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Um olhar de teologia moral sobre a Exortação Amoris Laetitia

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Academic year: 2021

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Um olhar de teologia moral sobre a Exortação Amoris Laetitia

Padre Rafael Cerqueira Fornasier1

Não se deve fazer uma leitura geral apressada (AL.,n. 7).

Ao mesmo tempo, a complexidade dos temas tratados mostrou-nos a necessidade de continuar a aprofundar, com liberdade, algumas questões doutrinais, morais, espirituais e pastorais. A reflexão dos pastores e teólogos, se for fiel à Igreja, honesta, realista e criativa, ajudar-nos-á a alcançar uma maior clareza. Os debates, que têm lugar nos meios de comunicação ou em publicações e mesmo entre ministros da Igreja, estendem-se desde o desejo desenfreado de mudar tudo sem suficiente reflexão ou fundamentação até à atitude que pretende resolver tudo através da aplicação de normas gerais ou deduzindo conclusões excessivas de algumas reflexões teológicas. (AL, n. 2).

Acompanhamento

Os profissionais, particularmente aqueles que têm experiência de acompanhamento, ajudam a encarnar as propostas pastorais nas situações reais e nas preocupações concretas das famílias. (AL, n. 204)

para oferecer uma preparação remota que faça amadurecer o amor deles com um acompanhamento rico de proximidade e testemunho. (AL, n. 208)

Uma vez que estas confusões são frequentes, torna-se indispensável o acompanhamento dos esposos nos primeiros anos de vida matrimonial, para enriquecer e aprofundar a decisão consciente e livre de se pertencerem e amarem até ao fim. (AL, n. 217)

O acompanhamento deve encorajar os esposos a serem generosos na comunicação da vida. (AL, n. 222)

Daí a necessidade dum acompanhamento pastoral que continue depois da celebração do sacramento (cf. Familiaris consortio, parte III). (AL, n. 223)

É verdade que muitos casais de esposos desaparecem da comunidade cristã depois do matrimónio, mas com frequência desperdiçamos algumas ocasiões em que eles voltam a estar

1 Padre Rafael Cerqueira Fornasier, é doutorando em Ciências do Matrimônio e Família, no Pontifício Instituto

João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, junto à Universidade Lateranense (Roma), é mestre em Antropologia Teológica pelo Institut d'Études Théologiques de Bruxelas – SJ. Padre Rafael foi assessor da Comissão para a Vida e a Família da CNBB (2011-2015) e membro da Comissão de Bioética da CNBB.

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presentes e nas quais poderíamos tornar a propor-lhes, de forma atraente, o ideal do matrimónio cristão e aproximá-los a espaços de acompanhamento. (AL, n. 230)

Mas, nas respostas às consultações realizadas, assinalava-se que, em situações difíceis ou críticas, a maioria não recorre ao acompanhamento pastoral, porque não o sente compreensivo, próximo, realista, encarnado. (AL, n. 234)

Estas situações (divorsiados recasados) « exigem um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, (AL, n. 243, citando Relatio synodi 2014, n. 51) Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida. (AL, n. 250)

A lógica da integração é a chave do seu acompanhamento pastoral, para saberem que não só pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas podem também ter disso mesmo uma experiência feliz e fecunda... (AL, n. 299)

Trata-se dum itinerário de acompanhamento e discernimento que « orienta estes fiéis na tomada de consciência da sua situação diante de Deus. (AL, n. 300)

Evangelii gaudium: O acompanhamento pessoal dos processos de crescimento

169. Numa civilização paradoxalmente ferida pelo anonimato e, simultaneamente, obcecada com os detalhes da vida alheia, descaradamente doente de morbosa curiosidade, a Igreja tem necessidade de um olhar solidário para contemplar, comover-se e parar diante do outro, tantas vezes quantas forem necessárias. Neste mundo, os ministros ordenados e os outros agentes de pastoral podem tornar presente a fragrância da presença solidária de Jesus e o seu olhar pessoal. A Igreja deverá iniciar os seus membros – sacerdotes, religiosos e leigos – nesta «arte do acompanhamento», para que todos aprendam a descalçar sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3, 5). Devemos dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer na vida cristã.

170. Embora possa soar óbvio, o acompanhamento espiritual deve conduzir cada vez mais para Deus, em quem podemos alcançar a verdadeira liberdade. Alguns crêem-se livres quando caminham à margem de Deus, sem se dar conta que ficam existencialmente órfãos, desamparados, sem um lar para onde possam sempre voltar. Deixam de ser peregrinos para se transformarem em errantes, que giram indefinidamente ao redor de si mesmos, sem chegar a lado nenhum. O acompanhamento seria contraproducente, caso se tornasse uma espécie de terapia que incentive esta reclusão das pessoas na sua imanência e deixe de ser uma peregrinação com Cristo para o Pai.

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171. Hoje mais do que nunca precisamos de homens e mulheres que conheçam, a partir da sua experiência de acompanhamento, o modo de proceder onde reine a prudência, a capacidade de compreensão, a arte de esperar, a docilidade ao Espírito, para no meio de todos defender as ovelhas a nós confiadas dos lobos que tentam desgarrar o rebanho. Precisamos de nos exercitar na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cómoda condição de espectadores. Só a partir desta escuta respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e o anelo de desenvolver o melhor de quanto Deus semeou na nossa própria vida. Mas sempre com a paciência de quem está ciente daquilo que ensinava São Tomás de Aquino: alguém pode ter a graça e a caridade, mas não praticar bem nenhuma das virtudes «por causa de algumas inclinações contrárias» que persistem.[133] Por outras palavras, as virtudes organizam-se sempre e necessariamente «in habitu», embora os condicionamentos possam dificultar as operações desses hábitos virtuosos. Por isso, faz falta «uma pedagogia que introduza a pessoa passo a passo até chegar à plena apropriação do mistério».[134] Para se chegar a um estado de maturidade, isto é, para que as pessoas sejam capazes de decisões verdadeiramente livres e responsáveis, é preciso dar tempo ao tempo, com uma paciência imensa. Como dizia o Beato Pedro Fabro: «O tempo é o mensageiro de Deus».

172. Quem acompanha sabe reconhecer que a situação de cada pessoa diante de Deus e a sua vida em graça são um mistério que ninguém pode conhecer plenamente a partir do exterior. O Evangelho propõe-nos que se corrija e ajude a crescer uma pessoa a partir do reconhecimento da maldade objectiva das suas acções (cf. Mt 18, 15), mas sem proferir juízos sobre a sua responsabilidade e culpabilidade (cf. Mt 7, 1; Lc 6, 37). Seja como for, um válido acompanhante não transige com os fatalismos nem com a pusilanimidade. Sempre convida a querer curar-se, a pegar no catre (cf. Mt 9, 6), a abraçar a cruz, a deixar tudo e partir sem cessar para anunciar o Evangelho. A experiência pessoal de nos deixarmos acompanhar e curar, conseguindo exprimir com plena sinceridade a nossa vida a quem nos acompanha, ensina-nos a ser pacientes e compreensivos com os outros e habilita-nos a encontrar as formas para despertar neles a confiança, a abertura e a vontade de crescer.

173. O acompanhamento espiritual autêntico começa sempre e prossegue no âmbito do serviço à missão evangelizadora. A relação de Paulo com Timóteo e Tito é exemplo deste acompanhamento e desta formação durante a acção apostólica. Ao mesmo tempo que lhes confia a missão de permanecer numa cidade concreta para «acabar de organizar o que ainda falta» (Tt 1, 5; cf. 1 Tm 1, 3-5), dá-lhes os critérios para a vida pessoal e a actividade pastoral. Isto é claramente distinto de todo o tipo de acompanhamento intimista, de auto-realização isolada. Os discípulos missionários acompanham discípulos missionários.

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Discernimento

Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas.

« O discernimento da presença das semina Verbi nas outras culturas (cf. Ad gentes, 11) pode-se aplicar também à realidade matrimonial e familiar. Para além do verdadeiro matrimónio natural, há elementos positivos também nas formas matrimoniais doutras tradições religiosas » (AL, n. 77, citando Relatio Finalis, n. 47)

A Palavra de Deus é não só uma boa nova para a vida privada das pessoas, mas também um critério de juízo e uma luz para o discernimento dos vários desafios que têm de enfrentar os cônjuges e as famílias ». (AL, n. 227, citando Relatio synodi 2014, n. 40)

Os Padres disseram que « é indispensável um discernimento particular para acompanhar pastoralmente os separados, os divorciados, os abandonados.... (AL, n. 242, citando Relatio synodi 2014, n. 47).

Estas situações « exigem um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, evitando qualquer linguagem e atitude que as faça sentir discriminadas e promovendo a sua participação na vida da comunidade. (AL, n. 243, citando Relatio Synodi 2014, n. 51; RF, n. 84)

Com efeito, aos pastores compete não só a promoção do matrimónio cristão, mas também « o discernimento pastoral das situações de muitas pessoas que deixaram de viver esta realidade », para « entrar em diálogo pastoral com elas a fim de evidenciar os elementos da sua vida que possam levar a uma maior abertura ao Evangelho do matrimónio na sua plenitude ».317 No discernimento pastoral, convém « identificar elementos que possam favorecer a evangelização e o crescimento humano e espiritual ». (AL, n. 293, citando Relatio Synodi 2014, n. 41.) Os divorciados que vivem numa nova união, por exemplo, podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem deixar espaço para um adequado discernimento pessoal e pastoral. (...) Os Padres sinodais afirmaram que o discernimento dos pastores sempre se deve fazer « distinguindo adequadamente »,331 com um olhar que discirna bem as situações.332 Sabemos que não existem « receitas simples (AL, n. 298)

É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares, que deveria reconhecer: uma vez que « o grau de responsabilidade não

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é igual em todos os casos », (RF, n, 51) as consequências ou efeitos duma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos. Os sacerdotes têm o dever de « acompanhar as pessoas interessadas pelo caminho do discernimento segundo a doutrina da Igreja e as orientações do bispo. (AL, n. 300)

Nota 336: E também não devem ser sempre os mesmos na aplicação da disciplina sacramental, dado que o discernimento pode reconhecer que, numa situação particular, não há culpa grave. Neste caso, aplica-se o que afirmei noutro documento: cf. Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 44.47: AAS 105 (2013), 1038-1040.

este discernimento não poderá jamais prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja. Para que isto aconteça, devem garantir-se as necessárias condições de humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma resposta mais perfeita à mesma ». Estas atitudes são fundamentais para evitar o grave risco de mensagens equivocadas, como a ideia de que algum sacerdote pode conceder rapidamente « excepções », ou de que há pessoas que podem obter privilégios sacramentais em troca de favores. Quando uma pessoa responsável e discreta, que não pretende colocar os seus desejos acima do bem comum da Igreja, se encontra com um pastor que sabe reconhecer a seriedade da questão que tem entre mãos, evita-se o risco de que um certo discernimento leve a pensar que a Igreja sustente uma moral dupla. (AL, n. 300).

O discernimento pastoral, embora tendo em conta a consciência rectamente formada das pessoas, deve ocupar-se destas situações. As próprias consequências dos actos praticados não são necessariamente as mesmas em todos os casos ». (AL, n. 302, citando RF, n. 85)

É claro que devemos incentivar o amadurecimento duma consciência esclarecida, formada e acompanhada pelo discernimento responsável e sério do pastor, e propor uma confiança cada vez maior na graça. (AL, n. 303)

Em todo o caso, lembremo-nos que este discernimento é dinâmico e deve permanecer sempre aberto para novas etapas de crescimento e novas decisões que permitam realizar o ideal de forma mais completa. (AL, n.

Peço encarecidamente que nos lembremos sempre de algo que ensina São Tomás de Aquino e aprendamos a assimilá-lo no discernimento pastoral: « Embora nos princípios gerais tenhamos o carácter necessário, todavia à medida que se abordam os casos particulares, aumenta a indeterminação (…). No âmbito da acção, a verdade ou a rectidão prática não são iguais em todas as aplicações particulares, mas apenas nos princípios gerais; e, naqueles onde a rectidão é idêntica nas próprias acções, esta não é igualmente conhecida por todos. (...) Quanto mais se desce ao particular, tanto mais aumenta a indeterminação ». É verdade que as normas gerais apresentam um bem que nunca se deve ignorar nem transcurar, mas, na sua formulação, não podem abarcar absolutamente todas as situações particulares. Ao mesmo tempo é preciso afirmar que, precisamente por esta razão, aquilo que faz parte dum discernimento prático

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duma situação particular não pode ser elevado à categoria de norma. Isto não só geraria uma casuística insuportável, mas também colocaria em risco os valores que se devem preservar com particular cuidado. (AL, n. 304).

O discernimento deve ajudar a encontrar os caminhos possíveis de resposta a Deus e de crescimento no meio dos limites. Por pensar que tudo seja branco ou preto, às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento e desencorajamos percursos de santificação que dão glória a Deus. (AL, n. 305).

Isto fornece-nos um quadro e um clima que nos impedem de desenvolver uma moral fria de escritório quando nos ocupamos dos temas mais delicados, situando-nos, antes, no contexto dum discernimento pastoral cheio de amor misericordioso, que sempre se inclina para compreender, perdoar, acompanhar, esperar e sobretudo integrar. (AL, n. 312)

Lei da gradualidade (Pedagogia divina)

A “gradualidade na pastoral” começa no 293.

Nesta linha, São João Paulo II propunha a chamada « lei da gradualidade », ciente de que o ser humano « conhece, ama e cumpre o bem moral segundo diversas etapas de crescimento ».323 Não é uma « gradualidade da lei », mas uma gradualidade no exercício prudencial dos atos livres em sujeitos que não estão em condições de compreender, apreciar ou praticar plenamente as exigências objectivas da lei. Com efeito, também a lei é dom de Deus, que indica o caminho; um dom para todos sem excepção, que se pode viver com a força da graça, embora cada ser humano « avance gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus e das exigências do seu amor definitivo e absoluto em toda a vida pessoal e social ». (AL, 295, citando FC, n. 9).

Na perspectiva da pedagogia divina, a Igreja olha com amor para aqueles que participam de modo imperfeito na vida dela: com eles, invoca a graça da conversão; encoraja-os a fazerem o bem, a cuidarem com amor um do outro e colocarem-se ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham. (AL, n. 78)

Na abordagem pastoral das pessoas que contraíram matrimónio civil, que são divorciadas novamente casadas, ou que simplesmente convivem, compete à Igreja revelar-lhes a pedagogia divina da graça nas suas vidas e ajudá-las a alcançar a plenitude do desígnio que Deus tem para elas »,328 sempre possível com a força do Espírito Santo. (AL, n. 297, citando RS, n. 25).

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Consciência

Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las. (AL, n. 37)

É verdade que a consciência reta dos esposos, quando foram muito generosos na transmissão da vida, pode orientá-los para a decisão de limitar o número dos filhos por razões suficientemente sérias; e também « por amor desta dignidade da consciência, a Igreja rejeita com todas as suas forças as intervenções coercitivas do Estado a favor da contracepção, da esterilização e até mesmo do aborto » (Relatio finalis). (AL, n. 42).

Para isso « deve-se afirmar resolutamente a liberdade da Igreja ensinar a própria doutrina e o direito à objecção de consciência por parte dos educadores ». (AL, n. 279, citando Relatio 2015, n. 68)

Em particular, com a Encíclica Humanae vitae, destacou o vínculo intrínseco entre amor conjugal e procriação: “o amor conjugal requer nos esposos uma consciência da sua missão de „paternidade responsável‟, sobre a qual hoje tanto se insiste, e justificadamente, e que deve também ela ser compreendida com exactidão (...). (AL, n. 68).

Por isso, « a quem trabalha nas estruturas sanitárias, lembra-se a obrigação moral da objecção de consciência. (AL, n. 83)

Citando a Relatio finalis de 2015, “(...) A opção da paternidade responsável pressupõe a formação da consciência que é “o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser” (Gaudium et spes, 16). Quanto mais procurarem os esposos ouvir, na sua consciência, a Deus e os seus mandamentos (cf. Rm 2, 15) e se fizerem acompanhar espiritualmente, tanto mais a sua decisão será intimamente livre de um arbítrio subjectivo e da acomodação às modas de comportamento no seu ambiente ».248 Continua a ser válido o que ficou dito, com clareza, no Concílio Vaticano II: os cônjuges, « de comum acordo e com esforço comum, formarão rectamente a própria consciência, tendo em conta o seu bem próprio e o dos filhos já nascidos ou que prevêem virão a nascer, sabendo ver as condições de tempo e da própria situação e tendo, finalmente, em consideração o bem da comunidade familiar, da sociedade temporal e da própria Igreja. São os próprios esposos que, em última instância, devem diante de Deus tomar esta decisão ».” (AL, n. 222)

Há ocasiões em que, por mais que a consciência nos dite determinado juízo moral, têm mais poder outras coisas que nos atraem; isto acontece, se não conseguirmos que o bem individuado pela mente se radique em nós como uma profunda inclinação afectiva (AL, n. 265)

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Assim, a vida virtuosa constrói a liberdade, fortifica-a e educa-a, evitando que a pessoa se torne escrava de inclinações compulsivas desumanizadoras e anti-sociais. Com efeito, a própria dignidade humana exige que cada um « proceda segundo a própria consciência e por livre adesão, ou seja, movido e induzido pessoalmente desde dentro » (AL, n. 267, citando Gaudium et spes, n. 17).

Uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência da irregularidade da sua situação e grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. (AL, n. 298)

que « contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjectivamente certos em consciência de que o precedente matrimónio, irremediavelmente destruído, nunca tinha sido válido ». (AL, n. 298, citando FC, n. 84)

Trata-se dum itinerário de acompanhamento e discernimento que « orienta estes fiéis na tomada de consciência da sua situação diante de Deus. O diálogo com o sacerdote, no foro interno, concorre para a formação dum juízo correto sobre aquilo que dificulta a possibilidade duma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que a podem favorecer e fazer crescer. Uma vez que na própria lei não há gradualidade (cf. Familiaris consortio, 34), este discernimento não poderá jamais prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja. (AL, n. 300, citando a Relatio finalis, n. 86)

O discernimento pastoral, embora tendo em conta a consciência rectamente formada das pessoas, deve ocupar-se destas situações. As próprias consequências dos actos praticados não são necessariamente as mesmas em todos os casos ». (AL, n. 302, citando Relatio finalis, n. 85).

A partir do reconhecimento do peso dos condicionamentos concretos, podemos acrescentar que a consciência das pessoas deve ser melhor incorporada na práxis da Igreja em algumas situações que não realizam objetivamente a nossa conceção do matrimónio. É claro que devemos incentivar o amadurecimento duma consciência esclarecida, formada e acompanhada pelo discernimento responsável e sério do pastor, e propor uma confiança cada vez maior na graça. Mas esta consciência pode reconhecer não só que uma situação não corresponde objectivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus e descobrir com certa segurança moral que esta é a doação que o próprio Deus está a pedir no meio da complexidade concreta dos limites, embora não seja ainda plenamente o ideal objectivo. (AL, n. 303)

Todavia, da nossa consciência do peso das circunstâncias atenuantes – psicológicas, históricas e mesmo biológicas – conclui-se que, « sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas,

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que se vão construindo dia após dia », dando lugar à « misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível ». (AL, n. 44)

tizados que se divorciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as diferentes formas possíveis, evitando toda a ocasião de escândalo. (Ver o Catecismo)

Imputabilidade

302. A propósito destes condicionamentos, o Catecismo da Igreja Católica exprime-se de maneira categórica: « A imputabilidade e responsabilidade dum acto podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros factores psíquicos ou sociais ».343 E, noutro parágrafo, refere-se novamente às circunstâncias que atenuam a responsabilidade moral, nomeadamente « a imaturidade afectiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais ».344 Por esta razão, um juízo negativo sobre uma situação objetiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida. (AL, n. 302, citando CIgC 1735, 2352.)

A Igreja possui uma sólida reflexão sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes. Por isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada « irregular » vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante. Os limites não dependem simplesmente dum eventual desconhecimento da norma. Uma pessoa, mesmo conhecendo bem a norma, pode ter grande dificuldade em compreender « os valores inerentes à norma »339 ou pode encontrar-se em condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem uma nova culpa. (AL, n. 302)

Por causa dos condicionalismos ou dos factores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objectiva de pecado – mas subjectivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja. (AL, n. 305).

Todavia, da nossa consciência do peso das circunstâncias atenuantes – psicológicas, históricas e mesmo biológicas – conclui-se que, « sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia », dando lugar à « misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível ». (AL, n. 308).

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Obviamente, se alguém ostenta um pecado objectivo como se fizesse parte do ideal cristão ou quer impor algo diferente do que a Igreja ensina, não pode pretender dar catequese ou pregar e, neste sentido, há algo que o separa da comunidade (cf. Mt 18, 17). Precisa de voltar a ouvir

o anúncio do Evangelho e o convite à conversão. Mas, mesmo para esta pessoa, pode haver

alguma maneira de participar na vida da comunidade, quer em tarefas sociais, quer em reuniões de oração, quer na forma que lhe possa sugerir a sua própria iniciativa discernida juntamente com o pastor. (AL, n. 297).

Publicamos abaixo um artigo enviado a ZENIT pelo Prof. Mons. Ángel Rodríguez Luño, decano da faculdade de teologia da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.

A Exortação Apostólica Amoris laetitia oferece as bases para dar um novo e muito necessário impulso à pastoral familiar em todos os seus aspectos. O capítulo VIII se re-fere às delicadas situações em que a debilidade hu-mana mais se evidencia. A linha proposta pelo Papa Francisco pode resumir-se com as palavras que compõem o título do capítulo: “Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade”. Somos convidados a evitar os julgamentos sumários e as atitudes de rechaço e exclusão, e a assumir, em vez disso, a tarefa de discernir as diferentes situações, empreendendo com os interessados um diálogo sincero e cheio de misericórdia. “Trata-se de um itinerário de acompanhamento e discernimento que „orienta estes fiéis na tomada de consciência da sua situação diante de Deus. O diálogo com o sacerdote, no foro interno, concorre para a formação dum juízo correto sobre aquilo que dificulta a possibilidade duma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que a podem favorecer e fazer crescer. Uma vez que na própria lei não há gradualidade (cfr. Fa-miliaris consor-tio, 34), este discernimento não poderá jamais prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja. „”[1]. Parece útil recordar alguns pontos que convém ter em conta para que o processo de discernimento seja conforme o ensinamento da Igreja[2], o que o Santo Padre pressupõe e de modo algum desejou alterar.

Pelo que concerne aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, a Igreja ensinou sempre e em todo lugar que “quem tem consciência de estar em pecado grave deve receber o sacramento da Reconciliação antes de comungar”[3]. A estrutura fundamental do sacramento da Reconciliação “compreende dois elementos igualmente essenciais: de um lado, os atos do homem que se converte sob a ação do Espírito Santo, a saber, a contrição, a confissão e a satisfação; de outro lado, a ação de Deus por intermédio da Igreja.”[4]. Se faltasse completamente a contrição perfeita ou imperfeita (atrição), que inclui o propósito de mudar de vida e evitar o pecado, os pecados não poderiam ser perdoados, e não obstante fosse dada a absolvição, esta seria inválida[5].

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O processo de discernimento deve ser coerente também com a doutrina católica sobre a indissolubilidade do matrimônio, cujo valor e atualidade o Papa Fran-cisco enfatiza fortemente. A ideia de que as relações sexuais no contexto de uma segun-da união civil são lícitas implica que essa segunda união fosse considerada um verdadeiro matrimônio, e nesse caso se entraria em contradição objetiva com a doutrina sobre a indissolubilidade, segundo a qual o matrimônio válido e consumado não pode ser dissolvido, nem sequer pelo poder vicarial do Romano Pontífice[6]; se, em vez disso, se reconhecesse que a segunda união não é verdadeiro matrimônio, porque o verdadeiro matrimônio é e continua sendo somente o primeiro, então se aceitaria um estado e uma condição de vida que “contradizem objetivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atuada na Eucaristia”[7]. Se, ademais, a vida more uxorio na segunda união fosse considerada moralmente aceitável, se negaria o princípio fundamental da moral cristã, segundo o qual as relações sexuais são lícitas somente dentro do matrimônio legítimo. Por essa razão, a Carta da Congregação para a Doutrina da Fé de 14 de setembro de 1994 dizia: “O fiel que convive habitualmente more uxorio com uma pessoa que não é a legítima esposa ou o legítimo marido, não pode receber a comunhão eucarística. Caso aquele o considerasse possível, os pastores e os confessores – dada a gravidade da matéria e as exigências do bem espiritual da pessoa e do bem comum da Igreja – têm o grave dever de adverti-lo que tal juízo de consciência está em evidente contraste com a doutrina da Igreja”[8].

O Papa Francisco recorda justamente que podem existir ações gravemente imorais sob o ponto de vista objetivo que, no plano subjetivo e formal, não sejam imputáveis ou não o sejam plenamente, devido à ignorância, ao medo ou a outros ate-nuantes que a Igreja sempre levou em conta. À luz desta possibilidade, não se poderia afirmar que quem vive em uma situação matrimonial assim chamada “irregu­lar” objetivamente grave esteja necessariamente em estado de pecado mortal[9]. A questão é delicada e difícil, porque sempre se reconheceu que “de internis neque Ecclesia iudicat”, sobre o esta­do mais íntimo da consciência nem sequer a Igreja pode julgar. Por isso, a Declaração do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos acerca do cânon 915, citada pelo Papa Francisco[10], na qual se dizia que a proibição de receber a Eucaristia compreende também os fiéis divorciados que voltaram a casar, foi muito cuidadosa em preci-sar o que deve entender-se por pecado grave no contexto desse cânon. O texto da Declaração diz: “A fórmula „e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto‟ é clara e deve ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando a norma inaplicável. As três condições requeridas são: a) o pecado grave, entendido objetivamente, porque da imputabilidade subjetiva o ministro da Comunhão não poderia julgar; b) a perseverança obstinada, que significa a existência de uma situação objetiva de pecado que perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não sendo necessários outros requisitos (atitude de desacato, admonição prévia, etc.) para que se verifique a situação na sua fundamental gravidade eclesial; c) o carácter manifesto da situação de pecado grave habitual.”[11].

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A mesma Declaração esclarece que não se encontram nessa situação de pecado grave habitual os fiéis divorciados que voltaram a casar que, não podendo interromper a convivência por causas graves, se abstêm dos atos próprios dos cônjuges, permanecendo a obrigação de evitar o escândalo, posto que o fato de não viverem more uxorio é oculto[12]. Fora esse caso, em atenção pastoral a esses fiéis, será preciso considerar também que parece muito difícil que aqueles que vivem em uma segunda união tenham a certeza moral subjetiva do estado de graça, pois somente mediante a interpretação de sinais objetivos esse estado poderia ser conhecido pela própria consciência e pela do confessor. Ademais, seria preciso distinguir entre uma verdadeira certeza moral subjetiva e um erro de consciência que o confessor tem a obrigação de corrigir, como se disse antes, já que na administração do sacramento o confessor é não somente pai e médico, mas também mestre e juiz, tarefas todas essas que certamente há de cumprir com a máxima misericórdia e delicadeza, e bus-cando antes de tudo o bem espiritual de quem busca a confissão.

Os aspectos doutrinais mencionados, que pertencem ao ensinamento multissecular de a Igreja, e muitos deles ao Magistério ordinário e universal, não devem im-pedir os sacerdotes de empenhar-se com espírito aberto e coração grande em um diálogo cordial de discernimento. Como escreveu o Papa Francisco, trata-se de “evitar o grave risco de mensagens equivocadas, como a ideia de que algum sacerdote pode conceder rapidamente „exceções‟, ou de que há pessoas que podem obter privilégios sacramentais em troca de favores. Quando uma pessoa responsável e discreta, que não pretende colocar os seus desejos acima do bem comum da Igreja, se encontra com um pastor que sabe reconhecer a seriedade da questão que tem entre mãos, evita-se o risco de que um certo discernimento leve a pensar que a Igreja sustente uma moral dupla”[13]. Pelo contrário, sabendo que a variedade das circunstâncias particulares é muito grande, como muito grande é também sua complexidade, os princípios doutrinais antes mencionados deveriam ajudar a discernir o modo de ajudar às pessoas interessadas em empreender um caminho de conversão que lhes conduza a uma maior integração na vida da Igreja e, quando seja possível, a recepção dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia.

Mons. Angel Rodríguez Luño, Professor ordinário de teologia moral fondamental na Pontificia Università della Santa Croce, em Roma.

Trad.: Viviane da Silva Varela.

(13)

[1] Francisco, Exortação Apostólica Pós-sinoidal Amoris laetitia, 19-III-2016, n. 300. A nota interna é do n. 86 da Relação final do Sínodo de 2015.

[2] O Santo Padre assim o disse explicitamente em Amoris laetitia, n. 300. [3] Catecismo da Igreja Católica, n. 1385.

[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 1448.

[5] Cfr. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1451-1453; Concilio de Trento, Sess. XIV, Doutrina do sacramento da penitência, cap. 4 (Dz-Hü 1676-1678).

[6] São João Paulo II, em seu discurso à Rota Romana, de 21-I-2000, n. 8, declarou que essa doutrina é definitiva.

[7] São João Paulo II, Exortação Apostólica Familiaris consortio, 22-XI-1981, n. 84. [8] Congregação para a Doctrina da Fé, Carta aos bispos da Igreja Católica acerca da recepção da Co-munhão eucarística por parte dos fiéis divorciados que voltaram a se casar, 14-IX-1994, n. 6.

[9] Cfr. Francisco, Amoris laetitia, n. 301. [10] Cfr. Ibid., n. 302.

[11] Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, Declaração acerca da admissibilidade à Sagrada Comunhão dos divorciados que voltaram a se casar, 24-VI-2000, n. 2.

[12] Cfr. ibidem. Não é demais ter em conta que não se pode exigir que os fiéis que vivem em uma se-gunda união civil garantam absolutamente que nunca mais terão relações. Basta que tenham o sin-cero e firme propósito de absterem-se. Às vezes somente um dos cônjuges pode ter esse propósito. Nesse caso, segundo as circunstâncias e a idade, pode ser suficiente para que possa receber os sacramentos, tratando sempre de evitar o escândalo. [13] Francisco, Amoris laetitia, n. 300.

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