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Literatura e Morte nas línguas da infância

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Academic year: 2021

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1 Departamento de Letras

Literatura e Morte nas línguas da infância

Aluna: Isadora Schwenck Corrêa de Brito Orientadora: Rosana Kohl Bines

Introdução

O projeto de pesquisa “Literatura e Morte nas línguas da infância” está inserido em uma pesquisa de âmbito mais amplo da professora Rosana Kohl Bines sobre “línguas da infância” como estratégia potente de narração de experiências-limite humanas. A ideia que orienta todo o estudo é a contribuição das “línguas da infância” para enunciar experiências violentas de morte e de supressão da voz humana, examinando a produtividade da noção das referidas línguas para expressar as práticas inventivas do discurso em situações de barbárie. A proposta de estudo que vai ser apresentada no XXIII Seminário de Iniciação Científica da PUC-Rio é a investigação das “línguas da infância” nas obras literárias “As Aventuras de Ngunga”, de Pepetela, e “Terra Sonâmbula”, de Mia Couto. A análise comparativa permitirá discutir duas formas distintas de imaginar a voz infantil, entre a dicção heroica, associada à figura do menino-soldado combatente nas guerras de libertação e a dicção vitimizada,

relacionada à figura da criança situada no ambiente de guerra que busca um auxílio nesses contextos de privação de vida.

Durante a pesquisa, foi possível perceber que as “línguas da infância”, a partir da enunciação do personagem criançaem situações de fragilidade, produzem um rico olhar sobre a infância que ocupa um lugar, muitas vezes, de privação de afeto e de vida. Ao se apurar os ouvidos para se escutar a enunciação dessa infância nos textos literários, se apura também o modo de lidar com crianças que se encontram em situações tão conflituosas na vida para além da literatura. Ler a infância de escassez vivenciada pelos personagens dos livros fornece

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2 ferramentas para ler a infância de tantas crianças que se encontram, no mundo real, em experiências-limite, propiciando, assim, resgatar a ludicidade da infância que pode estar por trás da escassez de cuidados e de vida.

Delineando o olhar sobre a infância

O foco do primeiro momento da pesquisa foi diversas leituras que ajudassem a contextualizar a infância. As leituras, indicadas pela professora Rosana Kohl Bines, auxiliaram a delinear um olhar sobre a infância e as questões que a envolvem, principalmente ao se tratar de experiências-limite. Nessa etapa da pesquisa, procurou-se refletir sobre a construção da categoria infância e da noção de criança-soldado, a partir da leitura e fichamento dos seguintes textos. Desse modo, foram feitos os fichamentos dos seguintes textos:

– AOKI, Akemi. Feras de lugar nenhum: o infante na infância e na infantaria.

– ARRIÉS, Phillipe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. –ROSEN, David M. The Child Soldier in Literature or How Johnny Tremain Became Johnny Mad Dog em ABBENHUIS, Maartje e BUTTSWORTH, Sara (org) Restaging the War in the Western World: Noncombatant Experiences, 1890-Today. Nova York: Palgrave McMillan, 2009.

– TAMES, Ismee. Innocence and Punishment: The War Experiences of the Children of Dutch Nazi Collaborators em ABBENHUIS, Maartje e BUTTSWORTH, Sara (org) Restaging the War in the Western World: Noncombatant Experiences, 1890-Today. Nova York: Palgrave McMillan, 2009.

– IWEALA, Uzodinma. Feras de lugar nenhum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

As leituras mencionadas situaram o estudo, pois ajudaram a compreender, em primeiro lugar, como a ideia de infância se constitui ao longo da História e, posteriormente, de que modo a criança-soldado desconstrói o que normalmente se espera da infância. Se, por um lado, a criança foi ocupando, ao longo do tempo, um lugar de inocência e cuidado por parte de seus pais ou responsáveis, por outro, a criança-soldado é obrigada a adquirir funções de adulto, pegando em armas e combatendo o “inimigo”, mas sem deixar para trás traços que a qualificam como criança. Foi possível perceber, principalmente na obra “Feras de lugar nenhum”, que, mesmo em situações extremas, as crianças continuavam a se comportar como

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3 tal, na maneira de falar, na incompreensão da violência do adulto, na busca pelas brincadeiras e no modo de fazer amizades.

A obra abriu caminhos para a descoberta do campo da literatura africana contemporânea. Assim, por indicação da professora Rosana Kohl Bines, as seguintes obras foram fichadas e lidas:

– CAMPOS, Maria do Carmo Sepúlveda. A pedagogia do silêncio: da violência do opressor à resistência do oprimido em CAMPOS, Maria do Carmo Sepúlveda (org.) Estórias de Angola: fios de aprendizagem em malhas de ficção. Niterói: EdUFF,2002.

– COUTO, Mia. A menina sem palavra. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. – COUTO, Mia. Terra Sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

– MONIZ, Fábio Frohwein de Salles. Formação moral do pioneiro e manutenção da utopia revolucionária: a literatura infanto-juvenil de engajamento em SECCO, Carmen Lúcia Tindó (org.) Entre Fábulas e Alegorias: Ensaios sobre Literatura Infantil de Angola e Moçambique. Rio de Janeiro: Quartet, 2008.

– PEPETELA. As Aventuras de Ngunga. Lisboa: Dom Quixote, 2002.

Foi muito interessante notar como a questão da infância esteve relacionada a questões fortemente políticas. Países africanos como Angola e Moçambique há pouco se tornaram independentes de Portugal e isso também propiciou lançar um olhar diferente para a criança que está inserida nos contextos de guerras de libertação. Foi possível perceber, através dos fichamentos dos textos críticos, que maior parte da literatura infanto-juvenil no momento citado tinha um objetivo pedagógico de engajamento e conscientização sobre essas guerras. A questão revolucionária não estaria em primeiro plano de análise do projeto de pesquisa. Porém, ao entender a conjuntura sócio-política desses países, surgiram questões relevantes relativas às “línguas da infância”: de que modo a criança está inserida no contexto de guerra civil?; de que forma a voz infantil é enunciada em cenários de violência e escassez como os de guerra?; quais são os traços desse tipo de literatura?; como as questões anteriores podem contribuir para o pensamento sobre a literatura africana contemporânea?. Captar o que estava por trás da abordagem pedagógica da questão revolucionária contou com alguns desafios. Entre a dicção heroica e a dicção vitimizada: a infância no contexto de guerra civil

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4 Para a proposta de articular as questões relativas às “línguas da infância” nas obras “As Aventuras de Ngunga”, de Pepetela, e “Terra Sonâmbula”, de Mia Couto, o projeto de pesquisa enfrentou alguns desafios. Um deles foi fornecer um recorte no corpus selecionado pela professora Rosana Kohl Bines e, posteriormente, estabelecer uma questão principal relacionada às “línguas da infância” que fosse abordada nas obras selecionadas. Como todas as obras literárias lidas têm caráteres narrativos diferentes e modos distintos de se tratar a questão da infância em situações-limite, conceber uma articulação entre elas não foi um processo óbvio. Pelo contrário, o processo exigiu muita reflexão em formas de produções escritas, o que certamente ajudou a consolidar uma proposta a ser apresentada no XXIII Seminário de Iniciação Científica da PUC-Rio.

“As Aventuras de Ngunga” e “Terra Sonâmbula” enriqueceram a leitura sobre a infância porque, juntas, forneceram diferentes modos de se elucidar a questão das “línguas da infância”. “As Aventuras de Ngunga”, do escritor angolano Pepetela, narra a história de um menino órfão que deseja seguir o caminho dos pioneiros que estavam lutando pela libertação de Angola. Dentro da trajetória de se tornar guerreiro, Ngunga aprende importantes lições sobre honestidade, amizade e amor. O personagem representa o herói tradicional, aquele que enfrenta desafios por um ideal. Mesmo sem entender completamente o que se passa em seu país, Ngunga quer lutar. Sua trajetória é permeada de histórias tradicionais de seu país e ele quer fazer parte dessa história. Esse modo de pensar representa um olhar romantizado sobre a guerra, como forma de se tornar um mito. A questão da violência não é o foco central da obra, que é cheia de metáforas e descrições da beleza da paisagem de Angola.

“Terra Sonâmbula”, do moçambicano Mia Couto, apresenta uma perspectiva mais complexa em relação à guerra. A história tem dois planos que se entrecruzam: o do menino Muidinga e seu amigo mais velho Tuahir, refugiados da guerra, e o de Kindzu, um menino soldado combatente no auge da revolução pela independência de Moçambique. Muidinga encontra o caderno de Kindzu entre os escombros, então duas narrativas ocorrem ao mesmo tempo: entre o fim e o auge da guerra. Duas perspectivas são colocadas lado a lado; por um lado, tem-se um menino assustado e fragilizado pela possibilidade de morte a qualquer instante e por outro, um menino herói que serve seu país na libertação da opressão por parte da metrópole. Com uma linguagem cheia de elementos oníricos relativos à tradição cultural de Moçambique, Mia Couto constrói uma narrativa rica que oferece uma importante perspectiva para o questionamento relativo às guerras de libertação.

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5 As duas obras possuem características próprias muito bem delimitadas, sendo o tema de ambas muito próximo, mas seus traços narrativos são bem diferentes. Esses aspectos constroem um cenário cheio de nuances propício a captar formas distintas de enunciação da infância em situações de risco. Porém, a pesquisa ainda precisa caminhar. Ainda é necessário expandir o corpus para criar condições ainda maiores de se apurar, cada vez mais, os ouvidos para escutar as vozes da infância. Dessa forma, é traçado um olhar para uma infância que se realiza no limite, tanto da vida quanto da fala. Ngunga, Kindzu e Muidinga, personagens das obras mencionadas anteriormente, são representações da infância que se realiza entre a vida e a morte, cheia de privações. O olhar da infância captado nessas obras se estende para a vida real, nos casos de crianças que, hoje, vivem em situações de risco. Assim, quando se ouve suas vozes, está se ouvindo, também, as vozes das crianças que têm o cenário de guerra como panorama real.

Referências

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