente isso que queremos dizer, a conjunção de um diagnóstico e um chamado à ação. E permita-me acrescentar que há uma contradição endêmica aqui envolvida: afinal, a admissão do estado de incerteza/ignorância não prognostica exatamente a perspectiva de escolher as “medidas certas” e, assim, fazer as coisas andarem na direção certa. (BAUMAN e BORDONI, 2016, p.16)

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26 As possíveis soluções de um estado de crise devem admitir os riscos que impõem às decisões e escolhas feitas na tentativa de uma solução – afinal, crises apresentam ambientes de incerteza e ignorância. No século XIX, Karl Marx (Apud Silva, 2014), ao pensar sobre o capitalismo, propõe uma noção de crise (ainda que inacabada) bastante significativa, em que o avanço das forças produtivas, inevitavelmente, se desenvolveria até se chocar com as relações de produção dominantes. Marx observa a crise a partir dessa ligação com a medicina, mas, a coloca em outra perspectiva. Sobre isso, Silva explica que:

Este conceito médico de ‘crise’ foi adaptado na filosofia e teorias evolucionistas no final do Século XIX, sendo Marx o primeiro a definir o conceito sistêmico de crise. Marx traz este conceito para o domínio dos sistemas, encontrando e descrevendo um paralelismo entre o sistema humano e o sistema social (SILVA, 2014, p.60)

Não é intenção desse estudo propor um aprofundamento das teorias marxistas sobre a crise. No entanto, partindo da visão sistêmica que, de acordo com Silva (2014), pode-se retirar do conceito de crise engendrado por Karl Marx, sabemos que crises são pontos elementares do capitalismo e, portanto, são partes estruturais desse sistema. Assim, crises estão incrustadas na espinha dorsal do capitalismo e se darão inexoravelmente. Lamentavelmente, as crises econômicas inerentes ao desenvolvimento do sistema capitalista costumam ser graves e atingem um grande espectro social – da classe média aos mais pobres –, pois, “nas crises as contradições da sociedade capitalista eclodem de forma trágica e abrupta, inelutavelmente”. (MENEZES, 2017, p.9)

As crises, especialmente as econômicas, também se caracterizam por se estirarem, se desenvolverem e se propagarem como ondas. Ou seja, se dão em rede, como explica Harvey:

Ao mesmo tempo em que muda seus epicentros, a crise muda sua natureza, passando de um problema inicialmente do setor imobiliário para um problema financeiro, que por sua vez se transforma em um problema de déficits estatais, que por sua vez resultam em novas crises financeiras. Isso sugere que há um problema subjacente à crise. Ela tem raízes mais profundas, no problema do crescimento econômico perpétuo. É o que Marx chamava de inevitabilidade da acumulação pela acumulação e

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27 como essa acumulação perpétua pode ser resolvida. (HARVEY, 2012, s.p.)

Essas raízes mais profundas se ligam a processos que se interpenetram forçando os limites de um sistema econômico cumulativo, irracional e excludente. Assim, ao mesmo tempo, os problemas produzidos pelas crises são geradores de mais crises: colapsam o sistema econômico e fomentam a incerteza política; geram fenômenos sociais; provocam crises energéticas e, ainda, surtos de doenças (pandemias, endemias, epidemias).

Sobre alguns desses aspectos interrelacionais, o artigo Human and Nature Dynamics (HANDY): Modeling Inequality and Use of Resources in the Collapse or Sustainability of Societies3, de Motesharrei, Rivas e Kalnay (2014), oferece perspectivas interessantes. O estudo é sobre os resultados de um modelo matemático projetivo que, ao observar alguns fatores importantes relacionados com crises que extinguiram civilizações avançadas do passado (egípcia, romana, asteca etc.), determina o risco de colapso de nossa civilização.

As variáveis são as possíveis relações entre população, clima, água, agricultura e energia.

A pesquisa é contundente ao apontar características da crise geral que atravessamos ao testar as interações dos fatores acima citados, nos contextos contemporâneos, nos quais o ser humano preda a natureza, levando ao limite a capacidade do planeta de sustentar as demandas de hiperconsumo e a estratificação econômica. Essas ações predatórias tensionam, cada vez mais, as relações sociais em que elites mantém seus status à custa de miséria e precariedade generalizadas. É um sistema “ação-reação-ação” fechado, mas que reverbera e se amplia em rede. O estudo não é otimista e alguns dados informados em sua conclusão, atualmente já se realizaram:

In sum, the results of our experiments, discussed in Section 6, indicate that either one of the two features apparent in historical societal collapses – over-exploitation of natural resources and strong economic stratification – can independently result in a

3 Dinâmicas Humanas e Naturais (HANDY): Modelos de Desigualdade e Uso de Recursos para o (ou no) Colapso ou a Sustentabilidade das Sociedades. (tradução livre)

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28 complete collapse. Given economic stratification, collapse is very difficult to avoid and requires major policy changes, includingmajor reductions in inequality and population growth rates. Even in the absence of economic stratification, colapse can still occur if depletion per capita is too high. However, colapse can be avoided and population can reach equilibrium if the per capita rate of depletion of nature is reduced to a sustainable level, and if resources are distributed in a reasonably equitable fashion.4. (MOTESHARREI, RIVAS e KALNAY, 2014, p.101)

Essa visão da crise instaurada como soma inevitável de fatores cruciais, corroborados matematicamente, ainda assim deixa espaço para o “no entanto”.

Ao pensar uma via pela complexidade que projete as possibilidades e caminhos que o estado de crise proporá para o futuro, Morin considera que:

Todas as futurologias do século XX que previram o futuro ao transportar as correntes que atravessam o presente para o futuro entraram em colapso. No entanto, continuamos prevendo 2025 e 2050 enquanto somos incapazes de entender 2020. A experiência das irrupções do inesperado na história pouco penetrou nas consciências. Ora, o advento de um imprevisível era previsível, mas não sua natureza. Daí minha máxima permanente: "Espere o inesperado”. (MORIN, 2020, s.p.)

Michel Serres, compõe seu livro “Tempo de crise”, encarando a crise com certo otimismo; se Morin espera o inesperado, Serres propõe caminhos para o futuro:

Ora, nossa cultura sem mundo de repente encontra o Mundo, não como todos os outros ou como nossas ciências em outros tempos, por lugares ou partes, mas na totalidade. Nossa voz cobria o Mundo. Ele faz ouvir a sua. Tratemos de abrir os ouvidos. (SERRES, 2017, p.60)

4 Em suma, os resultados de nossos experimentos, discutidos na Seção 6, indicam que qualquer uma das duas características aparentes em colapsos sociais históricos - superexploração de recursos naturais e forte estratificação econômica - pode resultar independentemente em um colapso completo. Dada a estratificação econômica, o colapso é muito difícil de evitar e requer grandes mudanças nas políticas, incluindo grandes reduções nas taxas de desigualdade e crescimento populacional. Mesmo na ausência de estratificação econômica, o colapso ainda pode ocorrer se o esgotamento per capita for muito alto. No entanto, o colapso pode ser evitado e a população pode atingir o equilíbrio se a taxa per capita de esgotamento da natureza for reduzida a um nível sustentável e se os recursos forem distribuídos de maneira razoavelmente equitativa. (Tradução livre)

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29 Serres, reflete sobre a crise como algo que se estabelece, atualmente, a partir da inversão do modo de nos relacionarmos com o mundo5. Se antes tomávamos o mundo como possuidor de uma natureza infinita, algo que nos dava determinada noção de nós mesmos como seres finitos, diante da conquista de nossa infinitude a natureza se exaure, se torna finita e se estabelece a crise.

Segundo o autor:

Em algumas décadas transformaram-se radicalmente a relação com o mundo e a natureza, os corpos, seu sofrimento, o ambiente, a mobilidade dos seres humanos e das coisas, a expectativa de vida, a decisão de dá à luz e às vezes de fazer morrer, a demografia mundial, o habitat no espaço, a natureza do vínculo nas coletividades, o saber e a potência. (SERRES, 2017, p.30)

Desse modo, a crise altera, generalizadamente, todas as redes relacionais, entre nós mesmos e entre a natureza. É um processo veloz que se dá há algum tempo e que se acelera cada vez mais. Portanto, não considero a crise pandêmica de 2020/21/22, por exemplo, como fenômeno separado da crise econômica, social e ecológica global sem precedentes que já se desenrola há anos. Serres é muito claro sobre esse aspecto ao discutir a crise financeira mundial de 2008:

Em outras palavras, em vez de falar apenas do recente desastre financeiro, cuja importância, ruidosamente anunciada, decorre do fato de o dinheiro e a economia se terem apropriado de todo os poderes, dos meios de comunicação e dos governos, mais valeria assumir a experiência, evidente e global, de que o conjunto das nossas instituições vivencia já agora uma crise que ultrapassa em muito o alcance da história comum. Pois agora me digam o que não está em crise! (SERRES, 2017, p.32)

Sujeitos pertencentes a uma sociedade globalizada em desequilíbrio, estamos todos ligados. Nossas interações acontecem a partir da mediação de vetores sociais, econômicos, geográficos, virtuais etc. Se estamos conectados pelas redes e tecnologias comunicativas, no entanto, permanecemos em nossas frágeis bolhas. Vivemos situações de apartamento que ultrapassam a situação

5 Serres pensa o conceito de Mundo como entidade em simbiose com os humanos. Essa relação está inserida no que ele denomina de Biogeia, uma espécie de “sistema” formado pela Vida e pela Terra.

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30 de afastamento social imposta pela disseminação de um vírus. Assim, apesar de conectados e de termos, a partir disso, uma sensação de proteção coletiva, estamos desprotegidos – em crise.

Vincent Colapietro (2014, 80 e 81), ao interpretar escritos de Pierce sobre a subjetividade, afirma que não somos constituídos como sujeitos simplesmente divididos (consciente/inconsciente), mas como sujeitos históricos, encarnados e culturalmente sobredeterminados. Essas propriedades, que definem a construção de nossa subjetividade, significam que não temos como escapar das consequências perpetradas pelas crises que se propagam pelo mundo, pois somos parte atuante de suas dinâmicas. Os estados de crise criam reflexos sobre reflexos, batem e rebatem em nós mesmos, individual e coletivamente, a ponto de tornarem essas instâncias indistinguíveis. Assim, a crise reside em todos os aspectos da nossa existência, inclusive nos processos de criação.

As crises se caracterizam por colocarem obstáculos e dificuldades, por vezes imensos, quase intransponíveis ou, mesmo, invencíveis. No entanto, podem proporcionar possibilidades e oportunidades para que aconteçam mudanças e novas experiências que gerem outros pontos de vista e formas de estar no mundo. Esse aspecto contraditório engendrado pelo estado de crise é explicado por Morin:

As crises agravam as incertezas, favorecem os questionamentos; podem estimular a busca de novas soluções e também provocar reações patológicas, como a escolha de um bode expiatório. São, portanto, profundamente ambivalentes.

(MORIN, 2013, s.p.)

As ambivalências se inserem no próprio conceito de crise, no sentido de gerar acontecimentos que, inevitavelmente, forçarão mudanças, deslocamentos que podem ser bons ou ruins. Como vimos, a partir do estado crítico, o paciente morre ou se cura. Ao favorecer as incertezas, o estado de crise convocará um enfrentamento para sua resolução que exigirá criatividade, ousadia. É preciso abrir novos caminhos, propor soluções, tratamentos, buscar a cura. A ambiguidade também se apresenta no fato de que, apesar de nos atingir coletivamente, nem todos enfrentam as crises do mesmo modo. Então, sob essa

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31 perspectiva, as crises apresentam oportunidades. Esse aspecto é contemplado por Bauman:

Como se pode ver, “crise”, em seu sentido próprio, expressa algo positivo, criativo e otimista, pois envolve mudança e pode ser um renascimento após uma ruptura. Indica separação, com certeza, mas também escolha, decisões e, por conseguinte, a oportunidade de expressar uma opinião. Num contexto mais amplo, a noção adquire sentido de maturação de uma nova experiência, a qual leva a um ponto de não retorno (tanto no âmbito pessoal quanto no histórico-social). (BAUMAN e BORDONI, 2016, p.11)

Os sentidos implícitos nos significados que definem a crise, que dizem respeito a um estado limite em que a tomada de decisão é crucial para que caminhos de resolução e cura possam ser implementados, talvez, possam atribuir à crise pandêmica, a aceleração de processos de criação que já apontavam caminhos de reinvenção de linguagem, trilhados por experimentações que unem as artes da cena com o audiovisual nos últimos anos. Assim, entre tantas questões que a crise impõe simultaneamente aos modos de produção e aos processos artísticos, escolhi os trânsitos entre as artes do corpo e o audiovisual, no ciberespaço, como um dos focos desse trabalho.

Arte como lócus de existência e resistência

Como já afirmei, ao observar as proposições da experimentação das artes cênicas contemporâneas, em São Paulo, foi inevitável que a minha perspectiva se desse na conjuntura da crise gerada pela situação da pandemia e seus desdobramentos no País. Todo processo de criação acontece em contextos de restrições internas e externas. De acordo com Salles (2006, p.99), “limites internos ou externos à obra oferecem resistência à sua liberdade; no entanto, essas limitações revelam-se, muitas vezes, como necessárias e propulsoras da criação”. O contexto pandêmico nos colocou diante de uma restrição comum a todos os artistas, pesquisadores etc. no Brasil, no mundo; no entanto, talvez tenha servido como situação impulsionadora de processos de criação.

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32 Os processos artísticos, especialmente os das artes do corpo que se articulam na pandemia, me levam a perguntar quais são as estratégias acionadas pelos artistas em ambientes de crise e de grande incerteza, já que a precariedade que estados de crise oferecem aos processos de criação determinam a necessidade da instalação de lócus de existência e resistência.

Ou seja, estão conectados aos processos de sobrevivência que reverberam e resultam em deslocamentos e/ou redefinições das linguagens artísticas, das conexões humanas, das relações com a natureza do fazer artístico e com os processos comunicativos.

O que denomino de lócus de existência e resistência se aproxima da noção de brechas propostas por Edgar Morin em suas reflexões sobre a complexidade. Brechas são fissuras, possibilidades que se abrem à imposição determinista do imprinting cultural. Segundo o autor, o termo imprinting foi proposto por Konrad Lorentz para:

[...] dar conta da marca incontornável imposta pelas primeiras experiências do jovem animal, como o passarinho que, ao sair do ovo, segue como se fosse sua mãe, o primeiro ser vivo ao seu alcance. Ora, há um imprinting cultural que marca os humanos, desde o nascimento, com o dedo da cultura, primeiro familiar e depois escolar, prosseguindo na universidade ou na profissão. (MORIN, 2011, p.29)

Assim, estamos imersos em sistemas de crenças, tabus, regras, convenções que normatizam nossa existência muito profundamente, definem nossa percepção do mundo, como nos relacionamos com o outro e como atuamos em nosso meio social. Tudo o que pretende se desviar da regra tende a ser combatido e reprimido. De acordo com Morin, essas contradições são parte da história do conhecimento:

Por um lado, o imprinting, a normalização, a invariância, a reprodução. Mas, por outro lado, os enfraquecimentos locais do imprinting, as brechas na normalização, o surgimento de desvios, a evolução dos conhecimentos, as modificações nas estruturas de reprodução. (MORIN, 2011, p.33)

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33 No escopo dos processos de experimentação da arte contemporânea, o imprinting se liga, invariavelmente, ao estado de crise global em que alguns processos de criação reagem à normalização imposta por esse fenômeno, criando brechas – lócus de existência e resistência. Aqui, trago uma ideia desenvolvida pela artista do corpo e pesquisadora Kenia Dias em sua tese de doutorado6, a respeito do processo de criação como processo de resistência, que considero fundamental para tensionar as complexas questões entre crise e criação:

Pensar o processo em rede lida, ao mesmo tempo, com o aspecto relacional entre indivíduos, mundos e poéticas, enquanto se aceita um pensamento multidimensional, não binário, incerto e desviante. Processos de criação e seus registros são resistência à fórmulas e certezas de um modo padronizado de fazer/pensar uma experiência. (DIAS, São Paulo, p.37)

Kenia Dias destaca a importância da elaboração de um pensamento relacional e não binário, em rede, ao apontar o aspecto não linear que evoca o pensamento complexo como meio de refletir sobre a natureza inferencial dos processos. O trajeto de criação e seu registro são atravessados por redes não lineares que escapam de análises que não considerem a complexidade da rebeldia intrínseca de suas naturezas, pois, são meios de resistir a um mundo dogmático e regrado, que impõe à experiência simplificação, binariedade, acomodamento, irrelevância e impotência. Essa concepção encontra eco no conceito de autoria em rede de Salles, que enxerga a criação como “uma complexa rede de inferências” (SALLES, 2011, p.94). Fato que, no meu entender, adiciona à noção inferencial o sentido de resistência.

Criar arte se relaciona, diretamente, com a necessidade de resistência, de abrir espaços (lócus) de existência e de (re)existência, de alimentar potências. E são nessas brechas que o artista atua de modo a propor novos e outros vieses, atravessamentos, saídas, entradas, lugares possíveis em que se dão os seus trajetos de criação diante de tempos de incerteza e que, a partir disso, erija

6 Obras em processo nas artes cênicas: estudos dos diários de montagem da peça Nós, do Grupo Galpão/MG, e da Prática Aisthesis/DF, 2020.

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34 pontes com o mundo, com o outro. Se o imprinting tende a limitar os processos sociais, culturais, históricos a contextos que, segundo Morin (2011, p.33),

“imobilizam e aprisionam o conhecimento”, devemos considerar que, por vezes, a imprevisível natureza da arte pode indicar desvios, brechas pelas quais surjam outros caminhos de criação e resistência.

Se o dualismo está no centro das crises, é necessário avançarmos para o entendimento das múltiplas visões sobre os fenômenos em busca de sobrevivência e cura – de reinvenção. A complexidade propõe alternativas aos paradigmas duais da construção do conhecimento ligado à tradição capitalista.

Joseph Beuys, em conferência pronunciada no Pallazzo Taverna, em Roma, em 1972, traz a seguinte percepção:

O ser humano é, por sua natureza, sujeito a múltiplos condicionamentos externos: exemplo disso é a própria necessidade de assumir a posição ereta. As necessidades lhe são impostas pelo ambiente mesmo que o circunda. Mas graças à sua liberdade o homem também tem a capacidade de modificar as condições do mundo externo. (BEUYS, 2006, p.305)

A fala de Beuys credita à liberdade do ser a capacidade de abrir, subverter os condicionamentos impostos por um contexto e “modificar as condições do mundo externo”. A natureza humana é complexa e se constitui exatamente como os processos de criação: em continuidade, determinada por inerente vagueza e falibilidade, sempre em possibilidade de mudança. Muitos artistas creditam aos estados de crise importância como elementos marcantes nos seus trajetos criadores e como impulsionadores de ações de resistência. Por exemplo, Juan Miró:

[...] na época do fascismo, conta que desenhava para seu equilíbrio pessoal. Como imaginava que não poderia mais pintar, pensava que não havia mais nada a fazer além de desenhos na areia, que logo seriam apagados pelas ondas. (SALLES, 2011, p.89)

Referências

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