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Princípio da proteção integral dos filhos incapazes e da liberdade de crença: conflito entre direitos fundamentais quando os pais optam pelo estilo de vida vegano ao filho

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA AMANDA FERNANDES VICENTE

PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DOS FILHOS INCAPAZES E DA LIBERDADE DE CRENÇA: CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

QUANDO OS PAIS OPTAM PELO ESTILO DE VIDA VEGANO AO FILHO

Tubarão 2018

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AMANDA FERNANDES VICENTE

PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL DOS FILHOS INCAPAZES E DA LIBERDADE DE CRENÇA: CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

QUANDO OS PAIS OPTAM PELO ESTILO DE VIDA VEGANO AO FILHO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Profª. Maria Nilta Ricken Tenfen, Me.

Tubarão 2018

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Dedico este trabalho à minha mãe, um ser de luz que, com simplicidade, carinho e amor, sempre me ensinou tudo aquilo que realmente importa.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me colocar exatamente no lugar em que estou hoje, rodeada de pessoas incríveis, que de alguma forma contribuem para que eu agradeça todos os dias por existir.

Aos meus pais, por serem exatamente quem são. Meu pai, Diomar, que está sempre presente em minha vida, embora não nos vejamos todos os dias. Minha mãe, Maristela, de alma tão leve e serena, sempre resolvendo as coisas da melhor forma possível e transmitindo amor, paz e segurança a todos que a cercam. Ela me incentiva constantemente, acredita no meu potencial e me motiva a seguir em frente, na luta pelos meus objetivos. Deus foi muito camarada em me permitir ser um pedacinho deste ser humano único.

Aos meus irmãos Patrick e Moysés, com os quais tenho um forte laço de amor e amizade e de quem sempre recebo apoio e zelo, mesmo não morando na mesma casa.

Ao meu irmãozinho Pietro, que é um exemplo de vida. Alma pura e doce. Dono do sorriso mais lindo e do abraço mais aconchegante e fortificante do mundo.

À Ana Lúcia, minha cunhada, pelo seu astral e bom coração. Está sempre de prontidão a ajudar, um verdadeiro anjo da guarda.

À Bia e à Ju, minhas amigas queridas. Bia, que andou lado a lado comigo desde que apareceu em minha caminhada. Amiga irmã, amiga confidente, amiga professora. Que Deus permita tê-la pertinho de mim para sempre. Ju, que conheci no pré-escolar, mas tenho certeza de que já nos conhecemos de outras vidas, tamanha a cumplicidade e afinidade entre nós.

Aos meus amigos de trabalho, que me deram tanto apoio e motivação.

À minha orientadora, Maria Nilta Ricken Tenfen, por acreditar na realização deste trabalho, pelas sugestões sempre oportunas e pela confiança em mim depositada.

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É difícil em tempos como estes: ideais, sonhos e esperanças permanecerem dentro de nós, sendo esmagados pela dura realidade. É um milagre eu não ter abandonado todos os meus ideais, eles parecem tão absurdos e impraticáveis. No entanto, eu me apego a eles, porque eu ainda acredito, apesar de tudo, que as pessoas são realmente boas de coração (Anne Frank).

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a colisão entre o princípio da proteção integral dos filhos incapazes e o preceito constitucional da liberdade de crença em relação ao estilo de vida vegano imposto pelos pais a seus filhos, apresentar os conceitos e particularidades de ambos os princípios citados, bem como verificar se há a possibilidade de o Estado interferir na decisão dos pais no tocante a sua crença sendo transmitida ao filho incapaz, o qual carece de uma dieta composta por alimentos provenientes de animais a fim de que tenha um desenvolvimento físico-psíquico de proporcional a sua idade. Quanto à abordagem, esta será dedutiva, tendo em vista que serão apresentados entendimentos doutrinários e conceitos sobre o tema em questão. Quanto ao nível de pesquisa, será utilizado o exploratório, que possibilita maior conhecimento acerca do problema e maiores considerações sobre o assunto. Além disso, será utilizado o método de pesquisa bibliográfico e documental, trazendo entendimento jurisprudencial e doutrinário, legislação e artigos que possam auxiliar na explanação e aprofundamento do tema. Resultou deste trabalho a resposta à pergunta problema, qual seja, quando o estilo de vida imposto pelos pais aos seus filhos incapazes estiver pondo em risco a integridade física e intelectual deles, o direito à liberdade de crença não pode sobrepor-se ao direito à proteção integral dos filhos incapazes. A partir desses resultados, constatou-se que, apesar de a liberdade individual de uma pessoa estar resguardada pela Constituição Federal de 1988, quando estiverem em rota de colisão a proteção integral dos filhos incapazes e o direito à liberdade de crença, estando presente o estilo de vida vegano, deve o operador do direito fazer uma ponderação dos princípios conflitantes à luz do caso concreto, de modo que a aplicação de um direito não implique na sucumbência do outro.

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ABSTRACT

This paper aims to analyze the collision between the principle of the integral protection of the incapable children and the constitutional precept of the freedom of belief in relation to the vegan lifestyle imposed by the parents. The present study will present the concepts and peculiarities of both principles, as well as verify if there is a possibility that the State interferes in the parents' decision regarding their belief being transmitted to the incapacitated child, who lacks a diet composed of foods from animals, to have a physical-psychological development of a normal child of his stature. As to the approach, this will be deductive, given that doctrinal understandings and concepts will be presented on the subject in question. As for the level of research, the exploratory will be used, since it seeks to have greater knowledge about the problem, in order to allow considerations on the subject. In addition, in relation to the research method, bibliographical and documentary will be used, bringing jurisprudential and doctrinal understanding, legislation and articles that can help in the explanation and deepening of the theme. The result of this work is the answer to the problem question, that is, when the lifestyle imposed by parents on their incapable children is putting their physical and intellectual integrity at risk, the right to freedom of belief can not overlap with the Right to Protection disabled children. From these results, it was verified that although the individual freedom of each person is protected by the Federal Constitution of 1988, when the integral protection of the incapacitated children and the right to freedom of belief are in the course of collision, vegan life, the legal operator must weigh the legal antinomy in the light of the particular case, so that the application of one duty does not imply the succumbency of the other.

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LISTA DE SIGLAS

CDC – Convenção internacional sobre os direitos da criança CF – Constituição Federal

DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA ... 12

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 15

1.3 HIPÓTESE ... 15

1.4 DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS OPERACIONAIS ... 16

1.5 JUSTIFICATIVA ... 16

1.6 OBJETIVOS ... 17

1.6.1 Objetivo geral ... 17

1.6.2 Objetivos específicos ... 18

1.7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 18

1.8 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS .. 18

2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS, PRINCÍPIOS E EFETIVIDADE ... 20

2.1 NORMAS E PRINCÍPIOS: DIFERENÇAS E CONCEITOS ... 20

2.2 EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ... 24

2.3 CONFLITOS DE NORMAS ... 26

3 PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E LIBERDADE DE CRENÇA: CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS ... 30

3.1 CONCEITO DE CAPACIDADE CIVIL ... 30

3.2 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ... 32

3.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE CRENÇA ... 36

3.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PODER FAMILIAR NO DIREITO BRASILEIRO.. ... 38

3.4.1 PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL ... 40

3.4.2 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA ... 41

3.4.3 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE ... 43

3.4.4 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO ... 44

3.4.5 PRINCÍPIO DA MUNICIPALIZAÇÃO ... 44

3.5 VEGETARIANISMO E VEGANISMO: PRINCIPAIS APONTAMENTOS ... 46

4 PAIS QUE IMPÕEM ESTILO DE VIDA A FILHOS INCAPAZES: CONFLITO ENTRE OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE CRENÇA E DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ... 52

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4.1 LEGISLAÇÕES ACERCA DA PROTEÇÃO INFANTOJUVENIL ... 52

4.1.1 CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - PACTO SAN JOSÉ DA COSTA RICA ... 53

4.1.2 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ... 54

4.1.3 DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA ... 55

4.1.4 DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE A SOBREVIVÊNCIA, A PROTEÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA ... 56

4.1.5 PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITO CIVIS E POLÍTICOS ... 57

4.1.6 X CÚPULA IBERO-AMERICANA DE CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO ... 57

4.1.7 CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA ... 58

4.2 (IN) TRANSFERÊNCIA DA CRENÇA DOS PAIS AOS FILHOS MENORES INCAPAZES ... 60

5 CONCLUSÃO ... 67

REFERÊNCIAS ... 67

ANEXOS ... 677

ANEXO A – PROJETO DE LEI N. 4.036 DE 2015 ... 678

ANEXO B – ACÓRDÃO DA APELAÇÃO CRIMINAL DO CASO DE PALHOÇA/SC ... 67

ANEXO C – DECISÃO MONOCRÁTICA EM RECURSO ESPECIAL DO CASO DE PALHOÇA/SC ... 99

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1 INTRODUÇÃO

O princípio da proteção integral dos filhos e a liberdade de crença são temas que podem ser considerados bastante questionáveis e polêmicos diante da sociedade brasileira, visto que essa abrange compreensões de variadas origens, em especial, o estilo de vida vegano, que será abordado neste estudo.

O estilo de vida vegano cultua o respeito aos direitos dos animais. Isso significa que uma pessoa vegana não consome quaisquer produtos produzidos a partir de exploração animal, seja na alimentação, no vestuário, em produtos de higiene, etc. Dessa forma, o ser humano que adota tal filosofia deve, em especial, procurar suprir a falta da proteína de origem animal em sua alimentação. Ocorre que essa ideologia demanda preparo, estudo e acompanhamento de profissional qualificado na área.

Os pais que adotam esse estilo de vida e o impõem aos seus filhos menores incapazes muitas vezes não fazem um acompanhamento adequado com nutricionista a fim de monitorar o desenvolvimento e saúde de seus filhos. Estes, que não podem responder aos atos da vida civil por si só, estão sujeitos às escolhas daqueles que são responsáveis pelo seu desenvolvimento físico, mental, intelectual e psicológico.

Os pais, ao não permitirem que sua prole consuma alimentos de origem animal, acreditam estar fazendo o melhor. Porém, tal negativa pode acarretar diversos problemas no crescimento físico e psicológico de seu filho.

Em decorrência disso, a doutrina e a jurisprudência tentam compreender as razões que fazem com que os pais, em plena consciência, ponham em risco o desenvolvimento natural e ideal de seus próprios filhos em razão de suas crenças, submetendo-os a uma dieta isenta de qualquer alimento de origem animal.

Diante de tal situação, o presente estudo monográfico analisará a colisão entre os preceitos constitucionais da proteção integral dos filhos e a liberdade de crença em relação ao estilo de vida dos pais.

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA

Até chegar ao padrão de sociedade em que se vive atualmente, a população passou por diversas mutações sociológicas, físicas, psicológicas, principiológicas, dentre outras.

No campo do Direito, tais mutações são nitidamente demonstradas quando se trata de princípios que imperam e norteiam este atual sistema, ou seja, o jurídico e o social, que,

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apesar de seguirem paralelamente, ainda são surpreendidos pelos inúmeros embates existentes entre normas e princípios.

Primeiramente, antes de adentrar de fato ao tema proposto para o presente trabalho, faz-se necessário compreender os conceitos de vegetarianismo e veganismo, no universo da crença, do estilo de vida e da alimentação, áreas que serão apontadas detalhadamente no decorrer da explanação do assunto abordado.

“A alimentação vegetariana pode ser definida como teoria ou prática de viver mediante a ingestão exclusiva de alimentos de origem vegetal: verduras, hortaliças, legumes, tubérculos, leguminosas, frutas, frutas secas, sementes, cereais e derivados” (CASTELL, 2004, p. 165).

Esta modalidade de alimentação sempre foi a dieta natural da humanidade. Os antigos gregos, egípcios e hebreus descreveram o homem como frutívoro. Os escritos mostram que os sacerdotes do Egito antigo nunca comeram carne. Muitos sábios gregos, como Sócrates, Platão, Pitágoras, Aristóteles e outros, eram grandes adeptos da dieta vegetariana. A notável civilização inca, assim como a asteca, a maia e a tolteca, estava baseada nesse tipo de dieta, tendo o milho como sua principal fonte de proteínas. Buda ensinava a seus discípulos a não comer carne. Sábios e santos adeptos ao taoísmo eram vegetarianos, assim como os primeiros cristãos e judeus (GALISA; ESPERANÇA; SÁ, 2007).

A postura rigorosamente vegetariana das antigas filosofias, como o orfismo e o pitagorismo, era fruto de uma cultura já amplamente difundida. A rejeição ao sacrifício de animais e ao consumo de carne era justificada pelo respeito à vida ou pela crença na reencarnação - a possibilidade de humanos reencarnarem em animais (GALISA; ESPERANÇA; SÁ, 2007).

Sábios vegetarianos existiram durante toda a Antiguidade, da Idade Clássica aos períodos helenístico e imperial. Na época romana, são eles que criticam com unanimidade o sistema dos sacrifícios. No entanto, é somente com o Cristianismo que esse costume acaba abolido ou seriamente transformado (GALISA; ESPERANÇA; SÁ, 2007).

Já o veganismo, de uma forma mais objetiva, é um estilo de vida da pessoa que pratica o vegetarianismo em todas as suas atitudes do dia a dia, seja na alimentação ou não. O ser humano adotante desta modalidade é vegetariano estrito em sua dieta e também não utiliza produtos de origem animal.

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Em suma, na definição da The VeganSociety, a mais antiga entidade vegana do mundo, o veganismo “é uma forma de viver que busca excluir, na medida do possível e do praticável, todas as formas de exploração e de crueldade contra animais” (O QUE..., [201?] ).

Após tais conceitos, é de suma importância salientar dois dos princípios essenciais da sociedade, sendo eles: o princípio da proteção integral e o da liberdade, configurados no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal, respectivamente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente consagrou na ordem jurídica a doutrina da “Proteção Integral”, reuniu e regulamentou o sistema de proteção preconizado pela Constituição e pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

Entende-se a proteção integral, segundo Vercelone (1992, p.18), como o conjunto de direitos que são próprios dos incapazes. Esses direitos concretizam-se em pretensões nem tanto em relação a um comportamento negativo, mas no direito de que os adultos façam coisas em favor das crianças.

O Princípio da Liberdade, neste caso, será apresentado com relação à crença dos pais no que diz respeito à forma que acreditam ser a mais adequada para a criação de seu filho.

Tais princípios são destacados no trabalho em razão de ação judicial proposta contra pais veganos que implementaram a alimentação vegetariana à sua filha recém-nascida, que veio a falecer por desnutrição. A menina, segundo foi apurado, recebeu alimentação, em seu curto tempo de vida, apenas com uma mistura de água de coco e oleaginosas – nozes, castanhas, pistaches e amêndoas –, isso em decorrência da opção de vida dos pais, que se diziam veganos e rejeitavam ministrar à filha leite ou qualquer produto de origem animal, principalmente industrializado.

O presente estudo tratará direta e exclusivamente da alternativa de alimentação já mencionada, tendo em vista seu caráter personalíssimo, sendo atualmente questionado não só como uma dieta, mas também como um estilo de vida, o qual se encontra cada vez mais em evidência.

Sabe-se que todo ser humano capaz tem o direito de exercer sua liberdade, tomando as decisões, que a seu ver lhes são as mais favoráveis, desde que, tais decisões incidam diretamente sobre sua pessoa de forma livre e consciente sem causar prejuízos a terceiros, capacidade esta que, de certa forma, foi demonstrada no caso que norteou este trabalho.

Porém, o presente estudo trará uma peculiaridade: limitar-se-á a exploração do referido tema quando o ser humano aqui mencionado for absolutamente incapaz, sendo este

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“os menores de dezesseis anos, que por si só, são incapazes de exercer os atos da vida civil” (BRASIL, 2015), ou seja, não dispõe de discernimento suficiente para optar entre alimentação alternativa ou a comum, o que, dadas às circunstâncias, poderá gerar danos irreparáveis aos menores.

Nesse diapasão, visando assegurar a integridade destes menores, faz-se necessário mencionar o que dispõe a Constituição Federal em seu artigo 227 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), em seu artigo 4º, acerca da proteção aos menores, respectivamente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1998).

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990a).

Conforme se vislumbra nos referidos dispositivos legais, diante de todos os direitos ali citados, destaca-se o direito à vida, devendo ao menor ser garantida a sua integridade, seja ela moral, física ou até mesmo psicológica, cabendo primeiramente aos pais a sua proteção, caso em que, se restar comprovada sua negligência, deverá o Estado intervir a fim de salvaguardar sua vida.

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

O princípio da liberdade de crença pode sobrepor-se ao princípio da proteção integral quando o estilo de vida dos pais imposto ao filho absolutamente incapaz puder prejudicar sua integridade física e intelectual?

1.3 HIPÓTESE

Embora inexista hierarquia entre os princípios fundamentais, é imprescindível que se entenda que o princípio norteador de todos os demais princípios é o direito à vida, sendo que nenhum outro direito tem eficácia ao homem, se não for garantida em primeiro lugar a sua própria sobrevivência.

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Em casos como este, em que se pretende assegurar a integralidade da proteção de uma pessoa a fim de salvar sua vida, especialmente quando o ser humano for absolutamente incapaz, não poderá a crença dos pais se sobrepor à vida, haja vista que o Estado deve garantir a integridade absoluta da criança em primeiro lugar.

1.4 DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS OPERACIONAIS

Alimentação vegetariana aplicada ao menor incapaz (conflito entre a liberdade e a proteção integral): A adequação nutricional dos padrões alimentares

vegetarianos para as crianças é ainda controversa, pois o risco de deficiências nutricionais na infância é maior, em resultado das necessidades mais elevadas relativamente ao peso corporal e da incapacidade da criança para controlar a sua alimentação. Vários casos de má nutrição proteico-calórica e deficiências de substâncias indispensáveis ao bom desenvolvimento corporal foram já confirmados em crianças alimentadas com dietas vegetarianas inapropriadas. No entanto, os pais têm a liberdade de escolher que tipo de alimentação adotar para a vida de seus filhos menores, desde que haja um planejamento cuidadoso das refeições, que possibilitem crescimento e desenvolvimento normais ao filho.

Absolutamente incapazes: São as crianças e adolescentes menores de dezesseis

anos, que são incapazes de realizar, por si só, os atos da vida civil, devendo nestes casos serem representados e/ou assistidos por seus representantes legais, quando necessário. A nova redação dada ao artigo 3º do Código Civil, incluída pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 dispõe que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis anos)” (BRASIL, 2015).

Proteção Integral da criança: Segundo este princípio, é dever de todos, família e

sociedade, incluindo Estado e seus governantes, participar na realização desse objetivo, fazendo cada um a sua parte. O artigo 227 da Constituição Federal afirma que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação” (BRASIL, 1988).

1.5 JUSTIFICATIVA

Realizar um estudo monográfico sobre o assunto justifica-se para apresentar o limite entre o direito de liberdade e o dever de proteção, quando invocados no âmbito da liberdade individual do ser humano, no que diz respeito à educação alimentar da criança na

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medida em que estas necessitam uma dieta completa e por estilo de vida adotado pelos pais, tem sua integralidade e até mesmo sua vida posta em risco.

Embora seja um assunto bastante comentado no âmbito acadêmico e jurídico, a presente pesquisa, ao limitar a extensão de estudo especificando apenas aos casos onde figuram como agentes os absolutamente incapazes, trouxe uma peculiaridade diferente dos demais estudos já realizados a respeito deste tema.

Além do mais, tratando-se de crianças, é necessário frisar que estas não possuem maturidade ou experiência o suficiente para entender, que um ato ou uma decisão errada nesta fase da vida, poderá refletir diretamente no futuro e na vida destas pessoas.

O propósito desta pesquisa é expor a relevância que a intervenção estatal tem, quando se visa garantir a vida em primeiro lugar e, consequentemente, a integridade física, psíquica e mental dos incapazes, sem desrespeitar um dos princípios norteadores da sociedade civil, qual seja o da liberdade.

Isto posto, confirma-se notavelmente a importância do estudo, considerando-se que tornará possível maior atenção ao tema, permitindo que a sociedade em geral familiarize-se com o assunto aqui tratado e possa estabelecer medidas complementares que asfamiliarize-segurem em primeiro lugar a vida do menor, sem influenciar negativamente em seu desenvolvimento.

Enfim, o desenlace quanto a este estudo beneficiará principalmente à sociedade e aos demais acadêmicos que, de certa forma, ainda possuem uma visão duvidosa quanto aos benefícios da alimentação vegetariana, não esclarecida ou até mesmo desconhecida acerca do referido tema, possibilitando maior entendimento em casos similares acerca do conteúdo abordado nesta pesquisa.

1.6 OBJETIVOS

1.6.1 Objetivo geral

Analisar o conflito existente entre o direito a vida e proteção integral e a liberdade de crença quando o estilo de vida vegano (que adota a alimentação vegetaria) dos pais causa uma desordem nutricional prejudicial ao filho menor, podendo trazer graves danos ao seu desenvolvimento por inteiro, levando em conta a incapacidade da criança para controlar a sua alimentação, dependendo, assim, de seus pais.

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1.6.2 Objetivos específicos

Descrever a respeito da evolução dos princípios fundamentais no direito e a sua importância para o direito moderno.

Demonstrar os aspectos históricos e característicos dos vegetarianos, bem como a sua interpretação acerca da alimentação equilibrada em seres humanos.

Apresentar a superioridade da proteção integral diante da liberdade de crença em relação ao estilo de vida dos pais imposto ao filho absolutamente incapaz.

Identificar quais as providências devem ser tomadas pelo Estado em casos similares, a luz da Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente.

Analisar jurisprudência relacionada ao consentimento dos pais veganos para que seja implementada a dieta baseada em alimentos derivados de animais aos seus filhos em prol do seu perfeito desenvolvimento, impossibilitando que haja uma possível desnutrição.

1.7 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa será realizada de forma exploratória, para “proporcionar maior familiaridade com o objeto de estudo” (LEONEL; MOTTA, 2007, p. 100). Forma que, por sua vez, obterá maior amplitude na exposição do tema. Quanto à abordagem, esta será dedutiva, tendo em vista que serão apresentados entendimentos doutrinários, ideias e conceitos sobre o tema de modo que não podem ser reduzidos à mera operacionalização de variáveis (LEONEL; MOTTA, 2007, p. 108). Quanto ao método de pesquisa, será empregado o documental, utilizando-se de estudos, jurisprudências, entendimentos doutrinários, legislação e artigos que possam contribuir na explanação e investigação do tema.

1.8 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

Com vistas a possibilitar o entendimento do leitor acerca do estudo, este será subdividido em cinco capítulos, quais sejam, Introdução; Constituição Federal: normas, princípios e efetividade; Proteção integral da criança e do adolescente e liberdade de crença: conflitos entre princípios; Pais que impõem estilo de vida a filhos incapazes: conflito entre os preceitos constitucionais da liberdade de crença e da proteção integral da criança e do adolescente; e Conclusão.

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O primeiro capítulo abrangerá as noções introdutórias do trabalho, tais como objetivos, justificativas, metodologia, estrutura dos capítulos e delimitação do tema. O segundo capítulo tratará do constitucionalismo, as normas e princípios constitucionais, bem como sua efetividade e a antinomia e suas formas de resolução. Já no terceiro capítulo serão apresentadas as filosofias de vida que excluem a origem animal do dia-a-dia, além de noções gerais dos princípios de liberdade de crença e proteção integral dos filhos. No quarto capítulo, será realizada a análise do conflito entre os princípios constitucionais referidos através de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, e da apresentação de projetos de leis relacionados ao tema, enfatizando-se a ponderação entre os princípios. Por fim, no quinto capítulo, será apresentado um resultado de todo o desenvolvimento do trabalho, bem como a solução para o conflito constitucional existente.

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2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS, PRINCÍPIOS E EFETIVIDADE

Neste capítulo, o trabalho discorrerá sobre as divergências do conceito de norma e princípio, fará um breve histórico sobre o tema e sua efetividade no mundo jurídico e abordará as divergências entre normas e a forma de resolução por meio de preceitos, em especial os princípios da liberdade de crença e da proteção integral dos filhos, conceituando-os e discernindo a sua aplicabilidade no Direito brasileiro.

2.1 NORMAS E PRINCÍPIOS: DIFERENÇAS E CONCEITOS

A princípio, relembrando os entendimentos gerais a respeito do Direito, é indispensável dizer que para o Direito, em suas diversas maneiras de existir, é fundamental a existência de regras escritas e codificadas. É através da norma jurídica que se introduz a ordem e a justiça na vida social (MARTINS, 2011).

A respeito do tema, Barroso (2012, p. 212) assim disserta: “As normas jurídicas são o objeto do Direito, a forma pela qual ele se expressa. Normas jurídicas são prescrições, mandamentos, determinações que, idealmente, destinam-se a introduzir a ordem e a justiça na vida social”.

A norma legal mostra, entre diversas características, o binômio indispensável para sua aplicação, sendo ele formado pela imperatividade e pela garantia. A imperatividade, conforme Barroso (2012), caracteriza-se pela obrigatoriedade da norma e pelo consequente dever jurídico, colocado aos respectivos receptores que se submeterem a ela. Em contrapartida, a garantia resulta na produção de meios institucionais e jurídicos habilitados a executar a norma ou instituir penalidades geradas pela sua transgressão.

De forma simplificada, as “Normas constitucionais são todas as regras que integram uma constituição rígida” (SILVA, 2003, p. 44, grifo do autor). Num prisma mais técnico, Carvalho (2006, p. 262) leciona que: “As normas constitucionais são normas primárias do ordenamento jurídico, ou seja, constituem a fonte primária, o alicerce, a base de qualquer ordenamento jurídico”.

Destarte, tendo como norma estrutural, também pode ser alegada a existência da predominância da norma constitucional sobre o restante de normas do ordenamento jurídico, como preconiza Diniz (2006, p. 14-15):

Por que seria suprema a norma constitucional? [...] por ser ela norma-origem, por não existir outra acima dela. Inegável é a sua supremacia em relação às demais

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normas da ordenação jurídica, desde que reconhecida pelo destinatário [...] a supremacia da Constituição se justificaria para manter a estabilidade social, bem como a imutabilidade relativa de seus preceitos [...].

Gonçalves (2011, p. 262) posiciona-se a respeito da superioridade normativa constitucional da seguinte forma:

A superioridade hierárquica designa que as normas constitucionais configuram o fundamento de validade, imediato ou mediato, de todas as normas legais que integram o mesmo ordenamento jurídico, por causa da potência da qual são emanadas (poder constituinte originário)1, com efeito no controle de constitucionalidade (jurisdição constitucional orgânica)2.

Para Alexy (2008), princípios são normas que estabelecem que certo fato seja realizado da melhor forma possível, levando em consideração as possibilidades fáticas e jurídicas. São, portanto, deliberações de aprimoramento definidas pela probabilidade de satisfação em diversas situações e pela conformidade com as viabilidades jurídicas e fáticas.

A partir de um sentido abrangente, Espíndola conceitua princípio como algo que “designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam” (ESPÍNDOLA, 2002, p. 157).

Com o intuito de simplificar a diferenciação entre princípios e normas, torna-se essencial distinguir princípios jurídicos e princípios hermenêuticos.

Esser (1961, p.65), a respeito de princípio jurídico, ensina que:

[...] não é um preceito jurídico, nem uma norma jurídica em sentido técnico, porquanto não contém nenhuma instrução vinculante de tipo imediato para um determinado campo de questões [...]. Os princípios jurídicos são conteúdo em oposição à forma.

Já em relação aos princípios hermenêuticos, esses possuem ofício argumentativo, contribuem para a evolução, incorporação e complementação do direito ao apresentar modelos de compreensão ou indicar normas que não existem em nenhum dispositivo legal (CANOTILHO, 2000).

Os princípios são conciliáveis com diversos níveis de concretização, conforme as circunstâncias fáticas e jurídicas, ao passo que as normas obrigam, consentem ou censuram

1O poder constituinte originário é aquele que se caracteriza como inicial, pois não se funda em nenhum poder e

porque não deriva de uma ordem jurídica que lhe seja anterior. É ele que inaugura uma ordem jurídica inédita, cuja energia geradora encontra fundamento em si mesmo (CARVALHO, 2006, p. 225; 232).

2

O conceito de jurisdição constitucional deve ser reforçado enquanto função estatal destinada à fiscalização da constitucionalidade das leis, à garantia da Constituição, à viabilização dos direitos fundamentais do homem (CARVALHO, 2006, p. 399).

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uma conduta, de modo imperativo, que pode ser ou não cumprida. Caso haja oposição, os princípios podem ser ajustados, moldados de acordo com a sua importância em relação a outros princípios. Já as normas, desde que estejam previstas no ordenamento jurídico, devem ser executadas igualmente como prescritas, pois não deixam abertura para ponderações. Caso estejam erradas, devem ser modificadas. Isso mostra que a existência dos princípios é maleável, ajustável, enquanto que a das normas é contraditória (CANOTILHO, 1998).

Silva explica que normas são orientações que cuidam de casos subjetivos de benefício ou de conexão, ou seja, proporcionam a pessoas ou a entidades a possibilidade de alcançar o objetivo por ação pessoal ou reivindicando a ação ou recusa de outrem e, por outro lado, acarretam que pessoas ou entidades sejam obrigadas a submeter-se à realização de uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem (JOSÉ, 2007).

No entendimento de Ávila (2009, p. 30):

Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto de interpretação; e as normas, no seu resultado. O importante é que não existe correspondência entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva de suporte.

Ainda com relação às diferenças entre normas e princípios, na concepção de Galuppo, a escolha em aplicar um ou outro “parte do pressuposto que todo caso possui uma resposta correta (rightanswer), o que garante integridade ao sistema jurídico” (GALUPPO, 1999, p. 198).

Inexiste uma ligação entre o texto e a norma, já que a existência de um texto não pressupõe, necessariamente, a de uma norma. Porém, em algumas situações, dependendo da acepção de um texto, deste será possível constatar uma regra. Passando por essa etapa, será verificado se de tal regra é possível que se extraia um princípio ou uma norma (JOSÉ, 2007).

Pode-se dividir as normas em duas subespécies, quais sejam, normas-princípios e normas-regras. A primeira não necessita estar escrita para que seja válida. Depende, apenas, de seu reconhecimento. Urge destacar que os princípios nunca serão contraditórios, mas sim contrapostos, ou seja, à frente de um conflito entre princípios, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, a prevalência de um não inutilizará a aplicação do outro, uma vez que esse poderá recair sobre outros casos concretos. Dessa forma, o princípio que tenha mais força prevalecerá neste caso específico e o outro permanecerá em validade e plenamente vigente a fim de que possa incidir nos demais casos (JOSÉ, 2007).

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Tratando-se de norma-regra, esta poderá ser localizada em diversos aparatos legais. Porém, sempre que duas ou mais normas-regras forem controversas, apenas uma deverá ser usada, pois o proveito de uma das regras acarretará na extinção da outra. Corrobora com esse entendimento o doutrinador Dworkin:

Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à regra promulgada pela autoridade superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero [...] (DWORKIN, 2007, p. 42).

Em síntese, as normas podem ser entendidas como princípios ou regras. Isto significa que norma é gênero, de onde podem ser extraídas espécies normativas, como regras ou princípios. As regras não necessitam e nem devem ser causa de análise, pois, nesse plano, elas apenas existem ou não. Já os princípios precisam, obrigatoriamente, passar por uma ponderação, mas isso não significa a exclusão de algum deles do sistema normativo jurídico, visto que a aplicabilidade do que melhor se adapta não elimina o outro que acabou não sendo tão útil (BONAVIDES, 2010).

A Carta Magna, segundo Barroso, engloba um complexo normativo amplo de regras e princípios, os quais, quando usados pelo aplicador da lei, não possuem uma pirâmide hierárquica (BARROSO, 2012).

Depois de apresentar algumas distinções entre normas e princípios, ressalta-se a relevância de o direito constitucional ter por base os princípios que, diante de suas características e abrangência, merecem lugar de destaque no ordenamento jurídico.

Partindo do estudo abordado, nota-se que a introdução de princípios constitucionais no âmbito jurídico colaborou para que casos não assegurados pela lei possam ter uma solução justa, fazendo com que esses casos, antes não previstos em lei, sejam incorporados no mundo jurídico.

Para finalizar, o sistema de valoração entre regras e princípios não segue uma norma. Em suma, a valoração dos princípios e normas não obedece a uma regra. O intérprete, ao optar pela aplicação de um ou de outro, deverá observar as particularidades do caso analisado. Caso seja decidido pelo prisma da norma, o intérprete ficará restrito ao seu texto e efeito, entretanto, estará amparado pela segurança jurídica. Por outro lado, se ele recorrer aos princípios, certos preceitos deverão ser interpretados de acordo com seu entendimento e seus valores. Assim, a segunda opção mostra-se ampla, porém, acaba sendo limitada (BARROSO, 2012).

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2.2 EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Neste tópico, é preciso destacar a efetividade das normas constitucionais, classificando-as pelo seu êxito, como a capacidade das normas para acarretar efeitos jurídicos. Os legisladores, ao serem omissos no que se refere à efetividade das normas constitucionais, não provocariam insegurança caso elas fossem aplicadas de forma imediata.

Silva separa as normas constitucionais, de acordo com sua eficácia, da seguinte forma: normas de eficácia limitada, plena e contida (SILVA, 1999, p.266).

Fora as alterações relevantes oferecidas pelo movimento, a efetividade também mostrou-se como um liame entre o velho e o novo Direito Constitucional, o que acarretou descentralização da Constituição como utopia, com seu ilusório axioma de supremacia (BARROSO, 2012).

Um episódio de grande relevância ao ordenamento jurídico brasileiro foi a doutrina da efetividade das normas constitucionais, que trouxe progresso considerável ao estudo do Direito Constitucional (BARROSO, 2012).

Ainda sobre o tema, a conquista da efetividade da norma constitucional, no que concerne à existência ou inexistência de sua eficácia, deu-se de forma gradual no ordenamento jurídico. Constatado o efeito da norma, é vital compreender a efetividade das normas constitucionais, algo de difícil compreensão, pois “a questão envolve a identificação das situações nas quais a Constituição tem aplicabilidade direta e imediata e aquelas em que isso não ocorre” (BARROSO, 2012, p. 235).

No que diz respeito à efetividade dos dispositivos constitucionais, caso estes fossem empregados de forma imediata, não seria necessário preocupar-se com a falta dos legisladores. Contudo, a aplicabilidade das normas constitucionais dificilmente é feita com a genuína leitura do texto, como ensina Pontes de Miranda em sua doutrina:

Quando uma regra se basta, por si mesma, para a sua incidência, diz-se bastante em si, self executing, self acting, self enforcing. Quando, porém, precisam as regras jurídicas de regulamentação, porque, sem a criação de novas regras jurídicas, que as complementem ou suplementem, não poderiam incidir e, pois, ser aplicadas, dizem-se não bastantes em si (MIRANDA, 1953, p.148).

No entendimento de Ferreira Filho (2012), quando um Estado é regido em sua integralidade por uma Constituição, esta é considerada como efetiva.

Pode-se conceituar a efetividade como sendo a conduta do homem quando ele cumpre a norma de acordo com o caso concreto, observando e aplicando o seu conteúdo. Em síntese, a efetividade é a execução do Direito, o cumprimento real de sua função social. A

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efetividade retrata a concretização no que diz respeito aos fatos e preceitos legais, representa unificação entre a norma e a realidade social (BARROSO, 2012).

O doutrinador José Afonso da Silva apresenta uma classificação de aplicabilidade das normas constitucionais a fim de torná-la mais compreensível, classificação esta amplamente adotada entre os estudiosos pátrios. Afirma que as normas constitucionais podem ser de eficácia plena, contida ou limitada (MORAES, 2012).

As normas de eficácia plena são aquelas aplicadas imediatamente, sem qualquer regulamento posterior decorrente dela. Simplesmente seus efeitos ocorrem desde logo, ficando resguardados pela segurança jurídica (SILVA, 1998).

Moraes, com relação às normas de eficácia contida:

Normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em que o legislador

constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados (por exemplo: art. 5º, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer) (MORAES, 2012, p. 12, grifo do autor).

Em relação às normas de eficácia limitada, o mesmo autor assim estabelece: [...] são aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade (por exemplo: CF, art. 37, VII: o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. Essa previsão condiciona o exercício do direito de greve, no serviço público, à regulamentação legal. Ainda, podemos citar como exemplo o art. 7º, XI, da Constituição Federal, que prevê a participação dos empregados nos lucros, ou resultados da empresa, conforme definido em lei) (MORAES, 2012, p. 12).

Em síntese, as normas de eficácia plena são aquelas que possuem efetividade irrestrita, enquanto as normas de eficácia contida são caracterizadas por poderem ser restringidas pela operação do legislador infraconstitucional e diminuídas no futuro. Já as de eficácia limitada têm sua eficácia relativa, condicionada à complementação de outra lei (MORAES, 2012).

Tal catalogação dos tipos de eficácia enfrentou certa resistência, todavia, na contemporaneidade, perpetua-se na esfera jurídica. A preocupação que persiste sobre a eficácia jurídica das normas vem do temor em ser substituída a linguagem reta da Constituição por algo mais objetivo, visto que a eficácia jurídica possui intensidade e pode ser aplicada na medida do seu teor objetivo (MORAES, 2012).

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A principal intenção da doutrina com a classificação supracitada foi elaborar uma técnica eficiente, capaz de derrubar “a insinceridade normativa e de superação da supremacia política exercida fora e acima da Constituição” (BARROSO, 2012, p. 241).

2.3 CONFLITOS DE NORMAS

Conflitos de normas no momento da aplicação do Direito são constantemente encontrados por juristas. Quando o conflito é entre normas de diferentes graus hierárquicos, o desenrolar do conflito é mais simples, pois torna-se mais fácil constatar a norma mais forte, diferentemente de quando se trata de normas confrontantes, com mesmo nível de hierarquia.

Em decorrência do pluralismo social e da complexidade, que modificam constantemente os valores sociais, os conflitos estão se tornando cada vez mais comuns na sociedade brasileira, o que, consequentemente, acaba acarretando indagações e conflitos a respeito das normas que estão em pleno vigor, até mesmo em se tratando de norma regida pela Constituição (BARROSO, 2012).

Sobre a problemática das antinomias jurídicas:

Em um sistema normativo constituído por regras e princípios jurídicos em constante e necessária transformação, que refletem uma sociedade dinâmica e heterogênea, são inevitáveis as oposições entre as espécies normativas, situação que reclama critérios adequados à solução dos conflitos e à salvaguarda da unidade e coerência do ordenamento jurídico (CRISTÓVAM, 2008, P. 222).

Antinomia é o nome que se dá ao confronto de normas, e sobre o assunto Tartuce (2014, p. 38) assim se posiciona “a antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto (lacunas de colisão)”.

Para resolver as situações conflitantes das normas, a pirâmide de Hans Kelsen3, instituída em seu livro Teoria Pura do Direito, é aplicada até hoje. O jurista expõe um sistema normativo jurídico escalonado, em geometria de pirâmide, onde no topo encontra-se a Constituição Federal, o que demonstra sua supremacia sobre as demais normas. Sob a CF ficam as emendas constitucionais, seguidas das leis (complementares, ordinárias e delegadas) e medidas provisórias. Depois das leis e medidas provisórias, encontram-se os decretos e, por último, na base da pirâmide, as resoluções, instruções normativas, portarias, circulares, etc.

3 Hans Kelsen, austríaco, nascido em Praga, foi um jurista dos mais importantes e influentes do século XX, tendo

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Com base nas explanações acima, pode-se perceber que, havendo casos de conflitos de normas de hierarquias diferentes, aplica-se a pirâmide apresentada pelo estudioso Hans Kelsen para a resolução de tal conflito. Ocorre que, nos casos em que normas de mesma hierarquia se colidem, a utilização do método de Kelsen mostra-se ineficaz, pois ambas as regras possuem mesma hierarquia.

Outra forma de solucionar as antinomias é apresentada por Bobbio4, que informa três regras as quais considera importantes, que são os critérios cronológico, hierárquico e da especialidade.

Nesse sentido, Bobbio estabelece:

[...] a regra posterior derroga a regra anterior pela aplicação do critério cronológico; a regra hierarquicamente superior derroga a inferior, segundo a determinação do critério hierárquico; pode-se estabelecer, ainda, a prevalência da regra especial sobre a regra geral usando o critério da especialidade (BOBBIO, 1995, p. 92).

No entanto, tais critérios são insuficientes para controlar de forma integral as antinomias presentes, como o próprio Bobbio (1995, p. 97) declara em sua obra:

O critério cronológico serve quando duas normas incompatíveis são sucessivas; o critério hierárquico serve quando duas normas incompatíveis estão em nível diverso; o critério de especialidade serve no choque de uma norma geral com uma norma especial. Mas pode ocorrer antinomia entre duas normas: 1) contemporâneas; 2) do mesmo nível; 3) ambas gerais. Entende-se que, nesse caso, os três critérios não ajudam mais. E o caso é mais frequente do que se possa imaginar.

Caso as antinomias não sejam solucionadas com os três critérios apresentados, deve-se observar o caso concreto pelo operador do Direito, mesmo esta opção não sendo apresentada como um critério (BOBBIO, 1995).

A lacuna percebida por Bobbio pode ser observada em situações conflitantes de normas constitucionais, e esse conflito pode ocorrer em três categorias: a) colisão entre princípios constitucionais; b) colisão entre direitos fundamentais; e c) colisão entre direitos fundamentais e outros valores e interesses constitucionais (BARROSO, 2012).

A primeira categoria de colisão demonstra os diversos conceitos inclusos na Constituição, e que tais conceitos não são plenos e devem coexistir. Como não há um critério de estimativa de princípios, é essencial adaptá-los ao caso concreto para definir sua relatividade (BARROSO, 2012).

4 Norberto Bobbio (1909 – 2004) foi um filósofo, historiador do pensamento político e senador vitalício Italiano.

Natural de Turim, Bobbio destacou-se por sua carreira política e docente. No ambiente jurídico, foi renomado pelos seus estudos acerca da filosofia do Direito, jusnaturalismo e positivismo jurídico. Com a publicação do livro Teoria do Ordenamento Jurídico, criou a técnica de resolução de conflito entre normas de mesma hierarquia, tendo, assim, deixado uma herança para o mundo jurídico.

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A respeito da contradição entre direitos fundamentais, Barroso (2012, p. 350) assim leciona:

A colisão entre direitos fundamentais não deixa de ser, de certa forma, uma particularização dos conflitos descritos acima. É que, em rigor, a estrutura normativa e o modo de aplicação dos direitos fundamentais se equiparam aos princípios. Assim, direitos que convivem em harmonia em seu relato abstrato podem produzir antinomias no seu exercício concreto.

A terceira e última situação conflitante, que diz respeito à colisão entre direitos fundamentais e outros valores e interesses constitucionais, é esclarecida por Barroso (2012, p. 356) em suas palavras abaixo:

Este será o caso, por exemplo, de uma demarcação de terras indígenas que, por sua extensão, possa colocar em risco a perspectiva de desenvolvimento econômico de um Estado da Federação. Ambiente bastante típico dessa modalidade de colisão é o da preservação de direitos individuais à liberdade, ao devido processo legal e à presunção de inocência diante da apuração e punição de crimes e infrações em geral, inseridas no domínio mais amplo da segurança pública.

Os conflitos apresentados possuem especificidades comuns, como a impossibilidade de solucionar a dissonância do enquadramento no caso concreto por intermédio do uso dos critérios convencionais, e o dever de ponderação para esclarecer, de forma constitucional, o conflito (BARROSO, 2012).

Dessa forma, quando for impossível fazer uso dos critérios convencionais nos casos de antinomia, o método mais aconselhável é o da ponderação. Nesse norte, Carvalho (2006, p. 312) ensina:

Destaca-se, no domínio da interpretação da Constituição, o mecanismo denominado de ponderação de bens ou valores, utilizado para a solução de tensões ou conflitos entre normas. Busca-se, com isso, identificar, na hipótese de colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais, qual bem jurídico deverá ser tutelado. Delimita-se, com isso, o âmbito de proteção de uma norma constitucional estabelecendo uma linha de demarcação entre o que ingressa nesse âmbito e o que fica de fora. Haverá, assim, o reconhecimento de um peso maior a determinado princípio constitucional em confronto com outro, se não for possível antes harmonizá-los, considerando o princípio da unidade da Constituição, que constitui um sistema orgânico, em virtude do qual cada parte tem de ser compreendida à luz das demais.

Sobre a técnica de ponderação, Barroso (2012, p. 358) leciona que “consiste em uma técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis aos quais a subsunção se mostrou insuficiente”.

De forma sucinta, a ponderação pode ser caracterizada como um método formado por três fases, sendo a primeira a busca de normas relevantes, que solucionem o caso concreto, devendo-se ater, porém, a eventuais conflitos entre elas. Na segunda fase, é necessário observar o caso concreto relacionando-o com fundamentos normativos, fazendo

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com que a ponderação se materialize na terceira etapa. Esta é a etapa na qual será solucionada a controvérsia existente por meio de estudos de grupos de normas e circunstâncias do caso, o que leva a um sistema de freios e contrapesos que ajudará a definir a força da utilização do grupo de normas para que se encontre o grau adequado em que a solução deve ser aplicada. Todo o processo deve apreciar as orientações da razoabilidade ou proporcionalidade (BARROSO, 2012).

Barroso (2012, p. 360) assevera, ainda, “[...] que a ponderação ingressou no universo da interpretação constitucional como uma necessidade, antes que como uma opção filosófica ou ideológica”.

No uso do método da ponderação, o princípio da razoabilidade é essencial, como ensina Carvalho (2006, p. 313):

E na realização da ponderação de bens ou valores constitucionais, essencial é a utilização do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade por ser ele que possibilitará a identificação do desvalor de alguns interesses invocados como dignos de proteção em conflito com outros.

Portanto, resta clara a importante função da técnica de ponderação, uma vez que ela serve como método para o intérprete da norma resolver casos de resolução de conflitos em que a técnica de Bobbio mostra-se ineficaz.

Tendo em vista que a norma constitucional é fragmentada em princípios e regras, é necessário ressaltar que a resolução, usando uma técnica ou outra, dificilmente será alcançada. Para isso, cabe ao intérprete estudar o a situação em particular para que sua escolha seja a mais adequada àquele caso, ou seja, terá a faculdade de utilizar a técnica de ponderação ou o procedimento de Bobbio.

A análise dos procedimentos que podem ser utilizados para a resolução de antinomias existentes entre normas, assim como os conceitos e o histórico do ordenamento jurídico, bem como no Direito Constitucional, são convicções de suma importância para o presente estudo, que tem como tema central apresentar o conflito existente entre o princípio da liberdade de crença e o da proteção integral da criança e dos filhos adolescentes.

O próximo capítulo abordará ambos os conceitos constitucionais referidos e, também, temas correspondentes, quais sejam, pais que impõem o estilo de vida vegano aos seus filhos incapazes, que é o objeto central do trabalho, bem como o entendimento legal, jurisprudencial e doutrinário acerca dessa crença dos pais sobrepor-se à proteção do filho.

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3 PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E LIBERDADE DE CRENÇA: CONFLITOS ENTRE PRINCÍPIOS

Passa-se agora a abordar questões e noções gerais acerca dos preceitos constitucionais da liberdade de crença e da proteção integral da criança e do adolescente. Serão apresentados conceitos e características de ambos os institutos para que se possa aplicá-los no caso concreto.

Conhecer e compreender os preceitos constitucionais é imprescindível, pois só depois de uma análise considerável da questão é que se tornará possível desenvolver algumas reflexões acerca do tema abordado no trabalho. Na atual situação jurídica, a sociedade está numa transição de valores sociais, em especial, no tocante à liberdade de crença voltada ao estilo de vida vegano, o qual, por vezes, tem sido imposto aos filhos menores incapazes, gerando polêmica e discussão entre juristas e operadores do direito.

Assim, é fundamental a abordagem das características e diferenciações relevantes dos princípios para que se esclareça o momento em que deve ser aplicado um ou outro. Além do mais, as noções gerais sustentam o conhecimento mais aprofundado do assunto, tornando-se, assim, de suma importância sua explanação, pois é por meio dela que se tornará viável alcançar possíveis soluções para o caso concreto.

3.1 CONCEITO DE CAPACIDADE CIVIL

A pessoa humana adquire a personalidade jurídica com o nascimento; já a capacidade civil, é a aquela em que a pessoa adquire na maioridade e que a torna capaz de reger sua vida e seus bens, desenvolvendo aptidão para a prática dos atos da vida civil. (RODRIGUES, 2003).

A capacidade civil pode ser subdividida em três tipos: a capacidade de direito ou de gozo; a capacidade de exercício ou de fato e a capacidade plena, que é a soma das anteriores.

A capacidade de direito ou de gozo é inerente à pessoa humana, desde a sua concepção, e só termina com a morte. O nascituro, por exemplo, mesmo antes do nascimento, já possui direito a doações ou herança, mas para que esse direito se efetive faz-se necessário que alguém o represente ou o assista (DINIZ, 2006).

Na capacidade de exercício ou de fato não há necessidade de representação ou assistência. O indivíduo exerce, por si só, todos os atos da vida civil. Como estabelece o

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artigo 5º do Código Civil, em regra a capacidade para exercer os atos da vida civil é adquirida com a maioridade, porém, o mesmo artigo, em seu parágrafo único, prevê a possibilidade de que os menores adquiram essa capacidade, conforme segue:

Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Já a capacidade plena, abrange a de direito e a de exercício, ou seja, tem capacidade plena aquele que exerce ambas simultaneamente. Assim, toda pessoa possui a capacidade de direito, mas não necessariamente a capacidade de fato. É o que ocorre com os incapazes, que, como explanado acima, têm o direito mas não podem exercê-lo por si só.

Considerações sobre capacidade civil à parte, passa-se a discorrer sobre a incapacidade civil, que reflete a ideia de impossibilidade para o exercício de direitos. O civilmente incapaz possui capacidade limitada, ainda que possua direitos, e a capacidade de exercício só se dá de forma assistida ou representada, conforme preceitua Rodrigues (2003, p. 192):

Se tal capacidade é limitada, o indivíduo tem capacidade de direito, como todo ser humano, mas sua capacidade de exercício (de fato) resta moderada, assim, quem não é plenamente capaz, necessita de outra pessoa para exteriorizar sua vontade no campo jurídico, por isso são chamados de “incapazes”.

Maria Helena Diniz, ainda sobre o tema, preceitua: “a incapacidade de fato ou de exercício é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, sendo que tal incapacidade pode ser absoluta ou relativa” (DINIZ, 2005, p. 191).

A respeito da incapacidade, que se subdivide em absoluta e relativa, Lisboa assim distingue essas duas modalidades existentes:

O absolutamente incapaz não pode praticar atos e negócios jurídicos. Quem os pratica em benefício dele é seu representante legal (os pais e, na falta deles, o tutor ou curador).

[...]

Os relativamente incapazes podem praticar atos e negócios jurídicos, desde que devidamente assistidos por seu responsável legal. (LISBOA, 2008, p. 57)

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Vale lembrar que os artigos 3º e 4ª, do Código Civil de 2002, que dispõem sobre a capacidade civil, foram alterados pela Lei 13.146 de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), passando a ter a seguinte redação:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos.

Assim, do artigo 3º do CC, que antes trazia como absolutamente incapazes “I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”, restou somente o inciso I, ficando caracterizados como absolutamente incapazes apenas os menores de 16 anos, ou seja, as crianças e os adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no caput de seu artigo 2º, faz a denominação técnica de criança e adolescente da seguinte forma: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990a).

Dessa forma, conclui-se a definição de absolutamente incapaz, levando em consideração o ordenamento jurídico, como sendo toda criança e/ou adolescente menor de dezesseis anos, que, por si só, não podem realizar os atos da vida civil.

3.2 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A proteção integral às crianças e aos adolescentes está prestigiada nos direitos fundamentais trazidos no artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e, também, nos artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990). A proclamação de tais direitos fundamentais está sustentada na condição de que deve ser dado à criança e ao adolescente prioridade total, visto que são pessoas consideradas em condição hipossuficiente devido ao estado de desenvolvimento.

Os menores de dezesseis anos de idade, considerados incapazes pela lei pátria, mais precisamente pelo artigo 3º do Código Civil Brasileiro, carecem de cuidados especiais por serem consideradas pessoas ainda em desenvolvimento. Assim, devem ter seus direitos

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resguardados de forma prioritária quando em confronto aos demais segmentos da sociedade, no que tange a direitos iguais (NOGUEIRA, 1996).

O princípio da proteção integral da criança e do adolescente, um dos maiores balizadores dos direitos fundamentais dos menores, encontra-se definido no caput do artigo 227 da Constituição Federal e possui o seguinte texto:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Até chegar a esse conceito de proteção integral do menor, com o advento da Constituição Federal de 1988, a lei passou por uma evolução histórica, tendo início no plano internacional em 1989, com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança5, até chegar ao atual Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei n° 8.069 de 13 de julho de 1990. De acordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, o conceito de criança é posto como toda pessoa com dezoito anos incompletos; já o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no caput do seu artigo 2º, dispõe que criança é toda pessoa menor de 12 anos de idade e o adolescente, então, se enquadra como sendo o que possui entre doze e dezoito anos de idade. Ainda no referido artigo, em seu parágrafo único, considera-se também adolescente os que compreendem a idade entre 18 e 21 anos (BRASIL, 1990a).

Posto isso, cabe frisar que a idade está completamente vinculada à definição de infantojuvenil. No entanto, essa faixa etária encontra-se em constante desenvolvimento mental e físico e, por isso, conforme doutrina Vianna (2004), tanto a criança quanto o adolescente necessitam de cuidados específicos e pessoais.

A Convenção dos Direitos da Criança apresenta parâmetros criados a fim de nortear a atuação política do mundo todo para tornar efetivo o cumprimento dos princípios nela assentados, os quais possuem a intenção de proporcionar o desenvolvimento particular e social saudável durante a infância, tendo em vista ser esta fase da vida fundamental na formação do caráter e da personalidade humana (VIANNA, 2004).

5

A Convenção internacional sobre os direitos da criança é um tratado universal que visa à proteção de crianças e adolescentes do mundo inteiro, aprovada na Resolução 44/25 da AGNU, em 20 de novembro de 1989 (Unicef)

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Além da importância da ação do Estado como um todo em prol do pleno desenvolvimento na idade infantil, Albernaz Júnior e Ferreira (2011) informam também sobre os valores da entidade familiar:

[...] a importância assinalada à unidade familiar como suporte para o crescimento social e emocional, harmônico e saudável da criança atribuindo aos pais ou outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de proporcionar, de acordo com suas possibilidades e meios financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança, cabendo ao Estado-parte, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotar medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo este direito e caso necessário proporcionando assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação.

Com a chegada da CF/88, houve uma revolução na área dos direitos humanos no que tange, especialmente, ao Direito da Criança e do Adolescente. O artigo 227 da Carta Magna trouxe uma nova referência, que se tornou um marco na sociedade brasileira ao informar que crianças e adolescentes, agora considerados sujeitos de direitos, possuem prioridade absoluta, o que instituiu a doutrina da proteção integral (VANNUCHI, 2010).

Ao tratar de criança e adolescente, o ordenamento jurídico pode ser observado em duas etapas dessemelhantes: A primeira, chamada de situação irregular, é a fase em que os menores não possuíam família ou que então tivessem contrariado o ordenamento jurídico; já a segunda etapa, é a fase designada pela doutrina da proteção integral, momento em que foi introduzido pela CF/88 o entendimento da absoluta prioridade (COSTA, 1993).

Anteriormente, vigorava no Estado Brasileiro a Doutrina da Situação Irregular, aprovada pelo país com a instalação do Código de Menores de 1979, o qual discriminava as crianças e os adolescentes adotando a instituição do adultocentrismo, conforme informa Veronese (2015, p. 48):

O Código de Menores de 1979, ao ter como alvo de atenção certa categoria de crianças e adolescentes, os que se encontravam em situação irregular, justificava-se como uma legislação tutelar. No entanto, essa tutela enfatizava um entendimento discriminador, ratificava uma suposta “cultura” inferiorizadora, pois implica no resguardo da superioridade de alguns, ou mesmo de grupos, sobre outros, como a história registrou ter ocorrido e ainda ocorrer com mulheres, negros, índios, homossexuais e outros.

Para justificar a internação ou os tratamentos de caráter educacional, psicopedagógico ocupacional, que na realidade passavam por cima dos direitos fundamentais firmados com a proclamação da Constituição Brasileira em 1988, o Código de Menores apoiava-se em questões subjetivas, como o desvio de conduta (VERONESE, 2015).

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