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Discursos sobre aborto na imprensa paraibana

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008 Discursos sobre aborto na imprensa paraibana

Sandra Raquew dos Santos Azevedo; Loreley Gomes Garcia (Universidade Federal da Paraíba) Gênero; Mídia; Aborto

ST 39 - Corporalidade na Mídia

Palavras iniciais

Este ensaio aborda os enunciados sobre o aborto na mídia impressa paraibana e integra as reflexões de uma pesquisa em curso em que analisamos sociologicamente as práticas de agendamento de pautas importantes para os movimentos feministas, como são os direitos sexuais e reprodutivos e violência contra a mulher, em sua inter-relação com o midiático. Neste sentido o midiático é compreendido como território fluido de significação do social, e o jornal enquanto instituição é considerado como lócus complexo onde interagem diferentes atores sociais na tentativa de legitimar suas visões de mundo, ações sociais, e atitudes discursivas que também são percebidas como práticas de exercício de poder.

A agenda-setting, espaço de construção midiática no qual se define os acontecimentos que se constituem notícias, passa a ser analisada como processo de constituição de representações sociais de gênero, considerando sua relevância na promoção de ações político-discursivas que orientam não só o registro do factual, como também relações de diálogo, conflito, negociações e significação entre o jornalismo e diferentes atores sociais num estado de permanente interação social.

Pensar as relações entre corporeidade e o midiático é ter em vista a centralidade que as os meios enquanto espaço de mediação ocupam na estruturação do mundo simbólico que constitui nossa vida social, e também estar sensível ao fato de que as mídias também funcionam como mantenedoras da temática do corpo na vida cotidiana.

Historicamente a preocupação social com o corpo adquire fôlego nos anos 1960, através de movimentos como o feminismo, a revolução sexual, o body-art, entre outros, tendo em vista a crise de significação e de valores que abala a modernidade, e a busca por um novo imaginário social do corpo (LE BRETON, 2006). Embora o corpo tenha sido tratado como categoria sociológica por autores como Simmel, Mauss, G. Friedmann, e outros autores de diversos campos do saber, será nos anos 1960 que ocorre um boom dos trabalhos com enfoque numa sociologia do corpo na tentativa de superar, entre outras coisas, a primazia do biológico na explicação dos fenômenos sociais.

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A reivindicação constante pelo direito ao corpo protagonizada pelas sucessivas ondas feministas possibilitou mudanças em torno do tratamento deste enquanto categoria sociológica, na medida em que teorias de gênero e as lutas feministas trouxeram e ainda pontuam significativas atualizações (BORDO, 19997; HARAWAY, 1994; BUTLER, 1987; SHOWALTER,2004). Além de contribuírem significativamente para desterritorializar o corpo feminino da esfera do domínio privado.

Os corpos das mulheres passam com este processo a situar o sujeito feminino na esfera pública sendo alvo de tensões, disputas, representações, regulação social numa dinâmica em que Estado, Igreja, movimentos feministas e as mídias tornam-se cada vez mais sujeitos atuantes na produção cultural destes corpos.

Práticas de agendamento midiático como espaço de negociação de sentidos sobre os corpos

Definir-se enquanto mulheres e não em vítimas, criando uma nova cultura e representações sobre si mesmas são aspectos da trajetória dos grupos feministas na tentativa de promover mudanças valores, transformações culturais e simbólicas não experiência de não subordinação dos sujeitos e de seus corpos.

A prática de agendamento torna-se assim território para questão da representação discursiva tanto desnaturalizando as práticas de significação quanto promovendo uma revisão dos significados sociais no campo das representações de gênero. Sobre isto Funck (2005, p. 11) vai afirmar que:

A teoria crítica feminista contemporânea parte, portanto, do pressuposto de que as convenções lingüísticas estão intimamente imbricadas com as hierarquias estabelecidas pelo sistema social de sexo/gênero na cultura ocidental. Convenções discursivas, mesmo nas suas mais “criativas” instâncias, tendem a traduzir e perpetuar relações sociais naturalizadas pelo senso comum. Mas se levarmos em conta também o caráter construído dessas relações, poderemos também reconhecer a possibilidade de des/re/construção que tais espaços proporcionam. (FUNCK, 2005, p. 11)

Thompson (1998, p. 14), ao discutir as relações de poder como práticas cada vez mais midiatizadas, chama atenção para o entendimento do papel da mídia para além da transmissão das informações e conteúdo simbólico, considerando que seu uso “implica a transformação das interações no mundo social e o surgimento de novas formas de práticas sociais”, o que resulta, entre outros, na transformação da organização espacial e temporal da vida social e novas formas de ação e interação.

A construção da agenda midiática sobre direitos sexuais e reprodutivos e violência contra a mulher é um processo de formulação de atributos, tanto por parte do jornalismo impresso local – e das outras mídias, em um processo denominado como agendamento inter-mídias – quanto por

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segmentos feministas, uma tecnologia discursiva do poder. Esta perspectiva apóia-se no debate de Laurentis (1994, p. 208) quando, a partir de Foucault, reflete sobre gênero como “representação e como auto-representação, produto de diferentes tecnologias sociais, como o cinema, de discursos, epistemologias, práticas críticas institucionalizadas, bem como das práticas da vida cotidiana”.

O processo de instituicionalização de grupos em mulheres no Brasil, através de sua transformação em ongs, trouxe consigo a preocupação com a comunicação enquanto eixo de atuação por parte significativa destas instituições, tanto na tentativa de tirar da invisibilidade questões relativas às lutas e reivindicações feministas quanto na necessidade de promover um caminho de legitmidade social através da própria visibilidade das instituições por meio da presença nas mídias. Na Paraíba este processo não foi diferente.

Neste percurso, que se intensifica na década de 1990 com a institucionalização dos grupos de mulheres do Estado e surgimento das primeiras ongs feministas – Cunhã, Coletivo Feminista e Centro da Mulher 8 de Março -, as estratégias e políticas de visibilidade que emergem dos processos de afirmação e disputa vão compondo um cenário de negociação na mídia impressa paraibana que repercute na inclusão da agenda pública de demandas simbólicas e materiais em torno dos direitos das mulheres. Em um processo de permanente diálogo e conflito entre mídia, poder público e sociedade civil organizada.

Um dos episódios que podemos citar neste contexto é o da luta pela implantação do serviço de atendimento ao abortamento previsto na Lei, em meados da década de 1990, cuja trajetória foi marcada por uma cobertura sensacionalista na imprensa local, um dos motivos que retardou a implantação do atendimento às mulheres vítimas de violência no Estado. “Grupo feminista quer transformar Cândida Vargas num centro de aborto” (Revista Bastidores, n.03), “Cunhã quer centro de abortamento na Capital (Jornal o Norte, 29 de novembro de 1995) são apenas algumas das inúmeras manchetes que permeavam os jornais impressos locais naquele momento, e começava a fazer parte da trajetória pelo agendamento das lutas feministas na Paraíba.

Ao voltarmos o olhar sobre o agendamento destes temas na mídia impressa local, particularmente em torno dos direitos sexuais e reprodutivos e o combate à violência contra a mulher, percebemos, conforme Cogo (2004, p. 43), que:

As modalidades de ação e intervenção de atores e movimentos sociais na sociedade contemporânea passam, portanto, a constituir-se cada vez mais tensionadas pela exigência de um tipo de visibilidade pública atribuída pela lógica dos meios de comunicação ao mesmo tempo em que também esses atores e movimentos também se apropriam e reelaboram tais lógicas, transformando a esfera das mídias em espaço simbólico de conflitos, disputas e negociações e que se encontra, portanto, submetido permanentemente às tensões contraditórias dos interesses que circulam na sociedade.

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Ao buscar historicamente fortalecer sua ação política, estas ongs negociam na esfera midiática a construção simbólica de seus enunciados, da representação de suas lutas. A pauta a ser construída diz respeito, na percepção destes atores, ao compartilhamento de um cenário político que gira em torno da afirmação da compreensão destes grupos em relação aos direitos das mulheres, em que a distribuição eqüitativa da informação torna-se um ideal a ser seguido.

O campo midático configura-se assim em um tecido complexo, relativamente autônomo, que comporta interações entre sujeitos - jornalistas, feministas, poder público local, sociedade civil, etc.-na construção dos acontecimentos, etc.-na representação do real.

“Pelo direito de decidir” e a arena simbólica das representações sociais

O slogan “Pelo direito de decidir” é até hoje emblemático e representativo das reivindicações feministas para garantir o direito ao próprio corpo e se mantém constante no polêmico debate envolvendo a legalização do aborto e sua descriminalização. Mais recentemente no Brasil, com a visita do Papa Bento XVI, a discussão da temática foi acirrada e ocupou o espaço de destaque nas mídias.

Na luta pela descriminalização do aborto no Brasil, os grupos feministas, inclusive os da Paraíba, constroem seus argumentos apostando na politização deste debate, incluindo-o no campo da cidadania ativa das mulheres. De acordo com SOARES (2004), em poucas oportunidades é colocada pela sociedade de modo geral a dimensão do problema que a ilegalidade do aborto tem gerado para saúde física e mental das mulheres, para o sistema de saúde, e etc.

Mesmo tratado por movimentos feministas e outros segmentos sociais como uma questão de saúde pública tendo em vista a ocorrência de uma estimativa de 750 mil abortos por ano no Brasil, segundo dados da Rede Feminista de Saúde, e por declarações recentes do Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a questão do aborto no Brasil se mantém de forma hegemônica circunscrita ao debate em torno da moral e do poder regulador de que instituições como a Igreja exerce na normatização dos corpos das mulheres.

Uma breve cartografia do agendamento da temática nos jornais impressos da Paraíba vai expressar uma polarização intensa entre dois atores sociais que se enfrentam na negociação de sentidos sobre esta pauta, a Igreja Católica e os grupos feministas locais, em particular a Cunhã enquanto instituição. Num levantamento entre os anos de 1993 (período em que as ongs feministas estão consolidando ação no Estado) e 2008 ( ano em que a Campanha da Fraternidade enfoca o tema “Fraternidade em Defesa da Vida”) 94 notícias de jornais são tomadas como uma amostra temática neste período, dentre estas 30 matérias jornalísticas são pautadas por grupos feministas, e 35 são pautas fomentadas pela Igreja Católica, as demais matérias são notícias vinculadas ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Justiça e aos médicos que debatem o tema em artigos e 15

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notícias geradas pelo agendamento inter-mídia sobre o tema, mas que mantém como principais atores do debate Igreja e Movimentos Feministas.

Mesmo com o avanço trazido com a politização do tema na sociedade brasileira que incluiu a presença de atores indispensáveis como o Estado na discussão da descriminalização do aborto no País, o tratamento da temática na mídia ainda está circunscrito à polarização do debate pela Igreja e Movimentos Feministas, encerrando em determinados momentos o processo de significação deste fato social ao âmbito da moralidade religiosa, da dualidade e do ativismo.

Em nenhuma das notícias de jornais e das poucas reportagens sobre o tema neste corpus de pesquisa aparece indícios de um relato humanizado que inclua a presença de mulheres que viveram esta experiência e suas falas sobre o assunto, claro que isto também se deve à própria criminalização do aborto e ao silenciamento que envolve as práticas de abortamento, porém o recurso jornalístico de resguardar o anonimato das fontes não é utilizado para garantir outras vozes, outras perspectivas sobre o tratamento da temática na mídia, outras maneiras de narrativas sobre o real também.

Neste percurso a representação dual da temática na mídia e a polarização em torno dos atores na cena política promove certo desgaste no tratamento das informações. Fica latente que a visibilidade sobre a questão dos direitos sexuais e reprodutivos e violência contra a mulher trazida através das notícias cotidianas representam ainda uma luta pela interpretação das mesmas e o que elas representam para uma grande parcela da população, interpela os sujeitos, de modo particular, grupos feministas, jornalistas e os mass media, a refletirem sobre a construção da realidade.

Esta mediação ajuda-nos a melhor entender de que maneira as noções de corpo, de sexo e sexualidade estão sendo produzidas, veiculadas, instituídas, e imbricadas na produção cultural dos sujeitos. O termo sujeito é aqui entendido enquanto categoria lingüística, conforme Butler (2006, p. 21), uma estrutura em formação, assim:

Los individuos llegan a ocupar el lugar del sujeto (el sujeto emerge simultáneamente como <<lugar>>) y adquieren inteligibilidad sólo en tanto que están, por así decir, previamente establecidos en el lenguaje. El sujeto ofrece la oportunidad lingüística para que el individuo alcance y reproduzca la inteligibilidad, la condición lingüística de su existencia y su potencia. (BUTLER, 2006, p 21-22)

O jornalismo e seus gêneros narrativos podem ser compreendidos como estratégias de comunicabilidade, segundo Barbero (1997), e, enquanto espaços de mediação, instituem no conjunto de sua produção simbólica, elaborações sobre masculino e feminino em uma cultura de massas, uma vez que a mídia é uma instância responsável pela produção de sentido.

O olhar sobre a definição dos conteúdos das mídias nos leva a problematizar práticas jornalísticas em termos de uma análise sociológica, especialmente porque atualmente configura-se

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como uma nova forma de consciência coletiva e produção de efeitos (SODRÉ, 2002, p. 28). Existir num espaço valorizado como a mídia implica na instituição de legitimidade dos atores sociais, aspecto relevante da relação entre comunicação e a sociedade.

Ao revisitar, neste início do século XXI, lutas históricas da agenda feminista e de movimentos de mulheres, como o combate e prevenção à violência contra a mulher e a busca pelo acesso aos direitos sexuais e reprodutivos, constatamos a centralidade que a mídia local ocupa na disputa pela significação desta agenda, na construção de seus atributos, na politização dos acontecimentos.

Referências Bibliográficas

MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997.

BUTLER, Judit. Mecanismos psíquicos del poder. Teorias sobre la sujeción. Universitat de Valéncia: Ediciones Cátedra. Instituto de la Mujer. 2006.

________ Variações sobre Sexo e Gênero. Bevoir, Witting e Foucault. In:BENHABIB, Seyla. CORNELL, Drucila. Feminismo como crítica da modernidade. Releitura dos pensadores contemporâneos do ponto de vista da mulher. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1987. BORDO, Susan. Jalgar, A. Gênero, Corpo e Conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 19997.

CASTRO, Ana Lúcia de. Culto ao Corpo e Sociedade. São Paulo, Fapesp/AnnaBlume, 2003. COGO, Denise. “Mídias, identidades culturais e cidadania: sobre cenários e políticas de visibilidade midiática nos movimentos sociais”. IN: PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Vozes cidadãs: aspectos teóricos e análises das experiências de comunicação popular e sindical na América Latina. São Paulo: Angellara Editora, 2004, p.41-56

HARAWAY, Donna. Um manifesto para os cyborgs: ciência tecnologia e feminismo socialista na década de 80. In: HOLLANDA, Helosísa Buarque de. Tendências e Impasses. O feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

LE BRETON, David. A Sociologia do Corpo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2002.

SANTAELLA, Lúcia. Corpo e Mídia. Sintoma da Cultura. São Paulo: Paulus, 2004.

SHOWALTER, Elaine. Histórias Histéricas. A Histeria e a Mídia Moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

SOARES, Gilberta. Direitos e Justiça Social. Revista Toque de Saúde. Revista da Cunhã. João Pessoa, PB, n.04, p.3-5, 2004.

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THOMSON, John. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.

LAURETIS, Teresa de. “A tecnologia do gênero”. Trad. Susana B. Funck. In: HOLANDA, Heloísa B. de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 206-242.

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