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Uma (re)leitura da oitiva do adolescente em conflito com a lei

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ DEPARTAMENTO DE DIREITO

ISABELA VIANA DE CARVALHO

UMA (RE)LEITURA DA OITIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

MACAÉ 2018

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UMA (RE)LEITURA DA OITIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Trabalho apresentado ao Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para conclusão do Bacharelado em Direito.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Andreza A. Franco Câmara

MACAÉ 2018

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ISABELA VIANA DE CARVALHO

UMA (RE)LEITURA DA OITIVA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora do Departamento de Direito da Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé.

Macaé, 05 de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

______________________________

Professora Doutora Andreza Aparecida Franco Câmara (Universidade Federal Fluminense)

______________________________

Professora Mestra Glenda Vicenzi (Universidade Federal Fluminense)

______________________________

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus pelo dom da vida, por nunca me desamparar e por sempre manter a minha fé, permitindo que eu chegasse até aqui, concluindo mais uma etapa e realizando mais um sonho. Sem Ele, nada seria possível.

Agradeço também aos meus pais, Cristina e Francisco, pelo apoio incondicional e por todas as renúncias feitas, para que eu pudesse ter todas as oportunidades que eles não tiveram, e também por não medirem esforços para me ver feliz. Vocês são os principais responsáveis por essa conquista. Obrigada por esse imenso amor.

Aos meus queridos irmãos, Caio e Bruno, agradeço de coração, pelos conselhos, pela cumplicidade e parceria, e por serem meu apoio, estando sempre presentes nos meus dias, mesmo a tantos quilômetros de distância.

Aos meus avós, Jones e Nega, agradeço pelas orações, pelo carinho, pelas histórias compartilhadas, pelas risadas dadas e por todos os ensinamentos. Vocês me mostraram o poder que uma família tem, e a influência positiva que ela causa em nossas vidas.

À minha amada avó, Carmem, agradeço com saudades por todos os abraços e beijos que tanto me fazem falta, pelos elogios que levantavam o meu astral e faziam eu me sentir a melhor pessoa do mundo. Sei que a senhora olha por mim, e quero que saiba, de onde estiver, que o seu carinho era o melhor que eu poderia receber.

Aos meus familiares, amigos e colegas de trabalho, agradeço por todo apoio e incentivo durante essa trajetória, pelos votos amorosos e de sucesso e por serem a carga motivacional necessária nos meus dias difíceis.

As minhas companheiras de república, Letícia, Larissa e Lara, agradeço pela paciência, pelas boas risadas, por serem a minha família em Macaé e por me mostrarem que nunca estou só. Vocês foram fundamentais para que eu conseguisse me sentir feliz, mesmo tão longe da minha família. Meu agradecimento especial à Letícia, por ser meu alicerce e minha confidente, e por compartilhar comigo todos os sonhos e inseguranças.

Ao Yago, agradeço por todo carinho, amor e companheirismo. Você me ensinou que o amor é paciente, tudo sofre, crê, espera e supera. Sem sua presença, nada disso seria possível. Agradeço também aos seus pais, Losangela e Vanderlei, por cuidarem de mim como uma filha e por amenizarem a saudade diária que eu sinto da minha família.

Por fim, mas não menos importante, agradeço à minha orientadora Andreza, pela disposição em me auxiliar na elaboração deste trabalho e pelo carinho durante nossas conversas.

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RESUMO

O presente trabalho busca analisar a forma como ocorre à oitiva dos adolescentes em conflito com a lei, com base nas modificações ocorridas no Código de Processo Penal e através de uma análise jurisprudencial de outros procedimentos especiais. Por meio de uma revisão de literatura procurou-se entender o ato de interrogar e como esse procedimento ocorre na Comarca de Macaé, através da realização de uma entrevista com a magistrada que atua na área. Objetivou-se compreender porque o adolescente, muitas vezes, ainda é o primeiro a ser ouvido na instrução que apura um ato infracional, já que tal medida configura-se como violadora de direitos constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa e o devido processo legal. A hipótese consiste em verificar como esse procedimento pode dar ao suposto infrator um tratamento igual ou mais benéfico do que é ofertado aos acusados pela prática de uma infração penal, efetivando aos menores, todas as garantias processuais dispostas no ordenamento jurídico.

Palavras-chave: Interrogatório. Adolescente em conflito com a lei. Contraditório e ampla defesa. Devido processo legal.

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ABSTRACT

The present work seeks to analyze how the juvenile prosecutor in conflict with the law occurs, based on the changes occurred in the Code of Criminal Procedure and through a jurisprudential analysis of other special procedures. Through a literature review, we sought to understand the act of interrogating and how this procedure occurs in the Macaé County, through an interview with the magistrate who works in the area. The objective was to understand why the adolescent is often still the first to be heard in the investigation that establishes an infraction, since this measure configures itself as a violation of constitutional rights, such as the contradictory and ample defense and due process cool. The hypothesis is to verify how this procedure can give the supposed offender a treatment equal to or more beneficial than what is offered to the accused by the practice of a criminal infraction, making the minors, all the procedural guarantees arranged in the legal order.

Keywords: Interrogation. Adolescent in conflict with the law. Contradictory and ample defense. Due process legal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I – O INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO 11

1 As mudanças no Código de Processo Penal, com advento da lei 11.719/2008 11

1.1 O interrogatório judicial 12

1.1.1 Características do interrogatório 13

1.1.1.1 Ato personalíssimo 15

1.1.1.2 Ato contraditório 16

1.1.1.3 Ato oral, público e assistido tecnicamente 17

1.1.1.4 Ato bifásico 19

1.1.1.5 Ato protegido pelo direito ao silêncio 20

1.1.2 Foro competente e local de realização do interrogatório 21

1.2 Natureza jurídica do interrogatório 22

1.2.1 Interrogatório como meio de prova 22

1.2.2 Interrogatório como meio de defesa 24

1.2.3 Natureza mista do interrogatório 25

1.2.4 Interrogatório como meio de defesa e eventualmente, como fonte de prova 26

1.3 Localização do interrogatório na instrução 27

CAPÍTULO II – O INTERROGATÓRIO NOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS 31

2 As modificações trazidas pela jurisprudência na localização do interrogatório 31

2.1 O interrogatório e o código de processo penal militar 31

2.2 O interrogatório e a lei de drogas 39

2.3 O interrogatório e o regimento interno dos tribunais superiores 43

2.4 O interrogatório e o código eleitoral 46

2.5 O interrogatório e a lei de licitações 48

CAPÍTULO III – A OITIVA DOS ADOLESCENTES INFRATORES 50

3 A instrução processual na apuração de um ato infracional 50

3.1 O interrogatório na apuração de atos infracionais na Comarca de Macaé 56 3.2 A necessidade de uma releitura da oitiva do adolescente infrator 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS 67

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INTRODUÇÃO

Os adolescentes que cometem atos infracionais, em sua grande maioria, estão inseridos em um contexto social vulnerável, a margem da sociedade, não tendo acesso pleno a uma vida digna, nem a garantias básicas, como saúde, saneamento e educação. Busca-se resguardar a eles, o acesso amplo à justiça, garantindo todos os meios de defesa processuais vigentes no ordenamento.

A apuração de atos infracionais, que pode culminar com a restrição da liberdade dos menores, não pode ser admitida através de práticas arbitrárias, ou processos ilegais que possam causar danos irreparáveis aos infratores. Sabendo que o objetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – é garantir a proteção integral ao adolescente, e não a aplicação de uma sanção estatal, não podem ser aceitos mecanismos de cerceamento de defesa.

O objeto de estudo deste trabalho foi definido em razão de sua relevância jurídica, acadêmica e social, já que a legislação precisa acompanhar as mudanças fáticas e históricas, se adequando ao contexto vivenciado por aqueles que são atingidos direta e indiretamente por ela. O interesse pelo tema surgiu após a realização de estágio forense em dois locais distintos: uma Vara Criminal e uma Promotoria de Infância e Juventude.

Durante a apuração do fato delituoso que ocorria na Vara Criminal, sendo o interrogatório o último ato da instrução, se pôde perceber que a autodefesa estaria sendo exercida de forma plena, já que o acusado conhecia todo o contexto probatório antes de se manifestar, podendo rebatê-lo ponto a ponto, ou permanecer em silêncio, escolhendo o que melhor favorecesse aos seus interesses.

Já os adolescentes que cometiam ato infracional, assim que apreendidos, compareciam a uma oitiva informal na presença somente de um Promotor de Justiça, sem um defensor constituído1, onde se manifestavam sobre os fatos ocorridos. Após, era designada uma audiência de apresentação, onde se interrogava o adolescente – antes da oitiva de todas as testemunhas e da apresentação de outros meios de prova. Tal audiência também tinha o intuito de avaliar o cabimento da remissão, uma espécie de perdão judicial, sendo esse um dos motivos pelos quais sua realização é defendida.

Durante o estágio na Promotoria de Infância e Juventude, também se pôde notar que boa parte dos adolescentes que cometiam atos infracionais, já eram acompanhados pelo órgão, por viverem em situações de abandono. Dessa forma, surgiu o questionamento, de por que

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adolescentes que muitas vezes são vítimas de abandono, respaldado pela negligência estatal e por processos de marginalização, são submetidos a uma instrução mais rígida e sem garantias já asseguradas aos maiores de idade em conflito com a lei.

Assim, no presente Trabalho de Conclusão de Curso busca-se analisar como ocorre o interrogatório na instrução processual que apura a prática de ato infracional, bem como sua real eficácia na verificação da materialidade e autoria do delito, à luz da ordem constitucional vigente e das modificações que ocorreram na legislação processual penal.

O Código de Processo Penal passou por uma grande mudança, que será analisada no primeiro capítulo deste trabalho, onde o interrogatório passou a ser o último ato da instrução, de modo que, possa o réu conhecer de todas as provas antes de produzir sua defesa pessoal, possibilitando que esta seja exercida de forma íntegra e que todos os fatos expostos possam ser contrapostos.

As leis que modificaram a legislação processual penal buscaram fazer uma adequação do sistema acusatório ao regime democrático em que estamos inseridos, integrando de forma harmoniosa os preceitos constitucionais da Constituição da República de 1988, assegurando maior efetividade a seus princípios, em especial, ao contraditório e a ampla defesa, esculpidos no artigo 5º, inciso LV2, considerados, inclusive, como cláusula pétrea.

A ordem sequencial das oitivas prevista no ECA traz diversos questionamentos quando comparada com a Lei Processual Penal, aplicável ao imputáveis. Um deles é o fato de o réu acusado de crime ter acesso maior ao contraditório e a ampla defesa do que o adolescente acusado de ato infracional, já que somente é interrogado ao término da instrução processual.

O interrogatório do menor infrator deve ser efetivo instrumento do contraditório e da ampla defesa, contudo, sendo o ato realizado antes da exposição de todas as provas por parte do órgão acusador, o adolescente não as pode refutar especificadamente, já que as desconhece. Nesse sentido, deve ser ressaltado que hoje o interrogatório não é mais visto somente como meio de prova, mas também como meio de defesa processual.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal se manifestou no HC 127.900/AM (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 3/8/2016) no sentido de que a legislação processual penal, por ser mais benéfica e mais harmoniosa com a ordem constitucional deve preponderar sobre legislações especiais, afirmando que a não observância ao preconizado no artigo 400 do Código de Processo Penal acarreta prejuízo evidente à defesa. No segundo capítulo deste trabalho, será

2 Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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feita uma análise mais aprofundada dos entendimentos jurisprudenciais adotados pelos tribunais superiores em relação ao tema.

Sabe-se que, um dos ditames do ECA durante a apuração de ato infracional é a celeridade. Dessa forma, a realização de uma audiência una, abordando a audiência de apresentação e continuação previstas, seria uma solução eficaz para o problema apresentado, já que prestigia a celeridade processual e garante que o adolescente tenha conhecimento de todos os fatos a ele imputados, antes de se manifestar.

A atual dinâmica forense, em muitas vezes impede a realização de uma audiência una, já que as intimações de testemunhas, realização de perícias e demais diligências nem sempre são cumpridas com facilidade. Nesse contexto, outra opção seria a cisão do interrogatório do adolescente, de modo a preservar a lógica da audiência de apresentação, que avalia a possibilidade de aplicação de remissão, mas sem fazer com que o adolescente aborde os fatos a ele imputados antes das demais testemunhas. Durante a audiência seriam abordados apenas fatos relacionados a características pessoais e sociais do adolescente em conflito com a lei, tratando dos fatos apenas em momento posterior, após toda a colheita de provas, já que é característica do interrogatório ser um ato bifásico.

Apresentadas as hipóteses iniciais, infere-se que é necessário construir uma análise crítica sobre o modo como o ato infracional é investigado, sendo dado neste trabalho, um enfoque ao interrogatório, buscando contribuir para que de alguma forma o direito de defesa possa ser exercido de forma plena pelos adolescentes em conflito com a lei, efetivando a eles, garantias constitucionais consagradas.

A metodologia adotada foi a revisão de literatura, durante um estudo sobre o interrogatório no Código de Processo Penal, realizado no primeiro capítulo, seguida de uma análise jurisprudencial e da legislação vigente, feita no segundo capítulo, cujo enfoque foram as decisões dos tribunais superiores em relação a inversão do interrogatório em procedimentos especiais, como a Lei de Drogas, o Regimento Interno dos Tribunais Superiores, o Código de Processo Penal Militar, o Código Eleitoral e a Lei de Licitações. Por fim, no terceiro capítulo, após a realização de uma entrevista3 com a magistrada da Vara de Infância e Juventude da Comarca de Macaé, foram feitas análises do procedimento que apura a prática de ato infracional, com enfoque na oitiva do adolescente, também chamada de interrogatório.

3 A entrevista foi realizada durante o expediente forense, onde através de uma conversa informal, foram esclarecidos os principais pontos relativos ao interrogatório dos adolescentes infratores pela juíza Ingrid Vasconcellos de Carvalho, que autorizou a divulgação do diálogo neste trabalho de conclusão de curso.

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CAPÍTULO I

O INTERROGATÓRIO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

1 As mudanças no Código de Processo Penal, com advento da lei 11.719/2008

As mudanças trazidas pela Lei 11.719, de 2008 buscaram desburocratizar, dar transparência e celeridade ao Processo Penal, além de harmonizar a legislação processual às diretrizes principiológicas trazidas pela Constituição da República de 1988. As antigas disposições processuais traziam inefetividade à prestação jurisdicional e afastavam o garantismo do julgamento4.

Atualmente, na visão de Ada Pellegrini (s.d, p. 01) a efetividade e o garantismo são valores fundamentais do processo penal, sendo que este tem enfoque na tutela do justo processo e do correto exercício da função jurisdicional, visto sob o prisma das partes, em especial da defesa, enquanto aquela tem um enfoque mais instrumental do sistema processual. Os novos ideais desburocratizadores, céleres e transparentes são fundamentos que incentivaram a mudança no Código de Processo Penal. O principal enfoque da mudança foi a mencionada necessidade de adequação das normas processuais ao novo prisma constitucional, com forte influência de princípios, que buscam efetivar os diretos humanos, previstos em diversos tratados5, dos quais o Brasil é signatário.

Buscou-se uma reforma completa do código, todavia, analisando a realidade fática, isso seria inviável, considerando a morosidade no trâmite legislativo. Assim, foram feitas reformas menores, buscando homogeneizar o sistema, remodelando alguns institutos processuais.

O enfoque do presente texto, no que tange as mudanças trazidas pela reforma processual, é o deslocamento do interrogatório judicial, que a luz da nova legislação, passa a ser o último ato da instrução. Entretanto, é necessário entender um pouco mais sobre esse instituto, suas características, natureza jurídica, antes de discorrer sobre o seu local na instrução, temas que serão objetos de análise no decorrer deste capítulo.

4 Não existia a previsão de absolvição sumária, nem de audiência una, por exemplo. 5

Como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto nº 678, de 1992) e Carta das Nações Unidas (Decreto nº 19.841, de 1945).

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1.1 O interrogatório judicial

O interrogatório é considerado um ato processual, no qual o acusado tem a oportunidade de apresentar ao juiz, que é o destinatário da prova, e julga com íntima convicção, sua versão sobre os fatos que lhe são imputados. Durante esse ato, o réu além de apresentar sua versão, pode indicar meios de prova, pode confessar a autoria delitiva, podendo também, permanecer em silêncio (NUCCI, 2016, p. 254).

Quem conduz o interrogatório é o juiz, que deve fazê-lo de forma imparcial, equilibrada e neutra, não podendo confrontar o réu, por mais inverossímil que sua versão possa aparentar ser, já que não lhe cabe sugerir nesse momento que a narrativa fática apresentada é falsa ou não. Após o término da colheita das provas, o juiz terá o momento de valorar e avaliar a prova produzida na audiência de instrução e julgamento. Nesse sentido, Renato Lima, entende que:

[...] Se o magistrado se contrapor ao acusado em seu interrogatório judicial, por vezes qualificando-o de mentiroso, este verdadeiro prejulgamento do feito dará ensejo ao reconhecimento da nulidade absoluta do referido ato, seja em face de evidente constrangimento ao exercício da autodefesa, seja por conta da violação à garantia da imparcialidade. (LIMA, 2016, p. 896)

Durante sua fala, o réu não pode ser penalizado por eventual mentira que venha a falar, não sendo punido no ordenamento jurídico pátrio o perjúrio. A punição ao falso testemunho dado pelo réu ocorre em outras legislações sob o fundamento de que seria um desacato ao julgador da causa. O único crime que pode ser tipificado durante o interrogatório é do de autoacusação falsa6, sendo uma prática contra a administração da justiça, ocorrida quando a pessoa acusa-se perante a autoridade de crime praticado por outra pessoa ou inexistente.

Guilherme Nucci defende ser um direito o réu poder mentir em juízo sobre os questionamentos meritórios e de caráter pessoal, justificando seu posicionamento:

Em primeiro lugar, porque ninguém é obrigado a se autoacusar. Se assim é, para evitar a admissão de culpa, há de afirmar o réu algo que sabe ser contrário à verdade. Em segundo lugar, o direito constitucional à ampla defesa não poderia excluir a possibilidade de narrar inverdades, no intuito cristalino de fugir à incriminação ou à indicação de uma personalidade desajustada, fornecendo imagem pessoal negativa ao julgador. Aliás, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico, é permitido. E se é permitido, torna-se direito. (NUCCI, 2016, p. 263)

6 Art. 341, CP - Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

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O jurista faz ressalvas a não incriminação ao perjúrio, aduzindo que “em relação à qualificação, não cabe direito ao silêncio, nem o fornecimento de dados falsos, sem que haja consequência jurídica, impondo sanção” (NUCCI, 2016, p. 260). Esse posicionamento é adotado porque as consequências podem causar prejuízos a outras pessoas e a administração da justiça, em especial, quando são fornecidos dados de terceiros, sem qualquer envolvimento com o fato.

Contrapondo esse pensamento, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar aduzem que o acusado não estaria obrigado a falar de forma real sobre seus dados qualificadores, já que estes poderiam o vincular a prática de outras infrações. Afirmam que tal conduta é inexigível por parte do réu, já que ninguém está obrigado a se autoincriminar (TAVORÁ e ALENCAR, 2017, p. 683). Para tanto, exemplificam relatando um caso prático:

Acompanhamos uma audiência na comarca de Pão de Açúcar, Estado de Alagoas, por uso de documento falso, onde o interrogando negou-se a prestar os devidos esclarecimentos acerca de sua qualificação, por ter um vasto histórico criminal, inclusive com mandados de prisão expedidos no Estado de São Paulo. Ora, se ninguém é obrigado a se autoincriminar, é claro que o interrogado não pode ser repreendido por se negar a fornecer os elementos acerca de sua real realidade. (TAVORÁ & ALENCAR, 2017, p. 683).

O Superior Tribunal de Justiça, durante a edição do Enunciado nº 5227, demonstrou comungar do entendimento de Guilherme Nucci, onde assentou que a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa. Apesar da literalidade da Súmula falar sobre a autoridade policial, seu teor pode ser suscitado para a falsa identidade declarada em juízo.

1.1.1 Características do interrogatório

Antes de discorrer sobre as principais características do ato de interrogar, é importante destacar que respeitando a dignidade da pessoa humana, é inadmissível a utilização de métodos que tendem a extrair algum tipo de confissão, ou que exerçam influência sobre a autodeterminação do réu.

Dessa forma, as perguntas direcionadas ao acusado precisam ser claras, objetivas e não ambíguas, de modo que a eventual resposta seja fruto da vontade livre do acusado e não de questionamentos tendenciosos.

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“A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa”. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 25/03/2015, DJe 6/4/2015.

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São inadmissíveis quaisquer métodos de ameaça ou intimidação do réu durante a colheita de seu depoimento, ou qualquer meio que afete sua liberdade de declaração. Também não podem ser concebidas práticas conhecidas como ‘interrogatórios duros’, utilizada pelos Estados Unidos da América, na prisão de Guantánamo, como exemplificado por Lima:

[...] presos eram mantidos acordados durante inúmeras horas seguidas, privados de sono, submetidos a afogamentos simulados, a temperaturas extremamente baixas, entre outras práticas semelhantes. Tais métodos não podem ser aceitos, porquanto presentes todos os elementos constitutivos da tortura, segundo a Corte Interamericana sobre Direitos Humanos: a) um ato intencional; b) que cause severos sofrimentos físicos ou mentais; e c) que se cometa com determinado fim ou propósito (p.ex., obter informações de uma pessoa, castigá-la ou intimidá-la). (LIMA, 2016, p. 910)

Métodos semelhantes também foram utilizados no Brasil, durante os ‘anos de chumbo’8, no período da Ditadura Civil-Militar:

A tortura é um sistema dotado de métodos para provocar dor, extrair informações e humilhar a pessoa presa. Em alguns casos, era uma técnica para se provocar a morte lenta de presos já condenados, por algum motivo, pelas equipes de repressão. [...] Como não há registros de torturadoras do sexo feminino, as equipes que interrogavam mulheres eram masculinas, multiplicando o potencial de humilhação, por conta da exposição do corpo da mulher e da ameaça de ataques sexuais às prisioneiras durante as sessões. [...] As sessões poderiam durar horas ou dias seguidos, conforme a resistência mental e física do preso. Além disso, as sessões podiam ser interrompidas, com a certeza de que o preso voltaria para uma próxima sessão, em dias e horários indefinidos. O preso podia ser acordado com chutes de madrugada e seguir para uma nova sessão de tortura, quando nem havia se recuperado da anterior. Conforme testemunhos, essa era uma das piores sensações dos prisioneiros: a espera pela próxima sessão, que, conforme a promessa dos torturadores, seria pior que a anterior. As equipes de interrogatório também poderiam se utilizar de estratégias psicológicas, alternando um interrogador brutal, com um tipo polido, paternalista, que prometia ajudar e proteger o preso de novas violências. [...] As equipes da repressão eram normalmente divididas em três grupos. Um grupo capturava o preso; o segundo grupo o interrogava e o torturava; e o terceiro grupo sistematizava as informações obtidas. (Tortura: violação de direitos humanos, s.d, s. p.).

O cansaço físico e mental do acusado, que por muitas vezes precisa percorrer longas distâncias até chegar ao local onde será interrogado, aliado a pressão psicológica do momento, bem como ao fato de que não é preestabelecido um horário de começo e término para o interrogatório, acabam por comprometer a liberdade de autodeterminação do réu no momento de responder aos questionamentos.

Segundo Lima países como Espanha, Chile e Argentina adotaram em suas legislações a obrigatoriedade de suspender o interrogatório, caso o réu demonstrasse muito cansaço após responder ilimitadas perguntas (LIMA, 2016, p. 610). Dessa forma, tais países buscam evitar

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algumas arbitrariedades que podem decorrer do estado físico vulnerável em que se encontra o réu no momento de sua inquirição.

1.1.1.1 Ato personalíssimo

O interrogatório é um ato personalíssimo, que deve ser exercido unicamente pela pessoa do acusado, sendo a ocasião em que o julgador tem contato direto com o réu, e avalia a persecução penal deduzida pelo Ministério Público ou pelo querelante. Não pode o réu, em nenhuma hipótese ser substituído neste ato.

Quando o autor do delito for pessoa jurídica, em casos de crimes ambientais, o interrogatório é feito na pessoa indicada no estatuto, ou por seus diretores, por interpretação analógica do Código de Processo Civil9, com a Legislação Processual Penal10. Nesse caso, as declarações prestadas pelo representante, vinculam a pessoa jurídica ré.

Em se tratando de crime ambiental de menor potencial ofensivo, cuja competência para julgamento será dos Juizados Especiais Criminais, a Lei 9.9099 de 1995 dispõe em seu artigo 9º, §4º11 que a ré pessoa jurídica poderá ser representada por preposto credenciado, munido de carta de preposição, com poderes para transigir, sem necessidade de vínculo empregatício. Tal disposição trata dos Juizados Especiais Cíveis, mas vem sendo aplicada analogicamente aos Juizados Criminais.

O fato de a defesa técnica do acusado estar presente – advogado ou defensor público – não supre a ausência do réu, mas pode justificar os motivos pelos quais ele não pôde comparecer no momento da audiência. Entretanto, é vedado à defesa abordar questões fáticas, o que é uma prática exclusiva do acusado.

O ato também é individual, ou seja, havendo mais de um réu processado por um fato, os interrogatórios devem ser feitos exclusivamente para a pessoa de cada acusado, separados um do outro12.

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Art. 75, CPC. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: [...] VIII - a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;

10 Art. 3o , CPP. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

11 O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício. 12

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1.1.1.2 Ato contraditório

O interrogatório era um ato privativo do juiz, não podendo as partes intervir durante sua realização, o que, com a promulgação da Constituição de 1988, se mostrou incompatível com a nova ordem constitucional, em especial, com os princípios do contraditório e da ampla defesa.

O artigo 188 do Código de Processo Penal foi modificado em 200313, fazendo com que o interrogatório se submetesse ao contraditório, podendo as partes interferir durante sua execução, fazendo as perguntas que acharem pertinentes e necessárias. A mudança não foi total, de modo que o interrogatório continuou seguindo o sistema presidencialista (LIMA, 2016, p. 903), sendo o primeiro a fazer os questionamentos o magistrado, seguido da parte acusatória e depois a defesa do réu.

Em respeito ao devido processo legal e, privilegiando o direito de defesa, em havendo mais de um acusado no processo, é permitido a defesa de um deles intervir no interrogatório de outro, fazendo os questionamentos necessários. Nesse sentido, já entendeu o Superior Tribunal de Justiça, que todas as partes devem contribuir entre si na busca da verdade real14, e que o fato dos réus serem interrogados separadamente não significa que o defensor de um

13 Modificação introduzida com o advento da Lei nº. 10.792/2003.

14 Ementa: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E RESPECTIVA ASSOCIAÇÃO. [...] (2) INTERROGATÓRIO. CORRÉUS. INTERVENÇÃO DE ADVOGADO DE ACUSADO DIVERSO DO INTERROGANDO. VEDAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO (3). [...] 2. A colenda Sexta Turma entende possível, em casos de delação, a intervenção do Advogado em interrogatório de réu diverso daquele que defende (Precedentes do STJ/STF). Em prestígio à multifacetada cláusula do due process of law, é de se estender tal compreensão para casos de ausência de delação. A contribuição de todas as partes do processo para a escorreita busca da verdade consagra o teor do art. 188 do Código Processo Penal (Precedentes do STF). 3. [...] 4. Ordem concedida em parte para anular a sentença, convertendo o julgamento em diligência, a fim de intimar os defensores para manifestarem eventual interesse na arguição dos réus que não defendem, designando-se data para a complementação dos interrogatórios. Após, deve-se retomar a marcha processual, a partir do disposto no art. 402 do CPP. STJ, 6ª Turma, HC 112.993/ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 09/03/2010, DJe 10/05/2010

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acusado não possa fazer perguntas ao outro, sob pena de ofensa à paridade de armas e ao contraditório15.

1.1.1.3 Ato oral, público e assistido tecnicamente

A inquirição do réu deverá ser feita, via de regra, oralmente, sendo gravada através de programas computadorizados, garantindo fidelidade e espontaneidade ao ato. Em sendo o acusado surdo, os questionamentos lhe serão feitos por escrito, devendo ser as respostas apresentadas oralmente. No caso de réu mudo, as perguntas serão feitas oralmente, e as respostas apresentadas por escrito. O termo deverá ser assinado por todos os presentes, e devidamente anexado ao processo. Assim determina o comando legislativo insculpido no artigo 192 e em seus incisos16, do Código de Processo Penal.

Caso o interrogando seja analfabeto ou apresente dificuldades para escrever, deverá um intérprete intervir no ato, após prestar o devido compromisso legal, auxiliando o

15 Ementa: HABEAS CORPUS. DESABAMENTO OU DESMORONAMENTO. INTERROGATÓRIO DE CORRÉU. NEGATIVA DE PARTICIPAÇÃO ATIVA DO DEFENSOR DO PACIENTE. ART. 188 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE DE FORMULAÇÃO DE QUESTIONAMENTOS. AMPLA DEFESA. CONTRADITÓRIO. OFENSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PREJUDICIALIDADE DOS DEMAIS PEDIDOS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Constituição Federal garante ao jurisdicionado a ampla defesa e o contraditório em qualquer processo judicial, garantias que ganham relevância na persecução penal, já que por meio desta é que o Estado alcança a legitimidade para coarctar a liberdade do indivíduo responsável pela prática de conduta descrita como fato delituoso. 2. O interrogatório é também um meio de prova, e para que seja validamente introduzido no processo deve atender às garantias constitucionais instituídas em favor do acusado. 3. Para o ato do interrogatório nas ações penais com pluralidade de réus, o Código de Processo Penal prevê apenas que estes devem ser interrogados separadamente, o que não significa, por si só, que a inquirição complementar seja feita apenas pelo próprio defensor e pelo órgão acusatório, sob pena de ofensa ao contraditório e à paridade de armas que deve ser resguardada no processo penal. 4. Não há no Código de Processo Penal nenhum comando proibitivo à participação do defensor do corréu no ato do interrogatório, estabelecendo o seu artigo 188, com a redação dada pela Lei n. 10.792/03, que "Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará as partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante", razão pela qual não é dado ao intérprete restringir esse direito, que tem assento em princípios constitucionais. 5. Ordem concedida para anular a ação penal desde o interrogatório dos acusados, inclusive, ficando prejudicada a análise dos pleitos remanescentes. STJ, 5ª Turma, HC 198.668/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 04/09/2012.

16 Art. 192, CPP. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas.

(19)

acusado17. Também poderá ser utilizado o intérprete caso o réu não saiba falar a língua nacional18.

Conforme previsto no artigo 5º, inciso LX19 e no artigo 93, inciso IX20, ambos da Constituição Federal de 1988, deve ser observada a publicidade do ato de interrogar. Contudo, a própria Carta Magna trouxe exceções21 onde pode ser restrita a publicidade, como nos casos de interesse social do sigilo, imprescindibilidade à segurança da sociedade e do Estado e em caso de escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação à ordem, esta última possibilidade disposta na legislação processual penal22.

Antes da vigência da Lei 10.792, de 200323, além de não ser permito às partes fazerem questionamentos ao acusado, também não era exigida a presença de defesa técnica, podendo tal ato ocorrer somente na presença do julgador. Hoje, a presença de um defensor é obrigatória, que pode ser indicado no momento da execução do ato, sem necessidade de ser outorgado previamente um mandato. Sobre o tema, aduz Lima:

Em face dessas novas regras, e em virtude da possibilidade de participação e intervenção do defensor no interrogatório, a ausência de defensor para o citado ato constitui agora nulidade absoluta, por inequívoca violação ao princípio da ampla defesa. De fato, como já concluiu o STJ24, com a alteração do CPP pela Lei nº 10.792/03, assegurou-se, de um lado, a presença do defensor durante a qualificação e interrogatório do réu; de outro, o direito do acusado de entrevista reservada com seu defensor antes daquele ato processual. Por consistirem tais direitos em direitos sensíveis – direitos decorrentes de norma sensível –, a inobservância pelo juiz dessas novas regras implica a nulidade do ato praticado. (LIMA, 2016, p. 905)

17

Art. 192, parágrafo único, CPP. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo.

18 Art. 193, CPP. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete.

19 A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

20

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

21 Art.5º, XXXIII, CRFB. Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

22

Art. 792, § 1o , CPP. Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.

23 Deu nova redação ao artigo 185 do CPP: O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

24

(20)

A assistência técnica não deve ser só no momento da inquirição, mas também prévia, devendo ao acusado ser garantido o direito de conversar com seu defensor antes de apresentar seu relato. Em casos onde o interrogatório é realizado por videoconferência25, a lei26 assegura o acesso a linhas telefônicas reservadas para comunicação, devendo também, haver dois defensores, um na sala de audiências e outro no presídio, para efetivar o acesso amplo a defesa.

1.1.1.4 Ato bifásico

O interrogatório é um ato onde o juiz ouve o acusado sobre suas características pessoais e sobre os fatos a ele imputados. Obrigatoriamente, deve o ato ser dividido em duas partes, caracterizando-se como bifásico27.

Inicialmente, o acusado é qualificado e cientificado sobre o teor acusatório. Após, é informado sobre seu direito de permanecer em silêncio, e é indagado sobre sua vida pregressa, meio social onde vive, sobre o trabalho que exerce, se já foi processado criminalmente por outras vezes, de modo que o juiz possa avaliar as circunstâncias judiciais da infração penal, utilizadas no cálculo da pena-base do delito, feito a luz do artigo 5928 do Código Penal.

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar defendem que as indagações a respeito da vida pregressa do acusado também são de suma importância para aferir sobre a coculpabilidade social pela situação de conflito com a lei em que ele se encontra. Caracterizam tal fato pela corresponsabilidade social quanto à atividade criminosa, já que a falta de políticas públicas sociais, tornam mais propensos ao crime os que vivem marginalizados da sociedade (TAVORÁ e ALENCAR, 2017, p. 684). Nesse sentido, também colaciona Rogério Greco:

A teoria da culpabilidade ingressa no mundo do direito penal para apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de determinadas infrações penais pelos seus ‘supostos cidadãos’. Contamos com uma legião de miseráveis que não possuem um teto para se abrigar,

25 Possibilidade inserida pela Lei 11.900, de 2009.

26 Art. 185, § 5o , CPP. Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

27 Art. 187, CPP. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. 28 O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

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morando embaixo de viadutos ou dormindo em praças ou calçadas, que não conseguem emprego, pois o Estado não os preparou ou os qualificou para que pudessem trabalhar, que vivem a mendigar por um prato de comida, que fazem uso de bebida alcoólica para fugir à realidade que lhe é impingida. Quando tais pessoas praticam crimes, devemos apurar e dividir essa reponsabilidade com a sociedade. (GRECO, 2003, p. 469).

A segunda parte do interrogatório diz respeito aos fatos e ao modo como eles ocorreram, podendo o réu esclarecer porque a conduta delitiva estaria sendo imputada a ele, onde estava no momento do crime, se conhece as vítimas ou o instrumento utilizado para prática do delito, bem como fazer apontamentos sobre as provas já produzidas ou indicar a necessidade de produção de outras, além de qualquer fato que seja importante para sua defesa.

1.1.1.5 Ato protegido pelo direito ao silêncio

A Constituição Federal assegurou ao acusado o direito de permanecer em silêncio29, não podendo ser essa garantia utilizada como indício de culpabilidade, de modo que o réu não é obrigado a produzir prova contra si mesmo, nos termos do princípio do nemo tenetur se deterge30. Durante sua defesa, pode o acusado responder a apenas algumas perguntas, silenciando em outras, falando somente o que entender necessário e adequado para sua defesa.

Sobre tal garantia, Eugênio Pacelli aduz que:

O direito ao silêncio tem em mira não um suposto direito à mentira, como ainda se nota em algumas doutrinas, mas à proteção contra as hostilidades e as intimidações historicamente desfechadas contra os réus pelo Estado em atos de natureza inquisitiva. Primeiro, nas jurisdições eclesiásticas; depois, no Estado Absolutista, e, mesmo na modernidade, pelas autoridades responsáveis pelas investigações criminais. Não é porque se reconhece o direito à defesa que se permitiria que o acusado, por exemplo, atribuísse falsamente a prática do crime a terceiros, com o fim de se ver livre da acusação. Nessa hipótese, ao menos em tese, estaria configurado o delito do art. 339 do CP (denunciação caluniosa). Evidentemente, estamos nos referindo unicamente à questão relativa à tipicidade da conduta; a questão referente à eventual excludente de ilicitude (estado de necessidade) não se inclui no âmbito temático de nossas reflexões. O princípio atua ainda na tutela da integridade física do réu, na medida em que autoriza expressamente a não participação dele na formação da culpa (PACELLI, 2017, p. 201).

Apesar do artigo 198 do Código de Processo Penal dispor de forma expressa que o silêncio não importa em confissão, mas pode constituir elemento para convicção do juiz, Lima entende que a parte final de tal dispositivo não foi recepcionada pelo ordenamento jurídico existente com a promulgação da Constituição de 1988 (LIMA, 2016, p. 908). Sendo o

29 Art. 5º, inciso LXIII, CRFB. O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

30

(22)

acusado titular do direito ao silêncio, não se pode extrair dessa garantia, qualquer consequência desfavorável a ele.

1.1.2 Foro competente e local de realização do interrogatório

O acusado deve ser ouvido ao final da audiência una de instrução e julgamento, pelo juiz da causa do local onde aconteceu a infração. Caso o réu resida em local diverso de onde aconteceu o fato, pode ser expedida Carta Precatória para sua oitiva. Há grande divergência na doutrina quanto à expedição de carta precatória para oitiva do réu, por conta do princípio da identidade física do juiz. Renato Lima defende que pelas dimensões territoriais do país onde vivemos, tal princípio deve ser analisado com ressalvas:

Não é viável, por exemplo, que se exija de um acusado residente na cidade de Manaus/AM que se desloque até a cidade de Porto Alegre/RS para que possa ser interrogado pelo juiz da causa. A prevalecer a tese de que o princípio da identidade física do juiz inviabilizaria a expedição de precatórias, dar-se-ia prevalência a um princípio inserido em lei ordinária em detrimento de princípios inseridos no bojo da Constituição Federal, tais como o direito à ampla defesa e o direito de ação, do qual é consectário lógico o direito à prova, seja ela produzida pessoalmente perante o juiz da causa, seja ela produzida por meio de carta precatória (LIMA, 2016, p. 902).

Já Vicente Greco Filho, lista uma série de problemas que inviabilizam a realização do interrogatório por carta precatória, como exemplo, a nomeação de defensor, se é feita pelo juízo deprecado ou deprecante, ou sobre o início da contagem do prazo para apresentação dos memoriais, aduzindo que:

Esses e outros problemas não recomendam a realização do interrogatório por precatória como regra, aduzindo-se, ainda, que a presença do acusado perante o magistrado que provavelmente proferirá a sentença é importante para a descoberta da verdade. Tanto que o juiz que não interrogou pode reinterrogar antes de proferir sentença (GRECO FILHO, 2012, p. 321-322).

Quando o interrogando for réu preso, sua inquirição pode ocorrer de três formas diversas, sendo a primeira delas pessoalmente no fórum, com a requisição do réu31 pelo juízo para o ato; a segunda por videoconferência32 e, por fim, pessoalmente, dentro do presídio33 em que está acautelado, desde que não haja perigo para os envolvidos na realização do ato.

31 Art. 185, § 7o, CPP. Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2o deste artigo.

32 Art. 185, § 2o, CPP. Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: [...].

(23)

Em sendo realizado o interrogatório no presídio, a lei veda sua prática na cela onde o réu fica, devendo ser disponibilizado um local próprio, idêntico as salas de audiências. A prática de oitivas no interior de presídios não é muito comum porque diversas prisões não dispõem desse tipo de sala, além de, não ter meios de segurança adequados para receber os envolvidos no ato. Os casos de realização de audiência em presídios são exemplo de restrição da publicidade do ato do interrogatório, já que colocaria em risco a segurança dos envolvidos e dos demais presos, se a prática do ato fosse pública.

Outro argumento que fez esvaziar a possibilidade de realização de audiências em estabelecimentos prisionais é a realização de uma audiência una, advinda da reforma legislativa de 200834. Como todos os envolvidos nos processos precisam estar presentes no mesmo local e, considerando as hipóteses de risco à segurança, mencionadas anteriormente, seria inviável deslocar vítimas, testemunhas, peritos e auxiliares para o presídio, quando se pode deslocar o réu para fóruns. Dessa forma, Lima defende que predominantemente os interrogatórios devem ocorrer pessoalmente nos fóruns, sendo essa a única possibilidade em se tratando de réu solto (LIMA, 2016, p. 913).

1.2 Natureza jurídica do interrogatório

Com as modificações trazidas pelas Leis 11.719/2008 e 10.792/2003 no Código de Processo Penal, surgiram novas teorias sobre a natureza jurídica do interrogatório, que antes era majoritariamente concebido como meio de prova. Ressalta-se que para analisar a natureza jurídica do interrogatório, é necessário considerar o sistema adotado e observar sempre os ditames trazidos pela Constituição, que é parâmetro de interpretação para as demais normas. Assim, foram criadas quatro correntes, abaixo explicitadas, acerca do que o interrogatório representa para o direito processual penal.

1.2.1 Interrogatório como meio de prova

Em se tratando de um sistema inquisitorial, o ato de interrogar funcionava como um meio de prova, já que o acusado era considerado como um objeto da prova, não podendo

33 Art. 185, § 1o, CPP. O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.

34

Nova redação ao artigo 400, §1º, CPP. As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

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deixar de responder perguntas feitas e nem utilizar-se do direito ao silêncio. Como a legislação processual vigente ainda tem resquícios do sistema inquisitorial que a fundamentou, a localização do interrogatório no Código, reforça a ideia de que seria concebido como um meio de prova. Isso porque, ele está inserido no Capítulo III – do interrogatório do acusado – dentro do Título VII – da prova (LIMA, 2016, p. 896).

O interrogatório seria o momento onde o acusado, cometedor do núcleo do tipo penal, descreveria os fatos, de modo que o julgador pudesse, aliado ao princípio do livre convencimento motivado, valorar as palavras do réu, com as demais provas produzidas, alcançando a verdade real.

Sendo considerado unicamente como meio de prova, são respeitados apenas os princípios gerais relativos à colheita de outra prova comum. Em verdade, o interrogatório seria um jeito de se obter a própria confissão do acusado, objetivo supremo da investigação, e não uma prova qualquer (FERREIRA, 2009, p. 85-86).

Por isso, atualmente, raros são aqueles que defendem que o interrogatório é apenas um meio de prova, já que deve obedecer também ao contraditório e a ampla defesa, garantidos pela Constituição Federal de 1988.

Adalberto Camargo Aranha defende que o interrogatório induvidosamente é um meio de prova, podendo, acidentalmente, ser usado como meio de defesa. O autor menciona que o interrogatório é uma prova a mais, que deve ser ponderada e analisada com o arcabouço probatório. Para tanto, apresenta as seguintes razões:

Em primeiro lugar, porque colocado no Código entre as provas e como tal considerado pelo julgador ao formar sua convicção; depois, porque as perguntas podem ser feitas livremente, apenas observando-se às diretrizes do art. 188; em terceiro, porque pode atuar tanto contra o acusado, no caso da confissão, como em seu favor; e finalmente, porque o silêncio, a recusa em responder às perguntas, pode atuar como um ônus processual (arts. 186 e 191) (ARANHA, 2006, p. 98)

Vicente Greco Filho tece breves considerações sobre a natureza jurídica do interrogatório, esclarecendo que o entendimento mais aceito é de que se trata de meio de defesa, já que pode o acusado apresentar sua versão dos fatos (2012, p. 321). Contudo, ao tratar da confissão em sua obra, o autor posiciona-se:

Na verdade a confissão não é um meio de prova. É a própria prova, consistente no reconhecimento da autoria por parte do acusado. Meio de prova é o interrogatório, em que ela pode ocorrer, ou a audiência em que se lavra um termo em virtude do seu comparecimento espontâneo. (GRECO FILHO, 2006, p. 326)

(25)

Os autores que defendem ser o interrogatório unicamente um meio de prova são a posição minoritária na doutrina, já que em uma visão constitucionalizada do processo penal, o acusado não é mais tido como um objeto de prova, mas sim como um sujeito de direitos.

1.2.2 Interrogatório como meio de defesa

Conceituar o interrogatório como um meio de defesa, é interpretá-lo como um desdobramento da autodefesa, concebida dentro do direito de audiência. Pode o acusado, considerando as matrizes constitucionais, como o direito ao silêncio, deixar de responder a qualquer indagação feita, se entender que pode ser prejudicial a sua defesa, não precisando justificar a utilização de tal prerrogativa (LIMA, 2016, p. 897).

Essa corrente ganhou muita força com a vigência da Lei 10.792 de 2003 e com a reforma processual de 2008, porque as mudanças ocorridas evidenciam a natureza defensiva do interrogatório. Não é mais obrigatório o comparecimento do réu na audiência35, podendo ele dispor de tal direito, já que é o momento de apresentar sua versão dos fatos e ele pode, simplesmente, não querer fazê-lo. Entretanto, não pode o acusado dispor de sua defesa técnica, sendo assim, obrigatória a presença de um defensor no momento da inquirição. Além disso, a norma foi clara em definir que o silêncio não pode ser interpretado em desfavor do réu, que só deve ser questionado sobre os fatos após toda a colheita probatória, devendo conhecer de todas as provas, para que possa se defender especificamente de todos os pontos, caso queira.

Aury Lopes Júnior defende tal posição, aduzindo que sendo o interrogatório um meio de defesa, é um direito do réu, e não um dever, devendo ser garantida à prerrogativa do silêncio. Além disso, o autor alega que mesmo sendo obtida uma confissão, pode o magistrado julgar improcedente o pedido acusatório, considerando a natureza do ato de interrogar e as características do sistema acusatório vigente (LOPES JÚNIOR, 2013, p. 653), discorrendo que:

Tudo isso deve ser abandonado (a busca pela confissão) rumo ao processo penal acusatório-constitucional, em que o interrogatório é meio de defesa e, a confissão, apenas mais um elemento na axiologia probatória, que somente pode ser considerado quando compatível e conforme o resto da prova produzida. (LOPES JÚNIOR, 2013, p. 653).

35 Nesse sentido, acertadamente decidiu o Supremo Tribunal Federal no bojo das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nos 395 e 444, sobre a impossibilidade da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório.

(26)

Tourinho Filho também defendia tal posicionamento, alegando que:

Sempre pensamos, em face da sua posição topográfica, fosse o interrogatório, também, meio de prova. E como tal era e é considerado. Meditando, sobre o assunto- principalmente agora que a Constituição, no art. 5°, LXIII, reconheceu o direito ao silêncio- chegamos a conclusão de ser ele apenas meio de defesa. (TOURINHO FILHO, 1994, p. 240)

O autor se posicionava dessa maneira, antes mesmo das alterações ocorridas em 2003 e 2008. Pautava-se nos ditames constitucionais, tomando a constituição como base interpretativa para as demais normas, e não se norteando apenas pela localização do interrogatório no texto legislativo.

1.2.3 Natureza mista do interrogatório

Os autores majoritariamente defendem que o interrogatório seria tanto um meio de prova, quanto um meio de defesa, já que o magistrado poderia se servir dos elementos constantes para formar seu convencimento, bem como poderia o réu deixar de responder a determinadas perguntas.

Engenio Pacelli aduz que o interrogatório merece uma nova leitura. Assim, inicialmente considera tal instituto como apenas um meio de prova, que se transformou também em meio de defesa, sem, todavia, deixar de ser espécie de prova, até porque, em suas palavras “as demais espécies defensivas, também são consideradas provas”. (PACELLI, 2017, p. 199)

Pacelli colaciona que, o acusado deve ser visto como um sujeito de direitos, e não apenas como um objeto de prova. Fundado na nova ordem constitucional e no contexto de um modelo acusatório, o autor defende que o interrogatório encontra-se inserido no princípio da ampla defesa, sendo “mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo que ele apresente sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo”. (PACELLI, 2017, p. 199). Essa visão do interrogatório, também como meio de defesa, traz segundo ele, garantias ao acusado:

Em primeiro lugar, permite que se reconheça, na pessoa do acusado e de seu defensor, a titularidade sobre o juízo de conveniência e a oportunidade de prestar ele (o réu), ou não prestar, o seu depoimento. E a eles caberia, então, a escolha da opção mais favorável aos interesses defensivos. E é por isso que não se pode mais falar em condução coercitiva do réu, para fins de interrogatório, parecendo-nos revogada a primeira parte do art. 260 do CPP. Fazemos a ressalva em relação à possibilidade de condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas, meio de prova perfeitamente possível e admissível em nosso ordenamento. Em segundo lugar, impõe, como sanção, a nulidade absoluta do processo, se realizado sem que se desse ao réu a oportunidade de se submeter ao interrogatório. Haveria, no caso, manifesta violação

(27)

da ampla defesa, no que se refere à manifestação da autodefesa. (PACELLI, 2017, p. 199)

Julio Fabrinni Mirabete, que concorda com essa fundamentação, aduz que ao defender-se no interrogatório, o réu inevitavelmente estaria apresentando ao julgador elementos que possam ser utilizados na apuração da verdade – através do confronto com provas já existentes, ou pela particularidade das informações prestadas. Assim, seria tal ato um meio de prova e de defesa, possuindo um caráter misto (MIRABETE, 2006, p. 272).

Capez, pautado no entendimento de que não está o acusado obrigado a produzir nenhum tipo de prova contra si, defende que o interrogatório é um meio de defesa, ocasião em que o réu, dispondo de conveniência e oportunidade, pode decidir se deve e a quais perguntas responder, não podendo nenhuma dessas atitudes caracterizar sua culpa. Além disso, afirma que, podendo as partes formular questionamentos diretamente ao acusado, o ato revela seu caráter de meio de prova, sendo então, de natureza mista (CAPEZ, 2008, p. 334-335).

1.2.4 Interrogatório como meio de defesa e eventualmente, como fonte de prova

A divergência doutrinária acentua-se ainda mais quando se trata da quarta corrente que versa sobre a natureza jurídica do interrogatório. Utilizando-se a classificação trazida por Renato de Lima, na eventualidade, seria o interrogatório uma fonte de prova, e prioritariamente um meio de defesa. Todavia, Guilherme Nucci diz que esta corrente se caracterizaria por ser o interrogatório meio de defesa e eventualmente meio de prova (NUCCI, 2016, p. 254). Comunga-se da classificação trazida por Lima (2016, p. 896-897), já que Nucci estaria colocando por duas vezes o interrogatório com natureza jurídica mista.

Guilherme Nucci, ao fazer sua classificação, aduz o seguinte36:

Note-se que o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo. (NUCCI, 2016, p. 254)

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar defendem essa corrente, trazendo algumas consequências processuais de tal classificação:

A primeira consequência, já reconhecida, é a impossibilidade de haver prejuízo ao imputado por ter convocado o direito ao silêncio, pois este não pode levar a presunção de culpa. Uma segunda seria a impossibilidade de condução coercitiva

36

(28)

daquele que, mesmo citado pessoalmente, deixa de comparecer ao ato. A ausência deve ser encarada como expressão de autodefesa, evitando-se o constrangimento de trazer o réu, mesmo a contragosto, para a audiência. Uma terceira consequência avistável é a impossibilidade de decretação da revelia do réu ausente, pois o não comparecimento não poderá trazer prejuízos processuais (TÁVORA & ALENCAR, 2017, p. 677).

Os autores utilizam-se dos mesmos parâmetros de classificação trazidos por Renato de Lima, esclarecendo que o interrogatório pode funcionar como ‘fonte de prova’, mas de modo algum pode ser enquadrado na ‘vala comum’ dos meios de prova (TÁVORA & ALENCAR, 2017, p. 677).

1.3 Localização do interrogatório na instrução

Antes da vigência da Lei nº 11.719/2008, preconizava a antiga redação do artigo 394 do Código de Processo Penal, que o julgador ao receber a inicial acusatória, deveria determinar a citação do acusado e a notificação do órgão acusador, designando data e hora para realização do interrogatório. Assim, tal ato era realizado no início da instrução, sendo o réu posteriormente intimado para apresentar sua defesa prévia e designada Audiência de Instrução e Julgamento, para que fossem produzidas as demais provas processuais.

A primeira importante mudança no sentido de alterar a localização do interrogatório na instrução veio com a Lei dos Juizados Especiais, que preconiza em seu artigo 81, caput:

Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.

Em tal procedimento, o interrogatório já seria concebido como último ato da instrução, de modo que o acusado pudesse ter conhecimento de todo arcabouço probatório antes de apresentar sua versão dos fatos, podendo assim, impugnar todos os pontos apresentados.

O modificado artigo 40037 do Código de Processo Penal, em sua nova redação, seguindo os ideais constitucionais e a tendência legislativa já trazida pela Lei 9.099/1995, trouxe a previsão de uma audiência una, e colocou o interrogatório como sendo o último ato da instrução. O novo modelo constitucional deu outra importância ao ato do interrogatório, já

37 Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

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que trouxe diversas garantias processuais38. Além disso, o processo tornou-se um garantidor de direitos fundamentais, conforme defende Ana Olívia Ferreira (2009, p. 73).

Á época que foi criado – em 1941 – o Código de Processo Penal, fundado em um sistema inquisitório, utilizava do interrogatório como meio de obtenção de uma confissão por parte do acusado39, dessa forma, sua melhor posição seria como ato inaugural da instrução. O interrogando, nesta época, não tinha conhecimento de nenhuma prova ou tese que poderia ser lançada durante a instrução, sendo surpreendido por tudo que a acusação dissesse em momento posterior. No entanto, o órgão acusador já saberia de antemão toda tese defensiva utilizada pelo réu, antes mesmo dele produzir suas provas, o que além de violar o sistema acusatório, fere o princípio da paridade de armas.

A tendência trazida pelo sistema acusatório40, bem como a nova localização do interrogatório na instrução – como último ato – propicia ao réu a chance de falar apenas após a reunião de todas as provas, de modo que a autodefesa é exercida em sua maior amplitude. A garantia ao silêncio, nesta nova estrutura, pode ser mais bem utilizada pelo réu, que decide se deve falar apenas depois de conhecer toda a imputação, sendo uma técnica defensiva posta verdadeiramente a favor do acusado.

Flaviane de Magalhães Barros endossa que o instituto do interrogatório, tipicamente processual, deve ser o último ato da instrução, aduz que a “sua localização dentro da instrução se deve à plena garantia da autodefesa, já que o acusado conhecerá todo o conjunto probatório, pois é um ato eminentemente de defesa e não de prova” (BARROS, 2009, p. 124).

Feitas tais considerações, também é importante lembrar que o interrogatório é um ato que pode ser realizado a qualquer momento da instrução, desde que antes do trânsito em julgado da demanda. Além do interrogatório previsto para o final da instrução, pode o julgador, de ofício ou a requerimento das partes proceder a novo interrogatório41. O ato também pode ocorrer em qualquer grau recursal42 e até antes da oitiva das demais testemunhas, se for de desejo do réu, e caso não haja prejuízo para instrução. Exemplifica Nucci em sua obra:

38 Como o contraditório e a ampla defesa, direito ao silêncio, vedação às provas ilícitas, entre outras.

39 Isso porque, a confissão era a prova mais importante que poderia ser obtida, conforme aduz Eduardo Francisco de Souza: “A importância da confissão era tanta que lhe era cunhado o apelido de regina probatium, ou seja, figurava, entre os meios de prova, como uma rainha, cuja majestade não era passível de ponderação.” (SOUZA, 2012, p. 02)

40 Segundo Ada Pellegrini Grinover: “Um processo de partes, em que a relação processual, tríplice, coloca em pé de igualdade a acusação e a defesa, nitidamente separadas do juiz”. (GRINOVER, 1993, p. 41-63).

41 Art. 196, CPP. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes.

42

Art. 616, CPP. No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.

Referências

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