RESUMO
Objetivo: Avaliar a concordância entre autoclassifi cação e avaliação profi ssional de maturação sexual entre adolescentes de baixa renda. Métodos: Estudo transversal com 100 adolescentes com sobrepeso (76 meninas, 24 meninos) com idades entre 11 e 19 anos, residentes em Cidade dos Meninos, Duque de Caxias, RJ, Brasil. Foi avaliado o estadiamento puberal através da escala de Tanner. Foram ainda coletados dados sociodemográfi cos, peso e altura. Resultados: As estatísticas kappa entre a classifi cação do examinador e a autoavaliação de Tanner variaram de 0,53 (pelos pubianos masculinos e gônada masculina) e 0,60 (pelos pubianos femininos). Percentuais de subestimação e superestimação para crescimento da mama, genitália masculina e pelos masculino e feminino foram estimados para cada sexo. Conclusão: Entre adolescentes com idades entre 11 e 19 anos, autorrelatos de avaliação de estágios de Tanner não são medidas de proxy válidas para a avaliação profi ssional.
PALAVRAS-CHAVE
Adolescente, puberdade, renda, reprodutibilidade dos testes. ABSTRACT
Objective: To assess the correlation between self-assessments and professional evaluations of sexual maturation among low-income adolescents. Materials and Methods: A cross-sectional study of 100 overweight adolescents (76 girls, 24 boys) aged 11-19 years old living in Cidade dos Meninos, Duque de Caxias, Brazil. Pubertal stages were assessed on the Tanner scale, in addition to collecting weight, height and socio-demographic data. Results: The kappa statistics between the examiner's classifi cation and the Tanner scale self-assessments ranged from 0.53 (male pubic hair and gonads) to
Concordância da autoavaliação puberal
em adolescentes de baixa renda
Correlation of self-assessments and professional evaluations of
sexual maturation in low-income adolescents
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Raphael Mendonça Guimarães1 Carmen Ildes Rodrigues Fróes Asmus2 Paulo Guilherme Molica Rocha3 Cristiane Teixeira da Silva Vicente4 Raphael Ribeiro Goulart5 Marcelle Abel Pereira Lima6Raphael Mendonça Guimarães (raphael@iesc.ufrj.br) - Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Avenida Horácio Macedo, S/N - Próximo a Prefeitura Universitária da UFRJ. Ilha do Fundão - Cidade Universitária. CEP: 21941-598, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Recebido em 25/01/2013 – Aprovado em 17/07/2013
1Doutor em Saúde Coletiva. Professor Adjunto. Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2Doutora em Ciências. Professora Associada. Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3Bolsista de Iniciação Científi ca. Acadêmico de Medicina. Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4Enfermeira. Staff do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
5Enfermeiro. Residente de Enfermagem do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG). Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 6Enfermeira. Residente de Enfermagem do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
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INTRODUÇÃO
A confi abilidade das avaliações de matura-ção sexual entre adolescentes tem sido estuda-da para determinar se podem ser aplicaestuda-das para investigações epidemiológicas e clínicas1-10. A
maioria dos estudos comparados de autorrelatos de maturidade sexual1-8, com a avaliação de um
profi ssional e adolescentes, é realizada com ado-lescentes hígidos. Entretanto, não há estudos que tenham feito esta mensuração entre ado-lescentes de baixa renda, que possuem padrões diferenciados de acesso a informação.
Estudos prévios a respeito da autoavaliação da maturidade sexual em crianças e adolescen-tes em condições normais apresentaram porcen-tagens inconsistentes de concordância, variando entre 49% e 86% para avaliação das mamas2-5,
de 58% a 86% para avaliação dos pelos púbicos das meninas2,3,5,6,8,10, de 48% a 78% para
ava-liação dos pelos púbicos dos meninos5,6,10, e de
27% a 45% para avaliação da genitália mascu-lina3,5,6. A maioria dos estudos de autoavaliação
de Tanner foram conduzidos em sujeitos recru-tados na comunidade ou em escolas1,2,6-8,10.
Este estudo teve como objetivo determinar a concordância entre avaliação clínica e autorre-lato de maturação sexual entre adolescentes de baixa renda.
MÉTODOS
Sujeitos
Os participantes representaram a população (n = 100, 76 meninas e 24 meninos) de adoles-centes, com idades entre 11 e 19 anos, moradores na Cidade dos Meninos, uma localidade de baixa renda situada em Duque de Caxias, RJ, Brasil.
Antes de se submeter a um exame clínico, cada participante recebeu um questionário so-bre as características demográfi cas e de saúde e desenvolvimento físico. As características de-mográfi cas foram: idade, gênero, escolaridade e renda. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado como peso em quilos, dividido pela altura em metros ao quadrado. A experiência da menarca e a idade da menarca foram autorre-latadas. O estágio de maturação sexual foi ava-liado por meio de desenhos com descrições ex-plicativas das fases do desenvolvimento sexual, alterados pelo método de Morris e Udry4. Estes
incluíram cinco estágios de desenvolvimento da genitália e pelos pubianos em meninos, e do desenvolvimento mamário e pelos pubianos em meninas. Cada participante foi orientado a ler as explicações e analisar os desenhos para cada um dos cinco estágios de desenvolvimento e, depois, escolher o que estivesse mais próximo do seu estágio atual de desenvolvimento.
Após o questionário ter sido concluído, o peso e a altura de cada adolescente foram me-didos através de uma escala padronizada digital e um estadiômetro, com o paciente trajando roupas leves, mas sem sapatos. A medição foi realizada uma vez. O IMC foi calculado como o peso em quilos dividido pela altura em me-tros ao quadrado. Duas enfermeiras treinadas e com experiência em avaliação de estadiamento de Tanner realizaram exame físico completo nas meninas, incluindo o estadiamento de Tanner. O exame das mamas foi realizado por inspeção visual e palpação para diferenciar lipomastia. Os examinadores não tinham conhecimento dos resultados da autoavaliação. Para os meninos, foram selecionados para avaliação, dois
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0.60 (female pubic hair). The underestimation and overestimation percentages for breast, male genitalia and male and female body hair growth were estimated for each gender. Conclusion: Among adolescents 11-19 years old, self-reported assessments of Tanner stages are not valid proxy measurements for professional evaluations.
KEY WORDS
Adolescent, puberty, income, reproducibility of results.
meiros igualmente treinados e com experiência em avaliação pelo estadiamento de Tanner.
Todas as análises foram conduzidas sepa-radamente por sexo. A concordância foi esti-mada através de estatísticas kappa (κ), ponde-radas com pesos quadráticos, já que os itens da escala de Tanner são indicadores multicategó-ricos ordinais. As diretrizes para a avaliação de kappa constaram de: 0 ≤ κ <0,4 reprodutibili-dade marginal; 0,4 ≤ κ <0,6, reprodutibilireprodutibili-dade regular; 0,6 ≤ κ ≤ 0,75, boa reprodutibilidade e κ > 0,75, excelente reprodutibilidade. Para todas as estatísticas foram estimados interva-los de 95% de confi ança (IC95%)11. Para
es-sas análises, utilizou-se o programa estatístico MedCalc versão 10.
Este estudo constitui a primeira etapa de campo do estudo: “Estudo comparativo de alte-rações sobre o sistema endócrino-reprodutor de adolescentes expostos a organoclorados”, sub-metido e aprovado pelo Comitê de Ética do Ins-tituto de Estudos em Saúde Coletiva, sob o Pare-cer 82/2009, referente ao processo nº 38/2009. Foram obtidos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) dos adolescentes e dos res-ponsáveis após a explicação do estudo.
RESULTADOS
Dos 100 adolescentes incluídos no estudo, 48% estavam com 15 anos ou mais. A média do IMC foi de 23,8 ± 3,8 kg/m2 para meninos e de
25,0 ± 5,2 kg/m2 para meninas. Das 76
meni-nas, 65,8% e 63,1% estavam, respectivamente, em fase de mama Tanner 4 ou 5, e em fase de pelos pubianos Tanner 4 e 5. Dos 26 meninos, 66,7% e 56,0% estavam em fase de pelos pu-bianos Tanner 4 ou 5, e na genitália Tanner 4 ou 5, respectivamente. Observou-se que as meni-nas tinham relatado a menarca, com uma idade média de 11,1 anos (DP ± 1,6).
Embora a classifi cação de Tanner autorrefe-rida e a medida pelos profi ssionais tenham sido altamente correlacionadas (Genitália masculina - r=0,701, p<0,001; pelos pubianos masculinos - r=0,641, p=0,001; mamas femininas - r=0,590, p<0,001; e pelos pubianos femininos - r=0,567, p<0,001), os valores de κ mostraram reprodu-tibilidade marginal ou regular. A concordância se mostrou pior entre meninas, em comparação à dos meninos. A Tabela 1 apresenta os valores das medidas de concordância para o estadia-mento de Tanner.
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Tabela 1. Concordância Interobservador do Estadiamento de Tanner para Avaliação do Desenvolvimento
Puberal Segundo o Sexo (n=100).
Pelos Pubianos Femininos
Profissional
Autoavaliação Tanner 2 Tanner 3 Tanner 4 Tanner 5 Total
Tanner 2 4 0 0 0 4 (5,3%) Tanner 3 0 16 6 2 24 (31,6%) Tanner 4 0 4 8 12 24 (31,6%) Tanner 5 0 4 6 14 24 (31,6%) Total 4 (5,3%) 24 (31,6%) 20 (26,3%) 28 (36,8%) 76 Kappa Ponderado Quadrático 0,604 EPM 0,085 IC 95% 0,437 – 0,771 (continua)
Mama Feminina
Profissional
Autoavaliação Tanner 2 Tanner 3 Tanner 4 Tanner 5 Total
Tanner 2 2 0 2 0 4 (5,3%) Tanner 3 0 16 8 2 26 (34,2%) Tanner 4 2 6 20 4 32 (42,1%) Tanner 5 0 0 2 12 14 (18,4%) Total 4 (5,3%) 22 (28,9%) 32 (42,1%) 18 (23,7%) 76 Kappa Ponderado Quadrático 0,584 EPM 0,090 IC 95% 0,407 – 0,761
* EPM = Erro Padrão da Medida.
(continuação da Tabela 1)
Pelos Pubianos Masculinos
Profissional
Autoavaliação Tanner 2 Tanner 3 Tanner 4 Tanner 5 Total
Tanner 2 2 0 2 0 4 (16,7%) Tanner 3 2 2 4 0 8 (33,3%) Tanner 4 0 2 6 0 8 (33,3%) Tanner 5 0 0 0 4 4 (16,7%) Total 4 (16,7%) 4 (16,7%) 12 (50,0%) 4 (16,7%) 24 Kappa Ponderado Quadrático 0,526 EPM 0,136 IC 95% 0,260 – 0,793 Genitália Masculina Profissional
Autoavaliação Tanner 2 Tanner 3 Tanner 4 Tanner 5 Total
Tanner 2 2 3 4 5 Tanner 3 0 2 0 0 2 (8,3%) Tanner 4 0 4 0 0 4 (16,7%) Tanner 5 2 4 6 0 12 (50,0%) Total 0 (0,0%) 0 (0,0%) 2 (33,3%) 4 (66,7%) 6 (25,0%) Kappa Ponderado Quadrático 0,526 EPM 0,136 IC 95% 0,260 – 0,793
* EPM = Erro Padrão da Medida.
A Figura 1 apresenta a avaliação de pelos pubianos e de mamas femininas/gônadas mas-culinas em adolescentes segundo o sexo. Obser-vou-se que os meninos tendem a subestimar seu desenvolvimento genital, em oposição às
meni-nas, que tenderam a superestimar seu desenvol-vimento de mama. Não houve uma tendência notável na superestimação ou subestimação de desenvolvimento dos pelos pubianos em meni-nos ou meninas.
Figura 1. Avaliação de pelos pubianos em adolescentes segundo o sexo (n=100). 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0
Subestimou Estimou corretamente Supertestimou
Avaliação Pêlos % Masculino Feminino 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0
Subestimou Estimou corretamente Supertestimou
Avaliação Mamas/Gônadas % Masculino (Gônadas) Feminino (Mamas)
DISCUSSÃO
Neste estudo, para testar a concordância entre a autoavaliação e a avaliação clínica da maturação sexual, avaliou-se que a reprodutibi-lidade das fases de autoavaliação de Tanner era marginal ou regular.
Quanto à autoavaliação da classifi cação de maturação sexual, nossas crianças e adoles-centes, acima do peso, tenderam a avaliar a sua maturidade sexual com precisão bastante
seme-lhante à dos adolescentes que não foram sensibi-lizados com a informação de que potencialmen-te poderiam potencialmen-ter problemas no desenvolvimento puberal2,3,5,6,8. O percentual de concordância
para as classifi cações de mama foi próximo ao daquele para adolescentes participantes de es-tudos realizados a partir de amostra da comuni-dade10. Da mesma forma, os percentuais de
con-cordância entre as meninas e os meninos para a fase de pelos pubianos foram semelhantes aos reportados em estudos anteriores2,3,5,6,8,10.
REFERÊNCIAS
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11. Rosner B. Fundamentals of Biostatistics. 4th ed. Belmont, CA: Wadsworth Publishing Co; 1995.
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As diferenças entre os grupos etários, ou estágios de maturação sexual, podem ser outra razão para estes resultados inconsistentes. Estu-dos relatam que crianças e adolescentes tendem a superestimar seu desenvolvimento sexual em fases iniciais Tanner, ou em idades mais jovens, e a subestimá-lo nos estádios de maturação mais tarde, ou em idades mais avançadas6,10.
Obser-vamos relações consistentes entre as estimativas de Tanner e a idade dos sujeitos, em meninos. Portanto, o percentual de concordância, ou o valor de κ avaliações na fase de autoavaliação de Tanner, podem ser infl uenciados pela distribui-ção etária dos indivíduos. Finalmente, as diferen-ças nos métodos de estudo podem ter infl uen-ciado os resultados8. Estudos anteriores3,5, que
apresentaram fotos originais Tanner, relataram valores elevados de κ ou concordâncias percen-tuais em comparação com os de estudos com os
desenhos de Morris e Udry2,4,8,10. A maioria dos
estudos prévios apresentados, o instrumento in-dividual2-5,7,8,10, e alguns estudos foram
comenta-dos em uma sala de aula3,6. No entanto, não está
claro se apresentar aos indivíduos é uma vanta-gem sobre a apresentação do grupo8.
Portanto, este estudo sugere que autorre-latos dos estádios de Tanner não são substitu-tos adequados para as mensurações realizadas por profi ssionais, indo ao encontro do que já é discutido de forma consolidada para adolescen-tes hígidos. No entanto, os resultados são in-fl uenciados pela pequena amostra do presente estudo, sugerindo que os resultados sejam ana-lisados com cautela. Desta forma, embora este estudo não forneça uma resposta defi nitiva para a questão, colabora para a consolidação deste achado, igualmente oferecido por tantos outros estudos, em populações diversas.