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Externalidades: O que não-economistas devem saber.

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Externalidades: O que “não-Economistas” devem saber.

José Manuel Madeira Belbute

Dep. de Economia – Universidade de Évora Janeiro de 2008

1. Critérios para a classificação dos bens e serviços

Para se compreender convenientemente o conceito de “Externalidade” é necessário começar por esclarecer que, do ponto de vista económico, podemos classificar os bens e/ou serviços segundo duas características elementares: o seu grau de “rivalidade” e o seu grau de “exclusividade”. Naturalmente que existem outros factores ou características dos bens que permitem propor outros agrupamentos dos bens e serviços. Os dois que usamos aqui tem a vantagem de, pela sua simplicidade, ajudarem à clarificação de alguns aspectos relevantes a certo tipos de bens e serviços e, por outro lado, permitirem a caracterização e distinção clara entre bens públicos, bens comuns e, genericamente, bens privados. Esta distinção é fundamental para se compreender o conceito de externalidade, como veremos.

Um bem/serviço diz-se “rival” se o seu consumo por um “agente”1 reduz a quantidade disponível desse bem ou serviço, para ser também consumido por outro agente. O vestuário, o calçado, os bens alimentares etc. tendem a evidenciar um elevado grau de rivalidade.

Inversamente, a “não-rivalidade” significa que o “uso“ que um agente faz desse bem/serviço não reduz a quantidade disponível desse bem ou serviço para ser usado por outra pessoa ou instituição2. O conhecimento, a pesquisa e o desenvolvimento, a inovação, a defesa nacional, a segurança, a luz, o oceano, as paisagens, etc são exemplos de bens cuja “rivalidade” é extraordinariamente baixa, senão mesmo inexistente.

Para a análise de duas categorias particulares de bens (bens públicos e bens/recurso comuns) é particularmente útil fazer uma referência à ligarão entre o grau de “rivalidade” e o “congestionamento” (ou saturação) no acesso a um bem ou serviço. Usaremos o exemplo das estradas para tornar claro o efeito do congestionamento sobre o grau de rivalidade de um bem ou serviço. As estradas sem portagem3 são bens cujo grau de rivalidade depende do grau de congestionamento em que se encontram. Em hora de ponta, cada veículo a mais na estrada reduz a “quantidade” de estrada disponível para os restantes condutores. Porém fora das

1

O termo é usado no sentido genérico porque os bens e serviços podem ser usados ou consumidos por pessoas ou instituições (privadas – empresas - ou públicas – Estado, etc).

2

Por vezes, a literatura associa a “rivalidade” à possibilidade dos bens poderem ser “divisíveis”. Nesta acepção, um bem não-rival é também um bem “indivisível”, dado que o seu uso ou o seu consumo por uma pessoa reduz o montante disponível para outras. Pelo contrário, um bem com elevado grau de rivalidade é divisível surgindo, por isso, aos agentes em unidades discretas.

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Apesar de serem bens com um elevado grau de “exclusividade” (que analisaremos de seguida) a “rivalidade” das Auto-estradas (que têm a particularidade de cobrarem uma portagem para acesso) depende do nível de congestionamento, da mesma forma descrita anteriormente.

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horas de ponta o nível de rivalidade reduz-se substancialmente. O problema é idêntico quando penamos num parque natural (Serra da Estrela, Parque Nacional do Gerês, etc), num parque temático nos acessos aos centros das cidades, etc. Em geral podemos dizer que a não-rivalidade depende do não congestionamento, e vice-versa.

Por outro lado, a característica da “exclusividade” está relacionada com a existência de direitos de propriedade sobre os bens e ou serviços. Os bens sobre os quais é possível atribuir com direitos de propriedade de forma inequívoca, dizem-se “bens exclusivos” e essa exclusividade tem como consequência a possibilidade de “excluir” todos os não pagadores de forma inequívoca. Em geral, bens como o vestuário, o calçado, a produção e o fornecimento de electricidade, as auto-estradas com portagem (independentemente de se encontrarem congestionadas ou não), os canais codificados de TV, etc. exibem um elevado grau de exclusividade.

Porém, há bens e serviços para os quais é muito difícil estabelecer com clareza direitos de propriedade. Para este tipo de bens ou serviços, o acesso ao seu uso ou o seu consumo está extraordinariamente facilitado, mesmo para aqueles que não se dispõem a pagar por isso. Uma vez disponível o bem ou o serviço com baixo grau de exclusividade, todos aqueles que não querem (ou não podem) pagar para lhe ter acesso não podem ser excluídos dos seus benefícios ou dos seus efeitos nefastos. Dito de outra forma, é impossível ou mesmo proibitivamente dispendioso excluir do seu uso ou do seu consumo os “não pagadores”. Esta impossibilidade de exclusão dos não pagadores dá frequentemente origem ao aparecimento de um fenómeno conhecido como “passageiro clandestino”4. A luz solar (com, de resto, a luz em geral) é um exemplo típico de um bem com grau de exclusividade nula. Mas podemos também referir as estradas sem portagem (independentemente de se encontrarem congestionadas ou não), a segurança, a defesa nacional, os peixes (no oceano), o conhecimento, as ideias, a inovação, a atmosfera, a água, a biodiversidade, etc.

O quadro seguinte dá uma ideia esquemática das possibilidades de “classificação” dos bens ou serviços segundo estas duas características da exclusividade e da rivalidade.

Quadro 1 - Quatro tipos de bens segundo o grau de Exclusividade e de Rivalidade. O reduzido grau de exclusividade (impossibilidade ou dificuldade de exclusão dos “não-pagadores”) caracteriza os “bens públicos” e os “bens ou recursos comuns”

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2. Exclusividade, direitos de propriedade e externalidades

Como dissemos no início, a distinção entre bens privados e bens públicos (e bens comuns) é fundamental para se compreender o conceito de externalidade. O quadro 1 mostra como a como a natureza “pública” de um bem ou serviço depende do seu grau de exclusividade. Ora, a exclusividade depende, em primeiro lugar das características físicas dos bens e serviços (recorde-se o caso da atmosfera que não surge disponibilizada em unidades discretas aos seus utilizadores) mas também de convenções informais (usos e costumes, cultura, tradição, etc.) e formais (legislação). Os direitos de propriedade são a expressão desta característica e do ponto de vista estritamente económico, uma das três condições necessárias5 para que uma sociedade possa promover a utilização eficiente dos seus recursos. A eficiência dos mercados tende a ser tanto mais elevada quanto melhor estiverem definidos e estabelecidos os direitos de propriedade. Mas nem todos os bens e serviços possuem características físicas apropriadas à existência de direitos de propriedade bem definidos. As Zonas Económicas Exclusivas (ZEE) são um claro exemplo da imposição de direitos de propriedade num “recurso” (o oceano) com características de bem público6.

Em geral, a exclusividade é violada sempre que a acção de um agente têm implicações/consequências sobre outro ou outros agentes e esse facto ocorre com frequência para a classe de bens e serviços para os quais os direitos de propriedade são mal definidos e sendo, por isso, impossível ou proibitivamente dispendioso excluir todos aqueles que não podem ou não querem pagar para lhe ter acesso. Por outro lado, em consequência do baixo grau de exclusividade associada a este tipo de bens e serviços, o seu preço é frequentemente baixo ou mesmo nulo e, por isso, não existe um “mercado” onde sejam transaccionados. Diz-se, por essa razão, que se trata de uma “falha de mercado”7, cuja “correcção” só pode ser efectuada pela intervenção do estado.

É necessária a verificação de duas condições cumulativas para podermos identificar um fenómeno como uma “externalidade”:

a) Em primeiro lugar, é necessário que a acção de um agente (pessoa ou instituição, consumidor ou produtor), afecte o bem-estar de outra. Dito de outra maneira, existe uma externalidade sempre que o bem-estar de um agente depende não apenas das suas próprias acções mas também das actividades sob o controle de outros agentes. b) Em segundo lugar, é necessário que a alteração de bem estar não seja acompanhada

por um qualquer mecanismo de compensação. Há várias observações a ter em consideração;

5

Para além da exclusividade, as outras duas condições para a uma estrutura bem definida de direitos de propriedade e, logo, condição para a afectação eficiente dos recursos, são a “transferibilidade” e a “enforceability”

6

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar 7

As 4 razões pelas quais ocorrem “falhas de mercado”são: externalidades, bens públicos, informação imperfeita e mercados incompletos.

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Em primeiro lugar, a alteração do “bem-estar” pode ser positiva (uma propriedade vizinha bem conservada - que faz subir o valor de mercado da nossa - um perfume agradável usado pela pessoa que vai sentada ao nosso lado, melhores hábitos de condução - que reduzem o risco de acidentes - o progresso científico, a educação, a vacinação) ou negativa (a poluição atmosférica, a poluição das águas, festas barulhentas na vizinhança, trânsito congestionado, fumo de cigarro, a subida nos prémios de seguro devido ao consumo de álcool ou tabaco por parte dos outros, “vista obstruída”, etc.). Consequentemente, a uma externalidade positiva está associado um benefício enquanto que a uma externalidade negativa está associado um

dano (custo ou prejuízo são também termos usados neste contexto).

Uma vez que as externalidades afectam o bem-estar, elas tendem a ser valorizadas pelos agentes mas, com decorre da segunda condição enunciada anteriormente, não têm associadas qualquer mecanismo de recompensa/compensação. Isto é, ao benefício causado a um agente não corresponde qualquer recompensa ao seu causador, nem ao custo associado a um efeito externo negativo corresponde qualquer compensação à sua vítima. Naturalmente que a externalidade deixa de existir logo que qualquer mecanismo de recompensa ou compensação seja instituído.

Em segundo lugar, as “economias externas” tendem, em geral, a ser um resultado “não intencional” pelos seus causadores. Isto é, a sua “produção” não constitui o objectivo das acções dos seus causadores. Ora, a não intencionalidade e a falta de um mecanismo

recompensa/compensação estão intimamente ligadas nos efeitos externos. A falta de

intencionalidade resulta da circunstância de que o impacto causado não transportar consigo qualquer recompensa (no caso de efeitos benéficos) para o seu beneficiário ou compensação (para o caso de efeitos nefastos) para a sua vítima.

A falta deste mecanismo de recompensa/compensação (que no mercado está presente e se traduz pelo comportamento dinâmico dos preços) é particularmente importante nas externalidades pois impede que os agentes recebam o incentivo necessário para tomarem em consideração no seu comportamento os efeitos externos a eles associados e que, se existisse, deixariam de ser “não-intencionais”8.

Consequentemente, as acções externas positivas tendem a não ser suficientemente encorajadas e a sua “oferta” será sempre escassa. Pelo contrário, as externalidades negativas não são suficientemente desencorajadas e, por isso, a sua “oferta” estará sempre em excesso. A poluição é um exemplo de uma externalidade que tende a estar disponível em claro “excesso-de-oferta”.

A chave para se lidar com os efeitos externos consiste, então, em accionar os mecanismos de feedback ausentes de forma a criar um sistema que recompense/penalize a criação de efeitos benéficos/nefastos de modo a internalizá-los no comportamento dos agentes.

É importante notar também que é possível classificar as externalidades em públicas ou privadas, dependendo de evidenciarem ou não características de um bem público (não-rivalidade e não-exclusividade). Em geral, as externalidades públicas são as mais relevantes em

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termos de política pública. É o caso, em especial de muitos efeitos externos que envolvem o “ambiente”.

Finalmente é ainda útil fazer uma referência às externalidades pecuniárias, em oposição às tecnológicas (que tratámos até agora). Elas são identificadas como os efeitos externos causados pela actividade de um agente sobre os instrumentos financeiros de outros com consequências nos preços de mercado. Uma vez que este tipo de externalidades provoca alterações no preços de mercado, ela não tende a produzir necessariamente ineficiência na alocação dos recursos desde que os mercados funcionem em concorrência perfeita.

Em todo o caso, este tipo de efeitos externos tem uma tradução prática no mercado (provoca alterações nos preços e, por via disso, do bem estar) e, por isso, os mecanismos de feedback de que falámos mais atrás estão presentes. A subida do preço dos terrenos na zona de Setúbal onde se irá construir o novo estádio de futebol do clube local (assim como o que é conhecido como uma nova zona de expansão urbana) ilustra o aparecimento deste tipo de externalidade. Podemos detectar este fenómeno de várias maneiras e com sinais contrários. Para os terrenos afectos a actividades primárias em regime de arrendamento, os actuais rendeiros verão reduzir-se o seu “bem-estar” na medida em que as rendas aumentarão; os proprietários (individuais ou de empresas) das parcelas a urbanizar verão o seu rendimento potencial aumentar; os potenciais compradores de lotes e habitações serão confrontados com preços mais elevados, etc….

O aparecimento desta externalidade pecuniária não é, necessariamente, o resultado de uma falha de mercado mas apenas o reflexo da escassez de terra. Os mecanismos de mercado farão o seu trabalho de modo a fazer reflectir nos preços o “valor” da terra nos seus diversos usos. De resto, sem estas externalidades pecuniárias, os sinais veiculados pelos movimentos dos preços seriam incapazes de sustentar qualquer alocação eficiente. Naturalmente, a poluição, a escassez de água potável, etc. não são externalidades pecuniárias uma vez que o mecanismo de feedback não está presente e, por isso, os seus efeitos não são transmitidos pelos preços.

Referências

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