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COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL E COMO ORDEM SOCIAL CONSTITUCIONALMENTE DIRIGIDA* 1

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COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO

DIREITO FUNDAMENTAL

E COMO ORDEM SOCIAL

CONSTITUCIONALMENTE

DIRIGIDA*

1

Prof. Dr. iur. Leonardo Martins, LL.M.** Univ. Fed. do Rio Grande do Norte (UFRN)

INTRODUÇÃO

Ainda que o Brasil tenha adotado o sistema continental-‐europeu de fontes do direito, no qual a fonte imediata do direito por excelência é a norma posta, o direito constitucional positivo brasileiro não prescinde do profícuo trabalho hermenêutico de seu intérprete mais privilegiado que é a corte constitucional, no caso brasileiro, o STF que faz às vezes de corte constitucional por ausência de uma corte especializada. É o que ocorre tendo em vista certas peculiaridades, como por exemplo, a presença de normas dotadas de generalidade e abstração ímpar como é o caso das normas definidoras de direitos fundamentais.

Sem precisar entrar no complexo mérito de questões atinentes à refor-mulação do sistema de separação de funções estatais, evidenciado por debates em torno de questões como ativismo judicial, judicialização da política e politização do direito, o fato é que o órgão judicial, a quem a Constituição confiou a competência de controlar a constitucionalidade de leis em abstrato ou de decidir como última instância questões constitucionais surgidas na inarredável solução de lides proces-suais, não pode dela declinar. Tudo depende, então, sendo esse talvez o propósito mais legítimo da pesquisa jurídico-‐constitucional, de se verificar a observância de

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C

* O presente artigo é um produto preliminar de um projeto de pesquisa fomentado pela Fundação Alexander von Humboldt e realizado pelo autor junto ao Erich Pommer Institut da Univ. de Potsdam, Alemanha. Aos seus diretores Prof. Dr. Oliver Castendyk e Prof. Klaus Keil meus agradecimentos pela grande hospitabilidade. ** Graduado em direito pela USP (﴾1994)﴿; Mestre (﴾1997)﴿ e Doutor (﴾2001)﴿ em Direito Constitucional pela Humboldt-Universität zu Berlin, Alemanha; pós-‐doutorado (﴾2004)﴿ pelo Hans-Bredow-Institut para a Pesquisa da Comunicação Social da Univ. de Hamburg, Alemanha; Professor dos programas de graduação e pós-‐ graduação stricto sensu da Univ. Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Fellow no Erich Pommer Institut da Univ. de Potsdam, Alemanha, pela Fundação Alexander von Humboldt; Ganhador (﴾conjuntamente com Dimitri Dimoulis)﴿ do “50º Prêmio Jabuti de Literatura” (﴾2008)﴿, na categoria “Melhor Livro de Direito” com a obra “Teoria Geral dos Direitos Fundamentais” (﴾RT, 2007)﴿; Professor Visitante da Humboldt-‐Universität zu Berlin (desde 2001).

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critérios que possam ser derivados do direito constitucional posto. A discussão crítica entre uma ciência dogmática jurídico-constitucional e a jurisprudência constitucional que, no Brasil, a despeito do controle concreto não ser concentrado, é imprescindí-vel caso se pretenda alcunhar essa mesma de “ciência social aplicada”, como o são normalmente classificadas as ciências jurídico-‐dogmáticas. Isto sem embargo da Teoria da Constituição que abre um leque de possibilidades a abordagens interdis-ciplinares, sobretudo com as ciências políticas e sociais. Nada obstante, mesmo a disciplina teórica não tem como se esquivar da jurisprudência constitucional, sendo que suas reflexões só podem ser atualizadas a partir de uma confrontação com o direito “na prática”.

No campo da ordem social da comunicação social constitucionalmente prescrita pelos art. 220 a 224 da CF, o papel concretizador do STF ganha muito em termos de relevância. Os mencionados dispositivos representam um verdadeiro de-safio na medida em quem estabelecem os contornos constitucionais de uma ordem da comunicação social a ser criada, em primeiro lugar, ao STF, mas também às demais funções essenciais à administração da justiça, tendo em vista o princípio da inércia judicial. Também significam um desafio à pesquisa jurídica, a qual tem o dever de acompanhar criticamente o trabalho de tais operadores do direito constitucional, a fim de analisar os critérios e fundamentos das decisões judiciais.

O STF, em recente decisão sobre a recepção pela CF da Lei de Imprensa de 19672, ainda não logrou desenvolver critérios jurídico-constitucionais satisfatórios para uma configuração da ordem social que seja compatível com a ordem da comunicação social prescrita pelos dispositivos constitucionais supra mencionados. A decisão em pauta tem sem dúvida um significado político como revelou seu impacto e repercussão nos órgãos da imprensa e da radiodifusão. Porém, não é missão de uma corte constitucional ponderar as conseqüências políticas de suas decisões, muito menos deveria viver delas. Tais conseqüências por óbvio advi-rão. Responsabilidade e dever da Corte é, nada obstante, justificar juridicamente a solução encontrada para um conflito, por vezes eminentemente político, tendo em vista os parâmetros constitucionais.

O objeto da presente exposição é a ordem da comunicação social com-patível com a CF, cujos precípuos fundamentos deverão ser sucintamente apresen-tados. Para tanto, não serão discutidas as liberdades de comunicação social em si3, mas tão somente os seus limites constitucionais consubstanciados nas prescrições constitucionais a uma ordem da comunicação social.

2 Cfr. STF – ADPF 130-‐MC – Rel. Min. Ayres Brito – DJe 211, 7 nov. 2008. No mérito, o STF confirmou e am-pliou, por maioria, a declaração de não repepção da lei de imprensa, em acórdão divulgado no dia 30 de abril de 2009. Até a presente data, 1º de setembro de 2009, encontram-se publicados somente os votos de alguns dos ministros no sítio eletrônico do STF e de forma esparsa, sob à página “notícias“ e não na mais adequada “busca por inteiro teor“.

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I DOIS RECONHECIMENTOS BÁSICOS A PARTIR DO JULGAMENTO DA ADPF 130

A decisão em pauta do STF tem o mérito de ensejar dois reconhecimen-tos:

O primeiro é que as liberdades de comunicação social não somente são circundadas por um contexto sócio-político conturbado, como também são, do ponto de vista jurídico-‐constitucional, por demais complexas para serem confiadas a juízes singulares que não contam com um aparato legislativo claro. Neste ponto, a desnecessidade de se provocar o controle abstrato concentrado na competência do STF argüida em outra recente exposição4 deve ser um pouco relativizada. Uma abrangente e detalhada decisão do STF, isto é, uma decisão que tematizasse em que medida o legislador brasileiro viola a CF por ação e por omissão teria, no mínimo, um efeito didático, no caso ideal contribuiria para a certeza e segurança jurídica na espécie. Infelizmente, o STF não atendeu a tal desiderato por não se livrar da celeuma político-simbólica referida na primeira parte da presente exposição.

O segundo reconhecimento, este de constitutione ferenda, demonstra mais uma vez quão equivocada é nossa combinação entre os sistemas difuso e concentrado do controle de constitucionalidade5.

II REGULAÇÃO ABRANGENTE DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO RESPON-SABILIDADE E COMPETÊNCIA JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO CONGRESSO NACIONAL

No campo da comunicação social o legislador brasileiro se encontra vin-culado a duas diretivas constitucionais: de um lado, às liberdades de comunicação social e de manifestação do pensamento, e, de outro, às determinações positivas de configuração legislativa de uma ordem da comunicação social compatível com a Constituição.

Se a observância dos direitos fundamentais de resistência pode ser veri-ficada a partir da análise da intervenção nas áreas de proteção normativa e conse-qüente aplicação do critério da proporcionalidade como limitação da competência estatal de limitar o direito por intermédio da busca do meio de intervenção adequado menos gravoso possível para a liberdade atingida6, o mesmo não pode ser dito para a verificação do cumprimento das prestações organizacionais e procedimentais a serem criadas pelo legislativo.

Não há que se falar, neste mister, em “proibição de insuficiência”

(﴾Un-4 Cfr. Martins, 2009: 184-‐188.

5 Tavares (2007: 220 s.) chama o sistema brasileiro com muita propriedade de sistema combinado. 6 Trata-‐se do exame da necessidade da intervenção que fixa a linha limítrofe entre intervenção permitida e intervenção proibida, alcunhada de “proibição de excesso”.

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termassverbot)﴿ porque tal figura carece de fundamento racional jurídico7. É tarefa e competência do legislador escolher um modelo regulatório que fomente a ordem da comunicação social pretendida pelo constituinte. Por outro lado, a omissão legislativa em apresentar tal modelo, o que parece ser a situação atual, pode ser declarada como inconstitucional. A seguir, esboça-‐se alguns elementos que precisam ser objeto de um processo legislativo com vistas à consecução do referido modelo. Cada um deles deverá passar também no crivo do controle de constitucionalidade em face das liberdades de status negativus (direitos fundamentais de resistência).

Regulação do mercado como garantia da pluralidade e diversidade na co-1

municação social

O art. 220, § 5º CF veda a formação de monopólio ou oligopólio direto ou indireto no campo da comunicação social. O constituinte nem precisava tê-lo prescrito expressamente, pois esta vedação já deriva do conteúdo jurídico-objetivo da liberdade de comunicação social8. O custo da existência de monopólios ou oligopólios para a concretização da liberdade de comunicação social é por demais óbvio. A criação de monopólios e oligopólios é, sempre foi e sempre será objeto do direito concorrencial e da defesa da ordem econômica constitucionalmente prevista. Os objetivos gerais de tais restrições, não são nenhuma novidade, podem ser sintetizadas na defesa do livre mercado e dos direitos dos consumidores. No âmbito da comunicação social, a livre concorrência, a ser garantida por instrumentos legislativos e regulatórios, tem finalidades específicas.

Não é preciso retomar aqui a eterna discussão dos graves riscos que a monopolização da formação da opinião pública pode acarretar para a ordem cons-titucional livre e democrática e parece assaz óbvio, que o ônus social da existência de poucos grupos que dominam o mercado nessa área é muito maior do que, por exemplo, o ônus social provocado pela concentração no mercado financeiro. A questão é de método para obstruir a concentração “midiática”.

Já meros indícios de concentração, como o chamado cross-media-ower-ship9 (propriedade cruzada de meios da comunicação social), devem ser prevenidos

7 Vide a respeito: Dimoulis e Martins, 2007: 127 ss., 131.

8 Sobre o conceito de conteúdo ou caráter jurídico-objetivo dos direitos fundamentais, vide, com amplas referências, Dimoulis e Martins, 2007: 118-‐120. Muitos autores preferem enxergar somente a dimensão jurídico-objetiva dos direitos fundamentais de comunicação social, realizando uma opção metodológica questionável, pois tendem a ver fundamentado na CF um direito difuso à Comunicação Social, renegando à dimensão jurídico-‐subjetiva quando muito um papel secundário. Tais autores falam entre outros em “direito de ser informado” ou “direito à informação jornalística” implicando a admissão de uma eficácia horizontal direta e até mesmo um dever fundamental do jornalista não lastreados na ordem constitucional vigente. Vide, a propósito, com uma abordagem bastante clara e com elementos interdisciplinares, a excelente dis-sertação de mestrado de Góis, 2009: 44 ss., 92-102.

9 Cfr. Bender, 1999: 70 ss. A vedação de cross-media-ownership do § 26 do Tratado Interestadual da Ra-diodifusão (Rundfunkstaatsvertrag - RStV) na Alemanha serve ao propósito da garantia da diversidade. Só pra citar um exemplo de quão concretas são as medidas legislativas de combate à concentração no setor, o 5º parágrafo do referido dispositivo prescreve que, no caso de uma emissora alcançar 10% de

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e quando ocorrerem prontamente reprimidos.

Um modelo regulatório compatível com os art. 220 ss. CF não pode prescindir de um órgão central composto por representante de amplos setores da sociedade civil e com competência técnica específica10. É preciso, portanto, um CADE para o setor. O CCS previsto pelo art. 224 CF poderia cumprir essa função, tivesse ele funcionado. As razões de seu fracasso não são objeto do presente estudo. Pragmaticamente falando, a criação e implementação do referido Conselho deveria se pautar em experiências estrangeiras relativamente bem sucedidas.

O domínio direto ou indireto de órgãos de radiodifusão por parlamenta-res, conseguido a partir de concessão para exploração de serviços de radiodifusão, constitui-se em verdadeiro desserviço ao propósito ora discutido e deve ser vedado. As condições políticas são ainda pouco propícias para tanto, pois pressupõem auto-restrição de privilégios, mas isso há de ser conseguido pelas pressões da opinião pública, típicas da democracia.

Regulação do conteúdo em face da vedação da censura prévia 2

A se examinar neste tópico é a harmonização entre a vedação de censura prévia e as claras diretrizes constitucionais em face do conteúdo veiculado pelos órgãos de radiodifusão.

A censura prévia é vedada de maneira “absoluta”, essa é a opinião clara-mente dominante na doutrina. É preciso esclarecer, entretanto, que a cominação legal de conduta não configura censura no sentido constitucional, mas sim intervenção legislativa passível de justificação constitucional. A prática de censura prévia, destarte, somente estará presente na ordem judicial ou administrativa sem fundamento legal ou, mesmo legal, não justificada constitucionalmente com a aplicação do critério da proporcionalidade como busca do meio adequado menos oneroso possível.

Entre os possíveis e principais bens jurídicos envolvidos na regulação do conteúdo, estão a proteção da infância e da juventude e a proteção dos mais variados interesses do consumidor.

2.1 Problema da proteção da infância e juventude

Há pouco, tivemos a grande celeuma em torno das chamadas

“classifica-audiência, ela deverá disponibilizar parte de sua grade para transmissão de notícias para produção por terceiros independentes. Cfr. a respeito os comentários à lei com dezenas de referências doutrinárias e jurisprudenciais ao muito minucioso dispositivo citado de Trute, 2008: 646-‐681. Com uma boa descrição do desenvolvimento histórico da concentração econômica na comunicação social, identificando fases de inércia (a partir do ano de 1945) e de combate estatal (principalmente a partir de meados da década de 60)﴿ e de internacionalização da concentração (﴾de 1974 a 1985)﴿, chegando à consolidação de um sistema de controle (a partir de 1992), cfr. Knoche, 2002: 211 ss., 214-221. Enfatizando o conteúdo de garantia ins-titucional da liberdade de comunicação social já no início da década de 70, Lerche, 1971: 14 ss., 21 s., 114. Mais recentemente enfatizam o conteúdo jurídico-subjetivo, ou seja, com um recorte teórico mais liberal: Bethge, 2002: 675 ss. e Ladeur, 2007: 9 s.

10 Como é a KEK (Kommision zur Ermittlung der Konzentration im Medienbereich) ou o FCC (Federal Com-munications Commision) nos EUA.

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ções indicativas” feitas pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Quali-ficação, vinculado à Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça (﴾DEJUS/ SNJ/MJ)11. Não raro, os críticos se valeram de fórmulas discursivas que abusavam do pathos: Censura era o credo mais recorrente.

A presença de um mandamento constitucional de proteção da infância e juventude no contexto da configuração do sistema de comunicação social é notória. As classificações indicativas representam, de um lado, um primeiro passo no sentido de seu cumprimento e, de outro, uma intervenção justificada na liberdade de radiodi-fusão atingida, pois a relação de fomento em face do propósito perseguido é clara e não se vislumbra alternativa adequada menos onerosa para a liberdade atingida de radiodifusão. Outros passos poderão se seguir com a fixação de propósitos es-pecíficos mais ambiciosos neste campo. Por exemplo, a publicidade direcionada ao público infanto-juvenil deve levar em consideração sua condição de imaturidade. A experiência estrangeira revela que qualquer apelo incisivo ao consumo direcionado a esse público deve ser reprimido12. Como a busca do alcance de tal propósito de proteção não está à disposição do legislador, pois que tem que buscá-‐lo, a omissão deve ser declarada inconstitucional.

2.2 Regulação geral da exploração publicitária e vedação de product place-ment

A regulação da publicidade atualmente é auto-‐regulação, confiada ba-sicamente ao CONAR13. Modelos auto-‐regulatórios sempre tiveram sua eficácia, do ponto de vista dogmático-‐constitucional e sua adequação, em face de propósitos lícitos e, no caso, ordenados constitucionalmente, questionada. Falta até mesmo

re-11 Portaria-MJ 1.220/07, considerada pela opinião majoritária como conformadora infralegal do art. 74 do ECA: “O Poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, infor-mando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada” e como tal conformadora do art. 227 da CF. Nada obstante a opinião majoritária, falta sim ainda lastro legal disciplinando a classificação indicativa, uma vez que o art. 74 do ECA é concretização da reserva legal constitucional à liberdade profissional (﴾art. 5º, XIII da CF)﴿, exercida junto à produção e organização de espetáculos e diversões públicas e não relativo especificamente às liberdades de comunicação do art. 5º, IX da CF.

12 Vide por exemplo, a disciplina da publicidade para crianças e adolescentes na Diretriz Européia “Televi-são Sem Fronteiras” (Television without Frontiers Directive – TWFD), especialmente os art. 15 s. e 22. Cfr. os comentários com amplas referências bibliográficas e jurisprudenciais em Cappelo, 2008: 591-‐717 e Ukrow, 2008: 699-‐719.

13 O Conselho de Auto-‐Regulamentação Publicitária (﴾CONAR)﴿ é uma associação civil sem fins lucrativos com sede em S. Paulo / SP. Dela fazem parte as principais agências de publicidade e empresas de radiodifusão e de imprensa do país. Elaborou um código de condutas com regras bastante indicadas para o setor pu-blicitário. Tem um procedimento de avaliação de violações do seu código, capitaneado por seu Conselho de Ética, mas como auto-regulação não é vinculante em sentido jurídico. Ao contrário, é de cumprimento espontâneo. O know-‐how regulamentador do CONAR poderia servir de base para uma iniciativa legal que transformasse as regras auto-‐reguladoras em juridicamente vinculantes, sem embargo da eficiência e eficá-cia observáveis em seus procedimentos que podem aplicar sanções, incluindo a suspensão de comereficá-ciais televisivos.

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conhecimento de certos problemas há muito reconhecidos e enfrentados no direito comparado. É o caso da omissão em se examinar a possibilidade constitucional da vedação do assim denominado product placement.

Product placement é uma prática muito difundida na economia da co-municação social. Hoje, ela já compõe uma parte significativa do financiamento de programas televisivos. Bastante em voga em muitos países, principalmente nos EUA, vem se impondo cada vez mais nas últimas décadas. Também o mercado publicitário televisivo brasileiro vem aderindo a ela há dez anos14.

Trata-se da troca, por dinheiro ou outras vantagens econômicas, da integração do nome, produto, embalagem, serviço ou logotipo de algum artigo de mercado ou empresa na programação televisiva, sem que o destinatário da pu-blicidade possa considerá-la invasiva ou entediante, como geralmente acontece na recepção dos spots publicitários tradicionais dos intervalos comerciais. Produz-se esse efeito, conforme estudos já comprovam15, quando o telespectador não percebe a publicidade como tal. Por vezes, fala-se também em “publicidade redacional” como violação do direito concorrencial16.

Existem várias formas mais ou menos amenas do product placement. Na mais radical delas, mesmo o telespectador mais crítico é incapaz de perceber a inserção publicitária na programação. Por exemplo, distingue-se entre o product placement em sentido estrito -‐ caracterizado por um destaque exagerado e per-ceptível pelo telespectador mediano de uma marca de produto inserido na trama, como a marca do automóvel do protagonista que reforça a forma visual de inser-ção com construções de diálogos taylor made - e o chamado On-Set-Placement, caracterizado por um sutil destaque da marca de um produto em frente à câmera em momentos estratégicos.

O desenvolvimento deste fenômeno econômico e de management da empresa de radiodifusão17 tem causas muito claras.

Primeiro, os envolvidos no processo de financiamento das produções tele-visivas, movidos pela comezinha busca de maximização dos resultados empresarias, começaram a recorrer à inserção de mensagens publicitárias, mais ou menos sutis,

14 Cfr. a boa apresentação na www com muitos dados de Fonseca, 2009 (www.slideshare.net/ffdaniel/pro-duct-placement, último acesso 06/06/09).

15 Há inclusive uma tendência à aceitação pelo telespectador, desde que a inserção publicitária tenha perti-nência temática com o programa televiso que se assiste. Vide a descrição de Thommen, 2005.

16 Além do direito do consumidor, o direito concorrencial e independência das redações são, em geral, os bens jurídicos mais ameaçados pela prática de product placement referidos na literatura especializada. Cfr., por exemplo: Schulz, 2008: 110. Em face de tais preocupações, consagrou-‐se na lei específica alemã o princípio da separação entre programa e publicidade (Trennungsprinzip do § 7 III Rundfunkstaatsvertrag - RStV), e a proibição da publicidade subliminar ou oculta (Scheichwergungsverbot do § 7 VI RStV) com ampla concretização doutrinária e jurisprudencial. Cfr. entre muitos outros: Ladeur, 2008: 254 ss.; 262-‐267; Platho, 2008: 583 s.; Ladeur, 1999: 672 ss.; Hartel, 1999: 750 s.; Engels e Giebel, 2000: 269 s., 277 s.; Castendyk, 2005: 859 ss.; Leitgeb, 2006: 841-‐843; Danwitz, 2005: 418 ss.; Hochstein, 1991: 699; Sack, 1991: 707 ss.; Köhler, 1998: 350 ss.; Bork, 1988: 269 ss.; Ullmann, 1996: 955.

17 Sobre tais aspectos, vide Siegert / Matthes / Wirth, 2007 e, com sistematização dos dados de vários países: Siegert / Thomas / Mellmann, 2009.

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subliminares ou “encobertas” no bojo da programação. Para tanto, inspiraram-se no que já ocorria no cinema há muito tempo18. Outra causa foi o exponencial e irrefreável avanço da tecnologia da radiodifusão, responsável por um leque muito maior de opções ao telespectador: lembre-‐se, para ilustrar, quando do início desse processo, do impacto para o uso da TV aberta pelo telespectador mediano causado pelo ad-vento do controle remoto, que veio para facilitar a troca de canal a cada intervalo comercial, para desespero dos anunciantes. As opções abertas ao telespectador não param de crescer em progressão geométrica, principalmente nestes tempos de con-vergência midiática e revolução digital. Houve uma progressiva exaustão do modelo tradicional de exploração publicitária na TV aberta, sendo que os profissionais da publicidade cada vez mais são instados a desenvolver sua reconhecida veia criativa. Este processo ainda está em pleno curso.

Percebe-‐se, claramente, que os administradores das empresas de radio-difusão têm e terão sempre pela frente o problema de buscar alternativas para o financiamento daquele que é o seu negócio. O que se afigurou no início como uma alternativa de maximização dos lucros pela exploração publicitária, torna-se paula-tinamente substrato de sobrevivência.

A principal fonte de receita das instituições privadas de radiodifusão continua sendo a publicidade. Mesmo os emergentes mercados como o do comér-cio internacomér-cional de formatos televisivos ainda estão longe de superá-la19. Todavia, o problema constitucional que aflora à primeira vista, é que o telespectador, como aludido, nem sempre é capaz de reconhecer a mensagem publicitária como tal. No caso extremo, há uma total confusão entre ficção e publicidade ou mesmo entre jornalismo e publicidade (inclusive de idéias).

Em ambos os campos do entretenimento e do jornalismo televisivos, o product placement encerra, para expressá-lo ainda eufemisticamente, um considerá-vel potencial ofensivo de direitos individuais e/ou coletivos e de uma ordem social midiática que cumpra a função jurídico-‐constitucional a ela atribuída.

2.2.1 Ausência e necessidade de regulamentação do product placement no Brasil Desse reconhecimento depreende-‐se o questionamento a seguir. No Brasil, o product placement, popular e erroneamente alcunhado de “merchandising”20,

18 Só para mencionar alguns clássicos e bem sucedidos casos de product placement no cinema internacio-nal, lembre-‐se da série de filmes sobre a personagem James Bond, além do Filme E.T., responsável pelo aumento entre 60 e 75% dos lucros da fábrica de chocolates americana Hershey´s, cujo produto introduzido no filme, o “Reese´s Pieces Candy”, era usado pelo menino Elliot para atrair a presença do extraterrestre. Com a intenção oposta de questionar o abuso da prática, vale a pena lembrar do excelente filme “The Truman Show”, de Peter Weir, com Jim Carrey no papel principal, o primeiro dramático de sua carreira. Mais recentemente, foi a vez do filme “The Terminal” com Tom Hanks no papel principal, com mais de 100 inserções, bater todos os records. Vide dados em Fonseca, 2009.

19 Além disso, cresce em progressão exponencial o preço dos direitos de transmissão, crescendo muito a pressão por inovações no campo da publicidade e, na Europa, pela relativização do princípio da separação. A respeito, vide Ladeur, 1999: 680 s.

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ven-ainda não foi expressamente proibido. Não obstante, começam a ser ouvidas vozes questionadoras da permissibilidade de uma prática com o mencionado claro e vultoso potencial ofensivo. Além da defesa dos interesses dos telespectadores enquanto con-sumidores, os quais deveriam ter conhecimento prévio sobre a natureza do programa que estão assistindo, há questões de ordem constitucional, que, presentes algumas condições que não têm como serem aqui aprofundadas, embasariam até mesmo um dever do legislador de cominar a conduta com alguma sanção. A ordem constitucio-nal da comunicação social reforça, no plano normativo, a defesa dos interesses dos telespectadores enquanto consumidores ao assegurar o conhecimento prévio sobre a natureza do que estão assistindo: a uma peça ficcional/jornalística ou publicitária. No último caso, a técnica empresarial do product placement geralmente retira do telespectador a distância crítica que teria caso a identificasse imediatamente.

Pode-‐se criticar, até mesmo com bastante fundamento, a escolha que a sociedade brasileira realizou na década de cinqüenta por um sistema privado de radiodifusão. Por certo, essa “escolha” da “sociedade” também se deveu à omissão do Estado brasileiro que não construiu um sistema público (﴾não estatal!)﴿ de radiodi-fusão, como ocorreu em boa parte dos países europeus (modelo BBC de TV pública). Porém, essa escolha é historicamente consolidada e o caminho de volta até existe, mas pressupõe decidido fomento, inclusive por parte das instituições privadas de radiodifusão e dos telespectadores - ou seja, não somente pelo Estado - de uma TV pública que independa totalmente da exploração da publicidade. Num sistema dual de radiodifusão (público/privado), a TV pública assumiria o papel de vanguarda na busca do cumprimento das metas constitucionais, podendo e devendo sofrer uma bem-‐vinda e saudável concorrência do sistema privado. O que não se pode ignorar é que, no sistema predominantemente privado, a empresa depende da exploração publicitária que seja eficaz para o cliente, o que é o caso do método de product placement, conforme já apontam muitas pesquisas.

Porém, isso não tem o condão de ofuscar o reconhecimento de que, mesmo quando não é enganosa, a publicidade pode exagerar -‐ e, em regra exagera -‐ deliberadamente nas virtudes e qualidades dos produtos e serviços oferecidos. Se o telespectador não estiver preparado, sentir-se-á motivado a consumir um produto ou serviço que não consumiria, caso não fosse ele influenciado por uma personagem fictícia com a qual simpatize e que, na ficção, consuma o produto ou serviço, sem que os autores e produtores se preocupem com os liames e justificativas drama-túrgicos21. Principalmente os telespectadores com menor grau de instrução são os mais atingidos. Aqui, os exemplos são os mais óbvios e o product placement nas telenovelas, uma vez reconhecido como tal, pode-se revelar intragável aos olhos do

das de produtos e serviços. Em sentido estrito, o uso da imagem de pessoa conhecida pelo grande público para o mesmo fomento. É o que ocorre nas interrupções de programas televisivos pelos próprios apresenta-dores. Neste caso, porém, a natureza da mensagem publicitária resta clara ao telespectador ou ouvinte. 21 A prática de product placement tem também o condão de iniciar um processo que comprometa tanto a independência das redações (﴾liberdade de comunicação social)﴿ quanto a liberdade artística dos autores de peças ficcionais ou documentários!

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telespectador crítico. Mas, em geral, o telespectador encontra-se numa situação de ludíbrio duplo: tanto a obra ficcional, documental ou jornalística, quanto a informação publicitária são erráticas em razão da combinação - não transparente ao telespec-tador, consumidor em potencial -‐ entre programação e publicidade. Enfraquece-‐se ou, melhor, sacrifica-‐se a peça ficcional, documental ou jornalística em prol de uma inserção publicitária, não reconhecível como tal pelo telespectador22.

2.2.2 Experiências comunitária e nacionais européias

Na Europa em geral, especialmente na Alemanha, as formas mais intensas do product placement são vedadas e a argumentação gira justamente em torno da criação de uma ordem social dos meios de comunicação social que seja compatível com seus fundamentos normativo-constitucionais. Em face destes, fala-se, em termos técnicos, no acima tematizado “conteúdo jurídico-objetivo” da liberdade de radiodi-fusão, que, no caso em tela, corresponde a preceitos co-‐genitores de uma televisão (﴾e também de um rádio) capaz de assumir um papel relevante, no contexto do processo político democrático, repercutindo, de maneira equilibrada, as principais correntes sócio-político-ideológicas encontradas na sociedade. Só assim, o processo legislativo tocado pelos seus representantes é capaz de encerrar legitimidade material.

O product placement, ao representar uma tomada decisiva de influência da indústria publicitária na programação, implica também, quando ilimitado ou não regulamentado, um retrocesso na busca da concretização de uma ordem da comunicação social, que pudesse ser considerada compatível com os princípios constitucionais para ela predeterminados, com implicações para a própria liberdade nas suas dimensões jurídico-objetiva e também jurídico-subjetiva.

Até mesmo o entretenimento, que também cumpre sua função social e política, podendo refletir ideais midiático-‐constitucionais -‐ tais como o fomento do pluralismo e diversidade na televisão -, acaba sendo comprometido pelas (cada vez mais)﴿ freqüentes e indisciplinadas inserções publicitárias na programação.

Não faltam exemplos de regulamentação relativamente bem sucedida na Europa, tanto no âmbito da União Européia (﴾UE)﴿, quanto no plano nacional. Na Alemanha, o § 7º, III do Estatuto Interestadual da Radiodifusão firmou o princípio da separação de publicidade e programação e o § 7º, VI, proíbe a “Schleichwerbung”, a publicidade insidiosa e/ou não perceptível pelo telespectador.

Em Portugal, onde o product placement é também uma realidade da te-levisão aberta há pelo menos uma década, houve um grande debate suscitado pela aprovação da Diretiva Européia alcunhada “Televisão Sem Fronteiras”, em novembro de 2007. A intenção liberalizante da diretriz européia parece, paradoxalmente, ter suscitado o espírito crítico dos lusitanos em relação à prática. Todavia, segundo uma página publicada no site da RTP, “os representantes da indústria dos media em Portugal defenderam hoje, numa reunião do conselho consultivo da Entidade

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ladora da Comunicação Social, que os problemas relativos à chamada publicidade encoberta (﴾‘product placement’) sejam resolvidos por via da auto-regulação.”23. Por sua vez, juristas especialistas e demais estudiosos dos chamados “Direito e Economia dos Media” propugnam por um sistema de co-regulação ou, na expressão anglo-saxã, de “regulated self-regulation”24, por não excluir a possibilidade de intervenção estatal caso a auto-regulação fracasse em relação aos propósitos constitucionalmente predeterminados.

Certo é que a UE criou várias exceções à regra da proibição de product placement, mas a manteve na “Diretiva Sobre Serviços Audiovisuais de Comunicação Social (﴾Media)﴿”, em seu art. 3g, segundo o qual: “Product placement shall be prohibi-ted” (“É vedado o product placement”)25. Na Alemanha, várias publicações acadêmicas dos últimos meses e até essays publicados na grande imprensa ocupam-se com a questão sobre como tal diretiva, promulgada em 11 de dezembro de 2007 (﴾Directive 2007/65/EC ‘Audiovisual Media Services’ Directive), deva ser concretizada na legislação nacional até 19 de dezembro de 200926.

2.2.3 Necessário debate com vistas à regulamentação

Um amplo debate em torno da regulamentação específica do product placement é urgente também no Brasil, pois não se pode esperar da casuística implícita nas ações de órgãos do MPF ou da sociedade civil organizada a solução para esta relevante questão da ordem social da comunicação social, inobstante, evidentemente, o relevante papel de tais atores. Acontece, porém, que estes buscam a tutela jurisdicional com fundamentos mais ou menos difusos, suscitando uma ju-risprudência de natureza semelhante. Homens e mulheres de boa vontade passam pela cena sócio-‐política de maneira muito mais célere do que se deseja. De outra feita, um sistema da comunicação social pautado num modelo consistente tem maior fôlego, além de contribuir decisivamente para a estabilização de expectativas sociais em longo prazo.

O debate deverá levar em consideração, de um lado, os direitos fundamen-tais envolvidos das empresas e, de outro, dos telespectadores, na sua diversidade. Deverá ser instruído com estudos minuciosos sobre os potenciais ofensivos das diversas formas de product placement e da intensidade da intervenção na liberdade de radiodifusão das empresas televisivas.

Tais estudos deveriam classificar os variados fenômenos de product

pla-23 Vide ww1.rtp.pt/noticias/index.php?article=313844&visual=26&rss=0, último acesso em 15/12/08. 24 O modelo de co-regulação ou auto-regulação regulada foi proposto em outras oportunidades pelo autor, como por exemplo, Martins, 2003: 61-67. Trata-se do modelo mais condizente com uma correta aplicação do critério da proporcionalidade de intervenções estatais na liberdade de comunicação social. Vide também Ladeur, 2003: 385 ss.

25 Cfr. os comentários preciso, com amplas referências à jurisprudência da Tribunal de Justiça das Comuni-dades Européias, de Castendyk, 2008: 907 ss., 913-‐918.

26 Entre muitos outros, vide a visão bastante crítica em relação à diretriz, apontando erros conceituais sis-temáticos de Platho, 2008: 585-‐587.

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cement na televisão aberta de acordo com sua nocividade em face dos direitos e bens jurídicos constitucionais envolvidos. Deve-‐se partir de prognósticos quanto ao resultado do uso de meios interventivos estatais que levem em consideração, a um só tempo, de um lado, o critério da proporcionalidade, ou seja, a busca dos objetivos específicos a serem perseguidos pela legislação (﴾alguns dos quais expressamente predeterminados nos art. 220 ss. CF) e, de outro, as liberdades de radiodifusão atin-gidas que devem ser poupadas ao máximo.

Como uma ordem constitucional da comunicação social leva em conside-ração, de forma eqüidistante, a complexidade do sistema econômico da comunicação social e todos os demais direitos fundamentais dos telespectadores e outros bens jurídico-constitucionais envolvidos, o debate há de ser intermediado pelas compe-tentes autoridades científicas.

III De CONSTITUTIONE FERENDA: CONSEQÜENTE EXTINÇÃO DO CONTROLE CONCRETO DIFUSO

Os problemas discutidos demonstram que o sistema de controle de con-stitucionalidade adotado originalmente pelo constituinte de 1988 e tornado mais complexo depois da EC 45/2004 não é apropriado para a concretização do direito constitucional material em áreas tão complexas juridicamente e tão passíveis de disputas político-ideológicas como a presente.

A clara e justa motivação do constituinte de 2004 foi assegurar a funcio-nalidade do STF tão sobrecarregado com questões jurídicas não constitucionais. A resposta a este problema foi, porém, equivocada.

Não se assegura, com efeito, a garantia da funcionalidade do STF e a tão necessária certeza e segurança jurídica como uma aparente concentração do controle a partir de institutos como a súmula vinculante e a repercussão geral como ônus argumentativo da parte recorrente no recurso extraordinário (respectivamente: art. 103-‐A e art. 102, § 3º CF)﴿.

Sem querer discutir exaustivamente, mas só colocar o problema para futura discussão, a súmula vinculante, além das óbvias questões relativas a uma transfor-mação do princípio da separação de funções estatais27, não resolve o problema da sobrecarga, pois as súmulas vinculantes, enquanto textos normativos, são passíveis de interpretação e, em breve, serão objeto de disputas hermenêuticas.

27 Amplamente debatidos na doutrina pátria. Nada obstante, defense com igual fervor a suposta de-mocratização da jurisdição constitucional que teria acontecido já a partir de 1999 com a promulgação da Lei 9.868/99. Enxerga-‐se na “desmonopolização da iniciativa para a deflagração do controle abstrato da constitucionalidade” (﴾Binenbojm, 2008: 175 – destaque no original)﴿ um movimento de democratização. O que se quer dizer é que pelo fato de órgãos não estatais, tais como as entidades de classe e confederações sindicais de âmbito nacional (art. 103 IX da CF), serem parte legítima para a propositura tanto da ADI, ADC, AIO e ADPF, haveria uma democratização. Essa tese, porém, leva às últimas conseqüências a confusão dos papeis constitucionais do judiciário e legislativo. Não corresponde ao princípio do Estado democrático de direito ampliar o rol dos possíveis questionadores da compatibilidade de lei aprovada pelo parlamento.

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Por sua vez, o ônus criado à parte recorrente no RE de demonstrar a re-percussão geral das questões constitucionais discutidas no caso ignora o princípio jura novit curia, o Judiciário tem o dever de reconhecer possíveis violações constitu-cionais ex officio e o fato de, independentemente da definição de repercussão geral, não existir questão “constitucional” que não tenha tal relevância. O problema é de ausência de uma dogmática jurídica que defina uma questão constitucional como tal, separando-‐a do direito infraconstitucional, o que os alemães tematizam sob o conceito de “direito constitucional específico”28. Para tanto, o papel da própria juris-prudência do STF é relevante, definindo as questões que seriam constitucionais.

Assim, resta como única alternativa indicada de ordem político-cons-titucional ao quadro existente ser consistente e conseqüente na concentração do controle, acabando com o controle concreto difuso que é caracterizado pelo que os alemães chamam de Normverwerfungskompetenz, isto é, a competência que, no sistema brasileiro, todo juiz tem de denegar aplicabilidade à norma que entenda inconstitucional com eficácia inter pars. Deve haver um monopólio dessa compe-tência por parte de uma corte que tem a missão de “defender a Constituição”. O art. 102 CF deveria ser alterado de tal forma a acabar com todos os procedimentos do inciso I que não sejam pertinentes ao controle abstrato (﴾acabar com toda forma do chamado “foro privilegiado”, resguardado talvez somente o do Presidente da República, dos presidentes das duas casas legislativas e do próprio STF) ou às lides federativas da alínea “f”, acabar com o atual inciso II ou transformá-‐lo no equivalente ao art. 100, I GG (controle concreto) e transformar o inciso III numa ação originária de todo titular de direito fundamental que argua substancialmente uma violação de direito fundamental a exemplo da reclamação ou queixa constitucional alemã do art. 93 GG.

Uma reclamação constitucional no sentido do art. 102 I, alínea “l” restaria também totalmente despicienda, uma vez que o STF se tornaria juiz natural para toda violação constitucional.

Esta que representaria uma verdadeira reforma do Poder Judiciário e do processo constitucional teria o condão de satisfazer tanto aos interesses atinentes à certeza e segurança jurídica quanto à proteção da ordem constitucional vigente. Só então o processo constitucional seria “objetivo” e, portanto, condizente com seu papel instrumental em face do que realmente interessa: concretização das normas constitucionais substantivas.

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