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luciana chultes 1 nadia crisitina valentini 2 Temas sobre Desenvolvimento 2014; 20(109).

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Chultes L, Valentini NC. Alfabetização e desenvolvimento motor: um estudo sobre o desenvolvimento da escrita e da motricida-de fina motricida-de crianças dos 1° e 2° anos do Ensino Fundamental. Temas sobre Desenvolvimento 2014; 20(109):56-62.

Artigo recebido em 22/05/2014. Aceito para publicação em 16/09/2014.

alfabetização e desenvolvimento motor:

um estudo sobre o desenvolvimento da escrita e da

motricidade fina em crianças dos 1° e 2° anos do

ensino fundamental

luciana chultes

1

nadia crisitina valentini

2

(1) Licenciada em Educação Física; Especialista em Motricidade Infantil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.

(2) Pós-doutorado pela University of Maryland, EUA, Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.

CORRESPONDÊNCIA: Nadia Cristina Valentini nadiacv@esef.ufrgs.br

RESUMO

ALFABETIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO MOTOR: UM ESTUDO SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA E MOTRICIDA-DE FINA EM CRIANÇAS DOS 1° E 2° ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL: Esta pesquisa teve como objetivos investigar: (1) a mo-tricidade fina e a aquisição da escrita de escolares matriculados nos 1° e 2° anos do Ensino Fundamental de duas escolas públicas do Rio Grande do Sul; e (2) as concepções dos professores e as práticas docentes em relação ao ensino e aprendizagem da escrita e ao desenvolvimento das habilidades motoras finas. Participaram do estudo 49 crianças (7 a 10 anos), que foram avaliadas por meio do Ditado Classificatório e da Movement Assessment Battery for Children–2, e quatro professores das crianças que participaram do estudo. Os professores participaram de uma entrevista semiestruturada. O pesquisador utilizou um diário de bordo para observações das aulas ministradas. Os resultados evidenciaram que um elevado número de crianças se encontrava na fase pré-silábica da aquisição da escrita e apresentava atrasos na motricidade fina. Atrasos de desenvolvimento podem ser decorrentes de oportunidades inadequadas de aprendizagem e prática. Professores apresentaram conhecimentos restritos quanto à importância da motricidade fina para o desen-volvimento das crianças.

Descritores: Educação, Desenvolvimento infantil, Desenvolvimento humano. ABSTRACT

LITERACY AND MOTOR DEVELOPMENT: A STUDY ON THE CHILDREN’S DEVELOPMENT OF WRITING AND FINE MOTOR SKILLS: The objectives of the study were to investigate: (1) the fine motor skills and the writing acquisition of school children from first and second grades of elementary school of two public school at Rio Grande do Sul, and (2) the teachers’ conceptions and practices in relation to the teaching and learning process of writing acquisition and the development of fine motor skills. 49 children (7 to 10 years-old) were accessed using the Classificatory Spelling and the Movement Assessment Battery for Children–2; four teachers of these children participated in a semi-structured interview. The researcher reported the classes observations using a class-diary. The results showed high prevalence of children in the pre-syllabically writing stage and fine motor skills delays. Developmental delays could be consequence of inadequate opportunities to learn and practice. Teachers showed restrict knowledge about the importance of fine mo-tor skill for the children development.

Keywords: Education, Child development, Human development.

A escrita é um meio privilegiado de acesso e registro de informações. O período de aquisição da escrita de uma criança é um marco do desenvolvimento acompanhado de muita expectativa, uma vez que possibilita o acesso ao mundo alfabetizado. A condição primeira para que a criança escreva é a mão, visto que é por ela que tudo começa a se tornar possível1. No início, a escrita é caracterizada pelo

simples prazer de rabiscar, de exercitar motoramente a ação de deixar marcas no papel. Pouco a pouco, o controle

dos movimentos de braços e das mãos é maior, e a criança passa a exercer essa ação com maior precisão2. A escrita,

antes de transformar-se numa forma de linguagem, é basi-camente uma coordenação de movimentos finos e precisos que depende do esquema corporal, temporal e espacial e do controle específico de pequenos músculos3.

Paralelamente, a criança passa por diferentes níveis de evolução conceitual na aquisição da escrita, enfrentando contradições entre o que pensa e percebe. Essas

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contra-dições dão origem a conflitos cognitivos que desequilibram a organização mental da criança4. Primeiramente, obser-va-se a escrita pré-silábica, quando a criança utiliza dife-rentes formas (garatujas, números ou até letras), além do desenho, para representar a língua com ou sem valor sonoro convencional. Ao perceber que os segmentos da escrita podem representar os sons da fala, a criança passa a formular hipóteses de que cada letra vale por uma síla-ba, atingindo um nível de escrita silábica. Posteriormente, na fase de escrita silábico-alfabética, ao descobrir que o esquema de uma letra para cada sílaba não funciona, a criança passa a acrescentar mais letras aleatoriamente e a compreender a relação entre letra e som. Com a prática, a escrita se aproxima mais da transcrição fonética, e, como certas letras não se encaixam no esquema consoante-vogal, as crianças passam, novamente, a acrescentar mais letras às palavras. Elas passam a escrever palavras com o seu valor fonético convencional e atingem o nível de escrita alfabética4.

Portanto, incialmente a criança formula por si mesma algumas normas ou regras sobre o sistema de escrita. A evolução desse processo se dá a partir da superação das hipóteses formuladas inicialmente até a escrita se tornar alfabética. No entanto, tal evolução não ocorre de forma cronológica semelhante para todas as crianças, pois cada criança tem seu ritmo próprio. Essa superação ocorre à medida que a criança tem oportunidades, estímulos e passa a vivenciar atos de leitura4; o mesmo ocorre com a coordenação motora dessa ação.

Cada nível de escrita e cada etapa da aprendizagem motora devem ser avaliados de forma cuidadosa. A avalia-ção é essencial para a elaboraavalia-ção de planos de aula es-pecíficos e de experiências contextualizadas e significati-vas que contribuam para a aprendizagem do educando. Ainda mais, com a obrigatoriedade do ingresso escolar aos 6 anos5 e a ampliação de nove anos para o Ensino Fundamental6, novos desafios pedagógicos são estabele-cidos considerando a singularidade cognitiva e motora de crianças e jovens. Esta pesquisa teve como objetivo inves-tigar: (1) a motricidade fina e a aquisição da escrita de escolares matriculados nos 1° e 2° anos do Ensino Fun-damental de duas escolas públicas do Rio Grande do Sul; e (2) investigar as concepções dos professores e as práti-cas docentes em relação ao ensino e aprendizagem da escrita e ao desenvolvimento das habilidades motoras finas.

Método MétodoMétodo Método

Participaram deste estudo 49 crianças, com idades en-tre 7 e 10 anos, provenientes de duas escolas públicas da região metropolitana de Porto Alegre, RS, e quatro profes-sores titulares das turmas em que estavam inseridas as

crianças que participaram do estudo. A seleção da amos-tra foi intencional, pois a pesquisadora se enconamos-trava inse-rida no município onde foi realizada a pesquisa.

A avaliação da motricidade fina das crianças foi condu-zida com a bateria de tarefas de destreza manual do Move-ment AssessMove-ment Baterry for Children7, segunda edição – MABC-2. A bateria de destreza manual contém tarefas específicas para a cada faixa etária, as quais mensuram destreza, velocidade, agilidade e precisão. No presente estudo, as tarefas motoras utilizadas foram: (a) tarefa uni-manual de encaixar pinos, realizada com a mão dominante e não dominante (pontuada por tempo); (b) tarefa bimanual de entrelaçar um cordão em um cartão de madeira (pontua-da por tempo); e (c) tarefa com mão dominante de delinear um desenho mantendo o traço entre duas linhas (pontuada por precisão). Nessa bateria, quanto melhor o desempenho das crianças menor é a sua pontuação.

A taxonomia do nível da psicogênese da escrita das crianças foi investigada com o uso do Ditado Classificató-rio4. Esse procedimento permitiu classificar em que nível cada criança se encontrava na aquisição da escrita. O ditado foi iniciado por uma palavra polissílaba, seguida de uma trissílaba, de uma dissílaba e, por último, de uma monossílaba. O professor, ao ditar, não marcou a separa-ção das sílabas. Após a lista, foi ditada uma frase que envolvia pelo menos uma das palavras já mencionadas, para observar se o aluno voltava a escrevê-la de forma semelhante e para verificar se a escrita da palavra perma-necia estável, mesmo num contexto diferente. A lista de palavras se encontrava dentro de um mesmo campo se-mântico, e a frase era adequada ao contexto do grupo. Foram evitadas palavras que continham vogais repetidas em sílabas próximas para evitar o conflito em que a hipó-tese de escrita pudesse fazer com que as crianças acredi-tassem que seria impossível escrever algo com duas ou mais letras iguais. Os monossílabos foram utilizados no fim do ditado, pois as crianças que escrevessem de acor-do com a hipótese de número mínimo de letras poderiam recusar-se a escrevê-las, caso essas palavras fossem as primeiras.

Entrevistas semiestruturadas foram utilizadas para in-vestigar as concepções dos professores sobre o ensino e a aprendizagem da escrita e sobre o desenvolvimento das habilidades motoras finas. As quatro professoras das duas escolas municipais que as crianças frequentavam partici-param desta etapa do estudo. Para garantir o sigilo da identidade dos professores, letras seguidas pelos números que indicam o ano em que trabalhavam (1 = 1° ano; 2 = 2° ano) foram utilizadas para identificar o discurso de cada professor.

Para verificar, na prática dos docentes, indícios de suas concepções e se suas práticas efetivamente eram traduzi-das por seus discursos, foram realizatraduzi-das observações nas

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salas de aula. As observações das práticas foram realiza-das com a concordância dos professores, sem aviso pré-vio, antes das entrevistas e em datas espaçadas, para evitar que as aulas fossem modificadas para a visita da pesquisadora. Um diário de bordo foi empregado para registro dessas observações e a análise do conteúdo des-sas aulas foi conduzida pela pesquisadora.

Foram utilizadas, no presente estudo, estatísticas des-critivas para apresentar os dados referentes aos níveis de desenvolvimento motor e da escrita, e a categorização dos discursos e das práticas docentes.

Resultados ResultadosResultados Resultados

Motricidade fina

Os resultados apresentados na Tabela 1 evidenciam que, nas tarefas de destreza manual, 53% das crianças apresentaram atrasos motores; 20,4% apresentaram risco de atrasos motores; e somente 26,5% apresentaram de-senvolvimento típico. Com relação ao sexo, os resultados indicam que 60% dos meninos apresentaram atrasos mo-tores acentuados; 20% de meninos e de meninas apresen-taram risco de atrasos motores.

Tabela 1.

Distribuição das crianças de acordo com a categorização da destreza manual (f e %) geral e conforme o sexo.

Níveis de escrita

Na Tabela 2 se encontram dados referentes à classifi-cação da escrita conforme o Ditado Classificatório4. Os

resultados indicam que 28,6% dos participantes encontra-vam-se no nível Pré-silábico; 26,5%, no Silábico; 18,4%, no Silábico Alfabético; e 26,5%, no nível Alfabético. Dessa maneira, 73,5% das crianças ainda não haviam atingido o nível Alfabético da psicogênese da escrita entre os 1º e 2° anos do Ensino Fundamental. Observa-se que um número maior de meninas (79,2%) comparado aos meninos (68%) não havia atingido o nível alfabético. Entretanto, verificou-se que havia mais meninos no nível Pré-silábico, ou verificou-seja, no início do processo de alfabetização.

Tabela 2.

Distribuição das crianças de acordo com a caracterização do desempenho na aquisição da escrita (f e %) geral e con-forme o sexo.

Níveis de escrita e motricidade fina

A Tabela 3 indica que 20 crianças com atrasos e risco de atrasos na motricidade fina se encontravam nos níveis de escrita Pré-silábico e Silábico. A distribuição entre os níveis da escrita das 13 crianças com desenvolvimento típico na motricidade fina foi homogênea. Ainda, nove crianças alfabetizadas apresentaram atrasos na motricida-de fina.

Tabela 3.

Distribuição das crianças de acordo com as categorias de desempenho em destreza manual, conforme o nível de aquisição da escrita

Níveis da Escrita

Categorização da Destreza Manual Atrasos Risco de

Atrasos

Desenvolvi-mento Típico Total

Pré-silábico 8 2 4 14 Silábico 6 4 3 13 Silábico Alfabético 3 3 3 9 Alfabético 9 1 3 13 Total 26 10 13 49 Entrevistas semiestruturadas

Em resposta à pergunta: Em sua opinião qual a impor-tância da motricidade fina no processo de alfabetização do aluno?, todas as professoras declararam ser fundamental o trabalho e o desenvolvimento da motricidade fina para o processo de alfabetização do aluno.

Apenas uma professora respondeu à pergunta: Quais conceitos teóricos acerca da aquisição da escrita e motri-cidade fina você utiliza na elaboração de suas aulas?, e apresentou os pressupostos teóricos que fundamentam sua prática de forma clara e citando autores reconhecidos na literatura.

Todos os professores responderam prontamente à questão: O que as crianças precisam para construir seu conhecimento? As respostas enfatizaram as ações

instru-Sexo

Categorização da Destreza Manual f(%) Atrasos Risco de

Atrasos

Desenvolvi-mento Típico Total Masculino 15 (60) 5 (20) 5 (20) 25 (100) Feminino 11(45,8) 5 (20) 8 (33,3) 24 (100) Total 26(53,1) 10(20,4) 13(26,5) 49 (100)

Sexo

Níveis da Escrita Pré-silábico Silábico Silábico

Alfabético Alfabético Total f ( % ) f ( % ) f ( % ) f ( % ) f ( % ) Masculino 9 (36) 6 (24) 2 (8) 8 (32) 25 (100) Feminino 5 (20,8) 7 (29,2) 7 (29,2) 5 (20,8) 24 (100) Total 14 (28,6) 13 (26,5) 9 (18,4) 13 (26,5) 49 (100)

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tivas do professor, sem considerar, em nenhum momento do discurso, a criança como sujeito ativo no processo de aprendizagem. Os quatro professores citaram exemplos de como percebem estar contribuindo para a aprendiza-gem das crianças, porém desvincularam essas práticas do currículo e de pressupostos teóricos que deveriam susten-tar a sua ação pedagógica.

Observações das práticas docentes

A análise do diário de bordo utilizado pelo pesquisador nas observações das aulas administradas permitiu obser-var as seguintes categorias de prática comum a todas as professoras participantes: (1) organização e uso do espa-ço das salas de aula; (2) distribuição de tarefas; e (3) rela-ção professor / aluno.

Discussão DiscussãoDiscussão Discussão

Motricidade fina

O movimento é o elemento central na comunicação e na interação com as outras pessoas e com o meio ambien-te à nossa volta, quer se traambien-te de motricidade ampla ou fina, enfoque do presente estudo. O início da atividade gráfica é caracterizado pelo simples prazer de rabiscar, de exercitar motoramente a ação de deixar marcas no papel. Pouco a pouco, o controle dos movimentos de braços e das mãos é maior até o domínio das relações entre o lápis e o papel2. A aquisição de novas habilidades motoras, como escrever, que ocorre ao longo dos anos, é fruto não só das disposições do indivíduo para a ação, mas, princi-palmente, do contexto físico e sociocultural em que o indi-víduo está inserido3.

Ao analisarmos o desempenho na motricidade fina, foi observado alto índice de atraso motor nas crianças partici-pantes da pesquisa. Os resultados vão ao encontro do resultado apresentado por Lopes8, em pesquisa realizada com escolares açorianos de ambos os sexos, com idade entre 6 e 10 anos, em que se verificaram perfis de coorde-nação motora fina inferiores àqueles esperados para essa idade. Ainda mais, o presente estudo corrobora também com os resultados de uma pesquisa recente com 1.587 crianças de 4 a 12 anos, provenientes de escolas públicas da região Sul do Brasil. Nesse estudo os autores reportaram elevados índices de atrasos motores (19,9%) e risco de atrasos motores (16,8%). Os resultados evidenciaram, ain-da, que a motricidade fina apresentou o índice mais elevado quanto à responsabilidade (38%) pelos atrasos generaliza-dos observageneraliza-dos nas crianças9. Os índices de atrasos moto-res encontrados no pmoto-resente estudo e em estudos previa-mente reportados se mostram muito superiores aos 2% a 10% estimados pela American Psychiatric Association10.

Dificuldades motoras finas podem ser um dos indicati-vos de Desordem Coordenativa do Desenvolvimento, desordem que leva as crianças a movimentos desajeitados e pouco coordenados, com dificuldades em realizar ativi-dades de autocuidado11. Crianças com essa desordem apresentam movimentos finos mais lentos e cometem mais erros, podendo ocorrer a disgrafia12, preocupação reportada no presente estudo, uma vez que sérias dificul-dades coordenativas finas foram observadas.

Destaca-se, ainda, que um número elevado de crian-ças alfabetizadas apresentavam dificuldades motoras. Uma explicação plausível para esse fato reside no enten-dimento de que o desenvolvimento é multifacetado3 e produto de várias formas de interação interna e externas13, e, portanto, não necessariamente um único fator, neste caso a coordenação fina, pode impactar negativamente o desenvolvimento de habilidades cognitivas. Considerando que, indiferentemente às dificuldades motoras, essas cri-anças foram capazes de alfabetizar-se, questiona-se se as atividades propostas estão gerando, de fato, oportunida-des adequadas de oportunida-desenvolvimento para elas.

Níveis de escrita

A criança passa por diferentes níveis de evolução con-ceitual na construção e na aquisição da escrita que de-pendem das oportunidades de vivenciar a leitura e do ritmo individual4. A maturação e a equilibração do orga-nismo com o meio, as características individuais, as expe-riências com objetos e a vivência social são relações inter-dependentes que envolvem mecanismos complexos no processo de aprendizagem. A aquisição da escrita não ocorre, portanto, de uma forma linear. O conhecimento se dá por meio de grandes reestruturações globais, algumas das quais são errôneas; no entanto, esses erros podem ser construtivos e permitir acesso à resposta correta4 e à maturação do organismo14.

Durante a aquisição da escrita, a criança enfrenta tradições entre o que pensa e o que percebe. Essas con-tradições dão origem aos conflitos cognitivos que desequi-libram a organização mental da criança. São criadas dúvi-das ou incertezas quanto à validade de seus conceitos e, assim, a criança ultrapassa os níveis iniciais de construção da escrita4. Destaca-se que, nesse processo, a criança adquire a escrita à medida que a complexidade que envol-ve essa tarefa vai sendo consolidada com a mediação de uma pessoa mais experiente15. Portanto, para a aquisição da escrita, devem-se proporcionar ao educando tarefas sistemáticas organizadas em complexidade crescente que desafiem a criança. Ainda mais, o suporte educacional adequado para as dificuldades individuais e o respeito ao ritmo individual de aprendizagem devem ser parte do pla-nejamento do professor.

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Consequentemente, os resultados do presente estudo, que indicam que 73,5% das crianças ainda não haviam atingido o nível Alfabético da psicogênese da escrita, entre os 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, são preocupantes, pois colocam em risco a meta estabelecida pelo MEC16 de que crianças devam estar alfabetizadas ao final do 3º ano do Ensino Fundamental. Entende-se por estar alfabetizada que, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental, a criança deve ser capaz de interagir com textos escritos em diferen-tes situações, de poder ler e escrever com proficiência.

Verificou-se, ainda, que meninos e meninas apresenta-ram resultados praticamente semelhantes em todos os níveis de alfabetização. Esses resultados corroboram com a literatura que mostra pesquisas acerca do processo de aquisição da escrita, e que não indicam diferenças entre os gêneros nesse processo17-19.

Níveis de escrita e motricidade fina

No presente estudo, um maior número de crianças com atrasos e risco de atrasos na motricidade fina foi encontra-do entre aquelas que estavam em nível de escrita Pré-silábico e Silábico (n=20), quando comparadas às crianças com desenvolvimento típico (n=7). Esse resultado encon-tra suporte em pesquisas prévias que evidenciam dificul-dades de aprendizagem em crianças com um baixo de-sempenho na coordenação motora fina20-23.

O corpo é o ponto de referência que o ser humano possui para conhecer e interagir com o mundo, servindo de base para o desenvolvimento intelectual e afetivo24. Os movimentos corporais e as aquisições intelectuais tendem a ocorrer de forma progressiva e interdependente25. Do ponto de vista cognitivo-motor, existem pré-requisitos para que a criança aprenda a ler e a escrever que envolvem a coordenação do gesto, o desenvolvimento da lateralidade, da estruturação espacial, da percepção temporal e da discriminação auditiva e visual26.

Motricidade fina e escrita: compreensão dos professores

Abaixo apresentamos os discursos mais representati-vos dos professores em relação à importância da motrici-dade fina no processo de alfabetização:

A motricidade fina é importante, pois através dela as crianças começam a realizar um traçado bonito, o que vai facilitar na hora de aprender a letra cursiva (PA2). Ela é muito importante, pois ajudará a criança a ser capaz de ter uma letra cursiva bonita e legível (PB1). É fundamental no processo da escrita, para um traça-do bonito (PC1).

Se faz necessário o desenvolvimento da motricidade fina, para que a criança consiga realizar as atividades de forma eficaz com uma letra legível (PD2).

Quanto à compreensão dos professores quanto à im-portância do desenvolvimento da motricidade fina no pro-cesso de alfabetização do aluno, o que se percebeu foi que, para elas, o “papel” da motricidade fina se reduz a uma habilidade que trará, ou não, a aquisição de um tra-çado bonito e legível. Essas concepções desconsideram que as habilidades motoras finas envolvem a coordenação global e a coordenação visuomanual, que são essenciais para o desenvolvimento integral da criança e para sua adaptação no mundo27. Ainda mais, o desenvolvimento da motricidade fina é fundamental para o desenvolvimento de atividades envolvidas em higiene e cuidado pessoal13.

Apenas uma professora respondeu à pergunta: Quais conceitos teóricos acerca da aquisição da escrita e da motricidade fina você utiliza na elaboração de suas aulas?

Ao fazer a elaboração das minhas aulas, procuro se-guir a teoria da Emília Ferreiro, observando o desen-volvimento da escrita e leitura. Para motricidade fina procuro conceitos em livros de 2º ano. Assim formulo os exercícios de acordo com as atividades de ponti-lhados e recorte (PA2).

Essa professora mostrou utilizar conceitos teóricos no desenvolvimento metodológico de suas aulas, refletindo claramente sobre a teoria que fundamenta sua prática pedagógica. Guiar-se por conceitos teóricos para a reali-zação de um trabalho eficaz se faz necessário para que haja uma aprendizagem significativa. Entender a impor-tância do desenvolvimento global do aprendiz, a partir da exploração motriz, desenvolverá na criança a consciência de si mesma e do mundo externo. A atividade manual intervém no conjunto de músculos que promovem a manu-tenção de ombros, braços, antebraço e da mão, que é responsável pelo produto final da motricidade fina28. O entendimento de que o controle motor adequado permite à criança a construção de noções básicas para seu desen-volvimento intelectual está presente no discurso dessa professora.

Diante da pergunta: O que as crianças precisam para construir seu conhecimento?, as respostas deram desta-que às ações instrutivas do professor:

As crianças aprendem quando o professor trabalha em diferentes contextos, com diferentes atividades. Bom, é claro que o professor é mediador disso tudo (PA2).

O professor precisa mediar esse conhecimento, a criança precisa ouvir e assimilar o que o professor fala (PB1).

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Elas constroem seu conhecimento, ouvindo e agre-gando o conteúdo dado aos que elas já têm (PC1).

A criança aprende de acordo com o que o professor vai ensinando (PD2).

Nos discursos acima, os aprendizes aparecem como elementos passivos, guiados pelo que diz o professor. Em nenhum momento foi citado o papel ativo da criança na elaboração do conhecimento, na criação de hipóteses silábicas, ou a criança como personagem ativo na amplia-ção do repertório motor. Em algumas respostas os docen-tes destacam a vontade e o interesse como condição pré-via à aprendizagem:

As crianças têm que ter interesse, de nada também adianta o professor falar, falar se elas não mostrarem vontade de aprender (PC1).

É necessário também que os alunos entendam a im-portância do estudo, para que eles demonstrem von-tade de aprender (PD2).

Finalmente, os professores foram questionados sobre suas ações: Em sua realidade, que ações você, enquanto professor(a), garante que está contribuindo para a consoli-dação dessas aprendizagens? Cite exemplos.

Procuro situações que deixem as crianças inquietas nas fases (se referindo aqui aos níveis da psicogêne-se da escrita) para que elas avancem. Trabalho o al-fabeto, pontilhados, recorte e colagem (PA2). Promovo uma variedades de tarefas, caligrafia, recor-te, também trabalho com uma variedade de livros e textos associados ao alfabeto (PB1).

Nas minhas aulas canto bastante com meus alunos, eles vão para a “recreação” duas vezes na semana, também utilizo jogos além de trabalhar as letras e sons (PC1).

Os alunos tem “tempo livre na quadra” duas vezes na semana, trabalho caligrafia e atividades que envolvam a motricidade fina: seguir caminho, pontilhado (PD2).

As atividades que os professores vêm realizando para facilitar o processo de aprendizagem não parecem ser estruturadas e/ou congruentes, com base em pressupos-tos teóricos. As atividades são citadas de forma simplifica-da, sem alusão a modelos teóricos, e refletem em grande parte as crenças dos professores. De certa maneira, as crenças parecem servir de âncora para a realização de suas práticas, mas não sustentam suas ações em virtude da falta de aprofundamento e de reflexões de suas práticas.

Prática docente

Sobre a organização e o uso do espaço das salas de aula, observou-se que, nos primeiros anos, as carteiras eram agrupadas sugerindo a estratégia de trabalho coope-rativo; entretanto, em nenhum momento durante as obser-vações, aconteceram essas práticas.

O material exposto na sala foi construído pelo profes-sor e, ao fundo da sala, havia brinquedos e jogos que não foram utilizados. Nas salas dos segundos anos, as cartei-ras ficavam em colunas, e os alunos trabalhavam individu-almente, já não apresentavam jogos e brinquedos, e em uma das salas não havia nenhum material exposto, ne-nhum alfabeto sequer. O professor privilegiava o trabalho individual.

Sobre a distribuição de tarefas, nas quatro turmas ob-servadas não havia uma rotina para as crianças, as ativida-des eram ativida-descontextualizadas, sem uma ordem, pareciam não estar objetivadas pelos professores. As crianças não participaram de nenhuma atividade, como jogos, brincadei-ras e atividades físicas.

Sobre a relação professor / aluno, os professores de-monstraram ações burocráticas e pouca afetividade em relação aos alunos. Não enxergavam e não ofereciam ajuda aos aprendizes que deles necessitavam.

Concluindo, os resultados nos remetem à dura realida-de realida-de que boa parte dos docentes realida-desconhece ou não compreende bases teóricas sobre o desenvolvimento motor e sobre a aquisição da escrita, mesmo sendo essa fase marcada, justamente, pelo desenvolvimento dos pa-drões fundamentais do controle motor e das hipóteses sobre o processo de aquisição da escrita. Aliado a isso, observa-se a tendência a ficar para segundo plano, na educação de crianças, as contribuições de algumas áreas, como, por exemplo, da psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento motor. Esse distanciamento dificulta as construções de estratégias adequadas que contribuam de forma significativa para a aprendizagem das crianças29.

O estudo evidenciou alto índice de atrasos na motrici-dade fina e elevado número de crianças que ainda se encontram na fase Pré-silábica da aquisição da escrita. As atividades desenvolvidas em sala de aula parecem estar aquém de propiciar às crianças oportunidades adequadas de desenvolvimento da coordenação fina e da escrita. Destaca-se que as experiências que as crianças têm du-rante sua infância são fundamentais ao longo de suas vidas; é necessário propiciar experiências motoras diversi-ficadas, para assegurar às crianças o desenvolvimento de um amplo repertório motor.

Esperava-se que, com o ingresso das crianças de classes socioeconômicas menos favorecidas mais preco-cemente na escola, ampliando o tempo escolar e as

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opor-tunidades de desenvolvimento, essas desvantagens repor-tadas na literatura e no presente estudo estivessem dirimi-das. Evidencia-se que, paralelamente ao se instituir o ingresso de crianças mais novas na obrigatoriedade esco-lar, medidas de cunho pedagógico devem ser estabeleci-das. A formação continuada dos professores é essencial nesse processo, pois não se trata de transferir para as crianças de 6 anos as atividades e conteúdos da antiga 1ª série, mas sim de construir novas propostas pedagógicas, considerando a singularidade de cada uma, tanto nos objetivos cognitivos quanto nos motores.

Os resultados também sugerem o aprofundamento de investigações sobre crianças com atrasos motores para que se possam criar estratégias e intervenções durante a alfabetização.

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Referências

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