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Adriano Duarte Rodrigues

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Academic year: 2021

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1 Modalidades de interação verbal

Interacções espontâneas, institucionalmente enquadradas e mediatizadas

Adriano Duarte Rodrigues

Nesta sessão, vamos dedicar uma primeira parte a tentar distinguir as diferentes modalidades de interacção verbal e começarei por propor fazê-lo partindo de uma delimitação esquemática, distinguindo as interacções espontâneas, as interacções institucionalmente enquadradas e as interacções mediatizadas. O critério desta distinção é o daquilo a que damos o nome de quadro enunciativo.

Uma palavra para explica o que entendemos quadro enunciativo para podermos entender quais são as componentes específicas de cada uma das modalidades que a distingue das outras.

O quadro enunciativo, de uma maneira genérica, é a designação que damos ao conjunto das componentes que delimitam as fronteiras do mundo dentro do qual os enunciados produzidos pelos falantes têm sentido e fora das quais não têm sentido, são absurdos. Ter sentido é a propriedade que tem um enunciado pelo facto de ser apropriado num determinado quadro enunciativo e ser apropriado é poder ser justificado pelo locutor e ser compreendido pelos seus interlocutores. A maneira de saber se um enunciado tem sentido e qual é o seu sentido é verificar se pode ser encadeado com outros, quais são os enunciados com que se pode encadear e quais são os enunciados com que não se pode encadear.

Para compreendermos a importância desta característica do discurso mediático, devemos ter em conta que é o quadro enunciativo que forma a componente simbólica que os interactantes têm que pressupor em comum para que aquilo que dizem tenha sentido e seja, por conseguinte, compreensível.

Para entendermos o papel do quadro enunciativo na constituição do sentido basta pensar que a ocorrência de uma materialidade verbal tem um sentido dentro de um determinado quadro enunciativo, mas adquire outros sentidos ou é inclusivamente absurda num outro quadro. Assim, por exemplo, dizer “obrigado” a alguém que acaba de me fazer um favor ou de prestar auxílio é um acto

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de agradecimento perfeitamente razoável e esperado, mas não tem sentido dizer “obrigado” a alguém que acaba de me dirigir uma saudação, a não ser em situações irónicas que acabam por constituir um quadro enunciativo distinto do quadro não irónico em que habitualmente reagimos a alguém que nos fez um favor. Mas o que é preciso antes de mais reter é que, como vemos, entre estes dois casos não é a materialidade da expressão verbal que se altera; é o quadro enunciativo formado, no primeiro caso, pela ajuda que alguém acabou de me prestar e, no segundo caso, pela saudação que alguém me dirigiu. Isto é, posso dizer “muito obrigado” exactamente da mesma maneira, com o mesmo tom de voz e a mesma entoação tanto em resposta a quem me fez um favor como a quem me acabou de me saudar e, no entanto, no primeiro caso o meu “muito obrigado” tem sentido, ao passo que, no segundo caso, não tem sentido.

Daí a pergunta que devem estar a fazer: o que é que quer dizer “ter sentido” para um enunciado? Pelo exemplo que acabámos de ver responder a esta pergunta que um enunciado tem sentido se for aceitável, razoável, esperado e que o critério para esta razoabilidade tem a ver com o facto de obedecer aquilo a que poderíamos dar o nome de norma de encadeamento com o enunciado ou os enunciados precedentes e com os que se lhe seguem. Em relação tanto aos enunciados precedentes como aos subsequentes um enunciado tem sentido se obedecer à norma que determina a sua relevância, mas de maneiras diferentes. Enquanto em relação ao que ao enunciado precedente se trata da parte da norma da relevância que define o conjunto dos enunciados que reagem ao estímulo do enunciado precedente, já em relação ao enunciado subsequente, se trata da parte da norma da relevância que define o conjunto dos enunciados que provocam as reacções permitidas pelo quadro enunciativo em que se insere.

Alguns poderão já estar a formular segunda questão: afinal do que é que estamos a falar quando falamos de enunciado? É uma questão muito relevante, uma vez que há uma grande diversidade de coisas que se passam quando falamos uns com os outros, tanto face a face como utilizando dispositivos mediáticos. Desse conjunto de coisas quais as que fazem parte daquilo a aqui que damos o nome de enunciado?

Comecemos por dizer o que o enunciado não é. Muitas análises de discurso confundem o enunciado com a frase e com a proposição ou, pelo menos, não distinguem com suficiente clareza estas noções. Esta confusão leva a não se saber bem aquilo que pretendem ver nos discursos. Uma

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frase é uma unidade gramatical formada por um sujeito e por um predicado articulados entre si de acordo com as regras sintácticas de uma língua. O estudo das frases pertence à sintaxe da língua em que essas frases são formuladas e o seu objectivo é averiguar quais são essas regras e se as frases em questão estão de acordo com essas regras. Uma proposição é a atribuição de um determinado estado de coisas a um objecto de acordo com as regras lógicas que determinam as condições a que essa atribuição deve obedecer para que esse estado de coisas seja verdadeiro. O estudo das proposições pertence à lógica e à semântica. Quando dizemos que os discursos são constituídos por enunciados e que os enunciados não são nem frases nem proposições, o que estamos antes de mais a dizer é o que o objectivo dos discursos não é a formulação de expressões de acordo com as regras sintácticas nem a formulações de acordo com regras lógicas de condições de verdade. Depois de vermos o que os enunciados não são, procuremos então ver em que consistem. A única resposta possível é a seguinte: um enunciado é o produto ou o resultado de uma enunciação, é aquilo que as pessoas fazem quando estão inseridas num quadro enunciativo e evidentemente aquilo que resulta de uma enunciação não são frases nem proposições, mas comportamentos que estão entre si relacionados por regras específicas eu regulam o encadeamento entre eles. Ao adoptarem os comportamentos que resultam de uma enunciação, num determinado quadro enunciativo, os seres humanos visam produzir determinados efeitos uns sobre os outros.

Procuremos então identificar as componentes dos enunciados, vendo de que são feitos os comportamentos enunciativos. Os enunciados são formados pelos comportamentos verbais, pelos comportamentos para-verbais ou prosódicos e pelos comportamentos gestuais ou mimo-posturais que os seres humanos produzem num determinado quadro enunciativo. Por vezes estes comportamentos são realizados em simultâneo, como no caso dos discursos face a face em que os interlocutores adoptam uma determinada maneira de pronunciar as palavras que dizem e acompanham-nas com determinadas posturas e determinados comportamentos gestuais. Outras vezes são realizados separadamente, quando adoptam comportamentos gestuais não acompanhados de expressões verbais, como no caso de um aceno que uma pessoa dirige a outra para a saudar ou o simples encolher dos ombros em resposta a um reparo feito pelo seu interlocutor. Há inclusivamente enunciados produzidos sem produção de palavras nem a adopção de quaisquer atitudes ou comportamentos gestuais, quando alguém, propositadamente, de maneira notada e por isso significativa, não adopta

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qualquer comportamento, verbal ou não verbal, como reacção às palavras de outra pessoa, caso a que costumo dar o nome de silenciamento. Com estes exemplos já estamos a ver que, além de ser de natureza muito diferente das noções de frase e de proposição, a noção de enunciado é muito mais abrangente. A diferença tem a ver com o facto de os enunciados serem comportamentos dotados de sentido que os seres humanos adoptam, serem actividades que realizam quando estão inseridos no que designamos por quadros enunciativos, ao passo que as frases e as proposições são conceitos abstractos que recortam valores sintácticos e valores lógicos de expressões, independentemente dos quadros enunciativos em que essas expressões possam ser realizadas. A noção de enunciado é mais abrangente do que a de frase e de proposição, porque engloba, não só as expressões verbais, mas quaisquer modalidades de comportamento ou de actividade, incluindo as modalidades de comportamento ou de actividade que se manifestam através de expressões que não são frases nem proposições, como “ei”, “alô”, “estou”, o.k.”, assim como por expressões manifestadas pela ausência de comportamento, como no caso já referido dos silenciamentos.

Quando os falantes pretendem referir ou explicitar verbalmente as componentes do quadro enunciativo utilizam aquilo a que damos o nome de marcas indexicais. Prestam-se a esta utilização os pronomes pessoais, os advérbios de lugar e de tempo, as desinências da conjugação dos verbos. A utilização destas marcas indexicais serve para assinalar a identificação dos interactantes, assim como a localização espacial e temporal do processo enunciativo. Mas o quadro enunciativo não se reduz apenas a estas componentes; compreende igualmente o conjunto dos saberes guardados na memória dos interactantes acerca daquilo que foi dito antes e que esperam poderá ser dito depois. Daí que o quadro enunciativo está ligado também àquilo a que também damos o nome de história conversacional.

Tendo em conta o que acabamos de ver, a questão que pretendo tratar é então a de saber o que distingue as diferentes modalidades de interacção.

As modalidades espontâneas de interacção verbal

Comecemos pelas interacções espontâneas, tais como as que ocorrem ao longo do dia entre pessoas que se encontram por acaso ou nos ambientes habituais das suas actividades diárias. Estas

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interacções têm em comum o facto de as instâncias enunciativas, tais como a identificação dos interactantes e as coordenadas de espaço e de tempo que delimitam as fronteiras do quadro enunciativo, serem manifestas para todos os interactantes e não precisarem, por conseguinte, de ser discursivamente explicitadas ou, se preferirem, de ser simbolicamente objectivadas. Seria muito estranho que pessoas que falam face a face umas com as outras formulassem explicitamente a data, o local e outras componentes do quadro enunciativo em que estão inseridas. Desta primeira característica decorrem duas consequências muito importantes. Por um lado, os interactantes jogam com todos os recursos sensoriais naturais do quadro enunciativo e, por outro lado, a própria constituição do quadro enunciativo está dependente de processos negociais permanentes em que os interactantes estão envolvidos.

As modalidades institucionais de interacção verbal

A contrastar com as interacções verbais espontâneas, nas modalidades institucionais, como as que se podem observar, por exemplo, em sessões de audiência nos tribunais, nas sessões parlamentares, em provas académicas ou em serviços litúrgicos, os quadros enunciativos estão previamente fixados por disposições formais mais ou menos explícitas que delimitam aquilo que pode ser enunciado daquilo que não pode ser dito. Nas interacções institucionais, o próprio direito à palavra não é por isso livre, mas condicionado, em função da diferenciação institucional dos interactantes e não decorre do processo de negociação entre os interactantes.

É claro que as modalidades institucionais não são todas da mesma natureza nem têm o mesmo grau de formalidade. É por isso que muitos autores distinguem as modalidades institucionais formais, as semi-formais e as informais, de maneira a poder dar conta da grande diversidade que podemos observar. A distinção tem a ver com a natureza, maior ou menor, da coacção das normas que impõem aos interactantes. Podemos exemplificar as formais com as sessões de audiências nos tribunais, em que cada interactantes só pode tomar a palavra quando o presidente lha conceder, só pode falar das questões que respeitam ao processo e só pode falar enquanto o presidente deixar. Podemos dar como exemplo de interacções semo-formais as entrevistas de serviço social ou as consultas médicas. Podemos dar o nome de interacções institucionais informais para as conversas

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que marido e mulher têm ao longo da vida entre si acerca da educação dos filhos e de outras escolhas que decorrem da situação familiar.

As modalidades mediatizadas de interacção verbal

As interacções mediatizadas distinguem-se das espontâneas e das interacções institucionais pelo facto de dependerem do utilizarem dispositivos técnicos que jogam com os dispositivos de enunciação e, deste modo, interferirem directamente nas componentes do quadro enunciativo. Para entendermos a interferência dos dispositivos mediátios na constituição do quadro enunciativo a melhor maneira é ver o que as distingue das modalidades espontâneas e institucionais que acabámos de definir.

No caso das interacções que utilizam dispositivos de mediatização, tais como a escrita, o telefone, a radiodifusão, a televisão ou a internet, as componentes do quadro enunciativo têm que ser simbolicamente objectivadas pelos interactantes para se constituírem. As interacções mediatizadas não podem prescindir de recursos discursivos para a constituição do quadro enunciativo. Destes recursos fazem parte sobretudo aquilo a que damos o nome de marcas de indexicalidade, tais como os pronomes pessoais, os advérbios de lugar e de tempo, as desinências dos tempos verbais que referem o tempo, o modo e a pessoa do verbo, isto é, as marcas do discurso que formulam simbolicamente e referem as diferentes instâncias do quadro enunciativo em que se inserem e de que depene o seu sentido.

Um dos mais importantes recursos indexicais dos discursos a que vale a pena dedicar alguma atenção é o da maneira como os interactantes escolhem designar aquilo a que se referem. A observação da utilização destes recursos permite concluir que estas escolhas não são feitas ao acaso, mas obedecem a determinadas normas. Uma destas normas indica que aquilo a que as pessoas se referem não possui uma designação universal e invariante, mas que tem uma multiplicidade de modalidades de designação possíveis e que as pessoas são levadas a escolher a modalidade que acham ser aquela que melhor se coaduna com o quadro enunciativo em que os seus discursos se inserem, em particular com a maneira como acham que os seus interlocutores o designam.

Referências

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