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Realidade e desafios para a educação superior indígena na Universidade de Brasília

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Academic year: 2021

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Realidade e desafios para a educação superior indígena na Universidade de

Brasília*

Umberto Euzébio ¹ Felipe Mendes dos Santos Cardia¹

André Hugo Homem Leal ¹ André Luiz da Costa Moreira ¹ Ana Lívia Rolim Silva ¹

Palavras-chave: inclusão; cotas; ensino; estudante

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*Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012.

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1- Introdução

O processo de inclusão étnico racial vem ocorrendo como uma importante forma de reparação de desigualdades históricas que continuam a se perpetuar no presente da sociedade brasileira. De acordo com SILVA et al (2006) as políticas públicas voltadas para as populações indígenas sempre estiveram pautadas pela perspectiva integracionista e tutelar, que visa conduzir, dentro de parâmetros “evolutivos”, as sociedades e culturas indígenas para a condição de “civilizados”, desfigurados sob a ideologia de uma “comunhão nacional” homogênea.

Desta forma somos levados a refletir em que medida as políticas públicas tem contribuído para a inclusão étnica racial nas sociedades, garantindo o direito e o respeito da manifestação cultural dos povos tradicionais. Direito que é expresso na Constituição Federal do Brasil em seu artigo 231, onde é ressalvado: “São reconhecidos aos índios, sua organização social, costumes, crenças e tradições’’(...). (BRASIL,1988)

A autora Léa Biasi, faz a seguinte reflexão com relação ao texto constitucional:

A diferença étnica deve ser respeitada, protegida e valorizada, mas nunca tutelada. Significa que o órgão indigenista federal deve assumir uma nova feição apartir do texto constitucional de 1988, significa que o Estado deve adequar suas políticas públicas ao contexto da cultura diferenciada existente nas comunidades indígenas. Significa que o índio, sujeito de direitos, deve ser encarado de outro modo pelo Estado, com afirmação plena de sua identidade e capacidade. (BIASI, 2002, p. 08) Toda essa complexa problemática, parte de um contexto histórico, com a formação do estado brasileiro sobre terras de povos tradicionais, que com a chegada dos povos europeus e sob cativeiro membros da comunidade africana, têm-se como primeiras políticas, o ato de dominação e imposição de uma homogeneização cultural, sendo arrastada até os dias atuais, onde minorias são sub-representadas em espaços de prestígio e poderio social, como órgãos e instituições públicas e privadas. Consequentemente ocorre uma espécie de “segregação étnica” da população brasileira, sendo bem definido pela crítica de Darcy Ribeiro:

O problema indígena não pode ser compreendido fora dos quadros da sociedade brasileira, mesmo porque só existe onde e quando índio e não índio entram em contato. É, pois, um problema de interação entre etnias tribais e a sociedade nacional. (RIBEIRO, 1970, p. 193).

De acordo com POJO et al (2004), Darcy considera o fato de que as dificuldades não decorrem da existência dos índios, mas sim do próprio não indígena, que é no final das contas quem gera e determina esta interação.

O que se alega é que o motivo dos espaços de poderio e prestígio social não terem representantes indígenas que consequentemente chamariam atenção e defenderiam suas causas, é devido à falta de profissionais capacitados para atribuição de cargos que necessitam formação acadêmica específica.

Podemos observar e reconhecer que apesar do respaldo constitucional pouco se tem feito para garantir e promover o direito a alteridade cultural, o que tem refletido diretamente no processo de aprendizagem, já que ao estudante indígena, de nível superior, lhe resta a opção de estudar dentro de uma cultura dominante, que tradicionalmente subjuga e não abre espaço para o processo de aprendizagem em outras culturas.

Deste modo, somos levados a refletir e perceber a existência de falha executiva de toda uma legislação que tem como intuito diminuir e reparar desigualdades sociais históricas, garantindo condições de integração social, contribuindo para a autonomia e desenvolvimento dos indígenas em todos os seus aspectos. JÚNIOR et al. (2011), tem chamado atenção para a

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lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, sendo esclarecido os direitos pertinentes aos povos indígenas que deveriam ser respeitados. Onde em seu artigo 1º, determina a regulação da situação jurídica de suas comunidades tendo a finalidade de preservar sua cultura e integrá-los à comunidade nacional. Já no seu artigo 2º estabelece a responsabilidade à União, aos Estados e aos Municípios, e também aos órgãos defensores dos indígenas a preservação dos seus direitos e sendo complementado no parágrafo VIII a cooperação da sociedade tendo em vista a dar condições de integração social para que o indígena possa se desenvolver em todos aspectos e ter os seus direitos garantidos de fato.

Nesse sentido as políticas de ações afirmativas se apresentam com o objetivo de contribuir para a diminuição dessas discrepâncias sociais, incentivando e promovendo a execução de toda uma legislação que ampara os povos indígenas. Com isso percebe-se que o acesso à educação superior com o incentivo da política de reserva de vagas em instituições de ensino público vem justamente se opor ao estado atual de exclusão dessas populações das áreas de empoderamento social. Desta forma garante o direito à voz e à representatividade em um cenário elitista que toma as principais decisões para a manutenção de uma sociedade excludente, além de ser proporcionar a autonomia profissional, o que contribuirá bastante para o entendimento e resolução de problemas inerentes às comunidades indígenas.

Pelo censo demográfico 2010 pode ser observado uma necessidade de inclusão das políticas de reservas em instituições de ensino público, onde é percebido um significativo crescimento da população autodeclaradas indígena em municípios.

Na Tabela 1 contribui para o entendimento dessa problemática, descrevendo a proporção de municípios com pelo menos uma pessoa autodeclarada nas grandes regiões brasileiras, em comparativo feito nos períodos de 1991/2010.

Tabela 1 – Proporção de municípios com pelo menos uma pessoa autodeclarada

indígena, segundo as grandes Regiões – Brasil 1991/2010

Grandes Regiões

Proporção de municipios com pelo menos uma pessoa autodeclada indígena 1991 2000 2010 Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro Oeste 34,5 65,3 80,5 64,4 80,0 90,2 29,0 59,1 78,9 27,6 63,3 80,6 39,6 59,6 75,8 47,8 74,7 89,1 Fonte: (IBGE, 2012) De acordo com o IBGE (2010) o Censo Demográfico de 1991 revelou que 34,5 % dos municípios brasileiros residia pelo menos um indígena autodeclarado; no Censo Demográfico 2000 esse número cresceu para 63,5% e segundo dados mais recentes do Censo Demográfico 2010, atingiu 80,5% dos municípios brasileiros.

Esse crescimento da distribuição espacial da população indígena é o resultado, assim, não só do processo histórico de ocupação socioeconômica do Brasil, como da tendência à crescente afirmação da identidade cultural e territorial dessa população ao longo do tempo. (IBGE, 2012).

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Proporcionalmente ao crescimento da afirmação da identidade cultural e territorial das populações indígena, cada vez mais surgem novas necessidades e desafios para esse segmento da população brasileira, onde os problemas vem se transformando. Diferentemente do que vinha acontecendo nas últimas décadas no Brasil, onde os problemas referentes às populações indígenas eram resolvidos com medidas paliativas. Essas medidas incluem a concepção de integração sem considerar as individualidades de cada povo, frente ao estado nação, que pouco se conhecia das particularidades e situação social dos indígenas.

Também desconsideravam os desafios atuais que exigem a autonomia dos povos indígenas na resolução de seus problemas, pois só assim transcende-se de um entendimento e consequente ação superficial para a compreensão e resolução de situações complexas por suas particularidades.

Deste modo acreditamos que as políticas de inclusão étnica nas universidades públicas, contribuam efetivamente com esse quadro de transição, possibilitando que profissionais formados atuem diretamente no desenvolvimento de suas comunidades. Para isso é preciso se valer do entendimento que a educação é o principal investimento em uma política que almeja modificar a realidade social brasileira, lembrando que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) tem garantido aos povos indígenas um processo educativo diferenciado e respeitoso de sua identidade cultural e bilíngue.

Segundo (NOBRE, 2011), o processo de escolarização indígena avançou com a fixação de normas para o reconhecimento e funcionamento de escolas indígenas, aumentando este número com características particulares para atender as necessidades das comunidades indígenas no Brasil.

A Fundação Universidade de Brasília (FUB) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) firmaram o convênio de Cooperação nº 001/2004 que se estabeleceu como objetivo viabilizar o acesso de estudantes indígenas, aos cursos de graduação da Universidade de Brasília (UnB). O presente trabalho verifica as condições do ensino para estudantes indígenas na UnB, analisado a situação das práticas pedagógicas, autonomia e as dificuldades de sua inserção, discutindo assim os atuais desafios para educação superior indígena brasileira.

2- Metodologia

Os aspectos metodológicos implicaram em uma pesquisa exploratória e descritiva que analisa o caso da educação indígena na Universidade de Brasília, onde através do rendimento da inter-relação de três variáveis: a) a situação das práticas pedagógicas, b) o desenvolvimento da autonomia indígena na universidade, c) as dificuldades de inserção e manutenção na universidade, somos levados a conclusões que acreditamos poder contribuir para o entendimento e discussão dos atuais desafios da educação brasileira superior indígena. O estudo exploratório parte de observação informal das medidas de acolhimento e acompanhamento dos estudantes na universidade, onde devido aos problemas de aprendizagem dos estudantes indígenas, em abril de 2011 com base na política de acolhimento da Diversidade na Universidade de Brasília, foi lançado o projeto “Monitorias integradas para estudantes indígenas: abordagens interdisciplinares como prática pedagógica de aprendizado” que objetiva diminuir o índice de reprovação, elevar o índice de rendimento acadêmico (IRA) e inserir socialmente o estudante indígena na comunidade acadêmica. Deste modo são feitas atividades contínuas de acompanhamento de cada estudante diagnosticando problemas de aprendizagem. Em reuniões semanais participam conjuntamente estudantes indígenas e não bolsistas indígenas, de diferentes áreas, que partem da reflexão para o entendimento e levantamentos propostas afirmativas que possibilitam a solução de diversos problemas que dificultam a manutenção dos estudantes indígenas vivenciados na universidade.

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3- Desenvolvimento

A evolução do processo seletivo é considerada por professores, alunos e por outros muitos profissionais envolvidos com a situação educacional indígena na UnB, como uma importante conquista que contribui para a diminuição das discrepâncias étnico-raciais. Este processo tem idealizado e reafirmado uma universidade elitista, onde se percebe que a exclusão acadêmica desse segmento, tem início no próprio vestibular que não condiz com realidade da educação básica indígena. Um processo seletivo que tem se reafirmado excludente em uma sociedade multiétnica e multicultural.

Paulo Freire entende a postura elitista da universidade como um fator histórico onde a educação também pode ser uma forma de domínio social.

As primeiras escolas para indígenas e não de indígenas, centradas na catequese, ignoraram as instituições educativas indígenas e executaram uma política destinada a desarticular a identidade das etnias, discriminando suas línguas e culturas, que foram desconsideradas no processo educativos. (FREIRE, 2000).

Para lidar com as diversas dificuldades inerentes a inserção e manutenção na universidade, o convênio FUB/FUNAI oferece desde 2004 uma bolsa no valor de R$ 900,00 para estadia e permanência do estudante, bem como um acompanhamento acadêmico específico e diferenciado por parte da FUNAI e da UnB. Contudo, o beneficio da bolsa é relatado pelos alunos como um constante desafio, já que a continuidade de sua oferta depende diretamente do desempenho acadêmico, trancamento de matrícula e desempenho escolar insuficiente avaliado por frequência e nota. Assim, é muito comum observar estudantes que foram moldados dentro de uma cultura hegemônica de aprendizagem, sendo preparados para ingressar na universidade pelo sistema universal de vagas, o chamado vestibular tradicional, reprovarem constantemente em disciplinas básicas. Logo, é evidente o real desafio enfrentado pelos estudantes indígenas, formados em um ensino básico que não atende os pré requisitos acadêmicos e vividos em uma cultura diferenciada, são punidos por reprovar, perdendo a bolsa que garante sua permanência na universidade e consequentemente sendo obrigados a se desligarem do curso.

Desta forma, o convênio FUB/ FUNAI é analisado pelos estudantes indígenas e pelo grupo interdisciplinar intitulado grupo de extensão indígena que é assistido pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) sendo ressalvado o visível desentendimento entre as medidas educativas da UnB com as medidas administrativas da FUNAI. Através de reuniões, os estudantes indígenas e o grupo interdisciplinar REUNI, relatam que a Universidade de Brasília tem cumprido seu papel de promover uma ação educativa diferenciada que acompanhe integralmente o estudante indígena em seus aspectos acadêmicos, socioculturais e psicológicos. Porém, em contrapartida, a FUNAI tem demonstrado um reducionismo em suas ações com parâmetros de assistência baseados em uma análise essencialmente quantitativa, onde seu objeto de avaliação é definido pela análise dos históricos escolares sendo priorizadas as menções de rendimento. Essa prática tem dificultado a solução da problemática educacionais indígena. Em crítica, os estudantes finalizam, refletindo que ainda existe muita resistência na aceitação dos povos indígenas nos espaços sociais de prestígios. Os órgãos executivos tem se mostrado indispostos a contribuir para aplicação da legislação que respeita a diferença étnica, protege costumes, linguagem e toda a cultura diferenciada existente nas comunidades indígenas, que infelizmente tem o seu espaço renegado por uma cultura dominante que tem dificultado a coexistência étnica.

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JÙNIOR et al (2011) tem refletido sobre a questão de dominância cultural, entendendo a necessidade da troca de saberes , como meio de valorização e coexistência étnica.

É preciso ser defendido a cultura local, seus saberes, sua organização social e sua visão de mundo, pois cada etnia tem sua própria identidade e com isso, antes de qualquer influência da cultura dominante, é preciso respeitar a diversidade linguística e cultural de cada povo, propiciando meios de troca de saberes entre índios e não índios. (JÚNIOR et al, 2011, p.03).

As dificuldades enfrentadas e vivenciadas pelos estudantes universitários indígenas na UnB podem ser traduzidas em uma sequência de desafios a serem superados, em que se destaca o desafio da aprendizagem, que não deve ser considerado apenas por parte dos estudantes. Problema também enfrentado por professores, técnicos e todos que estejam diretamente envolvidos com a educação, tendo em vista que a arte de ensinar, de resgatar a autonomia intelectual, o pluralismo de ideias, a transposição de dificuldades do dia a dia, exige bastante do educador e educando.

Com base nas discussões providas nas reuniões semanais, foram relatadas as dificuldades vivenciadas por professores, alunos e bolsistas monitores em todos os aspectos, onde se chama atenção para:

1- Estrutura financeira, física e humana. O alto custo da cidade de Brasília aliado à moradia longe da universidade é registrado como os argumentos iniciais, onde exalta-se que o auxilio permanência que a FUNAI tem oferecido aos acadêmicos deve ser suficiente para atender as necessidades básicas dos estudantes. Exigências de alimentação, transporte, material didático e inclusive o aluguel, cujos preços são moldados pelos padrões da capital federal, o que tem debilitado bastante a situação financeira dos alunos indígenas, reduzindo o acesso ao lazer, que é fundamental para o seu desenvolvimento social e psicológico.

Deste modo, é apontado pelos estudantes como possível medida de resolução do problema o provimento da moradia ser feito pela própria universidade. Isso poderia contribuir para a diminuição dos fatores do alto custo de hospedagem e transporte, já que estes estudantes passariam a residir na própria UnB como tem ocorrido com estudantes de outros acadêmicos da universidade.

2- Relação entre professores e alunos. A diferença cultural, as dificuldades no entendimento da linguagem científica, dos códigos sociais e até mesmo a falta de paciência, preconceito e resistência de muitos professores são relatados como grande empecilho no processo de ensino aprendizagem. Situação que entra em discordância com toda uma política e legislação que defende uma educação que considere as particularidades indígenas.

Os estudantes apontam como solução para esse impasse, o provimento de ações que interfiram tanto na educação superior, quanto no ensino básico, valendo-se da aplicação da legislação específica e da reflexão das políticas públicas, garantindo o direito da autoafirmação de educação indígena adequada. Explicitam que a formação de profissionais reflexivos e participativos com a situação educacional e social indígena, interferiria diretamente no ciclo vicioso de submissão e dependência que tem ocorrido com os povos indígenas.

Tuyuca tem ressaltado da seguinte maneira a situação educacional indígena viciosa: O que vemos na atualidade é que diante das posturas (nacionalista/integração) do país, os professores indígenas não se esforçam em criar uma nova educação, pois já estão acomodados à estrutura educacional vigente (TUYUCA, 2004, p.05)

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Ainda neste contexto, os estudantes analisam que este é um momento propício para mudanças, pois de acordo com os dados do Censo Escolar INPE/MEC 2006, que a oferta de educação indígena cresceu 47,3 % nos últimos quatros anos, onde em 2002 tinha-se 117.171 alunos frequentando a escola indígena, chegando esse número em 2006 a 172.591 estudantes que vão da educação infantil ao ensino médio. No gráfico 1 os números nos informam que, a partir de 2002, a expansão anual da matrícula em escolas indígenas de Educação Básica aproximava-se da taxa de 10% ao ano. Números que traduzem a crescente busca dos povos indígenas por sua autonomia, por acreditarem na educação como caminho da prosperidade social e o mais importante, onde o seu espaço social tem sido conquistado à medida que se auto afirmam como povos indígenas possuidores de direitos.

Gráfico 1: Estudantes indígenas na educação básica no período 2002-2006.

Fonte: (MEC, 2012)

3- Adaptação e autonomia. Chama-se atenção para um dos um dos fatores mais descritos como possível causa de uma baixa aprendizagem do estudante indígena, o fator da dificuldade de adaptação. Os alunos passam longos períodos longe de casa, em uma realidade bastante diferente da qual vivem, sendo cobrados diariamente em uma cultura que não é materna, lembrados constantemente do peso que carregam, preocupados em não decepcionar a comunidade em que vivem. Deste modo, essas situações tem refletido em dificuldades de interação, aceitação, diminuição da autoestima e em alguns casos, problemas psicológicos mais sérios, assim estas situações tem sido consideradas como relevantes fatores que interferem diretamente no processo de aprendizagem, onde o Serviço de Orientação Universitária (SOU) tem atuado diretamente com os alunos, na resolução destes problemas.

A conquista da autonomia é descrita como mais um fator a ser considerado como interferente no processo de aprendizagem. Exaltado no grupo REUNI, o desenvolvimento da

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autonomia é constantemente cobrado de maneira que nem sempre tem respeitado a individualidade do tempo de desenvolvimento dos alunos. Grande parte da educação básica é autoritária, por assim dizer e, assistencialista, onde seu método avaliativo é tendencioso a repetições e reproduções de um conhecimento estabelecido, engessando a capacidade do aluno em ser um agente ativo na busca de suas respostas, na resolução de seus problemas e na consequente autonomia do seu conhecimento. Deste modo, os estudantes são formados diante de um sistema educacional que é totalmente oposto ao que se espera na universidade, sendo consequentemente observado um grande choque de adaptação, muitas vezes tem levado ao desligamento de alunos da universidade.

Mais uma vez, nos deparamos com um ciclo vicioso que deve ser combatido tanto na educação básica quanto no ensino superior, destacando-se necessidade da formação de profissionais reflexivos e participativos que atuem diretamente com a problemática social. Profissionais responsáveis principalmente pela formação de cidadãos participativos e autônomos na busca do conhecimento comprometido com a problemática social em que estão inseridos.

A fim de contribuir para o entendimento da problemática educacional dos estudantes indígenas na UnB, foram propostas medidas participativas de ação administrativa, educativa e pedagógica que objetivam a diminuição dos problemas de aprendizagem, dificuldades de interação, inserção e autonomia acadêmica. Assim foram propostas as seguintes medidas e ações:

3.1- Apoio do Serviço de Orientação ao Universitário (SOU) que assiste os estudantes indígenas através do acompanhamento psicoeducacional.

3.2- Ofertas de disciplinas básicas específicas a fim de sanar déficits provenientes da Educação Básica.

3.3- Criação de ambiente e equipamentos específicos para os discentes indígenas.

3.4- Abertura de editais de monitoria e acompanhamento, além do apoio de grupos PET (Programa Educacional de Tutorial).

3.5- Oferta de bolsas REUNI para participação de estudantes em projetos interdisciplinares, socioculturais e formativos na UnB com ações afirmativas nas comunidades.

3.6- Introdução de disciplinas com turmas exclusivas para apoio e formação geral como Biologia Geral, Leitura e Produção de Textos e Química Básica.

3.7- Contratação de professores específicos para apoio em disciplinas básicas e aplicadas. 3.8- Encontros e reuniões semanais com os professores e alunos envolvidos no projeto.

Estas ações são abordadas de forma integradas, semanalmente avaliadas em reuniões que contam com a participação de todos os envolvidos no projeto.

O projeto acompanha estudantes que entraram na Universidade desde 2004, a partir primeira seleção simplificada, mediante a transferência de discentes de outras IES (Instituições de Ensino Superior) do DF e Entorno para a UnB, com 12 estudantes contemplados. A partir de 2006, foi teve início o vestibular especial denominado vestibular indígena. Esse processo tem como característica que a escolha do curso deve ser feita pelas comunidades, com o objetivo de, após formado, contribuir para com suas regiões de origem.

Na Tabela 2 é apresentada uma visão geral dos cursos ofertados e número de estudantes admitidos pelo processo seletivo indígena no período entre 2004 e 2012.

Observar a oscilação no número de vagas e a periodicidade de realização dos vestibulares indígenas e cursos oferecidos. Em 2006 foram ofertadas 15 vagas em cinco cursos e, em 2008, 10 vagas para cinco cursos com a introdução e Agronomia e Engenharia

Florestal, substituindo Ciências Biológicas e Ciências Farmacêuticas do vestibular de 2006. No ano de 2009 tiveram duas entradas totalizando 20 estudantes para os mesmos

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Tabela 2 - Cursos ofertados e número de estudantes admitidos pelo processo seletivo indígena no período entre 2004 e 2012.

Ano/semestre Cursos Alunos matriculados

2004 Administração 3 Serviço Social 1 Ciências Sociais 1 Engenharia Florestal 1 Comunicação Social 1 2006 Ciências Biológicas 3 Enfermagem e Obstetrícia 3 Nutrição 3 Medicina 3 Ciências Farmacêuticas 3 2008 Agronomia 2 Enfermagem e Obstetrícia 2 Engenharia Florestal 2 Nutrição 2 Medicina 2 2009/1 Agronomia 2 Enfermagem 2 Engenharia Florestal 2 Nutrição 2 Medicina 2 2009/2 Agronomia 2 Enfermagem 2 Engenharia Florestal 2 Nutrição 2

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10 Medicina 2 2010/1 Agronomia 2 Enfermagem 2 Engenharia Florestal 1 Nutrição 1 Medicina 2 2010/2 Agronomia 0 Enfermagem 0 Engenharia Florestal 1 Nutrição 1 Medicina 0 Agronomia 1 Ciências Sociais 2 2011/2 Enfermagem 2 Engenharia Florestal 1 Medicina 2 Nutrição 2

No ano de 2010 foi realizado um único vestibular com a oferta de 10 vagas, porém no primeiro semestre foram preenchidas somente 8 delas restando nova convocação para o segundo semestre de um estudante para o curso Engenharia Florestal e outro para Nutrição.

Em 2011, entram também 10 estudantes para seis cursos, sendo acrescentado aos do ano anterior o curso de Ciências Sociais com duas vagas.

Em 2012, o vestibular indígena é modificado, acrescentando entrevista às provas de conteúdos gerais já existentes, com o objetivo de estabelecer um processo seletivo mais justo e que atenda a proposta do convênio, selecionando estudantes que tenham vínculo com suas comunidades, justificando o retorno e a consequente contribuição para as realidades de origem.

4- Considerações Finais

Com relação às medidas de ação administrativa e educativa registramos importantes avanços no aspecto acadêmico, cujos estudantes têm demonstrado o desenvolvimento e a conquista da autonomia, assumindo posições de liderança, participando ativamente em projetos de desenvolvimento socioeducacional. Consequentemente é observado um entendimento melhor do que seja a universidade, sendo desmistificada como apenas um espaço de formação profissional, mas considerada como um universo de possibilidades, de discussão e entendimento social e melhoramento pessoal, espaço de ganhar espaços.

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SANTOS, (1975) em seu livro Educação e sociedades tribais, tem concluído que os programas de escolarização deveriam fazer parte de um projeto mais amplo, valorizando o indígena e suas culturas. Na análise desse autor a problemática indígena tem causa num quadro sociopolítico, cultural e ideológico e é nesse âmbito de complexidade que deverá ser equacionada. Pois somente dessa forma teremos uma educação capaz de transformar.

Também registramos e celebramos um notável melhoramento no aprendizado destes alunos, lembrando que burocraticamente o aumento das notas disciplinares é importante para a concessão de bolsas permanências pela FUNAI, que infelizmente tem demonstrado um reducionismo avaliativo baseado em parâmetros essencialmente quantitativos, postura que a tem impedido de conceber grandes conquistas diante de uma problemática tão complexa que é a educação indígena brasileira e consequentemente reavaliar seu método de ação.

Acerca da presente postura da FUNAI encontramos em PRICE, (1975) uma pertinente contribuição para compreensão das políticas direcionadas a problemática indígena, chamando atenção para a superficialidade com que é tratado esta causa.

Costumamos manter relações diplomáticas com Estados. Precisamos nos dar conta de que o Estado é só uma entre as várias formas de organização social, e fica claro que sociedades em contato devem manter relações diplomáticas, quaisquer que sejam suas formas de organização. O bom diplomata tem que saber alguma coisa sobre o país onde trabalha. Deve entender a política interna, os interesses econômicos, a etiqueta. Infelizmente, no indigenismo, a tendência é de se elaborar uma “política externa” sem saber nada das sociedades com que se trata. Nem se diferencia entre as várias sociedades; a mesma política indigenista aplica-se aos kadiwéu, aos marubo e aos fulni-ô. É como se aplicasse a mesma política externa à China, à Guatemala e à África do Sul. (...) Nós indigenistas teremos que ser embaixadores em culturas estrangeiras, e não representantes de um exército vitorioso. (PRICE, 1975).

Consideramos ainda em Fernandes (1972):

A simples negligência de problemas culturais, étnicos e raciais numa sociedade nacional tão heterogênea indica que o impulso para a preservação da desigualdade é mais poderoso que o impulso oposto, na direção da igualdade crescente. [...] Nenhuma democracia será possível se tivermos uma linguagem “aberta” e um comportamento “fechado” FERNANDES, (1972).

Diante de tantos fatos e registros somos levados constantemente a refletir o quanto as políticas de ações afirmativas podem contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária potencializando respeito e o diálogo com as diferenças. Onde nos motivamos a vivenciar um momento de abertas discussões e pertinentes conquistas, o que tem contribuído para a construção de uma sociedade onde todos tenham as mesmas oportunidades de inserção, ressaltando que toda a coletividade tem sido convidada a reparar danos pretéritos e perpetuados em nossa sociedade. O caso dos estudantes indígenas na UnB é exemplo de um momento de mudanças e reconhecimento do potencial desse segmento da população da brasileira, onde não foi necessário mais do que confiança, motivação e acompanhamento para se observar um gradual crescimento, aprendizagem, conquista de autonomia, socialização e o orgulho de se auto afirmar indígena cidadão de direitos.

5- Referências

BIASI, L. M. F. A Política Estadual de Assistência Social. Lúcio Roberto Schwingel (org) “Povos Indígenas e Políticas Públicas da Assistência Social no Rio Grande do Sul” Subsídios para a construção de políticas públicas diferenciadas às Comunidades Kaingang e Guarani.

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Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social – STCAS Estado do Rio Grande do Sul, ano 2002. Porto Alegre/RS: 2002, v., p. 37-40.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988.

____________. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, nº. 248, dez. 1996.

____________. Lei N°. 6.001 de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF, de 21 de dezembro de 1973. FERNANDES, F. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difel, 1972.

FREIRE.; Bessa, J. R. Cinco idéias equivocadas sobre índio. Manaus: Cenesch, 2000, p.17-34

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os indígenas no censo demográfico

2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

NOBRE, D. A escola; letramento ou escolarização? Escola ou projeto de sociedade. In: D’ANGELIS, W. R. da e VASCONCELOS, E. A. Conflito linguístico & das minorias

indígenas. Campinas: Curt Nimunendajú, 2011.

MEC – Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivo/pdf/pne.pdf. Acesso em 07/07/2012.

POJO, E. C.; BERG, H. S.; ALBURQUEQUE, M..S. C. Fundamentos da Educação Indígena. Disponível em: < http://www.fe.unb.br/graduacao/online/modulos-ped-ead-acre/modulo-4/fundamentos-da-educacao-indigenas > Acesso em : 05/07/2012.

PRICE, David. Informativo FUNAI, n.14. Set. 1975.

RIBEIRO, D. Os índios e a civilização. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. SANTOS, S. C. dos. Educação e sociedades tribais. Porto Alegre: Movimento, 1975.

SILVA, F. A. B.; ARAÚJO, H. E. ; SOUSA, A. L. Diagnóstico da situação das populações

indígenas no Brasil. IPEA, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/>. Acesso em: 07/07/2012.

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pelos índios xavantes na cidade de Barra dos Garças – MT. X Congresso Nacional de

Educação, 2011. p.03

TUYUCA, J. S. R. Repensando a Educação Indígena. 2004. p.05. Disponível em: < http://www.isma.org.br/artigos/educacao_indigena.pdf >. Acesso em: 07/07/2012.

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