UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS COMUNICAÇÃO SOCIAL: REALAÇÕES PÚBLICAS
PORTUGUÊS PARA COMUNICAÇÃO II
Stéfani Käfer
BOB MARLEY:
Mais que um ídolo, o “Pastor” de uma religião.
São Leopoldo 2007
Bob
Mar
ley: Mais que um ídolo, o
“Pastor” de uma religião.
Não há como negar que Bob Marley é uma figura presente e influente na vida de muitas pessoas e, principalmente, na sociedade. O que muitas pessoas não admitem ou desconhecem é sua importância como um ícone da cultura jamaicana. Um verdadeiro rei para esse povo, que sempre lutou pela liberdade, tanto moral quanto social. Além disso, o que muitos criticam é uma provável apologia, por parte de Bob Marley, às
drogas, já que a vida inteira fumou maconha (ou ganja, como é chamada pelos Rastafáris) e nunca fez questão de esconder isto, pelo contrário, sempre afirmou que a ganja proporcionava uma forma de transe e, assim, a proximidade com Jah1 e suas palavras. Outra questão que sempre esteve ligada, direta ou indiretamente, a Bob é o uso de sua influência para fins lucrativos. Portanto o que muitos discutem é se Bob Marley seria um ícone cultural ou apenas mais uma ferramenta a ser manipulada pelo mundo capitalista.
A religião rastafári sempre foi algo muito forte na Jamaica, entre os negros, principalmente. No século XX, Marcus Garvey levantou a hipótese de que um rei (Hailé Selassié) libertaria o povo africano. O nome verdadeiro do imperador etíope Hailé era Ras Tafari e seus seguidores passaram a ser chamados de rastas. Bob Marley era tido como o “Pastor” desta rebelião cultural e religiosa que defendia fervorosamente a liberdade de um povo escravo da Babilônia (a moderna civilização oriental).
Mesmo com os seguidores rastafáris tentando fugir desta maldição que seria o mundo capitalista, interessado apenas em dinheiro, muitas pessoas sempre se aproveitaram de determinadas situações favoráveis a elas. E o sucesso de Bob Marley é, indiscutivelmente, uma forma segura de ganhar dinheiro. Gravadoras, emissoras de televisão, lojas de CDS e até mesmo os camelôs lucram com esse sucesso.
Contudo, a influência de Bob Marley para a prosperidade da cultura Rastafari e, principalmente, jamaicana é incontestável. Ele recebeu inúmeros prêmios, entre eles: “A Medalha da Paz do Terceiro Mundo” das Nações Unidas, em junho de 1978; uma estrela na calçada da fama de Hollywood, em fevereiro de 2001; e um Grammy, também em fevereiro de 2001. Estes prêmios fazem com que um negro, um simples jamaicano que nasceu muito pobre, seja reconhecido como um verdadeiro ícone mundial. Em reconhecimento à sua contribuição para a cultura local, Bob recebeu em abril de 1981 a “Ordem do Mérito da Jamaica”, grande honra nacional.
Conseqüentemente, prêmios como estes fazem com que o nome de Bob Marley cresça cada vez mais. A partir do momento que ele se torna um “pop star” (ou “reggae star”) e entra para o turbulento e milionário mundo do “show bussiness”, passa a ser visto como uma forte influência (no sentido manipulador da palavra), que pode retornar em muitos lucros. Atualmente os boatos de que a família de Bob poderia estar processando a gravadora Universal Music2, proprietária da Island Records2, só ressalvam a grande influência que Marley ainda tem. Rita Marley acusa
a gravadora de utilizar indevidamente a imagem e a música de Bob. A Universal estaria disponibilizando toques para celular com a música de Marley, algo que a família não teria autorizado. Contudo a gravadora afirma que a acusação não procede e que não está respondendo a nenhum processo no momento.
Mas Bob Marley nunca se preocupou em obter sucesso ou dinheiro. É possível notarmos isto nas letras de suas músicas e em certas palavras que o ídolo usava como “A justiça cobrirá a Terra como a água cobre o mar. Eu não quero o sucesso, o sucesso não me diz nada. Muitas pessoas têm sucesso, mas vivem como mortos.” ou ainda “A minha música não é contra os brancos. Eu nunca poderia cantar isso. A minha música é contra o sistema, que ensina você a viver e morrer.”. Além das palavras do próprio Bob, notamos seu desapego a partir das palavras de outras pessoas, como Rita, quando diz que “Não se trata de dinheiro, porque Bob só começou a faturar depois de falecer. O dinheiro que havia ganhado até então foi investido em seu próprio trabalho.”.
Entretanto, por incrível que pareça, seu trabalho passou a ser muito mais divulgado depois de sua morte. Com um talento incontestável, influência e letras
que, de certa forma, mudaram a forma de pensar de muitas pessoas, Bob Marley se tornou uma verdadeira mina de ouro. E as gravadoras souberam como explorar isso. “Pouco ou quase nada do material gravado em demos para a JAD3
foi lançado enquanto Bob estava vivo. Depois de sua morte, o mercado foi inundado por ele.”, detecta Rita Marley.
Portanto, esse desejo de lucro nunca partiu do próprio Bob. O dinheiro sempre foi uma conseqüência boa para os empresários, no entanto insignificante para o ídolo do reggae. “Em vida, o cantor de reggae Bob Marley nutria um profundo desprezo pelo que ele chamava de „Babilônia‟[...] Em vez de enfrentar as atribulações da sociedade moderna, Marley preferia passar o dia fumando um bom charuto de maconha [...] Em sua vida profissional Marley também não era nada ortodoxo. Negociava com sua banda na base da amizade [...] Quando estava morrendo de câncer em 1981, aos trinta e seis anos de idade, ele se recusou a fazer um testamento [...] gerando uma monumental confusão jurídica montada sobre a herança de Bob Marley, avaliada em 30 milhões de dólares [...] como a querer mostrar que, por mais que o cantor a combatesse, a Babilônia sempre triunfa no final. [...]” (Fonte: Veja, 17/4/91, Jerry Adler e Horward Manly).
Todavia, muitas pessoas acabaram se dando bem com o esforço alheio. Assim como acontece em muitos casos, com Bob Marley não foi diferente. Vendem-se desde CDs, DVDs e camiVendem-setas até chaveirinhos e adesivos, entre outros supérfluos. É só colocar o nome de Bob no rótulo para se ter a garantia de venda. Até Rita Marley lucrou com o fenômeno que foi seu marido, com seu livro “No Woman No Cry: Minha vida com Bob Marley”, onde conta a trajetória do ídolo aos olhos de alguém que o acompanhou bem de perto, desde o início simples ao final glorioso.
Mesmo com esse desapego de Marley em relação ao dinheiro, ele sempre foi muito preocupado com a família. Assim, pouco antes de falecer perguntou a sua advogada Diane Jobson como ficaria a situação “se eu realmente morrer, como dizem os médicos”. Quando a advogada lhe respondeu “Nada”, Bob retrucou dizendo “Não, cara, quero um pouco de lei”, assim como relata Rita em seu livro. Ele
3 Comandada por Jonny Nash e Danny Sims, a JAD RECORDS foi a primeira gravadora a lançar Bob Marley. Sua relação com a gravadora começou em 1976, quando o cantor foi apresentado a Nash
queria ter a certeza de que aquilo que tinha conquistado fosse deixado a seus filhos e sua mulher, como lhes eram de direito.
Mas Bob Marley nem sempre foi um exemplo de homem. Pelo menos não no campo sentimental, ou até mesmo familiar. Nunca escondeu seu imenso amor por sua esposa Rita, por quem tinha grande admiração e a quem creditava boa parte de seu sucesso. Contudo, ele também nunca fez questão de esconder seus romances extraconjugais (que não eram poucos), dos quais resultaram diversos filhos. Filhos estes que a própria Rita ajudou a criar, e mesmo tendo sido gerados fora de seu casamento, Bob nunca deixou de assumi-los.
Mas isso nunca interferiu em seu trabalho e suas crenças. Até mesmo Rita soube superar estas crises e nunca se separou de Bob. E, sendo ou não um marido exemplar, pelo menos seu papel social, ele conseguiu cumprir de forma brilhante.
Na verdade, a grande preocupação e o principal objetivo na vida de Robert Nesta Marley sempre foram libertar seu povo, fazendo com que o mundo todo o respeitasse. Nunca cansou de incentivá-los a buscarem uma melhor qualidade de vida. E, hoje, quando se escuta a sua música, esta mensagem está subentendida, fazendo com que o povo lembre-se a todo o momento das palavras e dos ensinamentos de seu Pastor.
Completamente desligado do mundo capitalista, ele, também, nunca se preocupou com o que a sociedade poderia dizer de suas atitudes, suas letras, seus
dreadloks (tranças horrendas) e de seu hábito de fumar maconha, pois aquilo que
ele estava fazendo era o que Jah o pedia para fazer. E se Ele tinha lhe pedido algo, Bob iria até o fim para atender aos pedidos de Jah, assim como fez durante toda sua vida. “Se Deus não tivesse me dado uma canção para cantar, eu não teria uma canção para cantar. Por isso não é minha música. A minha alma diz essas palavras”, como o próprio Bob Marley fazia questão de dizer.
Referências:
CARDOSO, Marco Antônio (Org.). Bob Marley: Por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret. 2004. 176 p.
MARLEY, Rita. No Woman no Cry: Minha vida com Bob Marley. Tradução por Daniel Pelizzari. São Paulo: Planeta, 2004. 238 p.
