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MULHERES IMIGRANTES NA FRONTEIRA DE CORUMBÁ-MS

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Academic year: 2021

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VI Seminário Internacional AMÉRICA PLATINA (VI SIAP) e I Colóquio Unbral de Estudos Fronteiriços TEMA: “América Platina: alargando passagens e desvendando os labirintos da integração”

Campo Grande, 16,17 e 18 de novembro de 2016 UEMS (Unidade Universitária de Campo Grande)

ISBN: 978-85-99540-21-3

MULHERES IMIGRANTES NA FRONTEIRA DE CORUMBÁ-MS

Antônio Hilário Aguilera Urquiza1 &Isabelle Jablonski2

1 Professor da UFMS e da Pós-graduação em Direitos Humanos; e-mail: hilarioaguilera@gmail.com 2 Aluna do Curso de Ciências Sociais da UFMS, bolsista de Iniciação Científica CNPq – PIBIC 2015/16

Resumo: O presente trabalho de iniciação científica está inserido em um projeto mais amplo

intitulado “Fronteiras étnico-culturais – análise do tráfico e migração de pessoas nas fronteiras de Mato Grosso do Sul”. Visando um estudo de cunho antropológico – etnografia –, a proposta deste trabalho é abordar as condições que levam as mulheres indígenas e bolivianas a migrarem para a fronteira brasileira – especialmente para Corumbá – que faz fronteira seca com Porto Quijarro. Trata-se inicialmente de pesquisa bibliográfica com base em autores como Barth que trata sobre fronteira, Baeninger que trata sobre a migração boliviana – com ênfase nas mulheres – e Sayad que trata sobre o conceito de migração, complementado por trabalhos de campo realizados em Corumbá no primeiro semestre do ano de 2016.

Palavras-chave: migração; fronteira; mulheres indígenas e bolivianas.

Abstract: This scientific research work is part of a larger project entitled "Ethno-cultural borders -

traffic analysis and migration of people on the borders of Mato Grosso do Sul". Targeting a anthropological work – ethnography – the purpose of this article is to approach the conditions that lead bolivian and indigenous women to migrate to the Brazilian border – especially to Corumbá – which makes land border with Puerto Quijarro; literature search based on authors like Barth which deals with border, Baeninger which deals with the Bolivian migration – with emphasis on women – and Sayad which deals with the concept of migration, with support at work field carried out in Corumbá in the first half of the year 2016.

Key words: migration; border; indigenous and bolivian women.

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, tem sido comum a prática dos deslocamentos entre parentelas e entre territórios, assim como as navegações. Iniciamos esta reflexão, a partir da centralidade do conceito de migração, o qual, segundo o dicionário Aurélio (2010), é um substantivo feminino, definido como 1. Passagem dum país para outro (diz-se de indivíduo, ou de

povo). 2. Deslocamento periódico de certas espécies animais, ger. associado a mudanças de estação. Entretanto, segundo alguns autores usados na antropologia, esse conceito vai adquirindo

outras nuances. Por exemplo, geralmente os estudos tratam da mobilidade humana com foco na

imigração, ou seja, do ponto de vista da população que ‘recebe’, procurando saber o porquê da

migração, quais suas consequências – por exemplo, qual a relação do emigrante (aquele que sai) e sua relação com a terra deixada –, sendo esta análise uma espécie de ‘quebra’ com o ‘etnocentrismo

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VI Seminário Internacional AMÉRICA PLATINA (VI SIAP) e I Colóquio Unbral de Estudos Fronteiriços TEMA: “América Platina: alargando passagens e desvendando os labirintos da integração”

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inconsciente’, visto que geralmente vemos a migração como algo ruim, o migrante como alguém que vem ‘roubar emprego’. Assim, a partir do momento em que rompemos com esse pensamento e olhamos com os olhos do imigrante, a perspectiva de análise é completamente diferente.

Com o conceito de migração agora menos nebuloso e abstrato, é possível fazer uma conexão com o presente trabalho, trabalho este que propõe analisar a migração de mulheres indígenas e bolivianas para Corumbá, cidade brasileira localizada no estado de Mato Grosso do Sul.

Corumbá sempre foi um local de grande fluxo de pessoas e mercadorias e seu porto tem uma grande importância histórica: era por lá que se dava o contato e a passagem de mercadorias e pessoas entre Cuiabá e o Rio de Janeiro – capital do Brasil na época – nos meados de 1800, por meio do rio Paraguai. Fundada em 1778, é uma cidade com cerca de 100 mil habitantes (103.703 para ser mais exato, segundo o censo IBGE 2010) e faz fronteira com duas cidades da Bolívia, Porto Quijarro e Puerto Suarez; conhecida historicamente por receber milhares de imigrantes de todas as nacionalidades – desde paraguaios até portugueses, italianos, libaneses e palestinos, principalmente bolivianos –, Corumbá é uma belíssima cidade com uma imensa diversidade cultural.

O destaque na migração dos bolivianos para a fronteira brasileira se dá justamente pelo fato de ser uma fronteira; entretanto, é importante frisar que a fronteira é algo criado historicamente pelos Estados modernos – considerando o Ocidente como opressor de outros povos e culturas que diferenciam do padrão imposto pela colonização promovida por ele; imposição de um modelo de vida considerado padrão (GUSMÃO, 2008), e que no caso das populações indígenas essa fronteira (essa linha que divide territórios) não existe, ou seja, houve e ainda há trânsito de etnias indígenas por essas linhas.

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Figura 2: rua do Centro de Corumbá em 2016. Nota-se que a cidade é marcada por características da época colonial, como o asfalto e a arquitetura. Fonte: acervo pessoal.

Figura 3: foto da bandeira boliviana pendurada no Consulado (2016). Fonte: acervo pessoal.

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DISCUSSÃO DOS DADOS

Entendemos que a fronteira pode ser vista como uma oportunidade de negócios, e ‘é um dos principais fatores de atração de pessoas para a região e favorece oportunidades de trabalho ou ascensão social econômica, sendo utilizada como um recurso material e simbólico por esses atores sociais’ (COSTA, 2013). Entretanto é importante fazer um adendo histórico: com a crise da alta do dólar – que começou em 2015 – os negócios no Brasil não valem mais tanto a pena, logo, muitos bolivianos acharam que era melhor voltar para a Bolívia ao invés de manter os negócios aqui no Brasil.

Corumbá tem um centro boliviano de tradições – localizado na rua Joaquim Murtinho, nº 2002. Já o Consulado, localizado na rua Antônio Maria Coelho, tem uma bandeira boliviana que permanece exposta do lado de fora apenas durante o dia; no período da noite eles retiram, por causa da hostilidade de moradores locais (muitos deles não aceitam imigrantes bolivianos, chamando-os de bugres e inclusive comparando-os com indígenas, como se fossem todos iguais). Os corumbaenses, com certa frequência, disparam falas preconceituosas e sem fundamento algum, a respeito dos bolivianos. Uma das falas mais comuns é a de que os bolivianos estariam roubando a vaga dos brasileiros nas filas dos postos de saúde. Podemos dizer que essas manifestações são endossadas pela imprensa e política local, como por exemplo em matérias tais como Corumbá:

paraíso dos clandestinos1, com informações baseadas no senso comum e repletas de manifestações

etnocêntricas e preconceituosas, em relação a estes migrantes, sobretudo, oriundos da Bolívia. É importante lembrar que a falta de vagas no sistema de saúde pública é mais um problema das políticas públicas no Brasil, do que de excesso de migrantes, inclusive, porque em termos de ordenamento jurídico, o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) garante os mesmos direitos dos brasileiros aos imigrantes, pois todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Entretanto, os imigrantes não contam apenas com o aparato do Estado e suas políticas públicas, eles também contam com ajuda – mais efetiva – de outros lugares além do Estado, como por exemplo a Igreja do Cristo Redentor, que atende imigrantes, e a própria Pastoral do Migrante, que atende vítimas de tráfico internacional de drogas. Nestes centros de acolhida não apenas bolivianos passam por lá, mas também russos, sírios e refugiados de todos os lugares do mundo, sabendo que este atendimento às vezes tem parceria com a prefeitura para albergues e acompanhamento. As crianças também são acompanhadas através da Pastoral da Criança, da Igreja Católica.

Durante o trabalho de campo, foi possível realizar entrevista com uma brasileira descendente de bolivianos, senhora Eliza2, a qual faz parte da Pastoral da Criança. Em um dos relatos Eliza disse que uma criança estava doente e mesmo tendo passado por alguns médicos, não melhorava; por fim, o que curou mesmo foi a farinha da Pastoral da Criança, uma receita passada de geração em geração e que tem como base mandioca e ovo; essa farinha é especial e é usada para melhorar a saúde das crianças quando necessário. Segundo relato da senhora Eliza, a farinha é que ajudou a criança, e isso remete, segundo a informante, ao conceito de mana, que seria uma espécie de fé, algo em que acreditamos profundamente e que não tem explicação ‘física’.

Outro depoimento foi de uma senhora boliviana, original de Santa Cruz de la Sierra, residente em Corumbá há 21 anos. O seu relato confirma informações do cotidiano da vida destas famílias migrantes na cidade de Corumbá: segundo ela, nas famílias bolivianas, geralmente a

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(http://www.correiodecorumba.com.br/?s=noticia&id=22167), 27/02/2016. Acessado em 28/05/2016. 2

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mulher é quem ‘mantém as rédeas’, é ela que está à frente do sustento da familiar e dos negócios; é possível notar isso nas feiras, em que grande parte das barracas são de bolivianos. Por exemplo: o homem – geralmente o marido – quase sempre está mais escondido, encolhido na cadeira, enquanto a mulher é que mostra e vende os produtos; isso é um paradoxo muito interessante, visto que ao mesmo tempo que a mulher é a que mantém a família e leva à frente os negócios, ela também é ‘tímida’ e retraída, não costumando conversar com pessoas não-bolivianas. Mesmo que seja para vender, ela se limita a palavras como ‘sim’ e ‘não’ e ao preço do produto que ela está vendendo. As crianças também estão sempre presentes junto com a família nas barracas e ruas da cidade.

Em seu relato, esta senhora boliviana contou rapidamente sua história, dizendo que veio fugida do tio que a escravizava para trabalhar, depois que a mãe morreu (as histórias em geral dessas mulheres não são fáceis de ouvir). Ela veio fugida para o Brasil, sozinha e constituiu família com um boliviano aqui no Brasil, com quem teve filhos. Quando perguntado se ela era casada, ela respondeu que era ‘amigada’; que a filha mais velha está terminando a faculdade de administração de empresas – provavelmente para ajudar a mãe, já que ela é dona de uma loja de frutas, verduras, legumes etc.; na verdade é bem comum ver os filhos estudando para ajudar no negócio dos pais. Conforme observamos e, segundo relatos, é comum as famílias bolivianas colocarem seus filhos para estudar no Brasil, podendo ser esse um dos motivos principais no que diz respeito à migração para o Brasil. Entra aqui também, a importância histórica das mulheres migrarem para Corumbá, constituindo força de trabalho, já que desde 1940 a migração de mulheres tem destaque, principalmente em comparação a outras nacionalidades, tais como paraguaios (BAENINGER, 2012).

Figura 4: lado boliviano da fronteira seca de Porto Quijarro-BO/Corumbá-BR. “Bien venidos al Estado plurinacional de Bolívia”. Fonte: acervo pessoal.

A partir da sua última Constituição (2009), a Bolívia assume seu estado de Estado Plurinacional. Esta realidade pode ser constatada na divisa dos dois países, conforme foto acima, em que se lê na placa da fronteira: ‘Bem-vindo ao Estado Plurinacional de Bolívia”. Ou seja, o próprio Estado da Bolívia reconhece que tem vários povos em seu interior – Estado Plurinacional da Bolívia é agora o nome oficial do país. Entretanto, é importante ressaltar que o governo boliviano adotou o ‘Estado Plurinacional’ recentemente – em 2009, por meio de um plebiscito popular – após demandas e mobilizações de povos indígenas e outros povos não-indígenas que constituem a Bolívia contra o processo do capitalismo neoliberal que assolava o povo (MATEUS, 2011). Cerca de dois terços da população boliviana é indígena, sendo a maioria das etnias Aymara e Quechua (ONU, 2014) – sendo esta primeira, inclusive, a etnia do atual presidente do país, Evo Morales.

Ao transpormos a fronteira para o outro lado, uma das primeiras coisas que podemos notar é a incrível quantidade de dentistas, ao lado das lojas de roupas, eletrônicos etc., tudo fazendo parte de um grande ‘camelódromo’, conforme conhecemos no Brasil. Quanto ao trânsito, tanto do lado

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brasileiro em Corumbá, quanto do lado boliviano é relativamente tranquilo para andar. Do lado brasileiro, as ruas são largas e compridas, há muitas pessoas de idade, cidade estilo colonial [o que confere com o fato de Corumbá ter sido a cidade da coroa portuguesa], bares cheios aos domingos, clima muito quente e úmido – o que faz com que boa parte das pessoas andem com roupas mais curtas, e nesse ponto é interessante notar a diferença cultural entre brasileiros e bolivianos, pois mesmo com o forte calor a maioria das pessoas na Bolívia insiste em se manter debaixo de seus trajes típicos, que são roupas compridas e quentes.

Em uma das visitas aos bairros mais afastados do centro de Corumbá, uma cena foi marcante e fez pensar sobre até que ponto o poder policial do Estado não abusa do uso do poder: um rapaz de bermuda e descalço, sem camisa, negro, jovem – com aparência de uns 18 anos – estava com as mãos para o alto enquanto três homens com uniforme da Força Tática – que portavam armas demasiadamente grandes até para eles mesmos – riam dele, enquanto ele estava visivelmente constrangido, e as pessoas em volta nem prestavam atenção, era como se fosse algo normal, alguma espécie de rotina ou algo naturalizado. Podia-se notar o uso exagerado da força e aparato policial.

Outra pessoa que teve um peso fundamental nesta pesquisa foi o sr. Ângelo3 ‘Guató’. Trata-se de um indígena da etnia Guató, povo que historicamente circulava na região do “Chaco”, no lado brasileiro e no lado boliviano; isso confere com o que foi dito anteriormente, que indígenas não veem linhas de fronteira como nós, ocidentais; eles circulam livremente. Membro do PSOL – Partido Socialismo e Liberdade –, mas também tece duras críticas às políticas e políticos do partido, como por exemplo ao Jean Wyllys – deputado federal pelo partido no Rio de Janeiro – que não tem uma fala definida em relação ao genocídio indígena que acontece no Brasil, especialmente em Mato Grosso do Sul, comprovadamente o estado mais anti-indígena do Brasil – segundo um estudo de 2010 da pesquisadora Marta Azevedo, antropóloga e professora do Núcleo de Estudos da População (NEPO) da Unicamp. Também acho importante ressaltar que seu Anísio Guató é membro ativo do Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicas.

Durante a pesquisa, Sr. Ângelo comenta que as pessoas pensam que o boliviano se adapta fácil, mas que isso é um etnocentrismo – conceito antropológico dado à visão de quem considera seu grupo étnico ou cultura como se fosse o único correto, ou mais importante que o resto. Segundo o Sr. Ângelo, “nós é que forçamos o boliviano a se adaptar”. Entretanto, continua ele, quando a gente acha que eles finalmente se ‘integraram’ e ‘perderam a cultura boliviana’, na verdade eles só se adaptaram, mas não perderam nada. É muito importante associar a fala do Sr. Ângelo com o conceito de fricção interétnica de Roberto Cardoso de Oliveira (2005), e o quanto estamos acostumados a pensar sob o conceito de aculturação e assimilação e como a fronteira é parte importante nesse processo de ‘não-perda’ da cultura, visto que, segundo Barth (2000), a identidade se ‘mantem mais firme’ justamente na fronteira [não necessariamente física], onde se dá o contato com outras culturas.

Nos estudos de relações interétnicas, Fredrik Barth (2000) representa um divisor de águas, e é seguido de perto por Roberto Cardoso de Oliveira, nesta mudança de paradigmas nos estudos das identidades e as fronteiras. Durante muitas décadas predominou o conceito de aculturação, advinda da antropologia americana. Segundo este conceito, o indivíduo ou o grupo, em contato com uma cultura hegemônica, passa a perder elementos de sua cultura: a língua, práticas rituais, religiosas, etc.

O outro conceito – assimilação – nesta mesma linha vem da antropologia social inglesa, o qual afirma que na situação de contato entre duas culturas, a cultura mais simples (geralmente os nativos) inexoravelmente vai se descaracterizar, perder elementos de sua cultura, até diluir-se

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totalmente na cultura hegemônica. A este processo final, chamam de assimilação, ou seja, já não resta nada mais da cultura original, foi totalmente assimilada pela cultura dominante.

Contra estes conceitos amplamente divulgados e aceitos na antropologia ocidental, sobretudo a partir dos anos de 1960 e 1970, começam a surgir discordâncias. Contemporaneamente a Roberto Cardoso de Oliveira, Fredrik Barth lança seu texto em 1969 (Grupos Étnicos e suas fronteiras), em que apresenta uma nova concepção acerca das relações interétnicas. As identidades são construídas e mantidas não no centro do grupo, mas nas fronteiras, exatamente nas relações com “o outro”, o diferente, ou ainda, o estrangeiro, como é o caso das relações entre os moradores da cidade de Corumbá e os migrantes bolivianos. Afirma ainda, que estas identidades permanecem, apesar do trânsito nas fronteiras (BARTH, 2000).

Essa identidade se mantém ainda mais em destaque, no caso de Porto Quijarro e Corumbá, em que a fronteira física entre os dois países é seca, especialmente pelo fato de que para o boliviano passar para o lado brasileiro ele precisa de um visto – o permiso – que é a autorização brasileira que permite a passagem dele na fronteira. Porém, não basta passar, pois ele é o tempo todo lembrado de como não é brasileiro [isso acontece também com indígenas] e que, por não ser brasileiro, precisa de autorização para entrar. E é interessante notar como é bem ‘separado’ os pontos de trânsito entre brasileiros, bolivianos e indígenas.

Ainda quanto ao tema das relações interétnicas, construção e manutenção das identidades nas regiões der fronteira, foi importante observar durante o trabalho de campo, que dificilmente brasileiros, bolivianos e indígenas se misturam, seja na região da travessia da fronteira, ou nos espaços urbanos. Há muitas crianças bolivianas em escolas da rede pública do Município de Corumbá, e um dos principais problemas é justamente a falta de integração destas crianças, sobretudo devido à diferença da língua, mas sobretudo, pelas diferenças culturais.

Figura 5: obras de arte pintadas à mão vendidas nas feiras de bolivianos. 2016. Fonte: acervo pessoal.

Figura 6: Locais do trabalho de campo, na cidade de Corumbá e na fronteira com a Bolívia. 2016. Fonte: acervo Andrey Gasparl Sorrilha.

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Na figura acima podemos observar os principais pontos que fizeram parte desta pesquisa de campo: visita ao bairro do Cristo Redentor, na periferia de Corumbá, local onde se encontra a maior parte dos Kamba, indígenas Chiquitanos e que migraram para a cidade desde os anos de 1950. Assim como as demais comunidades de migrantes bolivianos, sempre foram muito discriminados e, com um agravante, mais discriminados por serem índios bolivianos. Além deste bairro, estivemos também, na Receita Federal, para entrevistar os agentes, acerca do fluxo migratório e as motivações, assim como as questões legais e ilegais que envolve esta dinâmica nos últimos anos. Finalmente, na cidade de Corumbá, visitamos também, a feira em que trabalham predominantemente os migrantes bolivianos.

Em todos estes espaços, na verdade, percebemos o papel de liderança que é exercido pelas mulheres. Assim é o que ocorre com o comércio, na área da feira, o qual está por conta das mulheres, pois são elas que organizam as barracas, elas que atendem os clientes e fazem as relações sociais entre as famílias nos locais de feira. O mesmo acontece nos espaços familiares, em que notamos uma liderança efetiva das mulheres, seja na parte econômica, como já afirmamos, ou no que diz respeito à própria família e à educação dos filhos. Como elas são as que estão mais à frente nas relações sociais e comerciais, assim como na educação das crianças, certamente são as que mais sofrem a carga de preconceito e discriminação contra os migrantes bolivianos na cidade de Corumbá. Abaixo, algumas impressões e falas críticas das mulheres bolivianas quanto a estas práticas etnocêntricas.

Uma das críticas delas é exatamente em relação à questão econômica e política corumbaense: eles [brasileiros] estão dando as costas para 11 milhões de potenciais consumidores [10.67 milhões segundo o IBGE 2013]. Ou seja, o preconceito impede que também a relação comercial entre os dois países seja mais intensa e possa, inclusive, render mais dividendos para o Brasil.

Outra crítica que estas migrantes bolivianas fazem e que foi possível constatar no trabalho de campo, foi o fato de como os brasileiros – especialmente autoridades – os tratam com grosseria e rispidez. Não é o tempo todo, mas por exemplo, no posto fronteiriço da Polícia Federal – localizado na rodovia Ramon Gomes –, é possível ver os migrantes bolivianos ficarem o dia todo esperando o

permiso, que é o documento que permite a entrada em território brasileiro. Na fila, eles ficam sem

Figura 6: Locais do trabalho de campo, na cidade de Corumbá e na fronteira com a Bolívia. 2016. Fonte: acervo Andrey Gasparl Sorrilha.

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água, comida e banheiros. Na última visita de campo, realizada em junho de 2016, constatamos que os banheiros estavam sendo construídos, mas não estavam liberados ainda –, apenas abrigados do sol por conta da gigantesca estrutura de concreto que é o posto [aí já começa o descaso do próprio Estado brasileiro para com os bolivianos]. Além da falta de estrutura física, há também a burocracia e a falta de pessoal no posto, fazendo com que o atendimento para conseguir o permiso dure horas a fio. Por fim, há o tratamento dos policiais e agentes federais para com os bolivianos: eles os tratam como se fossem todos problemas em potencial [aí entra o preconceito, como se todo boliviano fosse um potencial traficante].

Apesar de todo este contexto adverso, quando perguntamos às mulheres bolivianos “qual a motivação da migração para o Brasil”, as respostas eram sempre muito parecidas: vieram por causa dos filhos, para que tivessem melhores condições de vida. Segundo elas, o lado brasileiro é melhor e tem mais oportunidades de futuro para os jovens, tem melhores escolas e melhor sistema de saúde. Enfim, diante de um vizinho mais forte economicamente, é compreensível que apareçam melhores condições e oportunidades socioeconômicas para as famílias sobreviverem e projetarem o futuro de suas novas gerações.

Como bem afirma Baeninger (2012), em seu livro “A Migração Boliviana no Brasil”, este fluxo é histórico e anterior à metade do século passado, porém tem se intensificado nas últimas décadas. No Brasil, as duas cidades com a maior presença de bolivianos é São Paulo, sobretudo na indústria têxtil e depois, Corumbá.

Assim, esta pesquisa, procurou através do levantamento bibliográfico e de campo, perceber a situação de mulheres indígenas e bolivianas migrantes na região de Corumbá e, em especial, a motivação delas para este deslocamento, que não é meramente geográfico, mas sobretudo, socioeconômico e cultural. Deslocamento que tem início com as dificuldades de sobrevivência de famílias indígenas e bolivianas, quase sempre da região da “chiquitania”, e que realizam este fluxo migratório, em busca de melhores condições para suas famílias e as gerações futuras, enfrentando todos os tipos de dificuldades, sendo a principal delas, o preconceito e a discriminação, por parte da população brasileira.

Pudemos constatar, em especial através do trabalho de campo, como o preconceito é atualizado de diversas maneiras, reforçando uma relação assimétrica na fronteira, em que “o outro”, o migrante, neste caso os bolivianos, são tratados com indiferença e relegados a papeis subalternos no contexto social do Município e da cidade de Corumbá/MS.

Os homens conseguem apenas trabalhos subalternos e subempregos, com baixa remuneração (pedreiro, carpinteiro, açougueiro, lavrador, dentre outros). No caso das mulheres, a impressão inicial é que para elas abre-se um leque maior de oportunidades: tanto podem trabalhar no comércio local, como podem trabalhar de domésticas nas casas de famílias, ou ainda, como vendedoras ambulantes e em especial na feira, espaço em que as pessoas migrantes da Bolívia se encontram, para comprar e conversar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em todos os espaços visitados por nós no trabalho de campo, o mais significativo para a pesquisa foi a feira, tendo em vista seu caráter dinâmico, em que as relações sociais são construídas ou reforçadas, alta concentração de pessoas e situações de vida, além é claro, dos produtos que se compram neste espaço de comércio.

No espaço da feira foi interessante notar a diversidade de pessoas que transitam por lá, assim como a diversidade de produtos que são vendidos. Desde belíssimas obras de arte pintadas à mão, passando por eletrônicos – fones de ouvido, coisas simples como chaveiros com baterias, lanternas etc. –, roupas e bolsas artesanais, alimentos – tanto industriais como pacotes de balas, alimentos frescos como verduras e frutas –, espetinhos de carne vermelha assados na hora e até peças para

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bicicletas. A diversidade de produtos vendidos é realmente incrível e inusitada e, como dissemos, esta diversidade se completa com o trânsito de pessoas, as quais fazem da feira um espaço social.

Nas barracas que seguem ao longo da rua – dependendo do dia da feira, podem se alongar por cerca de 5 quadras – as lonas são em sua grande maioria de cor azul; dois dos motivos que eu ouvi foram que o azul atrai mais claridade e, por consequência, atrai mais os olhares curiosos, e o outro foi que é obrigatório por causa da fiscalização.

Em Corumbá há grandes feiras, nas quais a maioria dos vendedores são bolivianos; eles que movimentam as feiras, encontrando nelas uma forma de se adaptar ao ambiente brasileiro enquanto encontra seus iguais, ou seja, não perdem seu ‘jeito boliviano’ de ser. Mesmo estando em território brasileiro e lidando com brasileiros o tempo todo durante as vendas eles mantem sua cultura.

São grandes feiras, cada dia da semana é uma em um local diferente, sendo a de domingo a maior de todas, abrangendo cerca de 4 ou 5 quadras, e essa feira inicia na rua 13 de junho. É nas feiras que eles conseguiram se adaptar, se inserir no ambiente brasileiro ao mesmo tempo que encontram seus iguais, ou seja, não perdem seu ‘lado boliviano’ de ser; apesar de todas as divergências, eles ‘permanecem bolivianos’.

Voltando ao Fredrik Barth (2000) e ao Roberto Cardoso de Oliveira (2005), é na fronteira que a identidade se mantem mais forte. Nos espaços das relações entre os diferentes, surge a necessidade da demarcação identitária, reforçando traços diacríticos e disfarçando elementos “mal vistos” e que sejam motivos de preconceito. Após este período de pesquisa e de trabalho de campo, foi possível perceber que mesmo há vários anos vivendo no Brasil, as pessoas migrantes da Bolívia

Figura 6: Feira a céu aberto em Corumbá. 2016. Fonte: acervo pessoal.

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mantêm sua afetividade com seu povo e o orgulho de sua nacionalidade, ainda que sofram preconceitos, reforçam seu pertencimento a seus símbolos familiares, religiosos e políticos.

Durante todo o período do trabalho de campo na cidade de Corumbá e também do outro lado da fronteira, em Puerto Quijarro, foi possível perceber, nem sempre explicitamente, as motivações da migração das mulheres indígenas e bolivianas para o Brasil. Fizemos a distinção/junção entre estes termos, por representarem, ao mesmo tempo realidades distintas e complementares. Muitas mulheres bolivianas são indígenas e, nestes casos, as dificuldades são múltiplas, pois ao preconceito de ser mulher boliviana, acrescenta-se o fato de ser indígena, e neste caso, o estereótipo é ainda mais carregado: bugre, desleixada, não fala bem nem o espanhol (pois falam suas línguas indígenas), dentre outros desqualificativos.

Quanto à motivação da migração destas mulheres indígenas e bolivianas para o Brasil, podemos agrupar em uma motivação principal e as demais secundarias: a primeira motivação de quase todos os relatos é que vieram para o Brasil, para garantir o futuro de seus filhos. Juntamente com esta motivação, podemos agregar a questão de maiores oportunidades de emprego e renda, melhor oferta de educação na rede pública de ensino, assim como a assistência à saúde. Todos elementos que somados produzem, aos olhos destas mulheres migrantes motivos suficientes para migrarem em busca, enfim, de melhor qualidade de vida.

REFERENCIAS BILIOGRÁFICAS

AURÉLIO. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Saraiva. 2010.

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Referências

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