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Psicol. Esc. Educ. vol.21 número1

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Academic year: 2018

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http://dx.doi.org/10.1590/2175-3539/2017/02111065

Rememoração: contribuições para a compreensão do

processo de aprendizagem de conceitos cientíicos

João Roberto Ratis Tenório da Silva

Universidade Federal de Pernambuco – Caruaru – PE – Brasil

Maria da Conceição Diniz Pereira de Lyra

Universidade Federal de Pernambuco – Recife – PE – Brasil

Resumo

Desde a Grécia Antiga a memória é compreendida, sobretudo, como um local de armazenamento de informações. Consideramos que tal modelo é limitado para a compreensão do processo de aprendizagem de conceitos cientíicos. Neste artigo, tivemos como objetivo investigar como se dá o processo de aprendizagem desses conceitos, em sala de aula, a partir da compreensão do processo de rememoração. Assim, propomos

um modelo que considera que, quando o sujeito está numa situação de aprendizagem de um conceito cientíico, ele ressigniica conhecimentos prévios a partir da rememoração, construindo novos modos de pensar próprios do contexto cientíico. Acreditamos que nosso modelo pode contribuir para compreender o processo de aprendizagem, levando em consideração o processo de rememoração. Estimulamos, assim, estudos

empíricos que, além de ajudarem a melhorar o modelo, podem nos mostrar indícios de como funciona o processo de aprendizagem numa visão holística, permitindo propor, futuramente, métodos de ensino.

Palavras-chave: Memória; conceito; aprendizagem.

Remembering: contributions to the understanding of the learning process of

scientiic concepts

Abstract

From ancient Greece memory is understood, above all, as a place of information storage. We consider that such a model is limited for understanding the process of learning scientiic concepts. In this article, we aimed to investigate how the learning process of these concepts occurs in the classroom, by understanding the recall process. Thus, we propose a model that considers that, when the student is in a situation of learning a scientiic concept, he/she reconigures previous knowledge from the recollection, constructing new modes of thinking proper to the scientiic context. We believe that our model can contribute to understanding the learning process, taking into account the recall process. Thus, we stimulate empirical studies that, in addition to helping to improve the model, can show us how the learning process works in a holistic perspective, allowing

future teaching methods to be proposed. Keywords: Memory; concept; learning.

Rememoración: contribuciones a la comprensión del proceso de aprendizaje

de conceptos cientíicos

Resumen

Desde la Antigua Grecia la memoria es comprendida, especialmente, como un sitio de almacenamiento de informaciones. Consideramos

que tal modelo es limitado para la comprensión del proceso de aprendizaje de conceptos cientíicos. En este artículo, tuvimos como objetivo investigar cómo se da el proceso de aprendizaje de esos conceptos, en sala de clase, a partir de la comprensión del proceso de rememoración. Así, proponemos un modelo que considera que, cuando el sujeto está en situación de aprendizaje de un concepto cientíico, él resigniica conocimientos previos a partir de la rememoración, construyendo nuevos modos de pensar propios del contexto cientíico. Creemos que nuestro modelo pueda contribuir para comprender el proceso de aprendizaje, llevando en consideración el proceso de rememoración. Estimulamos, así, estudios empíricos que, además de ayudar a mejorar el modelo, puedan enseñarnos indicios de cómo funciona el proceso de aprendizaje en una visión holística, permitiendo proponer, futuramente, métodos de enseñanza.

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Introdução

Segundo Wagoner (2011), estudos sobre a memória datam da Grécia Antiga, quando se considerava que tal processo era uma dádiva da deusa Mnemosine, e o con -templado por essa dádiva deveria propagar suas memórias. Além disso, Platão tinha a ideia de que a memória funcio-nava como um bloco de cera, em que as experiências de vida eram cravadas, o que culminou em metáforas que são utilizadas até hoje, em que a memória é considerada como um local de armazenamento ou de inscrição de informações. Séculos mais tarde, já no âmbito da Psicologia Experimental, Ebbinghaus (1885/1913) desenvolveu uma abordagem que reforçou a noção de memória como inscri-ção de informações num substrato material. No experimento com sílabas sem sentido, ele elaborou uma curva de es -quecimento a partir de repetições em série que fazia com ele mesmo. Assim, Ebbinghaus(1985/1913) percebeu que quanto mais as sílabas eram repetidas, mais facilmente a sequência era memorizada. Como consequência, ele con -cluiu que quanto mais repetimos as informações, mais pro-fundamente elas são gravadas em nosso substrato mental, impedindo que sejam esquecidas.

Essas metáforas, que podemos chamar de espaciais (Wagoner, 2011), continuam a ser exploradas em alguns estudos na Psicologia Cognitiva, tais como aqueles apre -sentados por McGaugh (1966), Cowan (1988), Zola-Morgan e Squire (1990) e Kandel (2001). Porém, contrapondo-se às metáforas sobre a memória como inscrição de informações armazenadas, neste trabalho a consideramos como um processo semiótico que, construindo signiicados, regula a adaptação do sujeito ao ambiente e, juntamente com outros processos cognitivos e afetivos, tem um papel essencial no desenvolvimento humano e na aprendizagem (Zittoun & cols., 2011). Esse processo de adaptação funciona en -volvendo também a atenção, a percepção e a imaginação, além da afetividade e da inserção do sujeito em um meio social e cultural (Bartlett, 1932; Halbwachs,1992).

Entendemos que esta noção de memória pode nos oferecer indícios de como funciona o processo de aprendi-zagem de conceitos cientíicos. Neste sentido, o foco está na investigação da capacidade do sujeito de usar experiên -cias do passado para projetá-las no futuro, face a tarefas que visam a aprendizagem desses conceitos.

Na literatura, encontramos perspectivas teóricas, tais como a teoria sociocultural (Vygotsky, 1962) e o construti -vismo piagetiano (Piaget,1974), que deram origem a uma série de ideias de como funciona o processo de aprendiza-gem. Para essas perspectivas, o ambiente surge como um elemento essencial no desenvolvimento humano, sendo a diferença entre elas, a forma pela qual o sujeito irá interagir com o seu contexto. Enquanto que para Piaget os conceitos de assimilação e acomodação se tornam centrais para com-preensão da aquisição de novas habilidades e conceitos, com uma ênfase no meio físico, em Vygotsky encontramos na sociogênese a chave para a compreensão de como o sujeito, em seu desenvolvimento, internaliza habilidades e

signiicados que são compartilhados culturalmente (Valsiner & Van Der Veer, 1988; Van der Veer & Valsiner, 1988).

Segundo o conceito de internalização, elaborado por Vygotsky (1962), o desenvolvimento cultural do sujeito acon- (1962), o desenvolvimento cultural do sujeito acon -tece em dois estágios: primeiramente em um nível social – interpsicológico - e depois em um nível individual – intrap -sicológico. Assim, o autor airma que as funções mentais su -periores emergem a partir das trocas sociais sendo, progres-sivamente, internalizadas. Este processo é mediado pelos signos, sendo a palavra, para Vygotsky, o principal mediador nas relações sociais (Valsiner & Van Der Veer,1988; Van Der Veer & Valsiner,1988). A todo o momento, o sujeito interna -liza elementos do seu dia a dia, a partir de sua relação com o ambiente (relações sociais). Porém, a forma como os sig -niicados, compartilhados culturalmente, são internalizados, não será a mesma para todas as pessoas. O modo pelo qual o sujeito interage com o ambiente irá determinar como os signiicados serão internalizados (Vygotsky,1994).

Valsiner (2007/2012), ao elaborar a noção de inter -nalização proposta por Vygotsky airma que a inter-nalização é o processo de análise da experiência externa de materiais semióticos e sua síntese numa nova forma no domínio intrap -sicológico, ou seja, diz respeito a como os sujeitos constroem signiicados sobre suas experiências no e do mundo. Além disso, Valsiner (2007/2012) destaca o papel da externaliza -ção, que se caracteriza como um processo de análise dessas experiências, em nívelsubjetivo (materiais pessoais-culturais) e a sua transposição para o mundo externo, como de “den-tro” para “fora” da pessoa. Nessa transposição, a pessoa co-munica a sua nova síntese, podendo modiicar, dessa forma, o ambiente externo (Valsiner, 2007/2012).

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processo vai adquirindo estabilidade, aproximando a com -preensão do conceito cientíico em estudo.

Aprendizagem como processo semiótico de

construção de signiicados

Quando olhamos para as ideias de Vygotsky (1934, 1962) sobre aprendizagem, identiicamos o surgimento de conceitos que são determinantes na explicação do processo de aprendizagem, voltados para a relação do sujeito com seu meio social e cultural. Além do conceito de internaliza-ção, apresentado anteriormente, a noção de signo surge na teoria de Vygostky como central em sua abordagem.

Para Vygotsky (1962, 1978), a noção de aprendiza -gem é construída a partir da consideração de que o mundo é internalizado na interação do sujeito com o mundo social ou o outro social, sendo esta interação mediada por signos (instrumentos psicológicos socialmente originados). Durante esse processo, o sujeito internaliza os produtos de sua cultu -ra, com os signiicados dos objetos assumidos nas relações sociais. Ao externalizar, o sujeito pode atribuir novo signi -icado (ressigniicar) de maneira pessoal (Valsiner, 2009; 2007/2012).

Segundo Valsiner (1998), a existência humana é or -ganizada por signiicados semióticos — signos de diferentes tipos — socialmente construídos e pessoalmente internali -zados. Signos, segundo o autor, são representações de al-gum aspecto do fenômeno experienciado e são construídos por alguém para suprir as necessidades de comunicação — com outras pessoas e consigo mesmo. Este ato constru -tivo é sempre pessoal, requerendo um ser humano a-tivo em relação à sua cultura (cultura pessoal) e à cultura coletiva por meio dos processos de internalização e externalização (Valsiner, 2007/2012).

Valsiner (2009) airma que as experiências passa -das regulam o novo horizonte de aprendizagem do aluno. No processo de aprendizagem, a ação no presente (uso de materiais instrucionais, explicação do professor em sala, de-bate com colegas etc.) irá abrir possibilidades de trajetórias de aprendizagem no futuro, que irão aparecer como zona de desenvolvimento proximal do sujeito (Vygotsky, 1962; Valsi -ner & Van Der Veer, 2014).

Compreendemos que a aprendizagem se dá base-ada na experiência prévia do sujeito, a qual terá um papel fundamental na zona de desenvolvimento proximal, abrindo novas potencialidades de aprendizagem a partir da ressig -niicação dessas experiências. Essas potencialidades são possíveis levando em consideração essas experiências passadas (conhecimento prévio), visto que elas orientam o sujeito para o futuro no momento em que ele interage com o ambiente (seja com outros sujeitos ou com materiais de instrução). A projeção do futuro, dentro do horizonte de po -tencialidade de aprendizagem, é possível devido à inluência da imaginação (Zittoun & cols., 2011). É importante ressaltar que, no momento da aprendizagem, diversos processos cognitivos importantes estão envolvidos, tais como aten

-ção, além da memória, percep-ção, raciocínio, imaginação etc. Não temos como objetivo discutir a relação entre todos esses processos agindo conjuntamente na aprendizagem. Neste artigo, focamos a memória, particularmente no pro-cesso de rememoração, numa perspectiva (re)construtiva, explorando como esse processo desencadeia a construção de novos signiicados.

Memória como processo de ressigniicação

Dada a natureza semiótica da memória (Vygotsky,1978), o que um sujeito lembra e como o faz de -pende de sua localização no contexto sociocultural na sua trajetória de vida (Mead, 1934; Zittoun & cols., 2011) e da construção de signiicados a signos envolvidos nesse pro -cesso. Por exemplo, podemos considerar que um conceito cientíico, particularmente aqueles que transitam no âmbito das concepções do senso comum, como o de calor, adquire formas de estabilidade que vão depender dos signiicados que atribuímos a eles em determinadas situações e con-textos socioculturais1. Dentro da comunidade cientíica, por

exemplo, o conceito de calor adquire uma forma mais es-tável, sendo aplicado em diversas situações para explicar fenômenos assumindo uma visão cientíica. Já em contextos do cotidiano, o conceito de calor adquire formas menos es-táveis, que vão variar dependendo da experiência individual de cada pessoa com o conceito, o contexto e a situação especíica na qual esse conceito será usado. Nessas situ -ações, por exemplo, é possível a um sujeito, com formação especíica em Química, tratar o calor relacionado às sensa -ções térmicas, mesmo que tal ideia seja equivocada do pon -to de vista cientíico. Is-to ocorre devido à sua experiência em situações do cotidiano em que o calor é sempre associado ao “quente” e a sua ausência é associada ao “frio” (Amaral & Mortimer, 2001). Esse mesmo sujeito, em um contexto de sala de aula ou laboratório, irá tratar o calor do ponto de vis -ta cientíico, considerando trocas energéticas e movimentos das partículas constituintes dos materiais. Isso signiica que alguns conceitos, considerados como polissêmicos (Morti -mer, Amaral, & El-Hani, 2014), vão apresentar determinados modos de pensar e de falar fora do contexto da ciência, que se coniguram como conhecimentos prévios, construídos ao longo da vida do sujeito, antes dele ter contato com a visão cientíica em sala de aula.

Os modos de pensar, que se coniguram como co -nhecimentos prévios, emergem em sala de aula (Azeve -do, 2004; Silva & Amaral, 2016) inluenciando o processo de aprendizagem da visão cientíica de conceitos. Assim, entendemos que se faz necessária uma relexão de como esses conhecimentos prévios são externalizados em sala de aula, por meio do processo de rememoração (Bartlett,1932). 1 O foco deste artigo está, sobretudo, nesses conceitos, cujos

diversos signiicados estão dispersos em diferentes contextos socioculturais, se caracterizando como polissêmicos (Mortimer, Amaral, & El-Hani, 2014). Porém, o processo de aprendizagem através da rememoração, proposto neste artigo, também se aplica a conceitos usados exclusivamente em contextos cientíicos, como o

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Teoria da Rememoração de Bartlett

Bartlett (1932) abre uma nova forma de se investi -gar e conceituar a memória, conduzindo uma série de ex-perimentos sobre percepção, imaginação e memória. Isso permitiu que ele criasse uma teoria em que se levasse em consideração todos esses processos conjuntamente. Em seus experimentos sobre memória, ele desenvolveu três métodos: 1) método da descrição; 2) método da reprodução em série e 3) método da reprodução repetida.

Durante a análise dos dados construídos através des -ses três métodos, Bartlett (1932) identiicou algumas caracte -rísticas gerais do processo de rememoração, tais como:

- Eliminação de detalhes: os participantes tendiam a rememorar características gerais do objeto, eliminando de -talhes, deixando a reprodução mais curta, objetiva e concisa em relação ao objeto mostrado originalmente;

- Transformação: os participantes apresentavam a tendência de trocar nomes ou expressões do objeto reme -morado;

- Transferências: era frequente a transferência de características de uma reprodução para outra, havendo uma mistura de detalhes.

Com esses dados gerais e uma minuciosa análise do processo por meio do qual a rememoração ocorria, Bartlett (1932) desenvolveu um programa sistemático de pesquisa em Psicologia Social e Experimental, adotando, sobretudo, a concepção de uma mente ativa, de natureza holística e in -terdependente do grupo social. Para explicar as característi-cas do processo de rememoração apontadas acima, Bartlett (1932) propôs o conceito de esquema, que apresentaremos a seguir.

Esquema: agindo no presente a partir da

ressigniicação de experiências do passado

Utilizando a noção de esquema de Head (1920), em que esquemas seriam formados por estruturas que armaze-navam os movimentos corporais em série, como imagens mentais, que nos faziam capazes de realizar movimentos, Bartlett (1932) construiu sua teoria sobre a memória, porém, fazendo algumas alterações. Segundo Bartlett (1932), es -quema é um conceito holístico, que exprime um processo global e não estruturas estáticas que representam imagens mentais, tal como airmava Head. Dessa forma, Bartlett deine que esquemas são uma organização ativa de ex -periências do passado, os quais são reformulados quando estamos diante de uma demanda no presente. Portanto, esquemas são sempre dinâmicos, construídos a partir de experiências passadas interagindo com que está posto no presente. Bartlett (1932) aponta que as experiências pas -sadas, ao serem reconstruídas no presente, nos ajudam a agir em determinadas situações inesperadas a partir da

re-formulação e atualização dos esquemas. Assim, processos imaginativos e perceptuais entram em ação, permitindo uma transição temporal de forma que experiências passadas se -jam reformuladas no “aqui e agora”.

Para localizar informações sobre o passado, na refor-mulação de esquemas, o organismo adquire a capacidade de se voltar sobre seus próprios esquemas, reconstruí-los e atualizá-los (Bartlett, 1932), dando signiicado à experiência do presente a partir da ressigniicação de experiências do passado. Nesse momento, o processo de reformulação de esquemas se torna consciente.

Voltando-se sobre os próprios esquemas:

preenchendo lacunas no presente

Segundo Bartlett (1932), normalmente, há a criação de uma descontinuidade quando tentamos nos lembrar de algo para agir no presente. Buscamos, então, informações do passado e, através da imaginação, preenchemos lacu -nas durante a rememoração. Esse é um aspecto normal do processo de esquecimento, que faz com que nos voltemos sobre nossos próprios esquemas e os transformemos, de forma a corrigir essa descontinuidade. Assim, um sujeito que se volta sobre seus próprios esquemas para cobrir essa descontinuidade, se encontra em um ambiente dual porque está envolvido no passado (usado para controle da autorre -lexão nas ações) e no presente (tempo da ação) (Wagoner, 2013). Dessa forma, um sujeito pode reconstruir algo que aconteceu há um ano, reintegrá-lo e combiná-lo com algo que aconteceu ontem, a im de resolver algum problema que o desaia no dia a dia (Bartlett, 1932). É dessa forma que às vezes nos lembramos de algo, mas não sabemos se tal evento aconteceu na semana passada ou no mês passado, por exemplo.

Aprendizagem e rememoração

Acreditamos que a concepção sobre memória como (re)construção e o processo de aprendizagem podem dialo -gar, conduzindo a uma complementação útil à compreensão do processo de aprendizagem de conceitos cientíicos. Des -sa forma, podemos compreender como o sujeito (re)negocia signiicados durante o processo de aprendizagem. Para isso, partimos de alguns pressupostos:

Conceitos são dinâmicos e apresentam estabilidade relativa

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reconhecemos que essas experiências estão ligadas aos signiicados que atribuímos a elas. Da mesma forma, na aprendizagem de conceitos cientíicos, podemos conside -rar que o pensamento conceitual se modiica dependendo da situação e contexto. A estabilidade de um conceito vai depender dos signiicados que atribuímos a ele em determi -nadas situações. Ou seja, alguns conceitos, aqueles consi -derados polissêmicos, vão apresentar determinados modos de pensar e de falar, e o uso desses modos dependerá do contexto e situação em que o sujeito estará inserido (Mor -timer, Amaral, & El-Hani, 2014). Assim, a aprendizagem se torna um processo de regulação do conceito, em que novos modos de pensar emergem a partir da evolução do conceito como ato do pensamento. Dessa forma, o conceito é res-signiicado (novos modos de pensar emergem na relação sujeito-ambiente) dependendo do contexto, da situação em que sua demanda é necessária e da forma pela qual o sujei -to interage com o ambiente (Vygotsky, 1934).

Retomando o exemplo do conceito de calor, o aluno usa este conceito em seu dia a dia, o relacionando com a sensação térmica “quente”. Porém, no momento de apren-dizagem, tal modo de pensar, de conceituar, se desenvolve, pela ressigniicação, fazendo com que ele compreenda que essa ideia tem sua delimitação no contexto da ciência, e o calor deverá ser tratado a partir do ponto de vista cientíico (químico ou físico). Este último ponto de vista é um modo de pensar em que o conceito adquire uma estabilidade maior, quando ele ganha o status de cientíico. Não podemos air -mar que o conceito de calor, tomado aqui como exemplo, pertence à comunidade cientíica apenas, sendo um con -ceito cientíico, mas seus modos de pensar estão dispersos em diversos contextos sociais e culturais2 e a ressigniicação

desses modos de pensar, num processo de evolução con -ceitual, auxilia na construção da visão cientíica do conceito. Em sala de aula, o objetivo se torna o aluno construir modos de pensar sobre o conceito, dentro de uma visão cientíica, relacionando-o com outros modos de pensar utilizados em outros contextos e, assim, tomar consciência dos diversos modos de pensar que um conceito pode apresentar. Nesse processo, a rememoração auxilia na construção de signiica -dos, visto que, como discutido anteriormente, ao rememorar experiências passadas, no nosso caso, conhecimentos pré -vios, novos signiicados são construídos, a partir da agre -gação de diversos elementos ao produto da rememoração.

Rememoração como mecanismo de ressigniicação dos

conceitos

Como discutimos anteriormente, no momento em que estamos tentando nos lembrar algo, voltamos aos nossos próprios esquemas (Bartlett, 1932) para cobrir lacunas de memória. Nesse processo, ressigniicamos nossas experi -ências de forma a resolver determinadas demandas do pre

-2 Outros exemplos de conceitos polissêmicos que apresentam

diversos signiicados aplicáveis em diferentes contextos, não só cientíico, são: espontaneidade/entropia (Amaral & Mortimer, 2004), substância (Silva & Amaral, 2013) e energia (Simões Neto & Amaral, 2016).

sente. Ao nos recordarmos de algo, estamos externalizando signiicados já socialmente constituídos de uma forma dife -rente de quando foram internalizados. Assim, ao rememorar o conhecimento prévio relativo a qualquer conceito na sala de aula, o sujeito poderá elaborar novos signiicados a partir da necessidade de atendimento às demandas requeridas em alguma situação de aprendizagem (resolução de proble -mas, explicação de determinados fenômenos, exposição de seminários, etc.). Tal ressigniicação, entendida como uma evolução do conceito no ato do pensamento, é proporcio -nada pela reformulação de esquemas (Bartlett, 1932), pois uma série de situações de uso de um conceito no contexto cientíico se combinará com seu uso no cotidiano, para a re -solução de uma demanda presente. Para compreender, por exemplo, que o fornecimento de energia na forma de calor é responsável pela dilatação térmica de metais, o sujeito pode rememorar diversas situações em seu dia a dia, como a fer -vura da água para cozimento de alimentos ou o derretimento do gelo em temperatura ambiente, depois ele pode combinar com outros aspectos conceituais estudados em sala de aula (como a expansão térmica de gases). A partir disso, ele pode construir novos signiicados (numa visão cientíica) sobre a expansão térmica dos metais, a qual está relacionada com o aumento da energia cinética das partículas durante o forneci-mento de energia (assim como acontece na fervura da água e na expansão dos gases, rememorados anteriormente).

Com base nesses dois princípios, acreditamos que a memória, como processo de rememoração, pode nos dar indícios de como o sujeito estabelece relações entre conhe -cimentos prévios e os cientíicos, essencial num processo de aprendizagem, na perspectiva dialética (Vygotsky, 1962). Essas relações irão depender dos signiicados atribuídos ao conceito, numa relação dinâmica com o ambiente (Vygotsky, 1934; Zittoun & cols., 2011). A cada nova demanda em um novo contexto, o conceito sofrerá mais ressigniicações (am -pliações de modos de pensar/construção de novos signii -cados), a partir das constantes reformulações de esquemas de rememoração, durante os processos de internalização e extenalização. Assim, podemos resumir nossa proposta com o diagrama apresentado na Figura 1.

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-cimento prévio e cientíico, para uso do conceito em novas situações dentro da sala de aula.

Assim, consideramos que a memória, na perspectiva (re)construtiva é um elemento essencial para compreensão do processo de aprendizagem, visto que é através dela que novos signiicados podem ser construídos. Ressaltamos que todo esse processo que possui essa plasticidade e, ao mes-mo tempo, atinge a concepção cientíica do conceito, ocorre a partir de esquemas nmemônicos reformulados, diante de tensões e oposições de signiicados concomitantes. Essas são postas ao sujeito pelas demandas presentes e interagem dinamicamente com as experiências passadas. Ademais, as mesmas estão perenemente inseridas no contexto social e cultural do sujeito (Boesch, 2008; Valsiner, 2009, 2007/2012; Valério & Lyra, 2016).

Considerações Finais

O objetivo do presente texto foi o de destacar o pa -pel da memória na aprendizagem de conceitos cientíicos, exempliicados, particularmente, em relação a conceitos que partilham concepções advindas do senso comum, na área de ensino de Química. O ponto central está na compreensão da memória como processo de adaptação, que permite a (re)construção de signiicados a partir das demandas do pre -sente que visam imaginar possibilidades futuras ainda não vividas. A rememoração concebida como esse processo se fundamenta nas ideias de Bartlett (1932), que a considerava como um processo holístico que envolve outros processos cognitivos e também afetivos, incluindo atenção, percepção,

raciocínio, imaginação e uma inserção perene no contexto social e cultural do sujeito.

Possibilidades de investigação dessa temática – re -memoração e aprendizagem de conceitos cientíicos – en -volvem o acompanhamento do desenrolar da aprendizagem, procurando identiicar mediadores socioculturais que são utilizados pelos sujeitos no decorrer do processo de aprendi -zagem de conceitos cientíicos, com base na exploração (re) construtiva da memória. Relevância fundamental é dada à relação desse processo com elementos do meio social e cul-tural e com as características das tarefas envolvidas em sala de aula. Nesse sentido, entendemos que novas perspecti -vas de pesquisa estão abertas para que se possa construir um conhecimento que nos dê subsídios para compreender a aprendizagem de conceitos cientíicos, nos permitindo criar novas dinâmicas na sala de aula de ciências.

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ma durante a rememoração no processo de aprendizagem. Nesse processo, o conhecimento prévio do sujeito é res -signiicado a partir da reformulação de esquemas (Bartlett, 1932), permitindo a construção de novos signiicados que serão aplicados em outros contextos.

Consideramos que se fazem necessárias pesquisas para que dados empíricos contribuam para a compreensão do processo de aprendizagem, levando em consideração a memória como mecanismo de reconstrução de signiicados, ao lado, sobretudo, da imaginação (Zittoun & cols., 2009). Acreditamos que pesquisas empíricas, utilizando o modelo do processo de aprendizagem aqui proposto, podem nos mostrar indícios de como funciona esse processo adotando uma perspectiva não segmentada, mas sim holística, nele integrando a imaginação.

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Recebido em: 05/11/2015 Reformulado em: 10/09/2016

Aprovado em: 17/10/2016

Sobre os autores

João Roberto Ratis Tenório da Silva (joaoratistenorio@gmail.com)

Programa de Pós-graduação em Psicologia Cognitiva. Universidade Federal de Pernambuco.

Maria da Conceição Diniz Pereira de Lyra (marialyra2007@gmail.com)

Doutora em Psicologia. Universidade Federal de Pernambuco.

Referências

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