maquiavel
O PrínciPe
Traduzido do italiano (séc. XVI) porA
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AruCCio-C
AporAleL&PM POCKET PREMIUM
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N
icolauM
aquiavel(1469-1527)
N
icolau Maquiavel nasceu em Florença, na Itália, em 3 de maio de 1469. Oriundo de uma família toscana, foi o terceiro filho de Bernardo e Bartolomea di Nelli, que, por não disporem de boas condições financeiras, não puderam oferecer aos filhos uma educação de qualidade. Maquiavel, no entanto, iniciou cedo seus estudos de ábaco, de grego e de latim. Sua juventude foi marcada pela grandiosidade política da república florentina – forma de governo apreciada e defendida fortemente por ele ao longo de toda a vida.Historiador, poeta, diplomata e filósofo, aos 29 anos tornou-se secretário da segunda chancelaria de Florença. A experiência adquirida a partir dessa atividade serviu como alicerce para grande parte de sua obra – identificada principalmente por escritos de ordem política. Por ter sido considerado um opositor do governo Médicis, em 1513 foi preso e torturado. Libertado após a ascensão do papa florentino Leão X, refugiou-se em uma propriedade nas redondezas de Florença. Durante a reclusão, escreveu suas prin-cipais obras, O Príncipe – publicado postumamente em 1532 – e Discursos sobre a primeira década de Tito
Lívio, e entre 1519 e 1520, A arte da guerra. Publicou
Com a queda do governo Médicis, a república instalou-se novamente em Florença, e Maquiavel viu--se impossibilitado de voltar a servir à cidade, uma vez que os novos governantes o viam com desconfiança. Lourenço II, papa eleito após a morte de Clemente II, todavia, contratou Maquiavel como historiador para que escrevesse uma história sobre Florença, livro para o qual dedicou os seus últimos sete anos de vida. Vinculada diretamente com seu tempo, sua obra propunha uma ética política diferente da que então vigorava: para Maquiavel, ela deveria ter como finalidade a manutenção do Estado.
Por complicações intestinais, adoeceu e morreu em 21 de junho 1527.
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O Príncipe – De Nicolau Maquiavel para o Magnífico Lourenço de Médicis . . . .9 I. Quantos são os tipos de principado e como
con-quistá-los . . . .11 II. Dos principados hereditários . . . .12 III. Dos principados mistos . . . .14 IV. Por que o Reino de Dario, ocupado por Alexandre,
não se rebelou contra os seus sucessores após a morte deste . . . .26 V. De que modo deve-se governar as cidades ou os
principados que, anteriormente à sua ocupação, viviam no respeito às próprias leis . . . .31 VI. Dos novos principados conquistados mercê das
próprias armas ou da virtude . . . .34 VII. Dos novos principados conquistados pelas armas
de outrem e pela fortuna . . . .40 VIII. Dos que se fizeram príncipes mercê das suas
atrocidades . . . .51 IX. Do principado civil . . . .58 X. De que modo devemos medir as forças de todos os
principados . . . .63 XI. Dos principados eclesiásticos . . . .67 XII. Dos vários tipos de exército e dos soldados
mer-cenários . . . .71
XIII. Das milícias auxiliares, mistas e do próprio país . . . 79 XIV. Das atribuições do príncipe em matéria militar . .85 XV. Das coisas pelas quais os homens e sobretudo os
príncipes são louvados ou injuriados . . . .89 XVI. Da liberalidade e da parcimônia . . . .92 XVII. Da crueldade e da piedade, e se é melhor ser
amado que temido ou o contrário . . . .96 XVIII. Como devem os príncipes honrar a sua pala vra . . 101 XIX. Subtraindo-se ao desprezo e ao ódio . . . .106 XX. Se as fortalezas e tantas outras coisas produzidas
pela ação quotidiana dos príncipes são úteis ou não . . . .121 XXI. Como deve portar-se um príncipe para fazer-se
benquisto . . . .128 XXII. Dos ministros dos príncipes . . . .134 XXIII. Como escapar aos aduladores . . . .137 XXIV. Por que os príncipes da Itália perderam os seus
Estados . . . .140 XXV. O quanto influi a fortuna nas coisas humanas e
como reagir a elas . . . .143 XXVI. Exortação à tomada da Itália e à sua libertação
dos bárbaros . . . .148
Notas. . . 155 Cronologia . . . 181
9
O PrínciPe
1,2*
De Nicolau Maquiavel
para o Magnífico
Lourenço de Médicis
3D
e praxe, aqueles que desejam obter os favores de um Príncipe apresentam-se a ele com os pertences que lhe são mais caros e à vista dos quais veem que ele mais se encanta. Por isso, frequen temente, ve mo-los presenteá-lo com cavalos, armas, tecidos tramados em ouro, pedras preciosas e alfaias desse tipo, dignos da Sua grandeza. Assim, desejoso de apresentar-me a Vossa Magni ficência com alguma prova de minha submissão, nada encontrei, em meu cabedal, que prezasse e estimasse tanto quanto o entendimento das ações dos grandes personagens, o qual adquiri na detida observação4 dos episódios modernos e naleitura incessante dos antigos episódios sobre os quais lon gamente e com grande atenção meditei, para ora condensá-los num pequeno volume que a Vossa Magnificência remeto.
Mesmo considerando esta obra demasiado humilde para ser-lhe apresentada, tamen5 Sua
huma ni dade é para mim uma garantia de que Ela a receberá com simpatia, haja vista que maior dom não poderia eu fazer que o de oferecer-lhe um meio de poder rapidamente perceber o que compreendi no curso de muitíssimos anos, com grande custo e
risco pessoais. E este livro, eu não o enfeitei nem o sobrecarreguei com longos períodos, com palavras sonantes e empoladas, nem com algum outro arrebi-que ou ornamento amaneirado com os quais muitos adornam suas obras: por meu intento, ou nenhum mérito distinguirá meu livro, ou apenas a novidade da matéria e a sua gravidade o farão lograr boa aco-lhida. Tampouco desejaria que a um homem de reles e modesta condição fosse imputada a presunção de ousar discorrer a conduta política dos príncipes e de preceituar-lhe as regras: ora, assim como aqueles que, desenhando paisagens, se postam na rasa planície para contemplar a feição dos montes e dos píncaros, e se empoleiram sobre esses a fim de melhor consi-derar as planuras, assim, para conhecer a natureza dos povos, é preciso ser Príncipe, e para conhecer a dos príncipes, ser do povo.
Destarte, receba, Vossa Magnificência, este sin -ge lo dom com o mesmo espírito que me anima a en viá-lo. Lendo-o e considerando-o atentamente, nele notará meu grande anseio de que Ela eleve-se à majesta de que a fortuna e que os seus outros atributos lhe prometem. Se Vossa Magnifi cência, do alto de sua magnanimidade, vez por outra voltar os olhos para cá embaixo, saberá o quanto me degrada suportar o meu fado (fortuna), infinda e perenemente funesto6.
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I
Quantos são os tipos de principado
e como conquistá-los
Quot sint genera principatuum
et quibus modis acquirantur
T
odos os Estados e todos os governos que exerceram ou exercem certo poder sobre a vida dos homens foram e são repúblicas ou principados. Um princi-pado, ou é hereditário, quando é longeva a soberana linhagem de seu Senhor, ou é nascente. E este, ou é inteiramente nascente, como foi Milão para Fran-cesco Sforza7, ou consiste num apêndice do Estadohereditário do Príncipe que o assenhoreou, como o Reino de Nápoles para o Rei de Espanha8. Domínios
assim conquistados, ou costumam viver sob o jugo de um Príncipe, ou conservam-se afeitos à liberdade; e sua posse se dá, ou com o concurso de armas alheias, ou com recurso às suas próprias; ou graças à fortuna, ou graças ao mérito (virtù)9.