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Oclusão Intestinal Neonatal

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Academic year: 2021

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Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVII, nº 67, pág. 45-49, Jul.-Set., 2005

Introdução

Oclusão intestinal é toda a situação clínica que impede a habitual progressão do conteúdo do tracto gastrointestinal e que quando presente no período neonatal é, com algumas excepções, a expressão clínica mais frequente da presença de patologia malformativa do tubo digestivo. A suspeita desta patologia é baseada nos achados clínicos presentes, constituindo uma das principais emergências cirúrgicas em pediatria.

O seu diagnóstico é frequentemente suspeitado em estudos ecográficos pré-natais e no recurso cada vez mais frequente à Ressonância Magnética fetal, os quais adquirem um papel valioso na abordagem pós-natal imediata.

Apesar das técnicas de imagem desenvolvidas nas últimas décadas, o radiograma simples do abdómen (RxSA) permanece o meio diagnóstico mais valioso na determinação da presença de obstrução. A aplicação da ecografia na oclusão intestinal neonatal tem sido alvo de numerosos estudos, desempenhando um papel contributivo e frequentemente diagnóstico. Os estudos contrastados do tracto gastrointestinal têm um papel importante no diagnóstico da oclusão intestinal, sendo as indicações para a sua aplicação precisos e adequados às diferentes situações clínicas. A Tomografia Computorizada e a Ressonância Magnética não contribuem habitualmente para o diagnóstico etiológico, pelo que desempenham, neste contexto, um papel secundário.

Os autores têm por objectivo descrever as situações clínicas de oclusão intestinal mais prevalentes no período neonatal, fazendo-se em relação a estas, informação sobre a sintomatologia e principais achados imagiológicos.

Considerações Gerais

O padrão gasoso intestinal no recém-nascido (RN) difere daquele encontrado na criança mais velha por conter pouca quantidade de líquido relativamente ao ar. Esta característica condiciona a presença de interfaces bem delimitadas, com pouca definição das ansas intestinais, não permitindo a distinção entre intestino delgado e cólon [1]. A distribuição do padrão gasoso intestinal no RN saudável é variável de criança para criança alterando-se frequentemente em função da alimentação e do choro. Após o nascimento é habitualmente possível identificar ar no

estômago, atingindo o intestino delgado em cerca de 3 horas e o recto ao fim de 12 horas [2] .

O diagnóstico de obstrução intestinal é baseado na interrupção da normal progressão de gás ao longo do tracto gastrointestinal e em padrões anómalos da sua distribuição. A sua avaliação etiológica é iniciada de forma sistemática após a avaliação clínica, baseada na presença de vómitos biliares, distensão abdominal de agravamento progressivo, no atraso ou ausência na eliminação de mecónio ou na paragem de emissão de gases e fezes. O RxSA demonstra habitualmente retenção gasosa a montante e pequena ou nenhuma quantidade de ar a jusante. Está habitualmente presente procidência dos flancos do abdómen e elevação diafragmática, condicionadas pela presença de ansas intestinais distendidas [1].

Incidências complementares, nomeadamente em decúbito ventral com raio horizontal e decúbito lateral esquerdo, permanecem importantes na avaliação da presença de níveis hidroaéreos, pesquisa de pneumoperitoneu e avaliação do preenchimento gasoso do recto.

A ecografia permite caracterizar a peristálise das ansas intestinais distendidas, avaliar a presença de edema e vascularização da sua parede, possibilitando ainda caracterizar a relação anatómica dos vasos mesentéricos [4].

Nas oclusões altas, o estudo contrastado do tracto gastrointestinal contribui frequentemente para o diagnóstico etiológico, permitindo informação relativamente à localização da obstrução, estando contra-indicado quando esta é completa. Quando necessário, este estudo deve ser centrado ao arco duodenal e primeiras ansas jejunais [4]. Nas oclusões distais o clister opaco permite o estudo morfológico do quadro cólico, podendo ainda ter acção terapêutica nos casos de suspeita de rolhão meconial.

A sistematização da diferente patologia causal da obstrução intestinal neonatal é variada, tendo-se optado por agrupá-las, de acordo com a literatura, em origem alta ou baixa, simplificando a compreensão dos achados clínicos e a abordagem radiológica:

Obstrução intestinal alta

Obstrução duodenal Atrésia duodenal

Oclusão Intestinal Neonatal

Marta Simões, Renata Jogo, Jorge Furtado

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Pâncreas anular Má rotação intestinal Atrésia jejunal

Obstrução intestinal baixa

Atrésia ileal Íleus meconial Obstrução cólica

Dismotilidade/ imaturidade funcional Síndrome de rolhão meconial Síndrome do cólon esquerdo curto Doença de Hirschprung

Atrésia do cólon

Obstrução Intestinal Alta

Envolve um segmento proximal ao jejuno médio. A sua etiologia é variada orientando-se o presente trabalho para as situações com maior frequência na prática clínica, nomeadamente a atrésia duodenal e jejunal e a má rotação intestinal. O RxSA é habitualmente suficientemente esclarecedor, sendo o estudo contrastado do tracto gastrointestinal alto solicitado em situações equívocas e nos casos de obstrução incompleta.

Obstrução Duodenal

Causas específicas desta situação incluem a atrésia duodenal (frequentemente associada à presença de pâncreas anular ou a diafragma duodenal) e a má rotação intestinal (sob a forma de volvo ou bandas de Ladd).

Atrésia Duodenal

É a causa mais frequente de obstrução duodenal completa, manifestando-se clinicamente pela presença de vómitos habitualmente biliares após a primeira ingestão de leite. O achado radiográfico clássico consiste no sinal da “dupla bolha” constituído por imagem gasosa de maiores dimensões à esquerda correspondendo à dilatação gástrica e uma menor correspondendo ao duodeno proximal (Fig. 1). O estudo contrastado do estômago e duodeno é habitualmente desnecessário, não fornecendo informação adicional ao RxSA [1]. Na ecografia pode ser observada dilatação duodenal terminando em fundo de saco e aumento da peristálise gástrica.

A falência da normal rotação do tecido pancreático à volta do duodeno dá origem à situação denominada pâncreas anular, consistindo na presença de banda pancreática anómala que envolve a 2ª porção do duodeno. A obstrução pode ser completa, manifestando-se no período neonatal, ou incompleta permanecendo assintomático ou ser causa de sintomas durante a vida adulta.

Má Rotação Intestinal

A interrupção do normal desenvolvimento embrionário do intestino médio é responsável pela presença de um número variado de anomalias da rotação intestinal. Esta insuficiente rotação pode levar à fixação encurtada da raiz do mesentério, que contém a artéria mesentérica superior (AMS), permitindo uma rotação das ansas intestinais no sentido horário, condicionando um volvo. Na sua

ocorrência existe obstrução da 3ª porção do duodeno e interrupção do fluxo da AMS, resultando em isquémia intestinal por vezes fatal.

A má rotação intestinal pode ainda resultar na obstrução duodenal secundária à presença anómala de bandas peritoneais fibróticas (bandas de Ladd) que se formam entre o cego e a parede lateral direita do abdómen. As anomalias da rotação intestinal manifestam-se tipicamente durante o período neonatal com vómitos biliares, dor e distensão abdominal. O RxSA pode ser normal se a obstrução for recente ou incompleta ou pode demonstrar relativa pobreza de gás nas ansas intestinais [1] (Fig. 2). No trânsito intestinal pode ser evidente ângulo duodeno-jejunal à direita da coluna e um padrão típico em “bico de lápis” (Fig. 3) ou em “saca-rolhas” se a obstrução for respectivamente completa ou incompleta [1]. O clister opaco pode igualmente contribuir para o diagnóstico de casos equívocos se demonstrar um cego em posição anómala. Fig. 1 - Atrésia Duodenal. RxSA evidenciando o padrão típico em dupla-bolha r e p r e s e n t a n d o dilatação gástrica e duodenal proximal. Fig. 2 - Má rotação intestinal com volvo. RxSA em RN com instalação súbita de vómitos biliares demonstrando disten-são gástrica e duode-nal, com relativa pobreza de ar distal-mente.

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Achados ecográficos sugestivos de volvo incluem: inversão da relação anatómica da AMS e veia mesentérica superior (VMS), dilatação duodenal com afilamento distal, ansa intestinal fixa na linha média e o sinal de Whirlpool que consiste na imagem ecográfica condicionada pelo enrolamento das ansas intestinais e da VMS em volta da AMS [5].

Atrésia Jejunal

Constituem cerca de 50% das atrésias que envolvem o intestino delgado e em aproximadamente 20% dos casos o seu envolvimento é multisegmentar [1]. No estudo radiográfico do abdómen, são caracterizadas pela presença de dilatação de ansas intestinais, presença de níveis hidroaéreos e ausência de gás distalmente. O trânsito intestinal não está habitualmente indicado para o seu diagnóstico, sendo o clister opaco geralmente requisitado para exclusão de microcólon, que quando presente traduz a presença de outros segmentos estenóticos do intestino delgado, nomeadamente ileais.

Obstrução Intestinal Baixa

Ocorre quando o segmento obstrutivo envolve o íleon ou cólon. Inclui diversas patologias, sendo as mais frequentes as atrésias ileais e cólicas, o íleus meconial, as síndromes de dismotilidade / imaturidade funcional e a doença de Hirschsprung.

Atrésia Ileal

É uma causa importante de oclusão intestinal baixa, podendo surgir de forma multisegmentar [1].

Clinicamente apresenta-se no RN com distensão abdominal, vómitos biliares e falência na emissão de mecónio.

O RxSA demonstra numerosas ansas intestinais distendidas ocupando todo o abdómen e presença de múltiplos níveis hidroaéreos (Fig. 4).

O clister opaco é diagnóstico de oclusão intestinal ileal distal ao demonstrar a presença de um microcólon de desuso. Nestas situações, o contraste deve progredir, se possível, proximalmente à válvula íleo-cecal, de forma a obter preenchimento ileal e demonstrar o segmento atrésico [1].

Íleus Meconial

Constitui cerca de 20% dos casos de oclusão intestinal no período neonatal e encontra-se frequentemente associado à fibrose quística, sendo forma de apresentação em cerca de 15% dos casos [1] (Fig. 5).

É consequência de obstrução intra-luminal do cólon e íleon distal caracterizando-se no RxSA pela presença de múltiplas ansas distendidas, caracteristicamente com ausência relativa de níveis hidroaéreos e aparência granitada, conferida pela mistura de ar e mecónio [3]. Fig. 3 - Má rotação intestinal com volvo. Imagem de perfil direito de

estudo contrastado do tracto gastrointestinal alto onde é possível apreciar discreta distensão duodenal terminando em “bico de lápis”e ausência de passagem de contraste distalmente, traduzindo obstrução completa.

Fig. 4 - Atrésia ileal. RxSA demonstrando a presença de ansas distendidas e presença de níveis hidroaéreos.

Fig. 5 - Íleus meconial complicado. Presença de múltiplas calcificações intra-abdominais traduzindo perfuração intestinal in utero.

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O clister opaco é o método diagnóstico de eleição, permitindo a visualização de um microcólon de desuso e múltiplos pequenos defeitos de repleção em relação com fragmentos de mecónio (Fig. 6). Pode ser realizado com intuito terapêutico, levando a desimpactação do mecónio e alívio da obstrução [1].

Fig. 6 - Clister opaco de RN com íleus meconial. Observam--se múltiplos defeitos de repleção em relação com fragmentos de mecónio.

Obstrução do Cólon

Pode dever-se a estados de dismotilidade / imaturidade funcional e a patologias orgânicas, nomeadamente a doença de Hirschsprung e a atrésia do cólon.

Dismotilidade / imaturidade funcional Síndrome do Rolhão Meconial Síndrome do Cólon Esquerdo Curto

Trata-se de um conjunto de situações transitórias funcionais que se apresentam no período neonatal com oclusão intestinal distal, reconhecidas principalmente nos RN prematuros e em associação a algumas patologias (hipotiroidismo, hipoglicémia, diabetes materna, etc) (Fig. 7).

São causa relativamente frequente de oclusão intestinal transitória em que o clister opaco pode mais uma vez ser diagnóstico e terapêutico.

Estes doentes deverão ser reavaliados posteriormente de forma a excluir uma doença de Hirschsprung que possa estar subjacente à situação transitória descrita [3].

Doença de Hirschsprung

A doença de Hirschsprung é uma forma de oclusão intestinal baixa que resulta do não relaxamento de um segmento de intestino agangliónico (sem plexos de Auerbach e de Meissner) que leva a uma obstrução funcional à passagem do conteúdo intestinal.

É responsável por cerca de 15-20% dos casos de oclusão intestinal neonatal [3].

O segmento agangliónico varia em comprimento, estendendo-se proximalmente ao canal anal e segmento recto-sigmóide, que está envolvido em cerca de 80% dos casos [3] (Fig. 8).

Fig. 7 - Dismotilidade do cólon: RxSA onde é possível apreciar marcada distensão de ansas intestinais com presença de níveis hidroaéreos em todos os quadrantes do abdómen..

Fig. 8 - Clister opaco em criança com doença de Hirschsprung. Observa-se zona de transição recto-sigmoideia (Observa-seta).

Manifesta-se no período neonatal por oclusão distal com distensão abdominal e atraso ou ausência de emissão de mecónio.

Os achados são semelhantes aos encontrados noutras formas de oclusão baixa, sendo o clister opaco o método de eleição para o diagnóstico permitindo visualização de uma zona de transição entre o segmento agangliónico de menor calibre e a ansa proximal de calibre aumentado, achado presente em cerca de 65% dos RN atingidos [6]. A retenção de contraste às 24h é o sinal mais sensível, presente em mais de 80% dos RN embora seja pouco específico [6].

A maior causa de morte destes doentes consiste na enterocolite, com mortalidade de cerca de 30%, estando o clister está contra-indicado nesta situação [1].

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Atrésia do Cólon

O cólon é a localização menos frequente de atrésias gastrointestinais, constituindo 5-15% dos casos [7]. Os achados radiológicos no RxSA são os de oclusão distal, sendo o diagnóstico confirmado pelo clister que revela um microcólon que termina no segmento atrésico.

Conclusão

A suspeita de oclusão intestinal no RN é baseada nos achados clínicos presentes e na avaliação radiográfica que permite habitualmente demonstrar retenção gasosa a montante e pequena ou nenhuma quantidade de ar a jusante. Os estudos contrastados do tracto gastrointestinal alto e o clister opaco dão um contributo essencial na determinação da localização da obstrução, tendo as recentes aplicações da ecografia contribuído para um refinamento diagnóstico. A TC e RM não fornecem habitualmente informação adicional aos restantes métodos de imagem, desempenhando um papel secundário, na avaliação etiológica da oclusão intestinal.

Bibliografia

1. Hernandez-Schulman, M. Imaging of neonatal gastrointestinal

obstruction. Radiologic Clinics of North America. 1999; Vol 36:6: 1163.

2. Berrocal, T.; Torres, I.; Gutiérrez, J.; Prieto, C.; del Hoyo, M. L.: Lamas, M. Congenital Anomalies of the Upper Gastrointestinal Tract. RadioGraphics 1999; 19: 855.

3. Berrocal, T., Lamas, M.; Gutiérrez, J.; Torres, I.; Prieto, C.; del Hoyo M. L. Congenital Anomalies of the Small Intestine, Colon, and Rectum. RadioGraphics 1999; 19: 1219.

4. Le Dosseur, P.; Dacher, J.N. ; Avni. F. Imagerie posnatale d’une

occlusion digestive en 2001. Societé Francophone d’Imagerie Pediatric.

5. Chao, H.C.; Kong, M.S. ; Chen, J.Y.; Lin, S.J. ; Lin, J.N. Sonographic

features related to volvulus in neonatal intestinal malrotation. Journal

of Ultrasound Medicine. 2000; 19:371.

6. Rosenfield N.S.; et al: Hirschsprung disease: Accuracy of the barium

enema examination. Radiology 150:393, 1984.

7. Powell, R.W.; Raffensperger, J.G. Congenital colonic atresia. J Pediatr Surg 17:166, 1982.

Correspondência

Marta Simões

Rua Coelho da Rocha nº27, 4ºEsq 1250-087 Lisboa

Referências

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