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A CONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO ODISSI NAS ARTES CLÁSSICAS DA ÍNDIA

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0701

A CONSTRUÇÃO DA TRADIÇÃO ODISSI NAS ARTES CLÁSSICAS DA

ÍNDIA

Rita de Cássia Silveira de Andrade Mestre em Antropologia PUC-SP

rita.andrade253@gmail.com

ST 07 – RELIGIÕES E FILOSOFIAS DA ÍNDIA

Resumo: O presente artigo elucida a ideia de tradição na arte clássica da dança Odissi (originária do estado de Orissa – Índia). A autora traz elementos de três diferentes contextos históricos, culturais e sociais de Orissa que permitem desconstruir os discursos proferidos por bailarinos e gurus (dentro e fora da Índia), através dos quais se evidencia um descompasso entre os registros documentais de práticas que antecederam esta arte clássica e os discursos que circunscrevem o Odissi como uma arte milenar sagrada. De onde vem esta tradição e quais elementos a sustentam até os dias de hoje? Partimos da análise de fontes bibliográficas relacionadas à pesquisa histórica de surgimento do Odissi, da análise de registros esculturais dos templos visitados pela pesquisadora na cidade de Bhubaneswar (capital de Orissa) e de relatos de bailarinos e mestres indianos. Verificamos a existência de três grandes momentos de desenvolvimento da tradição Odissi: um deles ligado à dança como serviço devocional ligado, fortemente, à tradição Vaishnava e praticado por uma classe de mulheres consagradas ao templo de Jagannath em Puri desde o século XII; o outro, período de transição, ligado à dança praticada por uma classe de meninos (Gotipuas) vestidos de meninas, como forma de entretenimento fora do âmbito do templo e, finalmente, o momento relacionado ao reconhecimento do Odissi enquanto arte clássica, constituída por uma linguagem estética caracterizada pelo rigor técnico e expressivo em seu processo de aprendizagem. Entendemos que cada um destes contextos trazem elementos para a compreensão da ideia de tradição na dança Odissi. Entretanto, o último deles caracteriza-se pela maior consistência no fornecimento de elementos tradicionais que se perpetuam na dança até os dias atuais, dentro e fora da Índia. Palavras-chave: Odissi, vaishnavismo, tradição, Índia, hinduísmo

Anais do IV Congresso da ANPTECRE “Religião, Direitos Humanos e Laicidade”

ISSN:2175-9685

Licenciado sob uma Licença Creative Commons

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST0701

1. Introdução

No contexto de independência política da Índia, no final da década de 1940, várias formas de arte indiana foram revistas tanto em sua forma como em seu conteúdo. No universo das danças clássicas cada um dos estilos foi resignificado em diferentes aspectos: social, político, cultural e espiritual, adquirindo uma nova projeção no contexto nacional e, com o decorrer do tempo, no cenário internacional1.

No universo artístico da dança Odissi, objeto de estudo deste artigo, seu reconhecimento como arte clássica ocorreu em 1958.

Este processo que, do ponto de vista teórico assumido neste artigo, tomamos

como um processo de resignificação, Alessandra Royo considera – ao contrário - como

uma “invenção” da dança Odissi, considerando-a uma forma secular de arte, deliberadamente construída por um grupo de eminentes artistas de teatro da época - período circunscrito entre 1940 e 1960; além de categorizar seu processo de consolidação pautado na tentativa de dar status à dança ao considerá-la um ritual sagrado (ROYO, 2007). Embora concordemos com a autora quanto de que os discursos dos dançarinos forcem a busca de uma tradição sagrada e milenar quase remota, caminhamos em outro sentido. Buscamos entender, para além desses discursos, quais elementos dão suporte à tradição que embasa essa forma de arte e sob quais aspectos ela começou a ser delineada historicamente, antes mesmo de ser conhecida como Odissi2.

Ao longo da pesquisa, deparamo-nos com discursos de bailarinos, gurus e discípulos, que revelam um descompasso entre o dito e o evidenciado por registros históricos.

Intimamente ligado à tradição vaishnava, o estilo Odissi é originário do estado de Orissa. Embora, os registros documentais de dança e música cravados templos desse estado datem, principalmente, dos séculos II a XIII d.C.; bem como o tratado das

artes dramáticas da Índia – o Natya Shastra – corresponda ao período que vai do

século II a.C ao século II d.C. – é evidente o descompasso entre uma tradição que é

1

No Brasil, embora ainda não sejam tão populares, as danças consideradas clássicas têm ganhado maior espaço na mídia, em locais de ensino direta ou indiretamente ligados à arte, cultura e filosofias da Índia.

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Somente em meados da década de 1950 esta forma de dança recebeu designação Odissi - aquilo que vem de Orissa – estado do qual é originário (PATNAIK, 1990).

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veiculada como milenar, por bailarinos e gurus indianos e não indianos - e suas evidências documentais. Para entendermos esse descompasso, partimos da análise de fontes bibliográficas relacionadas à pesquisa histórica de surgimento do Odissi (enquanto arte clássica); da análise de registros esculturais dos templos visitados pela pesquisadora na cidade de Bhubaneswar (capital de Orissa), bem como de relatos públicos de gurus e bailarinos em entrevistas. Verificamos a existência de três grandes momentos de desenvolvimento da tradição Odissi: o primeiro, ligado à dança como serviço devocional através do qual as maharis dedicavam-se ao culto a Krishna através de danças e cantos no interior do templo de Jagannath na cidade de Puri, desde sua fundação no século XII; o segundo, uma transição, ligado à dança como entretenimento promovido pela tradição Gotipua de meninos que passaram a divulgar a dança fora dos limites do templo de Jagannath quando a dança das Maharis entrou em processo de decadência3. A partir da atuação dos meninos Gotipua, com sua técnica mais sistemática, constituiu-se a base para o terceiro importante momento de desenvolvimento do Odissi - sua ascensão como arte clássica na década de 1960, reconhecida pela Sangeet Natak Academy. A partir desse momento, o Odissi ganhou maior visibilidade e passou a se constituir como linguagem estética caracterizada pelo rigor técnico e expressivo em seu processo de aprendizagem, o que caracteriza a tradição que o perpetua até os dias atuais, dentro e fora da Índia.

2. A dança como serviço devocional

2.1.O templo de Jagannath: o vaishnavismo e a dança

O período que antecedeu a construção do templo de Jagannath4 na cidade de Puri mostrou-se profusamente rico em registros documentais de cenas de música e de dança cravados nos templos de todo o estado de Orissa, especialmente, os templos da cidade de Bhubaneswar (capital desse estado). As evidências mais antigas dessas cenas estão registradas nas cavernas jainistas de Khandagiri e Udaygiri que datam do século II a.C. e, posteriormente, no período shivaísta, entre os séculos VI e XI d.C., nos

3 A prática de ambas as tradições, mahari e gotipua, fez-se presente no período áureo da dinastia Ganga (entre os

séculos XI e XV d.C.), período de ascensão do culto vaishnava (PATNAIK, 1990).

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Jagannath é considerado uma forma de Vishnu – o mantenedor do Universo – ou de seu avatar Krishna para os hindus.

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templos mais conhecidos de Bhubaneswar. A tríade de templos mais antigos da cidade

(templos Sathruganeswar, Lakshmaneswar e Bharateshwar – séc. VI d.C.) traz uma

série de entalhes de cenas de dança e música, com dançarinas adornadas com adereços compostos por joias e detalhes no entalhe dos cabelos, dos rostos e nas formas do corpo que denotam posturas de dança5. Todo o cenário escultural de tais templos nos permite pensar sobre a importância da música e da dança como formas de expressão devocional. Alguns destes templos eram marcados pela existência de um hall de dança (Natamandir), nos quais meninas na mais tenra idade já eram consagradas à arte da dança e do canto em louvor a divindades (PATNAIK, 1990).

2.2.Maharis e Gotipuas

Tais registros esculturais evidenciados nas paredes destes templos e em inscrições anexas aos mesmos nos permitem pensar na existência material de uma continuidade histórica de práticas de dança e de música e na existência das mesmas a partir do século XII, com a construção do templo de Jagannath, um marco na constituição do culto vaishnava em Orissa. Mais do que as esculturas de dançarinas cravadas nas paredes do templo, a existência de relatos e, mais recentemente, de registros fotográficos de maharis (mulheres dedicadas ao serviço templário) permitem-nos entender os aspectos primevos do Odissi como base fundadora de sua estrutura clássica contemporânea e da tradição que o fundamenta.

A construção deste templo foi marcada pela relação entre o poder imperial da dinastia Ganga em Orissa e o vaishnavismo. Governantes desta dinastia foram considerados os maiores patronos das artes e da religião. Neste contexto, o templo de Jagannath tornou-se um grande centro religioso e cultural que, até os dias atuais, tem atraído milhares de devotos hindus6. Os serviços rituais ligados à tradição Bhakti eram desempenhados pelas Maharis em louvor à tríade de deidades (Jagannath, Subhadra e Balaram) ao longo do dia, (pela manhã, à tarde e à noite). Dança e música faziam parte desses rituais e eram desempenhados a partir de cantos do Gita Govinda, do poeta

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No período shivaísta, destacam-se os templos Parasurameswar, Vaital, Mukteswar, Brahmeswar, Lingaraj, Rajarani e Ananta Vasudeva, todos dedicados ao Deus Shiva, antecedendo a construção do templo de Jagannath, na cidade de Puri. A construção do templo marcou a importância do período vaishnava e de sua relação direta com a dança.

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Jayadeva7. Obra que, ainda hoje, é uma das bases da tradição do Odissi através da composição dos temas de itens dramáticos (abhinaya) de seu repertório clássico.

Segundo Biswas (2003), entre os séculos XIV e XVI, invasões árabes em Orissa comprometeram as atividades rituais do templo de Jagannath, chegando a cessarem em 1568 quando do domínio afegão em Orissa. Segundo a autora, muitas Maharis perderam o suporte financeiro dos templos e do rei, levando-as a dançarem nas cortes reais e de chefes de menor prestígio, dando início a um processo de degeneração gradativa da dança que passou a ser associada à prostituição.

Reforçando a relação entre o vaishnavismo e a dança, no final do século XV, Chaitanyadeva8 estabeleceu-se na cidade de Puri. Ali, tentou restabelecer as atividades do templo. No mesmo período, uma classe de meninos dançarinos vestidos

e adornados como meninas – os Gotipuas – passou a desenvolver a dança nos

vilarejos em eventos públicos. A partir daí, a dança passou a ser realizada fora do espaço sagrado circunscrito ao templo. Ao mesmo tempo, esteticamente, as características da dança gotipua diferiam da dança desenvolvida pelas Maharis uma

vez que incorporava movimentos acrobáticos e não de características

predominantemente devocionais às deidades que presidiam o templo. Eram danças de entretenimento e passaram a ganhar maior visibilidade na medida em que ganhavam novos espaços (TANDON, 2007).

É preciso enfatizar que, até então, as danças desenvolvidas por maharis e gotipuas não recebiam a designação “Odissi”. Eram denominadas Mahari Nacha e Gotipua Nacha, respectivamente (PATNAIK, 1990).

Ao contrário da tradição Gotipua, a tradição Mahari morreu com a última dessas mulheres, recentemente falecida9. Além disso, é preciso enfatizar que não temos referências quanto ao rigor e à sistematização da dança desenvolvida pelas maharis, as quais caracterizam o Odissi nos dias atuais (especialmente a partir de sua classificação como arte clássica). Sua performance por parte dos meninos gotipuas deu início a um

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Escrito no século XII pelo poeta Jayadeva no mesmo período de construção do templo de Jagannath. Inscrições anexas ao templo relatam a proibição de outros cantos em louvor a Jagannath que não fossem do Gita Govinda (PATNAIK, 1990:13).

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Monge hindu que viveu em Puri no século XVI, promovendo o culto a Krishna por meio de Bhakti Yoga – Yoga da Devoção.

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Sashimani Devi, a última devadasi (mahari) consagrada ao serviço devocional ao Senhor Jagannath aos sete anos de idade por sua família. Faleceu em março deste ano aos 93 anos de idade.

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processo mais sistematizado em função da necessidade técnica que seu estilo de dança acrobática requeria. Somente com a categorização do Odissi como dança clássica é que o rigor e a sistemática de sua linguagem estética garantiram-lhe ser considerado um estilo clássico.

3. A dança como arte clássica

Em sua constituição contemporânea, o Odissi só pode ser compreendido inserido em um contexto maior de definição das artes clássicas na Índia. O processo de independência política do país promoveu o protagonismo de diferentes atores sociais: filósofos, artistas, poetas no resgate de formas de arte carentes de visibilidade política e social. A configuração de seu cenário político, cultural e econômico nas décadas iniciais do século XX promoveu maior visibilidade às diferentes formas de arte que, de cunho popular, passaram a ser consideradas clássicas pela Sangeet Natak Academy10. Instituição que conferiu o status de “clássico” aos diferentes estilos de dança da Índia que vieram antes e depois da ascensão do Odissi como arte clássica em 24/04/1958. Para ser definido enquanto estilo clássico era preciso que fosse apresentada uma identidade estética distinta das demais formas de dança por meio de sua linguagem estética, de sua música e de seu repertório coreográfico básico e da sistematização do seu aprendizado. Até então, o Odissi não apresentava tais quesitos. Com o intuito de pensar sobre estes aspectos e de definir os princípios que deveriam reger a linguagem

estética do estilo, entre 1957 e 1960, nasceu o Jayantika – grupo formado por artistas

de teatro, dançarinos e pesquisadores, com o intuito de sistematizar as danças que já eram desenvolvidas por Maharis e Gotipuas, garantindo-lhes o rigor técnico necessário para sua categorização como dança clássica (ANDRADE, 2009).

Com base em depoimentos de maharis, gurus e gotipuas; de registros fotográficos de esculturas dos templos (especialmente o templo de Konarak11), do resgate das sílabas rítmicas de importantes itens coreográficos do Odissi, no início da

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Academia Nacional de Música, Dança e Drama - criada em 1952.

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Assim como o templo de Jagannath, em Puri, o templo de Konarak (dedicado ao Deus Surya) foi construído na dinastia Ganga, no século XIII. (PANIGRAHI, 2008:125)

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década de 1950, Patnaik12 compilou um vasto e rico material que perpetuaria para as primeiras e futuras gerações a memória de uma tradição marcadamente oral. Atrelado à meticulosa pesquisa de Patnaik e ao resgate de fontes primárias, o grupo Jayantika debruçou-se sobre o estudo de textos clássicos como: o Natya Shastra (de Bharata Muni), o Abhinaya Chandrika (de Mahesvara Mahapatra) e o Abhinaya Darpanam13 (de Nandikesvar). Com base em todo este processo de pesquisa, o grupo fortaleceu as bases para o desenvolvimento da forma atual do que veio a se constituir como o estilo Odissi. Somente depois de ser estruturado o Odissi passou a ser praticado por filhos e filhas de famílias respeitáveis e a emergir nos palcos. Neste mesmo período (meados de 1950), o estilo recebeu sua denominação “Odissi” pelo poeta, escritor e musicólogo Kalicharan Patnaik (ANDRADE, 2009).

Após o estabelecimento do Odissi como escola clássica de dança, em 1961 o Jayantika desintegrou-se em função da dispersão de seus membros que passaram a atuar de forma independente da linha adotada pelo grupo. Guru Debaprasad Das foi o primeiro dentre eles a se desviar do estilo constituído pelo Jayantika. Embora seu background e estilo tenham sido muito diferentes dos demais gurus, Debaprasad Das teve um grande papel na reconstrução do Odissi, não existindo qualquer dúvida sobre sua importância no desenvolvimento e popularização do Odissi. Lado a lado, guru Kelucharan Mohapatra (falecido em 2004) foi um dos maiores arquitetos do Odissi, desenvolvendo inúmeros itens coreográficos (ANDRADE, 2009).

Houve, de certa forma, como aponta Alessandra Arroyo, a intenção deliberada de se constituir uma arte que, até então, não se configurava como tal. Entretanto, compreendemos que a ideia de “invenção” defendida por Arroyo destitui a base sobre a qual a consagração do Odissi foi constituída. Base esta que configura um dos aspectos

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Em 1955, ao receber uma bolsa de estudos do Departamento de Cultura do Governo da Índia, Patnaik passou a pesquisar mais profundamente sobre a dança junto aos Gurus vivos na época. Permaneceu seis meses no remoto vilarejo de Puri, denominado Dimirisena, onde coletou junto a grupos Gotipuas os Ukutas (sílabas rítmicas), incluindo os Ukutas de itens coreográficos como o Batu e o Mokshya. Além disso, Patnaik fez centenas de registros fotográficos das esculturas de dança nos templos importantes de Orissa, coletou informações e materiais junto a Maharis, especialmente Harapriya e Kokilaprava (esta última apenas cantava no templo de Jagannath depois que Harapriya havia morrido).

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Obras reconhecidas como a base para todas as formas de arte ligadas ao drama e à dança na Índia. Natya Shastra (século II a.C. e século II d.C.); Abhinaya Darpanam (século III d.C.) e o Abhinaya Chandrika (texto datado de 1750 d.C.), referindo especificamente ao Odissi, ao contrário dos anteriores que servem às danças clássicas indianas em geral.

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da tradição que fundamenta o estilo. Os demais aspectos dessa tradição viriam a se constituir a partir da própria sistematização dada pelo grupo e que passou a ser seguida por seus membros, mestres que aderiram ao compromisso de desenvolver e de ensinar aquela arte de acordo com os princípios sobre os quais haviam se debruçado para a configuração do Odissi. Com o recém- criado estilo, nasciam os exercícios preparatórios, as primeiras coreografias e um figurino de apresentação, também configurado com base nas joias e vestimentas das esculturas de dançarinas cravadas nos templos. A tradição que se configurava a partir de então, era baseada nos princípios pré-determinados por aqueles que fizeram parte do Jayantika e que passavam a reger a estrutura da dança: a linguagem das mãos, dos pés, olhos, cabeça, tronco; os textos sobre os quais itens dramáticos baseavam-se; a estrutura coreográfica em si, ou seja, toda sua sistematização. Tais elementos constituem uma tradição que se mantém sem alterações drásticas em sua estrutura até os dias de hoje. Os elementos mais flexíveis em termos de mudança para que esta tradição fosse mantida ao longo do tempo estão circunscritos aos detalhes no formato do figurino, das joias e à abertura do ensino, que tem ganhado maior visibilidade e adesão fora da Índia.

4. Concusão

Podemos considerar que a ideia de tradição do Odissi deva ser compreendida a partir de um movimento que a conduziu de dentro para fora do espaço sagrado do templo de Jagannath. De serviço devocional desenvolvido pelas maharis, a dança passou a se constituir como forma de entretenimento (tradição gotipua) e, posteriormente, como uma expressão artística elevada ao status de clássica. Consideramos que as características atuais e consideradas tradicionais do Odissi estejam ligadas aos princípios que estruturaram a dança nos três momentos sobre os quais refletimos neste artigo. De cada um deles podemos extrair elementos que a estruturam hoje. O serviço devocional desenvolvido pelo canto exclusivamente do Gitagovinda em louvor a Jagannath perdura até os dias atuais no desenvolvimento de itens dramáticos que representam cantos dessa obra do poeta Jayadeva. Ao ultrapassar os limites do templo, a dança ganhou novos contornos em sua expressão estética uma vez que seu desenvolvimento pelos meninos gotipuas viabilizaram a

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elaboração de uma linguagem acrobática – possibilitada a partir do rigor técnico em seu aprendizado e treinamento. A constituição de uma linguagem clássica e, portanto, mais refinada do ponto de vista estético e da sistematização de toda sua expressão artística, ao se tornar uma dança clássica, só foi possível a partir das tradições que já existiam.

Entendemos, portanto, que os discursos de bailarinos e gurus sobre a tradição milenar que fundamenta o Odissi reduzem a compreensão da tradição que o fundamenta. Tradição esta marcada por elementos de diferentes contextos históricos, sociais e culturais do estado de Orissa.

Referenciais

ANDRADE, Rita. “Odissi – dança clássica indiana”. São Paulo, SP. Scortecci. 2009. BISWAS, Sharmila. “The Maharis of Odisha”. O Sagrado e o Profano. Asia-Pacific Performing Arts Network. APPAN'S 5th INTERNATIONAL CONFERENCE. 2003.

CITARISTI, Ileana. “The Making of a Guru – Kelucharan Mohapatra: his life and times”. New Delhi, India: Manohar. 2005

PANIGRAHI, K.C., “History of Orissa”. Cuttack, Orissa. Kitab Mahal. 2008.

PATNAIK, D. N. “Odissi Dance”. Bhubaneswar, India: Orissa Sangeet Natak Akademi. 1990.

ROYO, Alessandra. “The reinvention of Odissi classical dance as a temple ritual”. In “The Archeological Ritual”. Cotsen Institute - UCLA. p.155-181. 2007.

TANDON, Rekha. “Dhara: the flow of a dance tradition”. Delhi. Indian Horizons. Vol.54. 2007.

Jornais

INDIAN EXPRESS -

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