• Nenhum resultado encontrado

Raymond Carver - Vizinhos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Raymond Carver - Vizinhos"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

RAYMOND CARV'ER

68

contos

Tradução Rub ns Fi Introdução Rodrigo Lacerda

(2)

Vizinhos

B

ill e Arlene Miller eramum casal feliz. Mas de vez em quando tinham a sensação de que só eles,no seu círculo de conhecidos, haviam sido,de certo modo, deixados para trás. Bill continuou fazendo seus trabalhos de contabilida-de, enquanto Arlene trabalhava como secretária. As vezes conversavam sobre isso, sobretudo em comparação com a vida de seusvizinhos, Harriet eJim Stone. Os Miller tinham aimpressão de que QS Stone levavam uma vida mais ricae mais

animada. Os Stone viviam saindo parajantar, davam festas em casa ou viajavam

para várias partes do país por causa do trabalho deJim.

"Os S10?~moravam em frente aos Miller.Jim era representante comercial de uma empresa de-peça.~_ll1ecânicasemuitas vezes conseguia conciliar viagens de negócios com viagens de lazer, enaquela ocasião os Stone iam ficar dez dias fora

primeiro em Cheyenne, depois em St. Louis, visitando parentes. Na ausênci~

deles,os Miller iam cuidar do apartamento dos Stone, dar comida para agatinha Kitty e regar as plantas.

Bill e Jim apertaram as mãosjunto ao carro. Harriet e Arlene seguraram os cotovelos uma da outra e se beijaram de levenos lábios.

"Divirtam-se", disse Bill para Harriet,

"Pode deixar", disse Harriet. "Vocês também." Arlene fezque sim com a cabeça.

72 68 CONTOS DE RAYMOND CARVER

Jim piscou para ela. "Tchau, Arl lU I

111

.

1.

111mdo velho."

"Pode deixar" ,respondeu Arlen . "Divirtam-se", disseBill.

"Claro" ,respondeu Jim, apertandu I I III " IIdeBill. "E mais uma vez

01rigado a vocês dois."

Os Stone acenaram com amão '11111' 111111 II I 1II1I I'Illia eos Miller

acena-rumem resposta.

"Puxa, eu gostaria de estar no lugar

di

II "Quem sabe, a gente consiga usa!' I I I1I

d le e colocou em volta da sua cintur 1,1'1111'1111I11

I1

I

1

\

11

li tll·I\~. P gou obraço

\ 1101111\ II I 1\II para o

apar-inmento.

Depois dojantar, Arlene fal li: "N 111 '1"11.1, l'llly (\)111' ':11'11' de figado

Iaprimeira noite". Ela ficou p I'lId,\ 111 1'111 1\ d\\ o~lnh:l igurand atoalha de

mesa feita à mão que Harri tlavi.1 li' 0;,,1010I 11',\ 'I. d ancaFéno ano anterior.

Bill respirou bem fund quando entrou no apartamento dos Stone. O ar já

estava pesado e vagamente adocicado. Orelógio com o desenho dosraios do sol

em cima datelevisão marcava oito e meia. Ele se lembrou do dia emque Harriet

chegou com aq~~le relógio, como ela atravessou o corredor do prédio para

mos-trar o relógio para Arlene, com o estojo de metal aninhado nosbraços e falando

com orelógio através do papel deseda como se ele fosse um bebê.

Kitty esfregou acara nos chinelos dele e depois virou para olado, mas logo

d uum salto assim que Billfoipara acozinha epegou uma daslatas empilhadas

11, pi r luz nte. Deixou agata beliscando sua comida foi aobanheiro.

Olhou-110 • P Ih ,d P isfe h u lh d P J lhou de novo. Abriu Oarmário

U' 1"1\1 •I ) ,A 'I I III 1'1',S de n primid s, leu o rótulo - Harriet Stone.

Um }lor d(tI 01110reI,HI'II'l1rlt/do -' nfi u no bolso. Voltou àcozinha, pegou uma

jarra d • ur r c n u c sala. Terminou de regai:as plantas, colo ou ajarra

no tapete e abriu armário de bebidas. Procuroua garrafa de Chiv sR gal na

parte de trás. Tomou dois goles na garrafa, enxugou oslábio ns m nga erepôs

a garrafa dentro do armário.

Kitty dormia no sofá. Ele apagou as luzes, fechou a p rta devagar e verifi-cou seestava mesmo fechada. Teve asensação deque havia deixado alguma coisa

para trás. VIZINHOS 73 .'{ '. ! "".1 !. I .J:

(3)

"Por que você demorou?", perguntou Arlene. Estava sentada em cima das

pernas dobradas, vendo televisão.

"Nada. Fiquei brincando com Kitty",disse ele,se aproximou dela e tocou seus seios.

"Vamos para acama, meu bem", disse ele.

No diaseguinte,

su

r

só fez dezminutos dos vinte minutos reservados para o

intervalo da tarde esaiu às quinze para as cinco. Parou o carro no estaci onamen-to bem na hora em que'Arlene descia do ônibus. Esperou ela entrar no edifício e depois subiu correndo a escada para apanhá-Ia na hora em que estava saindo do elevador.

"Bill! Puxa, você me assustou. Chegou cedo", disse.

Ele encolheu os ombros. "Eu não tinha nada para fazer no trabalho", disse. Arlene deixou Bill usar sua chave para abrir a porta. Bill olhou aporta do lado oposto do corredor antes de entrar atrás deArlene.

"Vamos para a cama", disse ele.

'Agora>" Ela riu. "O que deu em você?"

"Nada. Tire a roupa." Ele foi agarrando Arlene.de qualquer jeito e ela disse:

"Puxa vida, Bill".

Ele desafivelou seu cinto.

Mais tarde pediram comida chinesa e,quando a comida chegou, comeram

cheios de fome, sem falar, e ficaram ouvindo discos.

"Não vamos esquecer de dar comida para a Kitry", disse ela.

"Eu estava pensando na mesma coisa", disse ele. "Vou lá agora mesmo."

Escolheu uma lata de carne de peixe para a gata, depois encheu ajarra e foi regar as plantas. Quando voltou à cozinha, a gata estava arranhando sua caixa.

Olhou fixo para ele antes de se voltar de novo para a palha que estofava sua cai-xa. Bill abriu todos os armários e examinou as comidas enlatadas, os cereais, os pacotes de mantimentos, as bebidas e as taças de vinho, a louça, as panelas e os '.potes. Abriu a geladeira. Sentiu um cheiro de aipo, pegou dois pedaços de queijo

cheddar e ficou mastigando uma maçã enquanto foi andando para o quarto. A cama parecia enorme, com uma colcha branca e felpuda que pendia em franjas

74 68 CONTOS DE RAYMOND CARVER

t

:

, I !'

i',

I I

ute ochão. Abriu uma gaveta da mesinha de cabeceira, achou um maço de ciga r-r spela metade e enfiou no bolso. Depois foi at~ o guarda-roupa e estava abrindo

II rta quando ouviu baterem na porta da frente.

Parou junto ao banheiro edeu a,descarga acaminho da entrada.

"Por que você está demorando tanto?", perguntou Arlene. 'Você está aqui

h, maisdeuma hora."

"Émesmo?", disseele.

"É,sim", disse ela.

"Precisei irao banheiro", disse ele. "Vocêtem oseu banheiro", disse ela. "Não deu para esperar" ,disse ele. Naquela noite fizeram amor'outra vez..

,

i

I

i I

De manhã Billpediu-que Arlene ligasse para otrabalho e dissesse que ele

11,o podia ir.Bill tomou banho, se vestiu e tomou um café da manhã ligeiro. ~ ntou começar a lerum livro.Saiu para daruma caminhada esentiu-se melh r. Masdepois de um tempo, com as mãos ainda nos bolsos, voltou aoapartam nt .

Parou na porta dos Stone na esperança de quem sabe ouvir a gata s rn vim n -t.ndo. Depois entrou pela porta da sua casa efoi até acozinha pegar a hnv .

Lá dentro parecia mais frio do que o seu apartamento, e mais SCUl' t rn -bém. Imaginou se as plantas não teriam alguma relação com atemperatura d

ar.Olhou para fora, pela janela, e depois passou devagar por todos oscômodos, refletindo cuidadosamente sobre tudo aquilo em que seus olhos batiam, um ob -jeto de cada vez. Viu cinzeiros, peças de mobília, utensílios de cozinha, o relógio. Viu tudo. Por fim entrou no quarto e a gata apareceu junto a seus pés. Fez um carinho nela, levou-a para o banheiro e fechou a porta.

Deitou na cama e ficou olhando para o teto. Ficou deitado por um tempo

deolhos fechados e depois enfiou a mão por baixo do cinto. Tentou lembrar que diaera. Tentou lembrar quando os Stone voltariam e depois se perguntou se um

diairiam mesmo voltar. Não conseguia se le~brar do rosto deles nem da

manei-racomo falavam e se vestiam. Deu um suspiro e, com esforço, rolou para fora da cama a fim de se debruçar sobre a cômoda e se olhar no espelho.

Abriu o armário e escolheu uma camisa havaiana. Procurou, até encontrar,

uma bermuda muito bem passada e pendurada por cima de uma calça de sarja

(4)

marrom: Deixou suas roupas caírem eenfiou-se nabermuda e na camisa.

Qlhou--se no espelho outra vez.Foiaté asala, serviu-se de mais uma dose de bebida e tomou uns goles no caminho de volta para o quarto. Vestiu uma camisa azul, um terno escuro, uma gravata azul e branca, sapatos pretos de bico largo. Q copo estava vazio, então ele foitomar outra dose.

No quarto outra vez, sentou numa cadeira, cruzou aspernas e sorriu en

-quanto se observava no espelho. O telefone tocou duas vezes e depois silenciou. Terminou sua bebida e tirou o terno. Vasculhou as gavetas de cima até achar uma calcinha e um sutiã. Enfiou-se na'calcinha e colocou o sutiã,depois deu outra olha-da no armário em busca de mais roupas. Vestiu uma saiaxadrez, preta ebranca,

etentou fechar o zíper. Vestiu ~!lla blusa vinho de abotoar na frente. Avaliou os sapatos, mas percebeu que não iam caber.Por um bom tempo, ficou olhando pela. janela da sala,por trás da cortina. Depois voltou ao quarto e pôs tudo no lugar.

Bill não estava com fome. Arlene também não comeu muito. Olharam um

para o outro com ar tímido esorriram. Ela se levantou da mesa, verificou se a chave estava na estante e depois lavou os pratos depressa.

Ele ficou parado na porta da cozinhá, fumou um cigarro e ficou olhando Arlene pegar a chave.

"Fique aí bem à vontade enquanto eu vou ao outro apartamento", disseela. "LeiaOjornal, faça qualquer coisa." Ela fechou os dedos em volta da chave. Ela disse que ele parecia cansado.

Bill tentou se concentrar nas notícias. Leu o jornal e ligou a tevê. Por fim~

acabou .índo ~~ra o corredor de serviço e foi até o outro apartamento. A porta estava trancada. ~---,_,

"Sou eu,você ainda ~~tá aí.dentro, meu bem?", perguntou.

Depois de um intervalo, a fechadura abriu, Arlene saiu e trancou a porta.

"Fiquei tanto tempo assim?", disse ela.

"Pois é;ficou", disse ele.

"Foi mesmo?", disse ela.'Acho que fiquei brincando com a Kitty."

Ele a observou com atenção e ela desviou os olhos, a mão ainda pousada

na maçaneta.

"É engraçado", disse ela. "Sabe... a gente entrar na casa de outra pessoa desse jeito."

76 68 CONTOS DE RAYMOND CARVER

Ele fezque sim 'I(,11(

n,

tirou a mão dela da maçaneta e conduz

para aporta deles.

s

10 ('111I'

ir

m

noapartamento.

"É engraçad J 'SI110", dls" ele.

Notou um

f

i

brunco II", nas costas do suéter dela, eseu rosto bem ver

-I ·Iho.Começ u tiI(

I

'I 1.1 11 scoço, no cabelo e ela se virou e obeijou

tam-b m.

'1\h, dr go", I (l'hI." roga, droga", falou cantarolando com jeito de m

e-1111'1, cuqu 11110 h111,1 I n l suma na outra. 'Acabei de lembrar. Na verdade fui

I1 11:1.(I 11111 I \'01 1 I ib iesquecendo. Não deicomida para aKitty nem reguei I plllll 1"(

th

o

u

I

a

r

o

le

.

"Não é uma tremenda estupidez?"

"N 10

I

'

"

",

Iilis ele. "Sóum minuto. Vou pegar meus cigarros e volto lá

\ 11111VIII ,"

1'11 t'," 'J' u téelefechar e trancar aporta doapartamento, depois pegou o

1

I

11,0tlt-It 110 mús ulo edisse: "Achomelhor te contar. Achei umas fotos".

IIlt

P

II'OUn m io do corredor de serviço. "Que tipo defotos?"

"

v

o

e

111 SI pode ver", respondeu, olhando para ele.

"Nt brln a." Elesorriu. "Onde éque estão?"

"Numa gav ta", disse ela. "Não brinca", disse'ele.

Então elafalou: "Talvez elesnão voltem mais" ,

e

na mesma hora ficou

cho-<da com aspróprias palavras.

"Pode acontecer", disse ele. "Tudo pode acontecer."

" u quem sabe elesvoltem e...",mas elanão terminou.

r rr rarn de mãos dadas o curto caminho pelo corredor de serviço e, J

fn

l

li,

1

mal conseguiu ouvir sua voz. hnvc", llssc

J

.

UM d a have." [u 1", IIs, . 'I..

"

v

,

!TIa chave." "M li

11

nt u h' r a m •.OD

t

n.

n ta. Não abria.

ansiosa. Eleabriu osbraço s ninh uncl s.

"Não sepreocupe", disse eleno ouvid di. "P r favor, não se pr o upe.

Ficaram ali parados. Abraçaram-se. Recostaram-s naporta como que para se proteger de algum vento e se apoiaram um no outro.

(5)

Quando começou a clarear láfora, elalevantou. Andou até ajanela. O céu sem nuvens acima dosmorros começava a ficar branco. As árvores e a fila de pré-dios de dois andares dooutro lado da rua começavam aganhar forma, enquanto ela observava. O céu se tornou mais branco, a luz seexpandiu depressa por trás dos morros. Exceto nasvezes em que ficou acordada junto comum dos filhos(o que ela não contava, porque então nunca olhavapara fora, apenas corria de volta para a cama ou paraa cozinha), tinha visto poucas alvoradas na vida, e mesmo

I

assim sóquando erapequena, Sabia que nenhum nascer do sol fora como aque -le. Nem nos filmes que viu,nem nos livrosque leu, ela tinha visto um nascer do sol tão terrível como aquele.

Esperou e depois foi até aporta, destrancou-a e saiu para avaranda. Fechou bem o roupão até o pescoço. O ar estava úmido e frio. Aos poucos, as coisasiam se tornando visíveis. Deixou que seusolhos vissem tudo, até se prendereIP.J11-luz vermelha e cintilante acima da torre de rádio no alto do morro em frente.

Ela atravessou o apartamento na penumbra, de volta a seu quarto. Ele es-tava embolado no meio da cama, as cobertas amontoadas-, sobre os ombros, a cabeça meio enfiadaembaixo do travesseiro. Parecia desesperado no seu sono pesado, os braços esparramados no lado dela na cama, o maxilar fechado com força. Enquanto ela olhava, o quarto foi ficando muito claro e os lençóis sem brilho foram se tornando brutalmente brancos diante de seus olhos.

Ela molhou os lábios fazendo um barulho pegajoso e se ajoelhou. Estendeu as mãos sobre a cama.

"Deus", disse ela."Deus, o senhor pode nos ajudar, Deus?", disse ela.

170 68 CONTOS DI! RAYMOND CARVI!R

o

n

ha-se no meu lugar

...•.

~

..

Q

telefOne tocou na hora em que ele estava passando aspirador depó. Tinha feito afaxinaemuma parte do apartamento e agora estava na sala,usando bico fino para tirar os pelos do gato entranhados nas almofadas. Parou, escutou depoisdesligou o aspirador. Foi atender o telefone.

'Alô", disse.''Aqui é o Myers."

"Myers", disse ela. "Como vai? O quevocê está fazendo?" "Nada", disse ele. "Oi, Paula."

"Tem uma festa no escritório esta tarde", disseela. "Você está convidado. Dick convidou você."

''Acho que não posso ir", disse Myers. . . _ "O Dick acabou de me falar neste minuto: Telefone para o mandao. Faça

ele vir aqui tomar uma bebida com a gente. Tire ele da sua torre de marfim,

tra-gao Myers de volta ao mundo real por um tempo. O Dick fica gozado quando bebe. Myers?"

"Estou ouvindo", respondeu ..

Myers havia trabalhado para Dick tempos antes. Dick vivia falando que um dia iria a Paris escrever um romance e,quando Myers se demitiu para escrever um romance, Dick falou que ia ficar atento, esperando a hora em que o nome de Myers ia aparecer na lista dos mais vendidos.

Referências

Documentos relacionados

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

A Faculdade de Medicina de Marília, torna pública a abertura de inscrições para seleção de candidatos ao Programa de Aprimoramento Profissional da Secretaria de

ABSTRACT: The toxicological effects of crude ethanolic extracts (CEE) of the seed and bark of Persea americana have been analyzed on larvae and pupae of

Entrega do material para finalização: até as 18h da quinta-feira que antecede o início da cine-semana. Para casos de remanejamento de cópias (cinema para cinema) será necessária

Porém, a excepção invocada não procede, quer porque não se instaurou qualquer novo processo, quer porque a decisão proferida no douto acórdão mencionado não julgou o

Para os candidatos indígenas será aceito o RANI (Registro Administrativo de Nascimento Indígena) como documento hábil para o registro civil de identificação. 4.1.3

Portanto, o ob- jetivo deste estudo é pesquisar quais são as principais metodologias utilizadas na avaliação sumativa de SAD abordando os aspectos: eficiência, eficácia,

A partir dessa premissa, o presente artigo expõe o desenvolvimento metodológico de projeto de produto de um mobiliário que exerce a função de cadeira, banco