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Energia e civilização

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Academic year: 2021

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CAPITULO 1

Energia e civilização

(15.144)

1.1 A energia em uma abordagem científica

Energia é algo difícil de definir, uma vez que nós só percebemos os seus efeitos, sob a forma de trabalho ou de calor. Energia é a capacidade de produzir alguma alteração na realidade: o calor que faz ferver a água, a energia mecânica que põe um carro em movimento. A quantidade de energia é o produto da intensidade desse trabalho (a “potência”) pelo tempo durante o qual é exercido. Na nossa vida cotidiana, temos contato com a energia utilizada sob diferentes formas, entre as quais se destacam as seguintes:

-mecânica: dos motores, dos músculos; -térmica: o calor, em todas as suas formas;

-cinética: a força contida no vento, no movimento de um carro, em uma bola de tênis impulsionada pelo jogador;

-química: os alimentos, os combustíveis; -luminosa; a que nós recebemos do Sol; -nuclear: das estrelas, das centrais atômicas.

Todas essas modalidades, na sua essência, se referem à mesma coisa, pois a energia que se apresenta em uma determinada forma pode ser transformada em outra. Por exemplo, a energia química presente na mistura entre gasolina e ar se transforma em energia térmica dentro do motor de um veículo. O motor, ao ser acionado, produz a energia mecânica do pistão, que é, por sua vez, transferida para as rodas, onde tem origem a energia cinética do carro. Ao mesmo tempo,

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uma parte da energia mecânica produzida nesse processo é transformada na energia elétrica que, entre outras coisas, proporciona a energia luminosa dos faróis.

Uma diferença importante diz respeito ao estágio em que os recursos energéticos se encontram ao serem consumidos, medidos ou processados. Denomina-se energia primária a quantidade de energia existente ao ser recolhida diretamente da natureza: o petróleo bruto ao sair de um poço, o carvão retirado de uma mina, a queda d’água ao pé de uma represa, a energia luminosa no momento em que chega a um painel solar ou o calor produzido no núcleo de uma central atômica. Mas nós raramente utilizamos a energia em sua forma primária, e recorremos, sim, à energia secundária, que é obtida, principalmente, a partir das refinarias de petróleo e das centrais elétricas. Por fim, é importante assinalar que qualquer forma de energia, seja primária ou secundária, precisa ser transportada e distribuída àqueles vão efetivamente utilizá-la. Trata-se, aqui, da energia final: a gasolina dentro do tanque de um carro, o gás natural disponível para acender um fogão ou a eletricidade que pode ser obtida em uma tomada. Essa distinção – energia primária, secundária e final – é importante porque durante as diversas etapas da cadeia de produção energética se perde uma parte significativa da energia primária. Em âmbito mundial, considerando-se todos os tipos de energia á disposição das sociedades, a energia final corresponde a um pouco menos da metade da energia primária.

1.2 A evolução histórica do uso da energia

A história do uso social da energia acompanha a evolução das tecnologias. Os primeiros seres humanos contavam apenas com duas fontes de energia: o calor solar e as calorias dos seus alimentos. Há cerca de 400 mil anos a espécie humana aprendeu a dominar o fogo e a queimar a madeira para se aquecer,

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preparar a comida e iluminar os ambientes escuros. Durante quase toda a história da humanidade, as principais fontes de energia disponíveis foram a madeira das árvores (queimada em forma de lenha) e a força muscular dos animais e dos próprios seres humanos, além do vento, usado em certos casos no processamento dos cereais (os moinhos) e, é claro, também para mover embarcações a vela. A exploração predatória da madeira é a grande culpada pela destruição das florestas na Europa e em boa parte da Ásia, do Oriente Médio e do continente americano. O petróleo, assim como o óleo das baleias, chegou a ser utilizado, em algumas sociedades, para produzir iluminação, mas em escala muito limitada.

Só a partir do final do século 18, com a Revolução Industrial, é que o carvão mineral se tornou a principal fonte de energia, até ser substituído, no século 20, pelo petróleo, que impulsionou, mais do que qualquer outro recurso natural, as gigantescas transformações econômicas e sociais associadas à época moderna. A partir da década de 1970, os primeiros sinais de escassez de petróleo e – mais tarde – a consciência dos danos ambientais decorrentes do seu consumo deram impulso à busca de novas fontes energéticas: o gás natural, as usinas atômicas, os painéis solares, a energia eólica e os biocombustíveis.

No estudo das atuais fontes de energia e das implicações políticas e econômicas envolvidas na sua utilização, é importante diferenciar as energias de estoque (não-renováveis) e as energias de fluxo (renováveis). As energias de estoque predominam amplamente na composição da matriz energética do mundo contemporâneo, ou seja, no conjunto das fontes de energia utilizadas em escala global. Incluem-se entre as energias de estoque ou não renováveis as energias de origem fóssil – o carvão, o petróleo e o gás natural – assim como a energia nuclear, obtida principalmente a partir do urânio existente na composição da Terra desde a formação do planeta. As energias fósseis recebem esse nome devido ao fato de que têm como origem seres vivos – animais e plantas – que se conservaram em forma fóssil. Nesse processo, ocorrido dezenas

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de milhões de anos atrás, a energia existente nesses organismos – e que têm como fonte original a radiação solar – se conservou de uma forma extremamente concentrada, o que explica o seu alto potencial calorífico.

As energias de fluxo (ou renováveis) também devem sua existência ao Sol, mas a diferença é que a sua produção é contínua, sem a dependência de um estoque de recursos que diminui na medida em que é consumido. A energia hidrelétrica, por exemplo, depende das chuvas, que, por sua vez, se originam da evaporação da água como efeito do calor solar, o mesmo que viabiliza as plantas (como a cana de açúcar, de se extrai etanol) por meio da fotossíntese. O aquecimento da atmosfera pelos raios solares também é a causa das diferenças de pressão geradoras do vento que move os moinhos, as embarcações a vela as torres de energia eólica. Pela sua dependência de fatores naturais, as energias de fluxo desempenham uma função secundária na economia global contemporânea. Mesmo a mais importante delas – a hidroeletricidade – só exerce um papel de destaque em um número reduzido de países dotados de rios caudalosos, como o Brasil, a Índia, a China e a Rússia.

A introdução das energias fósseis coincide, historicamente, com o surgimento das indústrias modernas, organizadas de acordo com o modelo econômico capitalista. Autores como o alemão Elmar Altvater apontam a existência de uma ligação estreita entre o capitalismo e essas fontes de energia, que tornam viável a transformação dos padrões pré-capitalistas de espaço econômico-social predominantes na Europa antes da Revolução Industrial em capitalistas1. Isso

foi possível, em primeiro lugar, porque, pela primeira vez na História, a disponibilidade local de recursos energéticos de ser a razão principal para a localização das manufaturas e de outros empreendimentos produtivos. Com o carvão – e, mais tarde, o petróleo –, se tornou uma tarefa simples transportar

1

ALTVATER, Elmar. The social and natural environment of fossil capitalism. In: PANICH, Leo; Leys, Colin. Socialist Register – Coming to Terms with Nature. London: Merlin Press, 2007.

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recursos energéticos para qualquer lugar do planeta. O suprimento de energia passou a ser apenas um fator entre outros nas decisões onde a produção irá ocorrer. Hoje em dia, o acesso a fontes locais de energia tem uma influência secundária na localização dos investimentos no espaço global.

A energia fóssil também teve um efeito decisivo na mudança da organização do trabalho que acompanhou a Revolução Industrial. “Em contraste com a radiação solar, que muda de intensidade entre a noite e o dia e de acordo com o ritmo das estações, os combustíveis fósseis podem ser utilizados 24 horas por dia e 365 dias por ano, com intensidade constante, permitindo a organização da produção independentemente do tempo social, biológico e dos demais ritmos naturais”, escreve Altvater. “O carvão, o petróleo e o gás podem ser armazenados e depois consumidos sem nenhuma relação com os padrões de tempo da natureza, mas de acordo somente com o regime de tempo da modernidade – um horário que otimiza os lucros e permite o aumento da produtividade, reduzindo o tempo necessário para a produção das mercadorias”2.

A energia de origem fóssil pode ser utilizada de modo flexível na produção, no consumo e no transporte, propiciando a otimização do tempo e do espaço no processo produtivo. O desenvolvimento das redes de eletricidade e do motor elétrico, a iluminação de cidades inteiras à noite e a invenção do motor de combustão interna foram passos decisivos para o uso flexível da energia na mobilização e aceleração dos processos econômicos e em um grau de individualização da vida social nunca antes experimentado na história humana.

1.3 A centralidade da energia no sistema internacional

A sociedade moderna tem se tornado cada vez mais dependente da energia em quase todas as atividades humanas. Trata-se de uma tendência histórica

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permanente, na medida em que o progresso das condições materiais demanda, em todas as civilizações, uma capacidade crescente de obtenção e utilização eficiente de recursos energéticos. O acesso à energia implica uma articulação entre produtores e consumidores, envolvendo conflito, negociação e consenso. O petróleo forneceu 33,6% de toda a energia consumida no planeta em 20103.

O carvão foi responsável por 29,6% e o gás natural por 24,7%. Assim, os três combustíveis fósseis responderam, no conjunto, por quase 84% da energia primária em escala mundial. A energia nuclear teve uma participação de 7,5%, a hidroeletricidade contribuiu com 7,2% e os demais combustíveis renováveis (energias solar, eólica e biocombustíveis) com 1,5%.

Todas as projeções indicam que o petróleo manterá sua posição dominante como principal fonte comercial de energia até 2030, embora reduzindo a sua parcela no suprimento total. Nesse mesmo período o consumo do gás natural – utilizado principalmente na produção de eletricidade – deverá aumentar mais que o dos demais combustíveis fósseis, enquanto a queima de carvão, especialmente preocupante devido às suas altas taxas de missão de dióxido de carbono, também deverá – a exemplo do petróleo -- diminuir seu peso relativo na matriz energética global. A energia nuclear continuará a desempenhar um papel significativo, mas a expansão da construção de usinas enfrenta limites devido a preocupações com a segurança e com o destino final do lixo atômico. As resistências à instalação de usinas nucleares, que havia diminuído com a melhoria nas condições de segurança dos reatores e de armazenamento dos resíduos, voltaram a crescer a partir do acidente na usina atômica japonesa de Fukushima, em 2011, tornando incerto o futuro dessa modalidade de energia. Os biocombustíveis, do mesmo modo que outras fontes renováveis, como a energia solar e a eólica, devem apresentar nas próximas duas décadas um crescimento bem mais acelerado que o dos demais recursos energéticos. Ainda assim, o aumento da sua produção não ocorrerá em escala suficiente para

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reduzir significativamente a dependência da humanidade em relação aos combustíveis fósseis, de acordo com as projeções disponíveis4.

A característica geográfica particular dos hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), cujas reservas se distribuem pelo planeta de modo muito desigual, ressalta sua importância na esfera das relações internacionais. Os Estados, de modo geral, encaram a garantia do abastecimento desses combustíveis, em especial o petróleo, como uma questão prioritária de segurança, subordinada apenas, na escala das preocupações, à defesa nacional. O Choque do Petróleo, em 1973, ressaltou a dimensão estratégica dos suprimentos de combustível, o que levou os países consumidores a adotarem políticas de segurança energética em que se complementam, de um lado, as medidas voltadas para o aumento da eficiência energética, a busca de fontes alternativas de energia e de fornecedores situados fora da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) e, do outro, uma maior presença militar da potência ocidental hegemônica, os Estados Unidos, no Oriente Médio e Norte da África, onde se localizam 60% das reservas conhecidas de petróleo.

... PARA SABER MAIS

Eficiência energética é um conceito que se refere à quantidade de energia despendida para cada unidade do Produto Interno Bruto (PIB), medida que designa o valor total de todas as mercadorias e serviços realizados em um país, ao longo de um ano. Se o PIB está crescendo mais depressa do que o volume de energia utilizado para mover a economia, isso significa que a eficiência energética está subindo.

...

4 Para as estimativas sobre a evolução futura no campo da energia, as fontes mais respeitadas são o World Energy Outlook, publicado anualmente pela Agência Internacional de Energia (AIE), e o Energy Outlook,

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Por se tratarem de recursos estratégicos ligados à segurança nacional, o petróleo e o gás natural não podem ser encarados como simples mercadorias, regidas apenas pelas forças do mercado. O comércio internacional desses bens envolve uma complexa articulação de interesses, tanto dos Estados, voltados para os imperativos do abastecimento doméstico e para a busca da apropriação de parcelas da renda obtida no mercado da energia, quanto das empresas (muitas delas, agentes de políticas estatais), que obtêm grandes lucros na sua produção, refino, distribuição e venda5. A repartição dessa renda é motivo

permanente de negociação internacional. A interdependência entre países produtores e consumidores demanda a vigência de mecanismos de cooperação e realça a necessidade de acordos. Já a assimetria de poder político e econômico – uma situação em que os principais países e regiões importadores se situam, de modo geral, nas regiões mais desenvolvidas, enquanto os exportadores se concentram em áreas do planeta historicamente periféricas – introduz nessas disputas uma dimensão Norte-Sul que dificulta o consenso quanto à governança desses recursos.

Vale ressaltar, ainda, a desigualdade que envolve a distribuição dos recursos energéticos em escala global. A Agência Internacional de Energia (AIE) ressalta que, “apesar da utilização crescente da energia no mundo, muitos lares nos países em desenvolvimento não têm ainda acesso aos serviços modernos de energia”. Os números citados pela AIE são impressionantes: estima-se em 1,4 bilhão o número de pessoas – mais de 20% da população mundial – que não têm acesso à eletricidade. Uma quantidade de pessoas quase duas vezes maior (2,7 bilhões, ou 40% da população mundial) ainda depende do uso tradicional da biomassa (lenha ou esterco de animais) para cozinhar.

De acordo com a AIE,

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YERGIN, Daniel. O Petróleo. São Paulo: Scritta, 1993, p.xiii.

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“o acesso a serviços modernos de energia pode contribuir para acelerar o desenvolvimento econômico e social. Um dos principais objetivos das Metas do Milênio das Nações Unidas, erradicar a pobreza extrema e a fome em 2015, não será atingido se o acesso à energia não melhorar substancialmente. Para alcançar esse objetivo, deverá ser facultado a 395 milhões de pessoas suplementares o acesso à eletricidade e a bilhões de pessoas suplementares o acesso a combustíveis limpos para cozinhar”.6

O custo para se alcançar essa meta seria relativamente pequeno, segundo a AIE: US$ 36 bilhões anuais, o que equivale a 3% do investimento global na infra-estrutura de fornecimento de energia projetado pela entidade para o período até 2030. O impacto sobre o consumo de petróleo seria pequeno, com um aumento da demanda mundial inferior a 1%, e o aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2, o principal emissor dos gases causadores do efeito estufa) seria menor ainda, de apenas 0,8%.

Referências

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