• Nenhum resultado encontrado

Sistema Único de Saúde e o atendimento de média complexidade ambulatorial

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2023

Share "Sistema Único de Saúde e o atendimento de média complexidade ambulatorial"

Copied!
53
0
0

Texto

(1)

Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho

Kamilla Jotadiemel Jardim

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E O ATENDIMENTO DE MÉDIA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL: características, avanços e desafios para o governo do estado de

Minas Gerais

Belo Horizonte 2022

(2)

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E O ATENDIMENTO DE MÉDIA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL: características, avanços e desafios para o governo do estado de

Minas Gerais

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Administração Pública da Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

Orientadora: Lara Farah Valadares

Belo Horizonte 2022

(3)

J37s

Jardim, Kamilla Jotadiemel.

Sistema Único de Saúde e o atendimento de média complexidade ambulatorial [manuscrito] : características, avanços e desafios para o governo do estado de Minas Gerais / Kamilla Jotadiemel Jardim. – 2022.

[10], 43 f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Administração Pública) – Fundação João Pinheiro, Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, 2022.

Orientadora: Lara Farah Valadares

Bibliografia: f. 47-52

1. Saúde Pública – Minas Gerais. 2. Sistema Único de Saúde (SUS) – Brasil. 3. Atenção à Saúde – Minas Gerais. 4. Políticas Públicas – Minas Gerais. I. Valadares, Lara Farah. II. Título.

CDU 614.2 (815.1)

(4)
(5)

Os serviços de média complexidade são a ponte entre a atenção básica e a alta complexidade, sendo, muitas vezes, primordiais para o diagnóstico de doenças.

Desse modo, ocupam papel importante na garantia do cumprimento de um princípio fundamental do SUS: a integralidade do cuidado. Entretanto, esse nível de atenção à saúde é reconhecidamente um gargalo do SUS, em especial, no que tange às dificuldades de acesso. Este estudo se propõe a analisar os avanços e desafios das políticas e instrumentos de gestão voltados para o estabelecimento dos serviços de atenção à saúde de média complexidade ambulatorial adotados pelo governo do Estado de Minas Gerais, na perspectiva dos gestores estaduais. Para isso, foi realizada uma análise qualitativa, utilizando a ferramenta de entrevistas semiestruturadas, a fim de captar as percepções dos gestores da burocracia de alto escalão, burocracia de médio escalão e burocracia de nível de rua da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) sobre os avanços e desafios das políticas de média complexidade ambulatorial. Na trajetória das políticas de média complexidade ambulatorial no Estado de Minas Gerais constata-se a introdução do modelo das Redes de Atenção à Saúde (RAS) antes do decreto federal. Os avanços percebidos possuem relação com as políticas recentes, que focam na definição de linhas de cuidado prioritárias e na flexibilidade do gestor municipal para escolha dos pontos de atenção à saúde. Os desafios residem nas questões políticas e aspectos mais estruturais.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Média Complexidade. Redes de Atenção à Saúde.

(6)

Medium complexity services are the bridge between basic care and high complexity, and are often essential for the diagnosis of diseases. Thus, they play an important role in ensuring compliance with a fundamental principle of the SUS: comprehensive care. However, this level of health care is recognized as a bottleneck for the SUS, especially with regard to access difficulties. This study proposes to analyze the advances and challenges of policies and management instruments aimed at establishing medium-complexity outpatient health care services adopted by the government of the State of Minas Gerais, from the perspective of state managers.

For this, a qualitative analysis was carried out, using the tool of semi-structured interviews, in order to capture the perceptions of the managers of the high-level bureaucracy, medium-level bureaucracy and street-level bureaucracy of the State Department of Health of Minas Gerais ( SES/MG) on the advances and challenges of medium-complexity outpatient policies. In the trajectory of medium-complexity outpatient policies in the State of Minas Gerais, the introduction of the model of Health Care Networks (RAS) can be seen before the federal decree. The perceived advances are related to recent policies, which focus on defining priority lines of care and on the flexibility of the municipal manager to choose health care points. The challenges lie in political issues and more structural aspects.

Keywords: Unified Public Health System. Medium Complexity. Health Care Networks.

(7)

Figura 1 – Organograma Superintendência de Redes de Atenção à Saúde ……… 14 Figura 2 – Esquema de organização de serviços de saúde proposta no Relatório Dawson ………. 19 Figura 3 – Modelo da pirâmide: hierarquização e regionalização do SUS ………… 20 Figura 4 – Modelo de linhas de produção do cuidado ……….. 22 Figura 5 – Mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para as redes de

atenção à saúde ……….. 24

(8)

Quadro 1 – Centro de especialidades médicas x Atenção Secundária de uma RAS

……… 28 Quadro 2 – Perfil dos entrevistados ………. 33

(9)

AB Atenção Básica

AC Alta Complexidade

AE Atenção Especializada APS Atenção Primária à Saúde CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CEAE Centro Estadual de Atenção Especializada CHDM Centro Hiperdia Minas

CVV Centro Viva Vida

ESF Estratégia de Saúde na Família

MC Média Complexidade

OMS Organização Mundial da Saúde PSF Programa Saúde na Família RAS Rede de Atenção à Saúde

SADT Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico SES/MG Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais SUS Sistema Único de Saúde

UBS Unidade Básica de Saúde

(10)

1 INTRODUÇÃO 11

1.1 Considerações metodológicas 13

2 A MÉDIA COMPLEXIDADE NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 16 2.1 Organização da Atenção no Sistema Único de Saúde 16

2.2 As Redes de Atenção à Saúde no SUS 23

2.3 Delimitação do campo da Média Complexidade Ambulatorial 24 3 A MÉDIA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL EM MINAS GERAIS 26 3.1 Centro Viva Vida de Referência Secundária (CVV) 26

3.2 Centro Hiperdia Minas 29

3.3 Centros Mais Vida 30

3.4 Centro Estadual de Atenção Especializada (CEAE) 31

3.5 A média complexidade ambulatorial hoje 32

4 AVANÇOS E DESAFIOS DA MÉDIA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL EM

MINAS GERAIS 34

4.1 A média complexidade como um gargalo do SUS 35 4.2 Os avanços na média complexidade ambulatorial e o que precisa avançar 37 4.3 Os desafios e entraves para melhorar a média complexidade ambulatorial 41

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 44

REFERÊNCIAS 47

ANEXO 53

(11)

1 INTRODUÇÃO

Desde a sanção do Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho de 2011, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a ser organizado como Redes de Atenção à Saúde (RAS), um “conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde” (BRASIL, 2011). Os níveis de complexidade citados no decreto são considerados atenção básica (AB), média complexidade (MC) e alta complexidade (AC), também chamados de atenção primária, secundária e terciária.

Baseado na concepção de sistemas integrados, esse novo modelo de atenção à saúde buscou enfrentar os problemas dos sistemas fragmentados que fazem parte da realidade brasileira, e se caracterizam, principalmente, pela falta de comunicação entre os níveis de atenção e a descontinuidade do cuidado (MENDES, 2010). Dentre outras mudanças, com a introdução das RAS, reforçou-se a compreensão de que a diferenciação entre os níveis de atenção se dá apenas no campo da densidade tecnológica aplicada em cada um, e não no “nível de dificuldade” dos procedimentos realizados, como o uso do termo complexidade faz parecer (MENDES, 2011). Desse modo, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), conhecidos pontos de atenção primária, são realizadas ações e serviços de baixa densidade tecnológica, mas que não são necessariamente simples, pois necessitam de conhecimentos específicos para serem aplicados na assistência à saúde.

Nessa lógica, a média complexidade é o nível intermediário, constituído por serviços de maior complexidade tecnológica que a AB, e menor complexidade tecnológica que a AC. A média complexidade também é conhecida, geralmente, pelos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT), realizados em centros de especialidades, centros regionais de referência especializada, ambulatórios de hospitais, policlínicas, e outras denominações, com a participação de profissionais especializados (MENDES, 2019). Ela pode se dividir em MC ambulatorial e hospitalar, sendo a diferença entre elas apenas a ocorrência ou não de internação do usuário - quando ambulatorial, não ocorre; se hospitalar, ocorre internação. A título de exemplo, alguns serviços de média complexidade ambulatorial são os procedimentos de anestesiologia, exames ultrassonográficos, radiodiagnóstico e fisioterapia; bem como, as consultas especializadas, como o atendimento em

(12)

endocrinologia, cardiologia, neurologia, dentre outras especialidades (SOLLA;

CHIORO, 2012).

Em razão de serem a ponte entre a atenção básica e a alta complexidade, os serviços de média complexidade ambulatorial são, muitas vezes, primordiais para o diagnóstico de doenças. Desse modo, ocupam papel importante na garantia do cumprimento de um princípio fundamental do SUS: a integralidade do cuidado. Este princípio tem como objetivo, em essência, a garantia de serviços de promoção à saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento de doenças e reabilitação, em todos os níveis de complexidade, de acordo com a necessidade do indivíduo. Desse modo, a atenção de média complexidade ambulatorial é estratégica para a consolidação do SUS como política pública de saúde (MENDES, 2019).

Os problemas relacionados à oferta de serviços de média complexidade já são amplamente conhecidos na literatura, e muitos são os estudos buscando entender suas causas. Na realidade, a literatura de referência da área da saúde aponta todo o campo da Atenção Ambulatorial Especializada (AAE), composta em maior parte por serviços de média e alguns de alta complexidade, como um gargalo do SUS (GIOVANELLA et al., 2012; MENDES, 2019). No geral, a constatação é a existência de vazios assistenciais em determinadas regiões ou em determinadas especialidades. O Ministério da Saúde (MS), inclusive, na avaliação normativa sobre o Programa Saúde na Família (PSF) realizada em 2004, verificou a insuficiência de apoio diagnóstico e de referência para a atenção especializada para que a resolutividade da AB e a continuidade dos serviços pudesse ser alcançada no âmbito do programa (BRASIL, 2004).

Tais resultados apresentados no plano científico, são vistos, na prática, por meio da grande insatisfação de usuários e gestores com as dificuldades de acesso à atenção secundária. As dificuldades de conseguir consultas na AAE costumam resultar nas longas filas de espera e no deslocamento dos usuários por grandes distâncias em busca de atendimento. A demora relacionada a essa situação contribui para o agravamento de doenças que, por sua vez, elevam os gastos com saúde (MENDES, 2019), uma vez que o usuário passa a requerer cuidados de alta complexidade e alto custo. Outra possibilidade é a procura do usuário por serviços privados, o que aumenta seus gastos individuais e, algumas vezes, inviabiliza o diagnóstico; ou até, indo além, contribui com a dependência do SUS do setor

(13)

privado para suprir a demanda por consultas e exames especializados (SILVA et al, 2017).

Em Minas Gerais, não há muitas pesquisas tratando do problema da média complexidade ambulatorial. Existem algumas que tangenciam o tema, em estudos pontuais, sobre a MC em regiões ou linhas de cuidado específicas. Ademais, não foi encontrado nenhum tipo de sistematização das políticas adotadas pelo governo do estado de Minas Gerais, desde a criação do SUS. Sendo assim, o presente trabalho busca contribuir com a produção científica nesta temática, respondendo à seguinte questão: quais são as características, avanços e desafios do atendimento de média complexidade ambulatorial, em Minas Gerais, na percepção dos gestores estaduais?

1.1 Considerações metodológicas

Este estudo trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, cujo objetivo central é analisar os avanços e desafios das políticas e instrumentos de gestão voltados para o estabelecimento dos serviços de atenção à saúde de média complexidade ambulatorial adotados pelo governo de Minas Gerais. Além disso, o estudo se propõe a: i) descrever brevemente como foram organizados os níveis de atenção no SUS; ii) descrever como foram estabelecidas políticas e instrumentos de gestão voltados para a média complexidade ambulatorial pelo governo do estado de Minas Gerais, a partir de 2003; e (iii) identificar os principais avanços e desafios da política de média complexidade ambulatorial de Minas Gerais, na perspectiva dos gestores estaduais envolvidos com a formulação e implementação da política.

Para realizar a pesquisa foi necessário fazer alguns recortes. Isso se deve, principalmente, ao fato da média complexidade, no geral, ser um campo sem nítida delimitação, geralmente, definido por exclusão, dos serviços que não cabem nem à atenção primária, nem à atenção terciária. Por esse motivo, a princípio, delimitou-se o escopo de serviços àqueles de caráter ambulatorial, realizados para enfrentar condições não agudizadas. Efetivamente, essa definição retira os serviços de média complexidade realizados em unidades ambulatoriais de urgência e emergência do objeto de análise.

Além disso, as políticas e instrumentos de gestão analisados no âmbito de Minas Gerais têm foco nos centros de especialidades médicas construídos a partir de 2003, ano em que é possível encontrar registros no portal de resoluções da

(14)

Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG), documentos elaborados pelo governo e produção científica sobre a gestão da média complexidade no Estado. Essa delimitação também ocorre em razão da necessidade de coerência com a atual estrutura organizacional da SES/MG (Figura 1), especialmente, da Subsecretaria de Políticas e Ações de Saúde (SUBPAS).

Nessa subsecretaria, a gestão da MC concentra-se, majoritariamente, na Coordenação de Atenção Especializada Ambulatorial (CAEA), da Diretoria de Ações Especializadas (DAE), localizada na Superintendência de Redes de Atenção à Saúde (SRAS). Assim, não foram avaliadas as ações de MC executadas no âmbito da saúde bucal, da saúde mental e da reabilitação da pessoa com deficiência, administradas, respectivamente, na Coordenação de Saúde Bucal (CSB), Diretoria de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (DSMAD) e Coordenação de Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência (CASPD) da SRAS.

Figura 1 - Organograma da Superintendência de Redes de Atenção à Saúde 2022

Fonte: SES/MG (2022).

(15)

Na Coordenação de Atenção Especializada Ambulatorial (CAEA), ocorre a gestão estadual dos centros de especialidades médicas existentes em Minas Gerais e são administradas ações diversas para tratar da média complexidade ambulatorial no estado. Assim, para captar as percepções dos atores estatais envolvidos com a política, foram realizadas três entrevistas, cada uma delas com um gestor ou gestora de um nível hierárquico da burocracia estadual, todas elas por videochamadas.

Outro objetivo das entrevistas, além de analisar os avanços e desafios, foi apreender as percepções dos gestores do porquê a média complexidade é um gargalo do SUS.

Além desta introdução e conclusão, este trabalho possui três capítulos. No capítulo 2, é realizada uma pesquisa bibliográfica e documental para abordar o processo de construção da atenção à saúde desde a criação do Sistema Único de Saúde, passando pelo atual modelo organizativo das Redes de Atenção à Saúde e delimitando o campo da média complexidade no SUS, à nível nacional. Em seguida, no capítulo 3, também por meio de análise bibliográfica e documental, foram apresentadas algumas das políticas de média complexidade ambulatorial adotadas como estratégia do governo do estado de Minas Gerais para enfrentar os problemas existentes nesse nível de atenção. No capítulo 4, é realizada uma análise qualitativa da percepção dos atores sobre os avanços e desafios da média complexidade ambulatorial no estado de Minas Gerais.

(16)

2 A MÉDIA COMPLEXIDADE NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Neste capítulo, pretende-se contextualizar a atenção de média complexidade no Brasil. Será apresentado, inicialmente, o histórico da organização da atenção à saúde no Sistema Único de Saúde, buscando compreender a origem e razões da divisão em níveis de complexidade. Depois, será descrito o modelo organizativo vigente, as Redes de Atenção à Saúde (RAS), adotado pelo Decreto nº 7.508/2011.

Por último, será delimitado o campo da média complexidade ambulatorial no SUS.

2.1 Organização da Atenção no Sistema Único de Saúde

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituído pela Constituição Federal de 1988, a qual, entre os artigos 196 e 200, dispõe sobre os aspectos gerais de seu funcionamento. No art. 198, é estabelecido que as ações e serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, orientada pelos princípios da descentralização, atendimento integral e participação da comunidade (BRASIL, 1988). A Lei Orgânica do SUS, a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, reforça a diretriz constitucional em seu art. 8º, e acrescenta que “serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente”

(BRASIL, 1990). Nesse sentido, para compreender a organização da atenção à saúde no SUS, faz-se importante explorar brevemente alguns desses conceitos.

A começar pela noção de rede, a primeira ideia relacionada a ela é de algo sistêmico, que funciona com entrelaçamentos e conexões entre diferentes pontos.

De forma semelhante, uma ação ou serviço público de saúde ser integrado em uma rede significa dizer que, para atender às demandas que chegam, é necessário ter o suporte ou acionar outros serviços de saúde que compõem essa rede, bem como, de outras redes relacionadas ao setor da saúde, como a educacional, a de ciência e tecnologia, a de transporte e infraestrutura, dentre outras (KUSCHNIRet al., 2009).

O funcionamento de cada uma dessas redes é fundamental para o desempenho do sistema de saúde. Afinal, como prestar um bom atendimento em saúde sem profissionais qualificados? Sem a adequada manutenção dos equipamentos? Sem medicamentos e insumos suficientes e adequados para a atenção? Sem condições físicas de trabalho? Sem condições gerais de vida e subsistência na localidade? Sem políticas de desenvolvimento para as diferentes localidades? (KUSCHNIR et al., 2009, p. 126).

(17)

A regionalização envolve o espaço geográfico e configura-se na definição de regiões de saúde. Essas regiões não necessariamente obedecem à delimitação político-administrativa existente, visto que consideram as características e dinâmicas próprias de determinados locais para fazer a agregação ou repartição dos territórios (LIMA; VIANA, 2011). Quanto à hierarquização, esta pode ser compreendida como a organização dos serviços de saúde por níveis de complexidade, conhecidos como atenção primária, secundária e terciária. Em resumo, a construção de uma rede de atenção à saúde regionalizada e hierarquizada:

baseia-se na constatação de que os problemas de saúde não se distribuem uniformemente na população, no espaço e no tempo, e envolvem tecnologias de diferentes complexidades e custos. Assim, a organização dos serviços é condição fundamental para que estes ofereçam as ações necessárias de forma apropriada. Para isso, é preciso definir as unidades que compõem a rede por níveis de atenção (hierarquização) e distribuí-las geograficamente (regionalização) (KUSCHNIRet al., 2009, p. 128).

Em conjunto com a categorização por níveis de atenção, outra dimensão da regionalização relaciona-se com a importância de pensar na eficiência, qualidade e custo-benefício na disposição dos serviços e ações de saúde. É por essa razão que, no SUS, a atenção primária deve ser capilarizada em unidades de pequeno porte, posicionadas o mais próximo possível de onde os usuários vivem e trabalham; já a atenção secundária e terciária (mais densas tecnologicamente), devem ser preferencialmente ofertadas de forma micro e macrorregional, visando economia de escala pela concentração dos serviços. Para isso, é imprescindível que os recortes espaciais sejam identificados de acordo com a capacidade de oferta dos serviços e ações de saúde (SOLLA; CHIORO, 2012).

Importante pontuar, a descentralização diferencia-se da regionalização, pois trata-se de um processo de natureza político-administrativa, que compreende a transferência do poder decisório, da gestão de prestadores de serviços públicos e privados e de recursos financeiros para os entes subnacionais (estados e, principalmente, municípios) (LIMA; VIANA, 2011). Em síntese, equivale à distribuição de responsabilidades, consoante com o sistema federativo brasileiro.

Já o atendimento integral, ou princípio da integralidade, segundo Noronha, Lima e Machado (2012), pode ser entendido em uma perspectiva mais restrita ou mais ampla. Na primeira (restrita), ele representa o conjunto articulado e contínuo de

(18)

ações direcionadas à promoção da saúde, prevenção de agravos e doenças, diagnóstico, tratamento e reabilitação, em todos os níveis de complexidade, de acordo com a necessidade de cada indivíduo. Na segunda (ampla), agrega àquela perspectiva a articulação com as políticas socioeconômicas que atuam sobre o contexto social de uma população, influenciando os determinantes do processo saúde-doença.

Por fim, para falar da participação social, utiliza-se o conceito de Valla (1998, p. 9), interpretando-a como “as múltiplas ações que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social”. No SUS, essa participação se dá, essencialmente, nas conferências e conselhos de saúde, de nível municipal, estadual e federal (ESCOREL; MOREIRA, 2012).

Tal ideia de rede regionalizada e hierarquizada, anunciada nas normas que formalizam a criação do SUS, não é peculiar do sistema brasileiro. Essa forma de pensar a organização de um sistema de saúde tem origem no Relatório Dawson, publicado em 1920, no Reino Unido (DAWSON, 1964; KUSCHNIR; CHORNY, 2010).

O documento foi elaborado a pedido do governo inglês, com a finalidade de montar uma estratégia para organização da provisão de serviços de saúde, no contexto pós Primeira Guerra Mundial, momento em que estavam sendo debatidas mudanças no sistema de proteção social inglês (KUSCHNIR; CHORNY, 2010).

A organização proposta no relatório trata pela primeira vez da necessidade de definição de bases territoriais e populações-alvo (regiões de saúde) e de níveis de complexidade tecnológica na atenção à saúde (KUSCHNIR et al., 2009). A partir disso, define os centros de saúde primários como “porta de entrada” do sistema de saúde, onde estariam os general practitioners (médicos generalistas), apoiados por serviços domiciliares. Ligados a eles, estariam os centros secundários, localizados em cidades maiores, com oferta de serviços especializados. Havia ainda, nos casos em que os serviços disponíveis nos centros primários e secundários fossem insuficientes, os encaminhamentos aos hospitais de referência, também vinculados aos centros (DAWSON, 1964; KUSCHNIR; CHORNY, 2010). A Figura 2 ilustra o esquema da rede de atenção à saúde proposta no Relatório Dawson.

Figura 2 - Esquema de organização de serviços de saúde proposta no Relatório Dawson

(19)

Fonte: Dawson (1964).

Já naquela época, falava na importância da integração entre os serviços, de forma a promover o acompanhamento do tratamento pelos profissionais de saúde envolvidos, do começo até a reabilitação, com comunicação e troca de informações entre os níveis de atenção. Outro ponto interessante era a centralidade da atenção primária, considerada o núcleo do sistema, e dos médicos generalistas que nela atuavam, cuja função era chamada de gate-keeper (“porteiro”), responsáveis por encaminhar os pacientes para os demais níveis de atenção, a fim de acessar os

(20)

meios diagnósticos e serviços especializados e hospitalares, e por manter o vínculo do paciente com o sistema (DAWSON, 1964; KUSCHNIR; CHORNY, 2010).

No fim, a proposta apresentada no relatório não chegou a ser implantada, em sua integralidade, no Reino Unido, e uma nova organização do sistema de saúde só voltou a ser aplicada 28 anos depois, em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, adaptando algumas proposições do Relatório Dawson e dando origem aoNational Health Service (NHS), o primeiro sistema de saúde público e universal do ocidente (KUSCHNIR et al., 2009). Apesar disso, o relatório foi inovador ao introduzir os conceitos de níveis de atenção, porta de entrada, vínculo, referência e coordenação pela atenção primária, além dos mecanismos de integração, como sistemas de informação e de transportes (KUSCHNIR; CHORNY, 2010).

No Brasil, a organização do SUS teve grande influência do NHS inglês e da concepção dawsoniana do sistema público de saúde. No tocante à engenharia organizacional, a mais difundida e primeiramente adotada no SUS corresponde à pirâmide clássica (Figura 3), composta pelos três níveis de atenção: atenção básica, secundária e terciária (SOLLA; CHIORO, 2012).

Figura 3 - Modelo da pirâmide: hierarquização e regionalização do SUS

Fonte: Solla e Chioro (2012).

Segundo Cecilio (1997), o projeto de atenção à saúde que o modelo piramidal tentava traduzir era o que se esperava da implantação plena do SUS. Desse modo, o SUS seria formado por uma ampla base de unidades de atenção primária, bem distribuídas, para atender a população residente na sua área de cobertura; com a finalidade de oferecer atenção integral à saúde, correspondente ao seu nível de

(21)

disponibilidade tecnológica e atribuições; e de servir como porta de entrada para os níveis seguintes. Em seguida, na atenção secundária estariam os serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, os serviços ambulatoriais de especialidades clínicas e cirúrgicas e alguns serviços hospitalares e de urgência e emergência de menor complexidade. No topo, estariam os serviços hospitalares de alta complexidade, com hospitais de caráter regional, estadual ou nacional. Ainda, de acordo com o autor:

"o que a pirâmide quereria afinal representar seria a possibilidade de uma racionalização do atendimento, de forma que haveria um fluxo ordenado de pacientes tanto de baixo para cima como de cima para baixo, realizado através dos mecanismos de referência e contra-referência, de forma que as necessidades de assistência das pessoas fossem trabalhadas nos espaços tecnológicos adequados" (CECILIO, 1997).

Todavia, Cecilio (1997) constata que a idealização do SUS representada pela pirâmide não se concretizou, e oferece quatro evidências que comprovam seu posicionamento: (i) primeiramente, a atenção básica não se firmou como porta de entrada do sistema, função que permaneceu com os hospitais, públicos e privados, através de seus serviços de urgência e emergência e ambulatórios, fato atestado pela discrepância entre o número de atendimentos realizados entre eles e as UBS;

(ii) complementar ao anterior, verificou que a maior parte dos atendimentos em prontos-socorros são de patologias simples, que poderiam ser tratadas na atenção primária, demonstrando uma distorção no atendimento tanto quantitativo, quanto qualitativo; (iii) o acesso aos serviços especializados (média e alta complexidade) se tornou difícil, pois as filas de espera eram demoradas e a quantidade de consultas disponível insuficiente para a demanda, além da recorrência de consultas com pacientes que poderiam estar sendo acompanhados na atenção primária; (iv) por fim, havia dificuldade de acesso às cirurgias eletivas, seja por encaminhamento na UBS ou no pronto-socorro.

Sendo assim, uma das explicações que o autor dá para os problemas de implementação apresentados, além de questões sobre o financiamento, é o modelo tecno-assistencial adotado, a pirâmide. Em síntese, ele defende que a definição de

“missões” para cada nível de atenção, no sentido do papel a ser exercido por cada um no sistema, comum no modelo piramidal, é incompatível com a realidade. Por isso, propõe uma nova maneira de organizar a atenção, com novos fluxos e circuitos que consideram os movimentos reais dos usuários. O modelo sugerido por Cecilio

(22)

(1997) é pensado não como uma pirâmide, mas como um círculo, com múltiplas e qualificadas portas de entrada que possam privilegiar o acolhimento e garantir o atendimento mais adequado às necessidades dos indivíduos. O autor também fala sobre a necessidade de abandonar a hierarquização dos serviços de saúde induzida pelo modelo da pirâmide, que proporciona o fluxo vertical dos usuários e reforça os centros de saúde como a porta de entrada “certa”.

Além dessa, outras alternativas ao modelo de pirâmide foram discutidas.

Hartz e Contandriopoulos (2004) trazem a proposta de criação de um “sistema sem muros” com a eliminação de barreiras de acesso entre os níveis de atenção, de maneira a promover maior integração entre eles, assegurar a cooperação entre os profissionais envolvidos e a continuidade dos cuidados de saúde. Também, Franco e Magalhães Júnior (2004) propõem a reorganização dos processos de trabalho em linhas de cuidado, com foco na integralidade, estruturadas em projetos terapêuticos, conforme a Figura 4 abaixo.

Figura 4 - Modelo de linhas de produção do cuidado

Fonte: Franco e Magalhães Júnior (2004).

No fim, todos os questionamentos do modelo vigente culminaram na adoção do modelo de Redes de Atenção à Saúde (RAS) no Brasil, por meio da Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, e posteriormente, do Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. A estratégia da RAS buscou enfrentar a fragmentação da atenção existente, entendida como a descontinuidade ou descompasso do tratamento recebido nos diferentes níveis, e estabelecer uma estrutura poliárquica de serviços.

(23)

2.2 As Redes de Atenção à Saúde no SUS

De acordo com Mendes (2011), a proposta das Redes de Atenção à Saúde (RAS) foi feita pela primeira vez no Relatório Dawson, em 1920, mas tem origem nas experiências de sistemas integrados de saúde, dos Estados Unidos, de meados dos anos 90. Essa nova lógica foi apresentada como uma tentativa de superar a fragmentação existente nos sistemas de saúde e propor uma nova organização que permitisse o cuidado à saúde contínuo. Desse modo, ficaram postos dois modelos de organização: os sistemas integrados e os sistemas fragmentados.

Os sistemas fragmentados, como explica Mendes (2010), são organizados com pontos de atenção que não comunicam entre si os diferentes tratamentos oferecidos ao usuário, provocando a segmentação da assistência. Também, são caracterizados pela organização hierárquica e o foco em condições agudas de saúde, realizadas nos pronto-atendimentos e nos níveis secundários e terciários.

Ainda, estão relacionados a uma ação reativa em relação à demanda, à ausência de estratificação de risco pela atenção primária, ao foco nas funções curativas e reabilitadoras e à assistência médico-centrada. Nos sistemas fragmentados:

“A atenção primária à saúde não se comunica fluidamente com a atenção secundária à saúde e esses dois níveis também não se comunicam com a atenção terciária à saúde, nem com os sistemas de apoio. Nesses sistemas, a atenção primária à saúde não pode exercitar seu papel de centro de comunicação, coordenando o cuidado.” (MENDES, 2010)

A concepção de sistemas integrados, que fundamenta as RAS, vai de encontro com todos esses problemas, sendo estruturado por uma lógica diferente de organização da atenção à saúde. As Redes de Atenção à Saúde podem ser definidas como:

“organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua e integral a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa e de forma humanizada -, e com responsabilidades sanitárias e econômicas por esta população” (MENDES, 2010)

Figura 5 - Mudança dos sistemas piramidais e hierárquicos para as redes de atenção à saúde

(24)

Fonte: Mendes (2011).

2.3 Delimitação do campo da Média Complexidade Ambulatorial

A média complexidade é um dos três níveis de atenção à saúde do SUS. De acordo com Solla e Chioro (2012), ela é geralmente conhecida como o campo dos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico. Também pode ser interpretada como parte do campo da Atenção Especializada (AE), composta por serviços de média e alta complexidade. Inserida na AE, ela representa os serviços de menor densidade tecnológica, ou de menor valor financeiro na tabela SUS. De todo modo, a definição exata desse nível de atenção tende a ser difícil, pois a média complexidade é historicamente definida por exclusão, das ações que ultrapassam a atenção básica, e não se configuram como alta complexidade.

Ainda assim, a média complexidade é formalmente definida na Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS) 01/2002, formalizada pela Portaria nº 373, de 27 de fevereiro de 2002, do Ministério da Saúde, da seguinte maneira:

“Atenção de Média Complexidade (MC) - compreende um conjunto de ações e serviços ambulatoriais e hospitalares que visam atender os principais problemas de saúde da população, cuja prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico, que não justifique a sua oferta em todos os municípios do país.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE

A fim de ilustrar rapidamente os serviços de saúde que fazem parte dela, tem-se uma relação retirada do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), presente no livro “O SUS de A a Z”, do grupo de procedimentos de MC, são eles:

(25)

procedimentos especializados realizados por profissionais médicos, outros de nível superior e nível médio; cirurgias ambulatoriais especializadas; procedimentos traumato-ortopédicos; ações especializadas em odontologia; patologia clínica;

anatomopatologia e citopatologia; radiodiagnóstico; exames ultra-sonográficos;

diagnose; fisioterapia; terapias especializadas; próteses e órteses; e anestesia (BRASIL, 2009).

A utilização do SIA relembra outra repartição do campo da MC, a divisão entre procedimentos ambulatoriais e hospitalares. A diferença entre eles reside apenas na ocorrência ou não de internação do usuário: quando ambulatorial, não ocorre; se hospitalar, ocorre internação.

(26)

3 A MÉDIA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL EM MINAS GERAIS

Este capítulo busca analisar o histórico das políticas de média complexidade ambulatorial adotadas pelo governo do estado de Minas Gerais, em especial, os antecedentes dos atuais Centros Estaduais de Atenção Especializada (CEAE).

Compreende-se que a média complexidade é um campo amplo e diverso, com interfaces em variadas políticas, como a saúde bucal, a saúde mental, a reabilitação de pessoas com deficiência e a rede de urgência e emergência.

3.1 Centro Viva Vida de Referência Secundária (CVV)

A primeira estratégia articulada de ampliação e fortificação da média complexidade ambulatorial, financiada majoritariamente pelo estado de Minas Gerais, foram os Centros Viva Vida de Referência Secundária (CVV), criados no âmbito do Programa de Redução da Mortalidade Infantil e Materna em Minas Gerais (Viva Vida). Lançado em outubro de 2003, o Programa Viva Vida definia como principal eixo de ação a estruturação de uma rede de atenção à saúde da mulher e da criança - a Rede Viva Vida -, visando a oferta de assistência contínua e integral, (MOREIRA, 2010) e apostava na parceria entre o governo e a sociedade civil organizada para combater a mortalidade materna e infantil (MINAS GERAIS, 2012).

Dentre outras ações, a estruturação dessa rede contava com a implantação de novos pontos de atenção à saúde de nível secundário, os Centros Viva Vida e as Casas de Apoio à Gestante e à Puérpera (CAGEP). Os CVV tinham como objetivo a organização do atendimento especializado de saúde sexual e reprodutiva e atendimento à criança de risco, ao passo que as CAGEP foram pensadas para abrigar gestantes antes do parto, sob cuidados qualificados, com a finalidade de mantê-las próximas aos locais de atendimento (MINAS GERAIS, 2012). Outros pontos de atenção secundária, já implantados, compunham essa rede, como: as Maternidades de Risco Habitual e as de Alto Risco secundárias, os Hospitais Pediátricos Microrregionais e as Unidades Neonatais de Cuidados Progressivos. A Rede Viva Vida foi considerada a primeira rede temática a ser implantada no Estado de Minas Gerais (LIMAet al, 2009).

O desenvolvimento desse programa, à época, foi motivado pela preocupação com os indicadores da mortalidade materna e infantil no estado e a constatação de

(27)

que muitas dessas mortes poderiam ser evitadas com políticas de fortalecimento da atenção à saúde da gestante e da criança. Na primeira etapa do programa, a análise prévia da situação de saúde, foi apontado que a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) em Minas Gerais, em 2000, era duas vezes maior que a taxa considerada aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS) - de 20,79 em cada mil nascidos vivos, enquanto a OMS recomendava ser inferior a 10, por mil nascidos vivos -, e a Razão de Morte Materna (RMM), em 2000, ainda pior, era de 43,86 mortes a cada cem mil nascidos vivos, ao mesmo tempo em que a quantidade considerada aceitável pela OMS era inferior a 10, por cem mil nascidos vivos (LIMAet al, 2009).

A proposta de implementação dos Centros Viva Vida, por sua vez, além de alinhada com o propósito geral do programa, considerou a necessidade de cobrir a deficiência na oferta dos serviços de atenção secundária à saúde, bem como reconheceu os estudos que apontam efeitos mais acentuados do subfinanciamento do SUS nesse nível de assistência (LIMAet al, 2009). Assim, por meio da Resolução SES nº 759, de outubro de 2005, foram oficialmente criados os Centros Viva Vida de Referência Secundária (CVV), como pontos de atenção de média complexidade, de abrangência microrregional, com o dever de operar de forma integrada à atenção primária e terciária. Nesta resolução também foram estabelecidas duas grandes áreas de atuação: a “atenção à saúde sexual e reprodutiva” e a “atenção à saúde da criança” (MINAS GERAIS, 2005).

"Os Centros VIva Vida (...) [têm como objetivo] a atenção integral à saúde sexual e reprodutiva, dentro da perspectiva de gênero e direitos reprodutivos, bem como à saúde da criança, particularmente a criança de risco, o que pressupõe a implantação de ações de promoção da saúde, de prevenção, de diagnóstico precoce e de recuperação das doenças e agravos, de forma adequada e humanizada."(MINAS GERAIS, 2005).

Conforme detalham, Marques, Souza e Moreira (2009), as primeiras ações se referem à saúde da mulher, em todas suas especificidades e durante todas as fases do ciclo vital, e também implementadas ações voltadas à saúde do homem, composta por serviços de urologia, dado que foi constatada uma demanda reprimida nessa especialidade. Na segunda área, a saúde da criança, a especificação da criança considerada de risco tem relação com a necessidade de um acompanhamento mais especializado, com adequado encaminhamento aos serviços de referência.

(28)

Assim, foram definidos os Centros Viva Vida como unidades de natureza pública, exclusivamente a serviço do SUS, construídos e equipados com recursos do Tesouro Estadual (MOREIRA, 2010). Na resolução, a estratégia inicial era a implantação de 25 Centros em Minas Gerais, incluindo os cinco projetos piloto das microrregiões de Janaúba, Brasília de Minas, Itabirito, Governador Valadares e Lavras. Depois, no Plano Plurianual de Ação Governamental 2008-2011 (PPAG), a previsão aumentou para 47 Centros (MINAS GERAIS, 2008). No fim, até o primeiro semestre de 2010, apenas 19 CVV foram inaugurados em municípios-polo microrregionais (MOREIRA, 2010).

De acordo com Moreira (2010), um aspecto inovador dos CVV foi o modelo de alocação dos recursos financeiros, uma vez que ele visa romper com a lógica nociva de pagamento por procedimento. Esse modelo é causador de distorções na oferta de serviços de saúde, pois incentiva a priorização dos procedimentos mais bem remunerados, em detrimento dos procedimentos que verdadeiramente atendem às necessidades locais (SOLLA; CHIORO, 2012). Desse modo, os CVV estabeleceram um formato de custeio baseado na demanda, em que é estimadaa priori a quantidade de serviços a serem prestados e depois é calculado o montante necessário para custeá-los. Dessa maneira, após serem estimados os recursos financeiros, um Termo de Compromissos e Metas deve ser assinado, e o valor deve ser repassado a uma conta específica para o CVV (MOREIRA, 2010). O pagamento integral depende do desempenho da produção realizada pelo Centro e da apresentação de prestação de contas (MARQUES; SOUZA; MOREIRA, 2009).

É importante ressaltar que o diferencial dos CVV em relação aos outros centros de especialidades médicas existentes em Minas é o seu desenho ter sido executado conforme o modelo de Redes de Atenção à Saúde (RAS). Além da mudança da lógica de pagamento por procedimento para o orçamento global, suas diretrizes pressupõem grande participação da Atenção Primária à Saúde (APS), como coordenadora da rede, a integração com os outros níveis de atenção e as decisões clínicas baseadas em uma Linha-Guia de protocolos, com visão integral do cuidado (LIMA et al, 2009). A seguir, o Quadro 1 resume as diferenças existentes entre os dois tipos de centros existentes no período.

Quadro 1 - Centro de especialidades médicas x Atenção Secundária de uma RAS

(29)

Fonte: LIMAet al(2009).

A rede prioritária da saúde da mulher e da criança não foi a única tentativa de formação de redes de atenção à saúde na época. Outras três linhas prioritárias também foram definidas, com base nos principais problemas de saúde identificados em análises de situação feitas no Estado. Foram elas: a Rede Hiperdia, em razão da elevada morbimortalidade por doenças cardiovasculares e diabetes; a Rede de Urgências e Emergências, devido a elevada morbimortalidade por causas externas e agudizações de doenças crônicas; e a Rede Mais Vida, pensando nas fragilidades das pessoas idosas e no envelhecimento da população (LIMAet al, 2009).

A maior parte da literatura existente sobre a média complexidade ambulatorial em Minas Gerais são estudos e documentos de autoria do governo do Estado sobre os Centros Viva Vida, tornando-se difícil construir um histórico mais aprofundado das políticas posteriores.

3.2 Centro Hiperdia Minas

Em janeiro de 2009, a Rede Hiperdia Minas tornou-se uma rede de atenção prioritária em Minas Gerais (ALVES JÚNIOR, 2011). Integrante desta rede, o

(30)

Programa Hiperdia Minas foi instituído por meio da Resolução SES nº 2.606, de 7 de dezembro de 2010, com o objetivo de coordenar a estruturação de uma rede de atenção à saúde com foco na população portadora de hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, diabetes mellitus e doença renal crônica (MINAS GERAIS, 2010b).

O Programa previu ações nos três níveis de assistência. Na atenção primária à saúde, atuou principalmente na elaboração de uma linha-guia baseada na abordagem populacional das condições crônicas delimitadas no programa, a serem desenvolvidas, especialmente, pelas equipes da Estratégia de Saúde na Família (ESF). Na atenção terciária, a Rede também propiciou o suporte ao público-alvo em situação de urgência e emergência e de mais alta complexidade, utilizando-se de redes parceiras. Na atenção secundária, tinha como principal estratégia a implantação dos Centros Hiperdia Minas (CHDM), semelhante à lógica dos Centros Viva Vida (MINAS GERAIS, 2013b).

Na verdade, a Resolução SES nº 2.606/2010, sob a justificativa de economia de escala e de escopo, definiu que os tais centros de referência secundária para as condições crônicas seriam, preferencialmente, integrados aos Centros Viva Vida, mas que ainda poderiam ser construídos Centros Hiperdia Minas dissociados dos CVV, caso fosse necessário do ponto de vista assistencial. Para isso, a Resolução também previu a alteração do nome dos antigos centros para Centro de Referência Integrado Viva Vida e Hiperdia Minas. Tanto os CHDM, quanto os Centros Integrados, continuaram com o mesmo status dos CVV, como pontos de atenção de média complexidade e de abrangência microrregional (MINAS GERAIS, 2010b). Até 2014, tinham sido implantados 15 Centros Hiperdia Minas, que cobriam 21 regiões de saúde (MINAS GERAIS, 2013a).

3.3 Centros Mais Vida

O Programa Mais Vida foi instituído por meio da Resolução SES nº 1.583, de 19 de setembro de 2008, que estabeleceu a rede de atenção à saúde do idoso em Minas Gerais. Assim como as outras redes, contou com ações em todos os níveis de assistência e estabelecia a criação de Centros Mais Vida para o referenciamento dos serviços de atenção secundária, tudo estruturado em uma Linha-Guia (MINAS GERAIS, 2008). Em 2010, esse programa foi atualizado na Resolução SES nº 2.603,

(31)

de 7 de dezembro de 2010, e se tornou parte da carteira de projetos prioritários da SES/MG (MINAS GERAIS, 2010a).

Foram objetivos descritos no instrumento: a estruturação da rede de atenção à saúde da população idosa de Minas Gerais; manter, melhorar ou reabilitar a funcionalidade e autonomia dos idosos, de acordo com suas necessidades;

promover o aumento dos anos vividos pela pessoa idosa; qualificar os profissionais da saúde da rede pública; captar e acolher a população acima de 60 anos de idade e identificar suas necessidades; proporcionar a promoção e prevenção da saúde da população idosa; e assegurar os princípios doutrinários do SUS, de equidade, universalidade e integralidade (MINAS GERAIS, 2010a).

Diferente dos outros, sua abrangência foi definida como macrorregional, sendo a proposta inicial a implantação de 13 centros, na Resolução SES nº 1.583, e atualizada para 15 centros, na Resolução SES nº 2.603, um em cada município polo macrorregional de Minas Gerais, incluindo os projetos piloto, e com exceção das macros Centro e Sul, em que foram permitidas a implantação de dois centros, devido ao grande número de idosos a serem a atendidos. Também destoando da forma de implantação dos Centros Viva Vida, que distribuiu recursos para construção de novas estruturas físicas, e dos Centros Hiperdia Minas, que permitia a integração com os CVV já existentes, as instituições que abrigariam os Centros Mais Vida deveriam ser habilitadas pela SES/MG, perante apresentação de demonstração de interesse e envio de documentação com o projeto assistencial e arquitetônico (MINAS GERAIS, 2010a).

3.4 Centro Estadual de Atenção Especializada (CEAE)

O Centro Estadual de Atenção Especializada (CEAE) é a política mais recente que trata especificamente dos centros de especialidades médicas em Minas Gerais, normatizado pela Resolução SES nº 6.946, de 4 de dezembro de 2019.

Como nos outros centros citados, o CEAE atua como ponto de atenção secundária ambulatorial, de abrangência microrregional (MINAS GERAIS, 2019). Segundo informações do site da SES/MG, há atualmente 28 CEAE implantados no estado, sendo o último implantado em fevereiro de 2021, na microrregião de Araçuaí (MINAS GERAIS, 2021).

(32)

A implantação do CEAE diferencia-se dos centros anteriores, uma vez que não está relacionado a um programa estruturado por linha de cuidado, como o Programa Viva Vida, Hiperdia Minas e Mais Vida. Na verdade, ele faz parte da Política dos Centros Estaduais de Atenção Especializada, formulada para atender às linhas de cuidado prioritárias Materno-Infantil, Saúde da Mulher com ênfase na propedêutica do câncer de colo de útero e mama, Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus e Doença Renal Crônica de alto e muito alto risco (MINAS GERAIS, 2019; MINAS GERAIS, 2021). Uma nova forma de pensar a atenção especializada em média complexidade ambulatorial no estado.

Esses centros devem dispor de equipes multiprofissionais e serem integrados à atenção primária e terciária, sendo regulado exclusivamente por meio da atenção primária mediante estratificação de risco, feita em conformidade com os critérios definidos pela SES/MG (MINAS GERAIS, 2019). Também, são divididos em três categorias, que determinam sua carteira de serviços e a forma de financiamento.

No CEAE de Categoria 1, são ofertados consultas e exames de média complexidade ambulatorial destinados à gestantes de risco, crianças de risco que apresentam intercorrências repetidas com repercussão clínica e propedêutica para câncer de mama e de colo uterino que se enquadram nos critérios definidos. Na Categoria 2, além dos serviços apresentados na Categoria 1, contam com consultas e exames de média complexidade ambulatorial destinados aos usuários com Hipertensão Arterial Sistêmica de alto risco, usuários com Diabetes Mellitus de alto risco e usuários com Doença Renal Crônica que se enquadram nos critérios definidos. Por fim, a Categoria 3 conta com as especialidades de ginecologia, obstetrícia, mastologia, pediatria, cardiologia, endocrinologia, angiologia, nefrologia e oftalmologia. Vale ressaltar, todas as categorias devem ofertar a linha de cuidado materno-infantil e a propedêutica do câncer de colo de útero e mama (MINAS GERAIS, 2019; MINAS GERAIS, 2021).

3.5 A média complexidade ambulatorial hoje

Recentemente, foi publicada a Deliberação CIB-SUS/MG nº 3.992, de 9 de novembro de 2022, aprovando novas diretrizes para o financiamento e estruturação dos serviços de média complexidade. Conforme consta no documento, a proposta foi elaborada considerando (i) a necessidade de qualificar a atenção ambulatorial

(33)

especializada, contemplando o Modelo de Atenção às Condições Crônicas e (ii) a necessidade de fortalecimento da média complexidade ambulatorial, no que tange a realização de consultas e exames, de forma a otimizar os recursos existentes e promover uma alocação equitativa, em consonância com a realidade dos municípios (MINAS GERAIS, 2022).

Das semelhanças, tem-se a permanência da lógica de definição de linhas de cuidado prioritárias, dessa vez sendo pré-natal de alto risco, criança de risco, propedêutica do câncer de colo de útero, propedêutica do câncer de mama, hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) de alto e muito alto risco, doença renal crônica (DRC) e idoso frágil. Além disso, a centralidade da atenção primária na coordenação do cuidado, a abrangência microrregional e a permanência de equipe multiprofissional.

São inovações a introdução da possibilidade de utilização de ferramentas de telessaúde para qualificar a atenção e o encaminhamento dos usuários, e a nova modelagem de organização dos pontos de atenção de MC ambulatorial. Nessa nova política, não há a definição de um tipo único de centro de especialidades, de forma que as microrregiões podem definir em qual local estarão os serviços, desde que seja nos limites dos municípios polo e que atendam às linhas de cuidado prioritárias.

(34)

4 AVANÇOS E DESAFIOS DA MÉDIA COMPLEXIDADE AMBULATORIAL EM MINAS GERAIS

Este capítulo busca apresentar a análise das entrevistas semiestruturadas realizadas com gestores estaduais envolvidos nas políticas de média complexidade ambulatorial. Para tanto, foram escolhidos representantes de três posições distintas dentro da administração pública: a burocracia de alto escalão, a burocracia de médio escalão e a burocracia de nível de rua (Quadro 2).

Quadro 2 - Perfil dos entrevistados

Código Nível Caracterização Cargo

E1 Burocracia de alto escalão (BAE)

Mulher, 37 anos

Pós graduação completa (Stricto sensu, nível mestrado)

Alta gestão na SES/MG

E2 Burocracia de médio escalão (BME)

Homem, 39 anos

Pós graduação completa (Lato sensu)

Gestão de nível médio na SES/MG

E3 Burocracia de

nível de rua (BNR) Mulher, 33 anos

Pós graduação completa (Lato sensu)

Gerente de Centro Estadual de Atenção Especializada (CEAE) Fonte: Elaboração própria.

A escolha dos três níveis de burocracia deve-se ao interesse em coletar percepções sobre atores com diferentes perspectivas de poder e influência do cargo em cada etapa do ciclo de políticas públicas. Assim, a burocracia de alto escalão, conforme Loureiro, Abrucio e Rosa (1998), são os ocupantes de cargos mais elevados na administração pública; chamados depolicymakers, são os agentes mais envolvidos com o sistema político, participando ativamente do processo decisório, para além da formulação e implementação de políticas públicas. A burocracia de médio escalão é uma posição com delimitação pouco nítida, mas que Lotta, Pires e Oliveira (2014) definem como os ocupantes de cargos de nível intermediário, entre a burocracia de alto escalão e a burocracia de nível de rua, envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas. Já a burocracia de nível de rua, ou street-level bureaucracy,segundo Lipsky (1980), são os agentes que trabalham mais próximos dos usuários dos serviços públicos, influenciando diretamente o modo como as políticas públicas serão (de fato) implementadas ao longo dessa interação.

(35)

Então, o objetivo foi captar as percepções desses gestores sobre questões- chave da média complexidade discutidas ao longo deste trabalho. Para isso, as entrevistas, transcritas e examinadas, foram separadas em três categorias de análise: (i) justificativas para a média complexidade ser considerada um gargalo do SUS; (ii) os avanços identificados nas políticas públicas voltadas para média complexidade ambulatorial em Minas gerais; e (iii) os desafios remanescentes e entraves existentes para sanar ou atenuar os problemas, bem como melhorar a média complexidade ambulatorial em Minas Gerais.

4.1 A média complexidade como um gargalo do SUS

A princípio, na percepção dos gestores dos três níveis hierárquicos sobre a justificativa da média complexidade ser um gargalo no SUS, observa-se que nenhum deles nega a premissa. Em seguida, citam diferentes facetas desse problema, que convergem em um ponto: a problematização do volume de demandas que chegam à média complexidade A alta gestão comenta que o desafio da média complexidade se origina, em parte, de um aspecto cultural da população brasileira: a procura por serviços médicos apenas em quadros mais agudizados de doenças, decorrente da não adesão às ações de promoção à saúde e prevenção de agravos oferecidas na atenção primária, bem como, à assistência e ao acompanhamento de casos mais simples. Essa situação contribui para o aumento de casos introduzidos diretamente na atenção secundária e terciária, ou pontos de urgência e emergência, em detrimento da prevenção realizada nas UBS.

"Hoje, as pessoas só procuram nosso sistema de saúde quando elas estão com o quadro mais avançado. Então, apesar da gente saber na literatura que 80% das condições de saúde poderiam ser resolvidas na atenção primária e a atenção primária poderia fazer esse encaminhamento para a média complexidade, quando fosse o caso, não é isso que acontece. A maioria das pessoas, quando chega na média e na alta ela já está com um quadro mais agravado, mais agudizado, isso significa que tem mais pessoas chegando do que deveriam chegar, porque elas poderiam estar sendo atendidas na atenção primária e o número de atendimentos que a gente faria na média complexidade seria reduzido.” (E1, alta gestão, mulher, 37 anos)

O gestor intermediário também cita a relação da atenção primária com a média complexidade, destacando a importância de qualificar o atendimento nas

(36)

unidades básicas e aumentar a resolutividade nesse nível de atenção. Dessa forma, tanto a quantidade de consultas referenciadas para os serviços especializados poderia diminuir, quanto a qualidade do atendimento se aprimorar, desde que com adequado matriciamento dos casos realizado na atenção primária.

"[...] a média complexidade, ela é uma ponte entre a atenção primária e a hospitalar. Então, o que não se resolve na atenção primária vai diretamente para a média complexidade, para ser resolvido no caráter de especialidades. Porém, se a gente fortalecer a atenção primária e estruturar, menos pacientes vão subir para a especializada e vão conseguir resolver sua situação de saúde na atenção primária. Consequentemente, [...] quando você recebe pacientes com uma qualificação melhor da atenção primária você também vai conseguir, tanto atender melhor o paciente que chegar, quanto também qualificar a demanda enviada para o hospital." (E2, gestão de nível médio, homem, 39 anos).

A gestora “da ponta”, que lida diretamente com a implementação dos serviços, dá ênfase à questão do subfinanciamento da média complexidade, da insuficiência de recursos financeiros que efetivamente chegam ao centro de atenção especializada, e igualmente, comenta da disparidade existente entre a demanda e a oferta disponível na região, sendo esta inferior às necessidades da população.

"Na minha realidade [...] na questão de investimento em relação à saúde, a média complexidade não recebe o mesmo recurso, o mesmo investimento que a atenção primária ou terciária. [...] a gente que atua nessa área vê um déficit financeiro, de investimento e de prioridade em relação a secundária [...] a demanda é gigantesca e a oferta é muito inferior ao que a gente tem de necessidade real no território. Assim, para mim, prioritariamente, é a questão de investimento, que realmente é defasado na atenção secundária, especializada." (E3, gerente de CEAE, mulher, 33 anos)

Outra fala comum é a percepção da persistência de vazios assistenciais de média complexidade em Minas Gerais, de regiões que não possuem a oferta desses serviços de forma adequada para a população, como evidenciam os recortes abaixo:

“Até mesmo do próprio acesso [...] especialmente em Minas Gerais, a gente observa nos últimos anos que a gente tinha uma média complexidade pouco espalhada pelo estado. São poucas [...] as microrregiões que tinham acesso a média complexidade mesmo.” (E1, alta gestão, mulher, 37 anos)

“A gente tem uma lacuna [...] é um vazio assistencial, principalmente em Minas Gerais, não é todo o estado que é coberto em relação à questão de média complexidade.” (E3, gerente de CEAE, mulher, 33 anos)

(37)

4.2 Os avanços na média complexidade ambulatorial e o que precisa avançar

Em relação aos avanços, a alta burocracia cita as políticas recentes, como a publicação da Deliberação CIB-SUS/MG nº 3.992, novembro de 2022, e a execução do projeto Saúde em Rede. Do ponto de vista do formulador, ela contextualiza o desenvolvimento da política pública recente de média complexidade, expondo brevemente suas motivações e objetivos. Segundo o relato, o avanço ocorreu no sentido de ampliar a média complexidade para outras microrregiões, ainda sem acesso, cerca de 50% das microrregiões de Minas Gerais, através da mudança no formato de organização da oferta dos serviços de MC, não mais vinculada a um centro de especialidade.

“Agora a gente ampliou para as outras regiões, [...] de partida, conseguimos repassar recursos para outros 50% de microrregiões do Estado de Minas Gerais que ainda não tinham acesso a média complexidade. [...] Tem uma parte interessante, ao mesmo tempo é um desafio, que é o formato de organização, porque nas outras 50% a gente estava se organizando por CEAE, que são centros de especialidades que a gente, de alguma forma, financiava quase completamente os serviços, aí a gente tinha um ponto específico de atenção para essas linhas de cuidados prevalentes” (E1, alta gestão, mulher, 37 anos).

Assim, como explica a representante da BAE, a proposta tenta desengessar a oferta da média complexidade nas micros ao expandir as possibilidades de implantação dos serviços em diferentes pontos de atenção, de acordo com as necessidades dos municípios da região. Para isso, também altera a lógica de financiamento, não mais por orçamento global, como ocorre nos CEAE, e sim com pagamento por produção (por procedimento realizado).

“A partir de agora, com esses outros 50%, a gente tem uma diferente forma [...] já não estamos mais pensando em um ponto de atenção, num lugar específico, a gente está elegendo [...] um município dessa microrregião, e o município é quem vai organizar a média complexidade ali, para aquela micro [...] ele que vai organizar da forma que ele quiser, nos pontos que ele quiser e o Estado vai financiar por procedimento. Não mais por orçamentação global. [...] Agora o nosso foco nesses outros 50% está especificamente nos procedimentos, então é uma outra forma de organização.” (E1, alta gestão, mulher, 37 anos)

Em seguida, são apontados os avanços que ainda precisam acontecer. No curto prazo, são mencionados avanços relacionados à implantação da política, como a escolha de prestadores da MC nos municípios polo das microrregiões envolvidas.

(38)

No longo prazo, é citada a ampliação das linhas de cuidado consideradas prioritárias, como a adição da linha de cuidado do câncer de próstata. Desse momento, destaca-se, sobretudo, a fala sobre a necessidade de uniformizar os formatos de organização da MC, com o propósito de não causar mais distorções regionais e promover o acesso equitativo aos serviços desse nível de atenção.

“Começar a uniformizar esse formato de organização que a gente tem [...]

Eu acho que a tendência é a gente encontrar um caminho entre os dois, para que a gente tenha o estado [...] recebendo recursos da mesma forma, se organizando da mesma forma e com a mesma lógica de funcionamento.

[...] Hoje, se você olhar dessa forma que a gente está organizando, as microrregiões que tem CEAE não estão recebendo a mesma coisa, proporcionalmente, por procedimento, do que as micros que estão agora nessa ampliação da média. Então, os valores estão diferentes, a forma de encaminhamento está diferente. [...] acho que a gente precisa [...] achar um caminho, que organize e uniformize essa forma de organização do Estado.”

(E1, alta gestão, mulher, 37 anos).

Além disso, faz-se importante ressaltar uma percepção positiva apontada na interseção existente entre a nova política de média complexidade e as ações do projeto Saúde em Rede, ambos da SES/MG, uma vez que se complementam.

“Um outro ponto que eu acho que vale a pena apontar como o sucesso [...]

ter conseguido casar esse cronograma com os municípios da terceira onda do Saúde em Rede, [...] porque ele vem nessa organização de processos e, justamente, faz com que a gente consiga fazer o encaminhamento [...]

adequado da primária para a média. [...] Antes da [atual política da] média complexidade, quando o Saúde em Rede chegava nos territórios que ainda não tinham a média complexidade, falava-se: ‘Olha, não tem. Você quer que eu encaminhe para quem? Eu não tenho um serviço de referência para mim’. As pessoas quando precisam de média complexidade elas vão procurar em outras regiões, não têm para onde ir.” (E1, alta gestão, mulher, 37 anos).

A burocracia de médio escalão também aborda as mudanças recentes nas diretrizes da SES/MG como avanços da média complexidade, oferecendo outras dimensões sobre a política. O gestor intermediário conta que só o fato do Estado de Minas Gerais definir as linhas prioritárias a serem seguidas na média complexidade já é um avanço em si, e acrescenta que essa deveria ter sido uma iniciativa do Ministério da Saúde, em direcionar a assistência para os entes subnacionais. Na ausência de diretriz nacional, a ação da SES/MG foi caracterizada como pioneira pelo gestor.

(39)

“Recentemente teve a deliberação [...] da média complexidade, com as linhas prioritárias, um projeto [...] a ser desenvolvido no ano que vem. A gente acha que essa figura, do Ministério, deveria ter feito, de direcionar a gestão, o financeiro, e nós estamos fazendo aqui, de pioneirismo, direcionando linhas prioritárias, que são linhas prioritárias do SUS, não foi tirado de “nenhum lugar” assim, foi tirado da necessidade mesmo. E aí, a gente acredita que isso aí vai direcionar a assistência e qualificar também.”

(E2, gestão de nível médio, homem, 39 anos).

Ainda, conta mais detalhes sobre a construção da política de MC publicada em 2022 e o que seria exatamente a “definição das linhas prioritárias”, na prática.

“[Na política da média] a gente define linhas, define diretrizes, define os parâmetros esperados, situação de saúde, volume da população, incidência, coloca tudo isso dentro de uma lógica assistencial para entender o que eles precisam fazer e qual que é o grande volume assistencial do SUS, aí isso é pioneiro.” (E2, gestão de nível médio, homem, 39 anos).

Ademais, reforça o relato da alta gestão, ao tratar da flexibilidade que a nova política trará para o gestor regional e municipal na implantação da MC nos territórios, também diferenciando o cenário anterior à política do que se espera alcançar com as novas alterações.

“Nós não criamos uma unidade CEAE, não criamos uma unidade de centro de especialidade médica, é um recurso que a microrregião, ou o polo dessa microrregião, que olha onde ele vai prestar esse atendimento. Então, nós não estamos congelando a assistência em um determinado lugar, ali fica a cargo do gestor reconhecer os vários dispositivos que ele tem, quem é que tem a expertise, por exemplo, naquela linha de assistência dentre as prioridades que a gente levantou. Daí, ele pode pulverizar isso: ‘ó, aquela policlínica ali minha é boa no pré-natal de alto risco, então vou por lá’ ou ‘a outra minha aqui é melhor em hipertensão e diabetes, vou por lá’. isso também dá flexibilidade para o gestor que conhece seu município, sua região de saúde, poder trabalhar do jeito que ele quiser [...] Ao invés da gente congelar isso em um único espaço físico de saúde.” (E2, gestão de nível médio, homem, 39 anos).

Por fim, quanto ao que ainda precisa avançar, chama atenção a fala sobre a importância da atuação do Ministério da Saúde (MS) na construção de uma política nacional para a média complexidade, ou para a atenção especializada como um todo, semelhante ao que ocorre na atenção primária, com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Segundo o gestor, a falta de diretriz do MS contribui para as disparidades de acesso entre os entes, principalmente, em razão dos municípios de maior porte, ou com maior capacidade financeira, conseguirem fornecer mais serviços, com mais qualidade do que o restante. Com isso, ele destaca o cenário em

Referências

Documentos relacionados

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do

A versão reduzida do Questionário de Conhecimentos da Diabetes (Sousa, McIntyre, Martins & Silva. 2015), foi desenvolvido com o objectivo de avaliar o

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

Posteriormente, em Junho de 1999, ingressei no grupo Efacec, onde fui responsável pela elaboração de projetos e propostas para a construção de Estações de Tratamento

Internal sac armature (Fig. 5) consisting of two basal spine-shaped straight sclerites, 2.8 times as long as wide (Fig. 5a) or as in figure 5A; two long, laminar and median