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O espaço na demografia: migrações, urbanização e meio ambiente e seus reflexos sobre os direitos humanos

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Academic year: 2021

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migrações, urbanização e meio ambiente

e seus reflexos sobre os direitos humanos

As transformações demográficas ocorrem em espaços concretos cujas dinâmicas, contornos e especificidades imprimem características particulares aos processos socioeconômicos que neles se desenrolam. Os primeiros quatro séculos da história brasileira foram marcados por mudanças e rupturas no locus da atividade econômica, cada qual trazendo diversas e profundas alterações nos padrões de ocupação demográfica. Nos últimos cem anos, e particularmente a partir de 1930, no-vas formas de ocupação do espaço, caracterizadas tanto pela densificação em localidades cada vez maiores como pela ocupação dos espaços interiores vazios, acompanharam o rápido crescimento demográfico e a diversificação econômica, alterando profundamente a relação da população com seu meio ambiente.

Este capítulo oferece breves resumos de uma grande variedade de ensaios e debates, apre-sentados no XVI Encontro da ABEP, versando sobre os processos de deslocamento populacionais, o crescimento urbano e as transformações do meio ambiente em curso no espaço brasileiro. Os pesquisadores e planejadores encontrarão, nestes breves sumários de trabalho, indicações de infor-mações, evidências e análises, assim como recomendações de políticas.

Os deslocamentos populacionais: avanços e limitações

Os deslocamentos espaciais da população são, conjuntamente com as mudanças na com-posição de grupos populacionais, as principais determinantes da configuração demográfica do país nos dias de hoje. No seu último encontro, em 2008, a ABEP organizou diversas sessões temáticas e mesas redondas para analisar as tendências recentes da distribuição espacial brasileira e da migra-ção – tanto interna como internacional – e suas implicações econômicas, demográficas e sociais, as-sim como seu significado para o exercício dos direitos humanos. Tais análises constituem um ponto

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de partida fundamental para entender os processos em curso e para a formulação de políticas, tanto do setor público como privado. Vários temas foram enfocados, conforme pode ser comprovado a seguir. O capítulo termina com uma discussão de um direito humano cada vez mais em evidência – o direito à cidade.

Novos dados e tendências recentes

Uma preocupação constante de pesquisadores e decisores é a desatualização e a falta de informações sobre os processos sociais e econômicos no período intercensitário. A principal fonte para a análise dos movimentos populacionais continuam sendo os censos demográficos decenais. Como estamos, atualmente, no final do período intercensitário, as informações do último censo de-mográfico estão particularmente defasadas, obrigando os pesquisadores a buscar fontes inéditas para monitorar importantes câmbios na distribuição espacial da população.

Para atualizar o panorama migratório brasileiro, Baeninger propôs-se analisar as mudanças nas migrações internas no Brasil durante os períodos 1995-2000 e 2001-2006, usando uma com-binação de censos demográficos e PNADs. Com base nestas informações, foram destacadas várias tendências recentes. Talvez a mais importante seja a confirmação de que o estado de São Paulo, de principal receptor, passou a ser um estado expulsor líquido. Por outro lado, um fluxo tradicio-nal (do Nordeste para São Paulo) foi transformado em cenário de rotatividade migratória entre as duas regiões. Isto reforça uma tendência crescente no sentido da migração de retorno de longa distância.

Ao mesmo tempo, observa-se um aumento da tendência à configuração de novos espaços de migração mais relacionados ao âmbito de suas próprias regiões. Durante este período, Goiás destacou-se como área de retenção migratória nacional e regional; Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Norte, Espírito Santo e Santa Catarina despontaram como áreas de retenção migratória regional, enquanto São Paulo e Rio de Janeiro apareceram como áreas de rotatividade migratória nacional. O extremo norte do país caracterizou-se como uma área de baixa mobilidade populacional.

No mesmo sentido, o trabalho de Ferreira e Matos busca explorar dados da RAIS e RAISMI-GRA para analisar a mobilidade espacial recente de pessoas. Utilizando estas fontes, os autores con-seguem encontrar tendências importantes no período pós-censitário. Os dados permitem constatar a existência de dois importantes vetores espaciais de dinamismo do mercado de trabalho formal. O primeiro, na dimensão da rede urbana, em que se destacam os municípios do nível intermediário, incorporando pequenas e médias localidades. O segundo, de dimensão regional, destaca o dinamis-mo das regiões Norte e Centro-Oeste. A indústria e a agropecuária figuram entre as atividades que

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mais contribuíram para o dinamismo destas localidades, demonstrando que tal processo é sustenta-do pela expansão de atividades produtivas.

Não obstante as limitações da base de dados utilizada, as evidências apresentadas mostram que o dinamismo verificado nesses municípios atrai trabalhadores migrantes para o mercado for-mal. Foram identificados fluxos expressivos de mão-de-obra em direção aos municípios dinâmicos do Centro-Oeste e Norte, confirmando também a importância da migração inter-regional. Entre-tanto, os municípios dinâmicos não somente atraem trabalhadores qualificados como demonstram maior participação relativa de “migrantes” com formação superior, mas também trabalhadores de baixa qualificação, fazendo aumentar a participação relativa de trabalhadores analfabetos ou que não completaram o ensino fundamental. Em outras palavras, a expansão das atividades econômicas e do mercado formal também significa a expansão de oportunidades para trabalhadores de baixa qualificação para ocupações na construção civil e no “baixo” terciário.

Os resultados mostram que muitas localidades intermediárias da rede urbana nacional ex-perimentaram, recentemente, processos de intenso crescimento do mercado de trabalho formal. Considerando que esse mercado é um bom indicador do nível das atividades econômicas, pode-se esperar que esses lugares venham a assumir papel fundamental no processo de reconfiguração es-pacial das atividades econômicas e da população no Brasil. Isso não só confirma a mudança do pa-drão migratório, no Brasil contemporâneo, mas aponta novos e importantes espaços que estruturam mercados de trabalho locais.

No mesmo sentido, Matos e Garcia tratam de descobrir se a migração brasileira do período recente continua procurando as grandes cidades do Sudeste, ou se ela se redistribui por um conjun-to maior de localidades. Observam que a grande maioria dos municípios que apresentaram taxas de crescimento demográfico e de emprego acima da média encontram-se no Centro-Sul e têm menos de 50 mil habitantes. Entretanto, em termos absolutos, o crescimento do emprego continua se dan-do nas principais cidades dan-do Centro-Sul. Parte importante dan-do crescimento da população desta região é resultante da forte presença de migrantes nas periferias metropolitanas e do recente dinamismo dos centros intermediários. É nos centros mais dinâmicos do país que se verifica maior propensão ao surgimento de condições precárias de moradia e consequente agravamento das condições de vida da população.

Outro intento de avaliar os movimentos mais recentes foi feito por Aranha e Januzzi, que utilizaram informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego e Pesquisa de Condições de Vida (PCV) para analisar a intensidade migratória para o estado de São Paulo, buscando entender o des-colamento da migração interregional e sua ligação com o mercado de trabalho no estado.

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Os autores confirmam que a participação relativa dos migrantes na população da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) vem diminuindo ao longo dos últimos 20 anos. Apesar de a razão entre os migrantes que permaneceram na RMSP do primeiro para o segundo ano de residência ter aumentado de 1998 para 2007, sua permanência diminuiu. Acompanhando a tendência apresenta-da na RMSP, a participação dos migrantes no total apresenta-da população do interior do estado de São Paulo diminuiu de 53,3%, no ano de 1994, para 46,1% no ano de 2006.

A PCV de 2006 indagou sobre os motivos que levaram o migrante a morar no município de residência atual, sobre imigração ou emigração de parentes dos migrantes entrevistados e sobre o acesso aos benefícios públicos de transferência de renda, levantados em diferentes uni-dades de investigação (indivíduo, chefe da família e chefe do domicílio). Obteve que os motivos relacionados com questões de trabalho representam 49,2%, e os demais motivos, em conjunto, 50,8%.

As evidências apresentadas acerca da continuidade do processo de arrefecimento da mi-gração em direção ao estado, à Região Metropolitana e ao interior parecem robustas. Em que pese a recuperação da economia e do emprego no estado, sua capacidade de mobilizar contingentes de mão-de-obra de longas distâncias parece ser menor do que no passado, seja porque o mercado de trabalho vem se tornando ainda mais seletivo na contratação, seja devido à oferta de emprego em outras localidades, ou ainda ao efeito compensatório e dinamizador dos programas de transferência de renda nos tradicionais bolsões de emigração.

Em suma, apesar da falta de informações demográficas recentes, a utilização de diversas fon-tes inovadoras confirma uma mudança significativa no padrão migratório brasileiro, com a descon-centração de São Paulo e a dinamização de vários polos no interior do país.

Limonad descreve as mudanças nas tendências da urbanização brasileira como ponto de partida para uma discussão da pertinência das atuais definições legais de regiões urbanas para a de-finição de estratégias que visam a resolução dos problemas ambientais relacionados ao crescimento urbano. À tendência anterior de urbanização intensiva e concentrada opõe-se agora uma urbani-zação de caráter extensivo, disperso, com um consumo extensivo do território, dos equipamentos, infraestruturas e meio ambiente.

Segundo o autor, tal quadro leva-nos a olhar além das grandes aglomerações urbanas para buscar elementos que contribuam para a regulação da urbanização e a preservação ambiental. Para ele, muitas das novas regiões metropolitanas não devem ser encaradas enquanto tal, e algu-mas nem sequer se enquadram no que poderia ser caracterizado como um padrão concentrado de urbanização.

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As fragmentações municipais nas últimas décadas resultaram na multiplicação das cidades de pequeno e médio porte, com um aumento da dispersão da população no território nacional. Nos últimos 15 anos, tem-se observado uma extensificação da urbanização em diversos lugares e com di-ferentes intensidades, o que tem gerado preocupações entre administrações municipais, movimen-tos ambientalistas e políticos de diferentes matizes, em razão dos impacmovimen-tos da crescente dispersão da urbanização sobre o território.

A articulação e integração das cidades não obedece mais, necessariamente, a uma lógica hierárquica de tamanho ou poder econômico. Coloca-se, assim, a necessidade de compatibilizar o desenvolvimento urbano com a preservação ambiental. Desta perspectiva, a escala municipal de decisão mostra-se limitada, dado que o processo de tomada de decisão tende a ser atravessado por interesses diversos que podem comprometer não só os recursos naturais e o ambiente do município, mas aqueles dos municípios vizinhos. Neste sentido, não há mais como pensar o desenvolvimento urbano limitado à escala do município. É necessária a retomada de planos de desenvolvimento urba-no em escala regional que conciliem os interesses dos diversos municípios envolvidos e contribuam para a preservação ambiental.

Pasternak e Bogus analisam a abrangência e o sentido das mudanças observadas no padrão redistributivo da população e das atividades econômicas ao longo da década de 1990, pretenden-do verificar a procedência ou não das teses sobre São Paulo como global city. Olhanpretenden-do a estrutura ocupacional a partir de três grandes grupos (superior, médio e popular), concluem que, na década de 1990, a metrópole de São Paulo não apresentou mudança significativa na sua estrutura hierárqui-ca. Entretanto, ela se terciarizou, perdendo atividades industriais e ampliando atividades de serviço, tanto entre trabalhadores de serviços especializados como, em menor grau, entre trabalhadores de serviços não especializados. A intensidade do crescimento dos prestadores de serviços especializa-dos foi maior na capital, refletindo sua transformação numa cidade terciária.

A estrutura sócio-ocupacional mantém basicamente a sua diversidade, apresentando po-rém: terciariazação, com forte incremento dos trabalhadores do terciário especializado; profissio-nalização, com forte aumento de profissionais de nível superior; perda de ocupações de escritó-rio; ganho dos operários dos serviços auxiliares; perda dos trabalhadores da indústria moderna e tradicional, e assim, uma desproletarização relativa; perda dos dirigentes, principalmente dos grandes empregadores; e ganho entre ambulantes, biscateiros, além de, em menor grau, dos em-pregados domésticos.

As mudanças observadas inserem-se num conjunto de transformações econômicas e so-ciais que atingiram a Região Metropolitana nos anos 1980 e 1990. Na verdade, estas

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transforma-ções emergem de uma forte crise marcada por quedas importantes da produção econômica e do emprego, vinculadas à perda do dinamismo industrial, à reestruração produtiva e ao aumento da informalidade.

As evidências apresentadas neste estudo ainda são merecedoras de maior reflexão, para que se possa concluir que esteja ocorrendo uma crescente segmentação do espaço intrametropolitano de São Paulo. Mesmo a dualização do mercado de trabalho é bastante relativa. As relações de trabalho tornaram-se mais precárias em 2000, com a redução da proporção de trabalhadores com carteira de trabalho e de contribuintes à Previdência Social. Esta crise do trabalho, aliada à reestruturação produ-tiva que terciarizou a metrópole, provoca mudanças nas já históricas desigualdades socioterritoriais.

A migração de retorno e os ciclos de vida

Vários trabalhos procuraram fazer uma avaliação mais fina das tendências migratórias no último período intercensitário. Um novo comportamento migratório revelado naquele período e re-forçado pelos dados mais recentes refere-se à migração de retorno. Em décadas anteriores, este tipo de migração representava uma pequena minoria de todos os deslocamentos e não vinha merecen-do muito interesse da parte merecen-dos pesquisamerecen-dores. Entretanto, no períomerecen-do mais recente, o interesse pela migração de retorno, seja de pessoas que estiveram morando no exterior, seja de migrantes internos, tem aumentado muito em função do próprio volume destes movimentos e de seus impactos sociais e econômicos.

Diversos fatores têm sido utilizados para explicar o aumento recente da migração de retorno.

Inter alia, a crise econômica da década de 1980, que se estendeu pela década de 1990 adentro, as

mudanças nos padrões tecnológicos provocadas em parte pela globalização, as mudanças no locus de dinamismo econômico, a desconcentração industrial e a extensão da Previdência à área rural são fatores que teriam provocado uma intensificação desse movimento anteriormente minoritário.

Siqueira, Magalhães e Silveira Neto utilizaram uma bateria de métodos quantitativos para iden-tificar o perfil típico do migrante e do migrante de retorno. Encontraram que o migrante, independen-temente da região escolhida como destino, tende a ser uma pessoa jovem ou adulta, escolarizada, solteira, com filhos menores e maiores probabilidades de ser encontrada em trabalhos sem carteira assinada. Os idosos e aposentados apresentaram maiores chances de serem não-migrantes.

Quando se compara o indivíduo migrante com o migrante de retorno ao lugar de nascimento, ambos fazendo parte de um mesmo fluxo migratório, percebe-se que o regresso tem maior chance de ser realizado por indivíduos que não são jovens, mas ainda não considerados idosos (ou seja, eles têm menos de 60 anos), que têm algum grau de instrução, seja ele primário, intermediário ou de nível

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superior, e ainda por aqueles que estão solteiros. Os retornados também aparecem com maiores chan-ces de se encontrarem desempregados, sem carteira de trabalho assinada ou aposentados. Somente para esta última categoria, a re-emigração pode ser vista como um evento planejado. Para as regiões pobres, este resultado é agravado, visto que seus retornados tendem a ser pessoas não escolarizadas.

Este resultado contrasta com aqueles obtidos em outros países, onde a re-emigração é com-posta por pessoas mais velhas e de baixa escolaridade. Esta peculiaridade da migração de retorno brasileira é uma sinalização de que a migração inicial, para boa parte dos retornados, não foi bem sucedida, pelo menos não no período recente. As frustrações quanto à materialização do emprego e da renda no local de destino forçam estes indivíduos a voltar para seu lugar de nascimento, mesmo quando ainda estão em plena capacidade produtiva e quando poderiam estar usufruindo ganhos com a migração.

A análise das migrações da perspectiva do retorno é complementada por uma outra, feita por Campos, Barbieri e Carvalho, a respeito das migrações realizadas pelos idosos (definidos aqui como aqueles indivíduos com 60 anos ou mais de idade), dentro do território nacional, nas décadas de 1980 e 1990.

Os dados deste trabalho apontam para uma seletividade da migração relacionada às etapas do ciclo de vida. Entre as décadas de 1980 e 1990, o percentual de migrantes nas idades mais avan-çadas aumentou, mas estes movimentos apresentaram diferenciais importantes entre subgrupos de idosos. Assim, por exemplo, os maiores percentuais de migrantes foram encontrados entre os ho-mens no grupo de “idosos mais jovens.” Entre as mulheres, o percentual de migrantes é maior entre o grupo de “idosas mais velhas”. Os “idosos intermediários” foram os que menos migraram.

Os fluxos migratórios de idosos apresentam também algumas especificidades espaciais. As áreas tradicionalmente expulsoras de população tendem, proporcionalmente, a perder menos ido-sos que o resto do país, sendo que, em algumas regiões, elas chegam a apresentar uma migração líquida positiva de idosos. Em compensação, as antigas áreas de atração populacional, embora con-tinuem a ganhar população, perdem idosos. As áreas de fronteira ganham população em todas as categorias, enquanto muitas áreas economicamente estagnadas continuam perdendo população em geral, assim como os de idosos.

Portanto, a migração de idosos apresenta fluxos que vão em sentido contrário às migrações em idades laborais. Grande parte deste comportamento pode ser explicada pela migração de retor-no. Ou seja, um número significativo de migrantes, embora estes não constituam a maior parcela dos retornados (de acordo com o estudo citado acima de Siqueira et al.), volta à terra natal para descan-sar e pasdescan-sar seus últimos dias.

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Os movimentos pendulares

Vários trabalhos procuraram entender melhor uma questão que já vem intrigando pesqui-sadores e decisores há algum tempo: a evolução da dinâmica econômica e social das regiões me-tropolitanas através da análise dos deslocamentos espaciais diários da população – os chamados “movimentos pendulares”.

Lobo, Matos e Cardoso analisam os movimentos pendulares na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Observam que tem havido uma redução no volume de deslocamentos com destino ao núcleo metropolitano a partir da maior parte dos municípios periféricos. Isto é particular-mente relevante em se tratando de movimentos para o trabalho. Observa-se um sensível redirecio-namento nos movimentos pendulares e um aumento da população que trabalha no próprio municí-pio de residência, sugerindo um crescimento na oferta de postos de trabalho e o fortalecimento das economias locais na região. Na estrutura ocupacional dessas populações, nota-se uma importante concentração na categoria “serviços diversos”, com menor participação do comércio varejista, indús-tria e serviços públicos.

A relevância desta tendência é grande, na opinião dos pesquisadores. Depois de décadas de forte concentração da população e das atividades econômicas nas principais metrópoles do Sudes-te, surgem evidências acerca de uma possível mudança neste padrão.

Também em relação à RMBH, Cardoso e Magalhães oferecem uma investigação comparativa da evolução das condições de acessibilidade ao local de trabalho das populações residentes nos 34 municípios que compõem a RMBH (a partir dos indicadores de sexo e renda), entre 1992 e 2001. Utilizaram dados de pesquisas domiciliares de origem e destino, definindo como medida de acessi-bilidade o tempo de viagem da residência ao local de trabalho.

Observam que a renda e os padrões de uso e ocupação do solo afetam as condições de aces-sibilidade ao local de trabalho na RMBH − ou seja, as classes de maior renda apresentaram índices mais expressivos de acessibilidade em relação às mais pobres, sobretudo em função de terem acesso mais amplo ao transporte individual. Por outro lado, as mulheres apresentam melhores índices de acessibilidade em relação aos homens, havendo uma associação deste fenômeno com a valorização feminina da proximidade entre domicílio e o local de trabalho. Quanto maior a renda, maior a ten-dência de o emprego situar-se nas áreas de maior centralidade, e, quanto menor a renda, maior o grau de dispersão dos postos de trabalho na RMBH.

Randolph e Araújo Jr. focalizam a Região Metropolitana do Rio de Janeiro com o intuito de compreender em que medida as áreas perimetropolitanas repetem, meramente, ou mesmo

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acirram a lógica e a dinâmica metropolitana. A questão é se lá estão surgindo novas formas de ur-banização que poderiam até alterar a dinâmica atual da própria metrópole. Para entender melhor esta questão, fazem uma análise em profundidade de dois casos – Petrópolis e Maricá. Petrópolis apresenta indícios de novas formas de urbanização e regionalização na área perimetropolitana, os quais podem fazer surgir novas centralidades e mediações entre a metrópole e a região. Para Maricá, isto não se aplica, porque esse município mais parece uma extensão dentro da lógica me-tropolitana de seu território.

O principal resultado dessa investigação é a constatação de que um mero recorte físico-territorial (determinada proximidade ao núcleo metropolitano), ou administrativo-físico-territorial (mu-nicípios vizinhos de mu(mu-nicípios metropolitanos), não é suficiente para entender as áreas funcio-nais ou integradas da Região Metropolitana. A observação dos fluxos de trabalhadores e estudan-tes entre diferenestudan-tes municípios e regiões permite analisar melhor as potencialidades e limitações que os municípios na área perimetropolitana do Rio de Janeiro têm como intermediárias entre a metrópole e a região.

Deschamps, Cintra e Moura estudam as movimentações pendulares em torno do município núcleo de Curitiba. Especificamente, o trabalho busca comparar a situação de ocupação e renda daqueles que se deslocam para trabalhar no município núcleo da RM, com a situação daqueles que se deslocam para trabalhar fora do núcleo e daqueles que trabalham no próprio município. Vale mencionar que foram observados fluxos importantes nos dois sentidos.

No setor serviços domésticos há uma proporção maior de pessoas trabalhando em Curiti-ba do que em seus próprios municípios. Já no setor serviços, que conta com a maior proporção de trabalhadores, destacam-se duas atividades (vigilância e segurança) desenvolvidas por quem se desloca. De modo geral, as pessoas que trabalham no município núcleo, vindas de outros municípios metropolitanos, constam em proporção maior nas faixas salariais mais altas, nos diversos setores de atividades, do que a população local. As pessoas que saem do município núcleo para trabalhar em outro município metropolitano, em qualquer um dos setores, concentram-se na faixa mais alta de rendimento (acima de 5 SMs). Dentre as atividades, chamam a atenção aquelas relacionadas à indústria, para trabalhos mais especializados. Em suma, o deslocamento é associado com renda e ocupação mais alta do que o trabalho no próprio município de residência.

Barcellos e Jardim estendem um pouco o perímetro da sua unidade de observação e carac-terizam as trocas intra e interaglomerações urbanas diárias no estado do Rio Grande do Sul. Desco-brem que dois terços de todos os deslocamentos têm a RM de Porto Alegre (RMPA) como destino. A maior parte dos fluxos pendulares tem por motivo o trabalho. Mesmo para aqueles municípios que

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estão fora de aglomerações, a RMPA funciona como destino para os que se deslocam para trabalhar ou estudar, evidenciando a forte polaridade da RM. Nestes movimentos, predomina a população masculina em idade ativa. As categorias ocupacionais envolvidas são em geral operárias e populares, à exceção dos trabalhadores de escritórios.

Young e dos Santos examinam padrões de residência e de mobilidade pendular, diretamente vinculados ao processo de expansão do perímetro urbano, em cinco municípios da Baixada Santista (Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá e Praia Grande) e seus efeitos ambientais a partir de dados dos censos de 1980 e 2000.

Em função do reduzido território insular de Santos e da valorização dos imóveis na orla, uma grande concentração de ocupações subnormais disseminou-se em áreas de preservação ambiental (restingas, mangues e morros), sobretudo nos municípios vizinhos, que exerciam menor controle sobre a ocupação do território e onde proliferou a “indústria” dos loteamentos clandestinos e irregu-lares. Os cinco municípios sofreram invasões por construções dentro das áreas de preservação per-manente. As águas servidas oriundas dessas habitações, geralmente, não são tratadas, contribuindo assim para a deterioração dos corpos d’água. As áreas e populações identificadas como sujeitas a deslizamentos e que apresentam os maiores riscos estão localizadas, principalmente, nos municípios de Cubatão e Guarujá e, em menor escala, nos municípios de Santos e São Vicente.

A expansão metropolitana da Baixada Santista retrata a convergência de vários processos, entre os quais cabe destacar os fluxos pendulares, as tendências do mercado de trabalho e imobiliá-rio e as ações decorrentes das diretrizes de planejamento dos municípios. A expansão sobre as áreas de proteção ambiental constitui uma realidade para os cinco municípios, pois se trata da alternativa encontrada pelas classes de baixa renda para solucionar o problema de moradia e disponibilidade de acessos.

Ojima, Pereira e Bonifácio da Silva procuram entender a importância da cidade-dormitório no contexto da urbanização brasileira e as implicações desta para os riscos ambientais. Para tanto, utilizam informações censitárias de 1980 e 2000 para captar deslocamentos pendulares. Observa-se um incremento da mobilidade pendular em termos municipais neste período. O valor médio da re-lação entre a popure-lação que realiza movimentos pendulares e a popure-lação ocupada passou de 5,6% para 7,7% entre 1980 e 2000, indicando uma mudança no perfil dos municípios brasileiros.

Os casos de Goiás e Sergipe também merecem destaque, por terem apresentado um aumen-to da proporção de municípios que se enquadram nas classes de pendularidade mais elevada, sobre-tudo entre aqueles que possuem mais de 40% da população ocupada realizando estes movimentos. O estado de São Paulo destaca-se por ter apresentado um aumento significativo na proporção de

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municípios que possuíam entre 20% e 30% de pendularidade, passando de 4% para 13% dos muni-cípios desta UF entre 1980 e 2000.

Embora o conceito de cidade-dormitório tenha sido tradicionalmente associado ao entorno das Regiões Metropolitanas, a participação dos municípios integrantes de Regiões Metropolitanas nos movimentos pendulares diminui de 51% para 40%. Isto confirma tanto a extensão da periferia como a tendência de desaceleração do crescimento populacional metropolitano.

Muitos municípios que, tradicionalmente, são identificados como cidades-dormitório não apresentam necessariamente grandes proporções de pessoas realizando movimentos pendulares. Por outro lado, existe uma diversidade de situações sociais e ambientais relacionadas com as ci-dades-dormitório que merecem ser avaliadas isoladamente. Diante desta heterogeneidade, a as-sociação direta entre as cidades-dormitório e a distribuição de riscos socioambientais não pode ser apontada de forma mecânica.

A segregação socioespacial nas cidades e suas implicações

Produto de uma urbanização muito acelerada e combatida pelas autoridades e, consequen-temente, desprovida de uma orientação ou coordenação sistemática, a segregação socioeconômica e espacial representa uma constante nas cidades brasileiras. Ponto de partida para a maioria dos problemas sociais encontrados hoje nas localidades urbanas, essa segregação passou a ser alvo de interesse de muitos pesquisadores.

Rodrigues, da Mota e Hayashi avaliaram os impactos da reestruturação produtiva na década de 1990 para a Região Metropolitana de Maringá-PR (RMM), no que se refere à ocupação residen-cial, através da análise da estrutura sócio-ocupacional. Desde sua fundação, a cidade foi marcada por uma ocupação excludente, produto das características econômicas. Na década de 1990, o perfil socioespacial da RMM piorou: seis Áreas de Expansão Demográficas (AEDs) apresentaram uma situa-ção piorada, por incorporarem maior número de moradores de categorias ocupacionais de menor qualificação e menor renda. Por outro lado, apenas duas AEDs apresentaram, em 2000, uma ocupa-ção residencial por categorias de ocupados mais qualificadas que as de 1991. Este recorte político-administrativo reflete um perfil socioespacial urbano de desigualdades historicamente sedimenta-das na segmentação social do espaço.

Os autores observam que, no contexto atual da competitividade globalizada entre cidades, o agravamento destas desigualdades pode conduzir à instauração de um quadro social e politica-mente desfavorável ao desenvolvimento local. Verifica-se também que os três tipos socioespaciais em que sobressai a participação dos grupos em posição mais elevada na estrutura social (dirigentes,

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intelectuais, pequenos empregadores e ocupações médias) localizam-se apenas no municipio nú-cleo de Maringá.

Rocha e Cunha analisam os processos de mobilidade espacial no município de Praia Gran-de e suas relações com as regiões metropolitanas da Baixada Santista e Gran-de São Paulo. Usaram dados dos censos demográficos para identificar os principais fluxos migratórios desde 1970 até 2000 e identificaram espacialmente a distribuição destes migrantes e suas principais característi-cas sociodemográficaracterísti-cas.

Os resultados mostram que existem pelo menos dois processos socioespaciais distintos em termos da consolidação da ocupação urbana. Um se constituiu na periferia da Região Metropolitana da Baixada Santista, em áreas mais afastadas, e outro consolidou-se numa “periferia” de mais alta renda da RMSP, localizada próxima à orla.

A região passou a constituir uma periferia para dois centros, na medida em que se relaciona com a RM da Baixada Santista como periferia de baixa renda, e com a RM de São Paulo como uma “periferia” de média e alta renda. A consolidação do espaço urbano mostra-se favorável a este tipo de arranjo, tendo em vista a localização dos migrantes segundo suas características sociodemográficas.

Magalhães e Oliveira propõem construir uma metodologia para a avaliação da satisfa-ção da populasatisfa-ção urbana com a localizasatisfa-ção da moradia e com as condições de mobilidade e de acessibilidade dentro do espaço urbano. Esperam contribuir, assim, para o aperfeiçoamento do planejamento urbano, propiciando a criação de indicadores de satisfação da população urbana, baseados nas experiências, visões, expectativas e nos desejos da própria população que reside no município, levando-se em conta o conceito de meio ambiente autossustentável. Consideram que as análises de satisfação da população podem contribuir para uma definição mais precisa do público-alvo de políticas populacionais, tais como a redução da pobreza e das desigualdades e, em decorrência disso, propiciar a elaboração de um planejamento mais eficiente no contexto das políticas populacionais priorizadas.

Nesse sentido, o trabalho explora métodos de pesquisa de campo alternativos às entrevis-tas tradicionais face a face, tendo em vista reduzir os custos para a obtenção de informações sobre os níveis de satisfação da população com o município onde reside e viabilizar a monitoração da qualidade de vida urbana como um processo contínuo de suporte à tomada de decisão no plane-jamento urbano.

Almeida e Souza oferecem um texto que objetiva analisar as condições de desigualdade socioespaciais e sociodemográficas entre os residentes das áreas pobres do Recife e seus vizinhos, a partir de dados censitários, adotando-se escalas geográficas de aproximação. Cotejam-se a

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vincula-ção com o mercado de trabalho da populavincula-ção selecionada e seu nível de escolaridade, como indica-dor da qualificação profissional, além de outros indicaindica-dores sociais revelaindica-dores de sua condição de vida e de sua inserção na cidade.

Recife é uma cidade com expressiva proporção de pobres. Os processos demográficos são moldados por forças sociais e interferem decisivamente na problemática social. A centralidade da insuficiência de renda, decorrente das condições precárias do mercado de trabalho, do ainda insa-tisfatório processo de escolarização e da consequente baixa qualificação da força de trabalho – num contexto de insuficiente crescimento econômico – fica evidente tanto na análise do Recife como um todo como naquela de seus microespaços socioeconômicos selecionados para a análise. A desigual-dade entre esses espaços só pode ser superada no médio e no longo prazo, desde que sejam perma-nentemente reduzidos os fatores de exclusão do mercado de trabalho, do sistema educacional, de um padrão de consumo socialmente aceitável.

Deve-se enfatizar que a caracterização do espaço demográfico e socioeconômico de uma cidade como o Recife, bem como a revelação de seus grandes contrastes, podem alertar os formula-dores e executores de políticas sobre a adequação de programas sociais aos diversos espaços. Certos programas podem ser espacialmente distribuídos, podendo-se atingir grupos sociais específicos em determinadas localidades. Contudo, há vários aspectos que dependem mais de ações universais que de ações localizadas, como as questões que envolvem a insuficiência de renda, as precárias condi-ções do mercado de trabalho e, ainda, da escolarização.

Ribeiro, Rodrigues e Correa analisam as relações entre os processos de divisão social do território metropolitano na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e as condições que regulam o acesso a oportunidades no mercado de trabalho. Procuram testar em que medida a localização dos indivíduos e grupos sociais na estrutura socioespacial caracterizada por tendências à segregação re-sidencial e à segmentação territorial impactam na qualidade do emprego (fragilidade ocupacional) e nas possibilidades de transformar a própria oportunidade de emprego em recursos oriundos do mercado de trabalho (rendimento).

Os resultados revelam uma relação entre o acesso a ocupações fragilizadas e diferenciais de rendimento na ocupação principal, em função do contexto social do local de moradia, e sua posição na desigual estrutura de mobilidade espacial da região metropolitana fluminense.

As evidências aqui apresentadas juntam-se a outras tantas produzidas por outros trabalhos elaborados com o mesmo propósito por outros pesquisadores sobre outras metrópoles – vários dos quais mencionados acima. Entretanto, ainda não estão claros os mecanismos que ligam a organiza-ção social do território e a segregaorganiza-ção residencial com o acesso diferencial às oportunidades geradas

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no mercado de trabalho. As hipóteses principais relacionam este fenômeno com uma combinação dos efeitos (i) da segmentação do mercado de trabalho; (ii) da re-estruturação do sistema de bem-estar social, por sua vez resultante da combinação das tendências à mercantilização da reprodução social e da retração e segmentação social do sistema público de consumo; (iii) da fragilização e pre-carização das estruturas sociais no plano da família e da comunidade em suas capacidades de gerar ações solidárias de mobilização de recursos para a autorreprodução e utilização das oportunidades geradas pelas macroestruturas sociais.

Hayakawa e Ultramaria discutem riscos ambientais em populações de baixa renda e suas implicações para o planejamento urbano. A área analisada é o assentamento irregular denomina-do Bolsão Audi, junto ao rio Iguaçu, no município de Curitiba. O trabalho está fundamentadenomina-do em pesquisa documental e em pesquisa de campo, além de dados demográficos. O artigo trabalha com os conceitos relativos à fenomenologia dos acidentes naturais, riscos e vulnerabilidade so-cioambiental.

A vulnerabilidade é, fundamentalmente, um conceito social, pois se refere à capacidade de cada um para enfrentar riscos. Mesmo riscos iguais podem afetar populações com distintos graus de vulnerabilidade. Os resultados mostram que, embora os riscos apresentem-se de maneira ampla, eles afetam mais fortemente a população mais carente devido a sua reduzida capacidade de respos-ta frente ao agravamento dos eventos ambienrespos-tais. Conclui-se que a ocorrência de eventos adversos e situações de risco ambiental pode acelerar o processo de tomada de decisão no planejamento urbano. Todavia, a despeito da crescente inclusão da questão ambiental nas práticas do planeja-mento, ainda é incipiente a consideração de sua aplicação nos impactos de fenômenos adversos, consubstanciados em calamidades públicas. Tal incipiência não permite a apropriação de eventuais potencialidades que, paradoxalmente, essas calamidades possam ofertar.

Silva, Amaral e Simões propõem uma nova regionalização da cidade de Belo Horizonte, ba-seada no acesso domiciliar à infraestrutura. O recorte territorial da cidade em sete regiões homogê-neas fornece insumos para uma caracterização de suas desigualdades socioespaciais e possibilita inferências em relação à adequação da divisão atualmente adotada pela administração municipal para compreender essa questão.

Estas regiões homogêneas são bem diferentes da atual municipalização de Belo Horizonte e refletem mais adequadamente os processos de ocupação espacial por diferentes grupos econô-micos e suas relativas problemáticas atuais. Embora não constitua uma proposta de regionalização para Belo Horizonte, esta configuração regional lança dúvida em relação à adequação do atual de-senho como instrumento de gestão e motiva investigações mais detalhadas. A definição de políticas

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de intervenção no espaço urbano da capital mineira tem tido um forte viés da lógica do mercado na definição de investimentos prioritários. O mecanismo de renda fundiária, em combinação com o padrão de investimentos públicos, funcionou como ordenador do tecido urbano, empurrando po-pulações de baixa renda para áreas mais externas do território. Combinando a leniência seletiva com a propagação de loteamentos periféricos que abrigaram o afluxo de migrantes e naturais, criou-se uma cidade com condições internamente díspares.

Hoje, é preciso planejar e agir dentro de uma lógica voltada para a diminuição de desigual-dades. Nesta direção, o conhecimento das regiões e limites administrativos já definidos e em uso é de grande importância. A população mais pobre convive longinquamente com as amenidades e oportunidades oferecidas pela cidade e se expõe às ausências e deseconomias mais pungentes geradas pelas falhas de coordenação e de planejamento dos gestores públicos.

Terra, Oliveira e Givisiez mostram que os municípios pertencentes à Bacia de Campos são os que mais se beneficiaram das rendas petrolíferas. A pergunta central feita neste trabalho é: Que grupos sociais beneficiam-se com a aplicação desses significativos recursos? Em outras palavras: As gestões municipais das cidades que enriqueceram por causa do petróleo estão preocupadas em minorar as desigualdades socioespaciais historicamente existentes?

Para responder a essa pergunta, os autores analisam a distribuição dos investimentos per

capi-ta por gestão e agrupamentos socioespaciais em obras públicas no município de Campos dos Goycapi-taca-

Goytaca-zes. Os resultados indicam que apenas na primeira gestão, quando as rendas petrolíferas eram pouco significativas e incapazes de gerar diferenças estruturais marcantes no município de Campos, os in-vestimentos em obras públicas priorizaram os grupos sociespaciais de baixo status. Por outro lado, as outras duas gestões apresentaram padrão de investimentos per capita totalmente inverso.

Esperava-se para breve que a abundância de recursos extras contribuísse para a redução do quadro de desigualdades socioespaciais no município, mas o que se observa é o contrário. Os resultados apontam para a existência de importantes processos internos ao Estado e às relações que o cercam e sugerem a manutenção do sistema de forças sociais que continuam ampliando as desigualdades socioespaciais historicamente existentes em Campos dos Goytacazes, não obstante o elevado potencial redistributivo das rendas petrolíferas.

Da mesma forma, os demais municípios recebedores de royalties não receberam recursos em investimentos sociais com capacidade de melhorar o desenvolvimento de suas populações. Pode até ser que tenham piorado, em municípios como Campos dos Goytacazes, que é palco de um es-candaloso esquema de fraudes envolvendo, além dos recursos orçamentários próprios, recursos fe-derais destinados à pasta da Saúde.

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Mostrando que a segregação socioespacial não é característica exclusiva do Brasil, o artigo de Prieto busca entender a fragmentação e a segregação socioespacial no aglomerado urbano de Bahia Blanca (Argentina), a partir do conceito de vulnerabilidade social. Utiliza dados do Censo de 2001 manipulados no nível de setores censitários com o apoio de um sistema de informações geo-gráficos. Os resultados mostram que é possível analisar os aspectos da vulnerabilidade social a partir de variáveis censitárias. Entre os principais resultados substantivos consta a observação de uma ten-dência à inferioridade das condições de vida da população nas áreas mais centrais, em comparação com as mais periféricas da cidade.

Do ponto de vista metodológico, o uso de sistemas de informação geográfica permite avan-çar para uma análise que privilegie o espaço como dimensão importante para se pensar a vulnerabi-lidade, pois a segregação e fatores morfológicos da cidade potencializam, ou não, a capacidade de acúmulo dos diversos capitais (social, físico e humano).

Amazônia: trajetória e perspectivas

A maior região brasileira, em termos de espaço e a de mais recente ocupação, a Amazô-nia continua gerando debates a respeito do que foi, poderia ter sido ou será sua vocação e o seu futuro. A demografia tem revelado que, apesar das propostas de desenvolvimento rural, agrícola e extrativo, o processo de ocupação da região, acabou se fazendo de maneira eminentemente urbana. Diversos trabalhos na ABEP tentaram elucidar as perspectivas e as necessidades desta vasta região.

Simões apresentou os resultados de uma pesquisa que visa fazer uma territorialização dos investimentos que deverão ocorrer no Brasil nos próximos anos e analisar seu impacto nas regiões e na rede urbana do país, com destaque para a Amazônia. Os estados da Amazônia apresentam crescimento do PIB abaixo da média. Contudo, como receberão uma grande parte da carteira de investimentos nos próximos anos, haverá impactos significativos em algumas economias, como a do Tocantins e de Rondônia.

Dentro da proposta de regionalização, a rede de cidades na Amazônia tem um papel dife-rente daquele das cidades no restante do Brasil. Entende-se que os centros urbanos ali deveriam ser adaptados para servirem como centros de controle geopolítico e de produção de conhecimento novo, na linha de uma revolução tecnológica que permitisse engendrar um novo padrão produtivo, diferente dos padrões convencionais que vêm sendo desenvolvidos em outras regiões do país.

Neste sentido, seria importante fortalecer Manaus, não mais como polo industrial fordista, mas redirecionar seu crescimento para a integração regional. As cidades devem ser geradoras de

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conhecimento endógeno e forte incorporação de valor ambiental. A combinação da necessidade de controle político do território e da geração de conhecimento novo recomendaria o fortalecimento de uma rede de subpolos no entorno da floresta, articulando e controlando sua ocupação, em íntima interação com a rede urbana já existente.

Um conjunto de subpolos, composto por Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Boa Vista e Macapá, formaria um contorno da floresta Amazônica. Santarém e Sinop, por sua força e posição estratégi-ca, juntamente com Manaus, deveriam ser pensadas como centros de controle geopolítico e cen-tros geradores de conhecimento específico sobre a problemática da Amazônia, tendo condições de organizar os fluxos de investimentos e desincentivar a ocupação desordenada do território. Em suma, o fortalecimento do sistema urbano, na Amazônia, desincentivaria a ocupação desordenada do território.

Barbieri procura elementos para uma reflexão sobre a emergência (ou consolidação?) da “Pan-Amazônia Urbana”. Começa seu trabalho observando a diversidade de conceitos de “Amazônia” nas discussões atuais. Apesar das diferenças nas “várias Amazônias” (o papel do contexto), existem padrões recorrentes que sugerem alguns eixos de investigação e geração de conhecimento sobre a Pan-Amazônia.

Um tema subjacente a estas discussões diferenciadas é a questão do significado de “urba-no” e de “rural” no contexto amazônico. Tem sido usada a expressão “a urbanização estendida” para explicar o processo de extensão de relações socioespaciais que, antes, eram peculiares às cidades e centros urbanos, para o espaço regional. Outro trabalho no prelo discute o processo de “protourba-nização” caracterizado pela incipiente, porém cada vez mais relevante, presença de características urbanas em espaços rurais. A dinâmica demográfica, particularmente sobre a mobilidade populacio-nal, constitui um elemento central na unificação do espaço rural com o espaço urbano. Observa-se a quebra de ciclos tradicionais de mobilidade rural-rural. Cada vez mais, estratégias de sobrevivência na região incluem uma diversidade de arranjos produtivos, de trabalho e de residência, tanto em áreas rurais quanto urbanas. Famílias e indivíduos adotam estratégias conforme as condições socio-espaciais locais e segundo características individuais (por exemplo, dotações de capital humano), ou do grupo familiar a que pertencem (redes sociais, relações de gênero). O momentum populacional e os ciclos de vida domiciliar afetam a mobilidade espacial.

Por outro lado, a Pan-Amazônia vem se tornando uma unidade de análise “natural” para es-tudos sobre mudanças climáticas que relacionam dinâmicas locais e regionais/globais. Qual será a Amazônia resultante de cenários de mudanças climáticas? Em termos demográficos, é dificil projetar cenários de crescimento. A redistribuição populacional e de atividades econômicas que ocorreria em

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função dos impactos climáticos será potencializada pela maturação de investimentos de curto e médio prazos (especialmente a integração física). O lado bom é que este cenário apresenta oportunidades para a criação de bases para o desenvolvimento sustentável e a inclusão social.

Sawyer observa que, no passado, a Amazônia representava uma “válvula de escape” para o excedente populacional de algumas regiões brasileiras; atualmente, representa uma “válvula de es-cape” para captar recursos financeiros. Recentemente, observa-se um crescimento da produção de

commodities agrícolas.Como é amplamente reconhecido, a fronteira urbaniza-se. Os fluxos

migrató-rios em direção a ela são compostos, basicamente, por jovens. Como resultado da concentração de atenção nas questões urbanas, o papel da população rural vem sendo relegado, sistematicamente, a um segundo plano. Embora ela represente, em números absolutos, uma pequena parcela da popu-lação brasileira, em termos relativos ela é bastante significativa. Por exemplo, o estoque de carbono e o ciclo ecológico estão diretamente ligados a este grupo populacional. Por outro lado, essa popu-lação enfrenta dificuldades para realizar aquelas atividades que são críticas para a sustentabilidade amazônica. Na prática do extrativismo, a baixa produtividade em terras já cultivadas e a percepção de um fluxo de renda incipiente dificultam a formalização do trabalho.

Uma das grandes questões da atualidade é a necessidade de se verificarem os impactos indi-retos do uso da terra. Assim, o Cerrado, como bioma fundamental para o país (devido, por exemplo, à rica diversidade de espécies e por ser o local das nascentes da maioria dos principais rios brasilei-ros), vem sendo depredado a passos rápidos pela agricultura mecanizada de grande escala. Seria preciso voltar a incentivar a agricultura familiar, pois sua produção gera muito menos emissões que no agronegócio. O Cerrado não pode ser entregue à grande produção como um sacrifício que viria, eventualmente, a poupar a Amazônia.

Monteiro apresentou o trabalho que está sendo realizado pelo INPE, visando entender os muitos processos que ocorrem na Amazônia. Utilizando os instrumentos disponíveis, este tenta en-tender as dinâmicas estabelecidas e avaliar as políticas direcionadas para a região. O expositor apre-sentou um estudo de caso (micro) partindo de uma visão global da região (macro). O estudo analisa duas políticas públicas implementadas recentemente na Amazônia. A primeira é a criação dos distri-tos florestais sustentáveis, em que se tenta ordenar o território através da atividade econômica. No caso do Distrito Florestal Sustentável da BR-163, a atividade econômica é a extração de madeira. A outra política, chamada de “aqui não pode nada”, é a criação de um mosaico de unidades de conser-vação e terras indígenas onde não pode existir atividade econômica.

A metodologia desse trabalho parte da análise dos padrões de cobertura florestal para iden-tificar, no trabalho de campo, os padrões de uso e ocupação do solo e, por fim, compreender os

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processos e a dinâmica em curso na Amazônia e poder, assim, avaliar as políticas implementadas na região. Destacam-se diferentes processos e histórias de ocupação. A partir dos dados de desma-tamento, busca-se entender quais processos estão associados às mudanças de padrões de cober-tura da floresta e identificar as realidades locais e as “Amazônias que existem dentro da Amazônia”. Uma primeira observação baseada nesses estudos é que as políticas de gestão territorial analisadas têm gerado um conflito com os usos estabelecidos, devido ao fato de não terem uma perspectiva mais ampla e não considerarem as especificidades locais. “A Amazônia é muitas”. Por fim, o expositor destacou, como questão técnica, que observar apenas o desmatamento (corte de árvores) não mostra a destruição efetiva da floresta, devido ao fato de haver outras formas de degradação, como as queimadas.

Cunha et al. focalizam os processos de desterritorialização e favelização da Amazônia. Os autores fazem um breve histórico da presença do Estado na região. Consideram que as iniciativas do governo militar foram um verdadeiro divisor de águas nessa história. A Amazônia foi alvo de vários planos que buscavam o binômio desenvolvimento e segurança nacional. Estes não contribuíram para a melhoria das condições de vida na região e abriram o caminho para a entrada do grande capital, que estabeleceu novas e devastadoras formas de exploração dos recursos naturais e pro-vocaram dois processos negativos: a desterritorialização e a favelização. Os grandes grupos investi-dores presentes na região constroem seus megaempreendimentos dentro do território amazônico e estabelecem uma relação parasitária e destrutiva das riquezas regionais. Algumas atividades que contribuem decisivamente para os processos de desterritorialização e favelização na Amazônia são: a mineração e as monoculturas em solo amazônico; o desmatamento e a exploração madeireira; e os grandes complexos hidrelétricos.

Os investimentos substanciais em infraestrutura contribuíram para a redução do isolamento da região e para o surgimento de novas alternativas de investimentos, mas aceleraram a exploração predatória dos recursos naturais e o agravamento das disparidades sociais. Existe uma relação direta entre a presença de grandes atividades econômicas e os processos de desterritorialização. Num pri-meiro momento, ocorre a disputa pela terra, que é facilmente vencida pelo capital que expulsa mi-lhares de famílias da floresta amazônica. Estas famílias são obrigadas a migrar para as cidades ama-zônicas, na esperança de sobrevivência. Como estas pessoas não atendem às exigências do mercado de trabalho, as cidades amazônicas apresentam graves problemas sociais, além de uma inadequada infraestrutura urbana. Esses processos de desterritorialização e favelização estão intimamente liga-dos à presença e atuação do capital.

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O trabalho de Araújo busca entender o processo de desenvolvimento econômico e social do município de Manaus face às políticas de integração e desenvolvimento propostas para a região. Apresenta uma análise descritiva dos dados censitários e socioeconômicos do município de Manaus e uma contextualização histórica dos processos sociodemográficos.

Produto da política de integração nacional no início dos governos militares, a Zona Franca de Manaus foi criada com o objetivo de ocupar a Amazônia Ocidental, uma região relativamente despo-voada. Além da ocupação, visava atenuar os desequilíbrios regionais e intrarregionais da região ama-zônica, bem como compensar as desvantagens de sua localização em relação aos mercados. Essa política trouxe consigo uma série de transformações na dinâmica do crescimento da capital ama-zonense, principalmente no que tange ao tecido urbano do município. O crescimento populacional acelerado de Manaus deve-se em larga escala aos deslocamentos humanos dirigidos ao município, tendo como fator de atração principal a política de incentivos da Zona Franca.

Manaus é, hoje, uma das maiores cidades brasileiras em população, além de ser uma das cidades mais ricas do país, com elevada taxa de crescimento do PIB per capita e com aumento da participação no PIB nacional. Além disso, apresenta diversos índices sociais favoráveis. No entanto, metade de sua população vive na pobreza. A implantação da Zona Franca impulsionou o desenvol-vimento econômico, mas não o desenvoldesenvol-vimento social.

O artigo de Costa e Silva e Nunes aborda uma temática referente às consequências da im-plantação de grandes obras na região amazônica. Mais especificamente, procura avaliar a mobili-dade populacional e a relação entre a implantação de infraestrutura e a exploração dos recursos naturais, na área de influência das hidrelétricas. O conjunto de políticas públicas territoriais exercidas na Amazônia é caracterizado pela implantação de grandes obras de infraestrutura, como parte dos planos estratégicos nacionais. Na região do Alto Rio Madeira, este processo é marcado pela apropria-ção dos recursos naturais e pelas transformações na organizaapropria-ção social e na própria configuraapropria-ção territorial, gerando fluxo e refluxo populacional, levando a um quadro de instabilidade social, am-biental e econômica.

Esta situação tem implicações políticas claras. A emergência de uma nova estruturação da geografia local pela construção das hidrelétricas no rio Madeira demanda um plano de gestão ter-ritorial que contemple as seguintes variáveis: população, atividades econômicas e normas de uso (legislações) do território – de modo indissociável, constituindo assim um importante instrumento mediador do uso dos recursos, desde que monitorado.

Félix descreve a situação de desenraizamento social, superexploração do trabalho e mobi-lidade espacial no sudeste do Pará. Com o objetivo de se constituírem na condição de pequenos

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produtores, ainda que precários, os migrantes lançam mão de distintas estratégias de formação de poupança e terminam, frequentemente, submetendo-se a relações precarizadas ou degradantes de trabalho. Os deslocamentos geram, muitas vezes, a divisão do núcleo familiar. O percurso de dife-rentes gerações de migrantes mostra quão nefastas têm sido as consequências do trajeto destes trabalhadores, sujeitos a toda sorte de exploração, assim como ao desenraizamento social.

As fronteiras agrícolas do passado, na atualidade

O trabalho de Rippel e Rippel sobre o arrefecimento da migração no oeste do Paraná traça um panorama histórico da migração nesta região, no contexto da reconcentração fundiária e de mudan-ças no perfil educacional, ao longo do período 1950-2000. Observam que o novo perfil da migração no oeste do Paraná é resultante de seu arrefecimento e do fato de que a mesma tornou-se menos nu-merosa e mais escolarizada. Isto porque o crescimento econômico da região e seu desenvolvimento passaram a exigir um maior grau de qualificação dos indivíduos que se dirigiram para a área.

O ajuste da agricultura do oeste do Paraná, do complexo agrícola para o complexo agroin-dustrial, deu-se no bojo da chamada “modernização dolorosa”, fato que implicou uma profunda transformação tecnológica no setor e que resultou em elevados volumes de emigração do campo e na redução da capacidade de inserção de novos indivíduos na área rural da região. O panorama das características dos migrantes na região e de suas relações com a dinâmica migratória nacional é congruente com o quadro de concentração fundiária e tecnificação da produção rural da região. Conforme a região foi crescendo, ela foi transformando sua distribuição populacional, modificando seus critérios de inserção e passando a exigir mais qualificação dos imigrantes que para lá se dire-cionaram.

O trabalho de Scheneider faz um ampla revisão do processo de ocupação da fronteira agrí-cola em diversos períodos e regiões, com interesse especial na migração originária do oeste parana-ense. Observa que a interiorização da população no Brasil deu-se graças à incorporação da expansão de fronteiras de alta mobilidade. Hoje, entretanto, ao invés de reproduzir, como nas antigas áreas de incorporação agrícola, estruturas produtivas preexistentes, a expansão recente da fronteira agrope-cuária na área da Amazônia Legal constitui, antes de mais nada, uma fronteira tecnológica na qual a inovação científica é o elemento central de explicação do novo perfil produtivo do agrorregional.

Assim, a fronteira agrícola, hoje, já nasce heterogênea, constituída pela superposição de frentes de várias atividades, e tem intenso ritmo de urbanização e de industrialização, em relação às quais o governo federal tem papel fundamental no planejamento e no volume de investimentos em infraestrutura. Fronteira hoje, portanto, não é sinônimo de terras devolutas, cuja apropriação

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econô-mica é franqueada a pioneiros ou a camponeses. É um espaço também social e político que pode ser definido como um espaço não plenamente estruturado, mas potencialmente gerador de realidades novas. No contexto de abertura da fronteira agrícola, emergem oportunidades de inserção econômi-ca para os migrantes, inicialmente em atividades rurais e, depois, em atividades urbanas que surgem a reboque do processo de desenvolvimento regional.

População e meio ambiente

Poucos temas têm gerado tanto interesse nas últimas décadas quanto o impacto da huma-nidade sobre o meio ambiente e, particularmente hoje, como o meio ambiente está reagindo à ação da humanidade. Nestas discussões, o impacto da dinâmica demográfica sempre ocupa um espaço privilegiado, muitas vezes de forma distorcida. A ABEP tem contribuído de maneira significativa para a elucidação dessas questões, ao longo das duas últimas décadas, e, neste momento, continua par-ticipando ativamente da discussão, em nível tanto nacional como internacional. Examinando a rela-ção entre a dinâmica demográfica e as mudanças ambientais globais, Do Carmo pergunta se está se configurando um quadro de novas vulnerabilidades. Atualmente, as discussões sobre as mudanças ambientais e população envolvem escalas espaciais e temporais globais. Entretanto, é fundamental considerar a questão da escala local, tanto do lado das mudanças climáticas quanto do lado das mu-danças demográficas. A diversidade de interpretações na identificação de problemas pode refletir a utilização de unidades espaciais de análise diversas.

O conceito de vulnerabilidade é importante para compreender que os diversos grupos so-ciais são afetados de maneira diferenciada pelos riscos de mudanças ambientais. Na prática, a ca-pacidade de mobilizar ativos reflete-se numa maior ou menor vulnerabilidade a esses perigos. Para trabalhar o conceito de vulnerabilidade, é importante entender que a relação entre dinâmica po-pulacional e meio ambiente é mediada por fatores como ciência, tecnologia, instituições, contexto político e fatores culturais.

O autor conclui que o volume populacional é uma questão importante, mas não central. É preciso também olhar para a composição populacional. Neste sentido, está claro que idosos e crianças vão sofrer os maiores impactos das mudanças ambientais globais. O ponto-chave é que as mudanças ambientais globais vão aumentar problemas e riscos já existentes.

O trabalho de Ojima procura resgatar o debate teórico sobre a urbanização no contexto das mudanças ambientais globais. Neste sentido, busca elementos que contribuam para a compreensão de questões como a redistribuição espacial da população urbana em meio a cenários de alterações climáticas globais.

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Na primeira transição urbana brasileira, os principais fluxos migratórios eram rural-urbano e de longa distância, especialmente o fluxo Nordeste-Sudeste. Hoje, o fluxo urbano-urbano e a pen-dularidade são cada vez mais importantes entre as estratégias individuais para reduzir riscos sociais, econômicos ou ambientais.

Na literatura mundial, a urbanização é frequentemente apontada como um dos grandes res-ponsáveis pelas mudanças climáticas, devido à maior pegada ecológica das cidades e seu maior consumo de recursos. Por outro lado, estima-se que as áreas urbanas serão mais impactadas pelos câmbios climáticos globais, devido a sua maior densidade populacional. Neste sentido, a batalha pela sustentabilidade vai ser dada nas áreas urbanas. Daí a necessidade de acompanhar as mudan-ças no padrão de urbanização. Hoje, com a periurbanização, o crescimento urbano torna-se mais disperso e fragmentado.

Segundo o autor, a grande pergunta é: como diminuir a pegada ecológica das áreas urba-nas? Só é possível mudando-se a forma de pensar, buscando formas mais sustentáveis para o cres-cimento das áreas urbanas do futuro. Se o desenvolvimento urbano futuro seguisse padrões mais compactos, seria possível economizar a emissão de milhões de toneladas métricas de CO2 por ano. Precisamos de um planejamento urbano regional para evitar a competição predatória dos municí-pios e, desta forma, incentivar políticas públicas que contribuam para reduzir impactos ambientais de escala global.

Caldas de Castro procura fazer um link entre as mudanças ambientais e os direitos huma-nos, tema central do encontro da ABEP; especificamente, quer discutir o deslocamento de pessoas e doenças no ambiente globalizado. Em geral, as mudanças ambientais impactam as populações mais vulneráveis de forma mais intensa. Entretanto, a população que menos contribui para as mudanças é a mais vulnerável aos seus efeitos. Isto se observa, correntemente, na área de saúde, por exem-plo. Assim, a malária não irá afetar a população urbana rica, ela se intensificará onde já existe. No que se refere às mudanças ambientais, precisamos olhar para o conceito de exposição involuntária. Observa-se que os países mais desenvolvidos são os que mais poluem, e quem sofre são os menos desenvolvidos.

No que se refere especificamente ao deslocamento de pessoas e doenças, existem três gran-des questões: justiça ambiental; escalas das decisões; e gran-desenvolvimento econômico. No que se re-fere à justiça ambiental, o mundo está procurando políticas que possam minimizar as mudanças am-bientais. Chega-se, assim, à noção de margem tolerável de emissão de gases. Isto, inevitavelmente, gera perguntas do tipo: O que é tolerável? Que tipo de mudanças é aceitável e para quem? Qual é a responsabilidade individual versus a coletiva?

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No que se refere às escalas das decisões, das consequências, da avaliação e das medidas que são propostas, existem diferentes níveis de desigualdade e diferentes níveis de exposição involuntária: Qual é a escala para se medirem as mudanças? Com quem se deve traba-lhar? Países (ricos/pobres), áreas, municípios, pessoas? Podem-se impor medidas? Finalmente, o paradoxo do crescimento e desenvolvimento econômico: como conciliá-los com a sustentabi-lidade ambiental?

Nacaratti descreve uma visão preliminar de possíveis impactos decorrentes das mudanças climáticas sobre a população da cidade do Rio de Janeiro e sua Região Metropolitana. O ensaio analisa os principais pontos extraídos de um conjunto de trabalhos cujo objetivo foi ampliar o co-nhecimento acerca do estado do meio natural e sua forma de apropriação pela sociedade, no Rio de Janeiro, ou seja, ampliar a noção da vulnerabilidade do lugar. Estes “pareceres temáticos” foram elaborados por especialistas e por profissionais do corpo técnico municipal e fazem parte da linha inicial de ação adotada pela Prefeitura do Rio de Janeiro para o detalhamento e análise dos principais pontos vulneráveis da cidade.

As previsões de perturbações futuras na região, consequentes da elevação dos níveis das marés e eventos meteorológicos de potencial destrutivo, ressaltam o fato de que muitos trechos e populações no território da RMRJ são suscetíveis a calamidades. Podem-se esperar também altera-ções no microclima local e a elevação das ilhas de calor existentes. Algumas alteraaltera-ções significativas já vêm sendo registradas, tais como a intensificação de ventos associados a tempestades, aumento da instabilidade atmosférica no verão, com correspondente aumento dos episódios de chuvas fortes e inundações. Em decorrência da própria evolução geomorfológica, os principais riscos seriam con-sequentes de erosão e inundação. Este exercício de construção de um cenário calamitoso em que foram selecionadas as situações de maior adversidade deverá servir como alerta para a necessidade de reformulação dos critérios para a gestão urbana.

Aspectos culturais afetam diretamente a relação do homem com seu ambiente, como mos-tram diversos trabalhos realizados com populações locais. Galizoni et al. analisam a relação entre as comunidades rurais e a água na região do Alto-Médio São Francisco, com base em uma pesquisa de campo realizada em seis comunidades rurais ao longo do rio Cochos. As famílias foram questiona-das a respeito de sua percepção em relação à escassez de água e suas avaliações dos programas de incentivo público.

As percepções em relação à escassez são variadas e, algumas vezes, competitivas, sobretudo quando se diferencia a “água bebida” da “água comida”. Existem ainda conflitos entre os diversos

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ato-res sociais da região. A segurança alimentar desta depende em grande medida da ato-resolução destes conflitos relacionados aos usos da água.

Bahia de Azevedo descreve a participação política de um grupo de jovens de um bairro popular de Salvador que se tornou símbolo da resistência às desocupações policiais. O trabalho faz um resgate histórico do processo de consolidação deste bairro e desse grupo de jovens, para ilustrar como ele se configura em um espaço privilegiado no contexto regional para o debate so-cial e político. O autor enfatiza o fato de que, embora haja uma importante inclusão soso-cial a partir destes movimentos, a indústria do turismo ainda tende a massificar e restringir a diversificação de expressões espontâneas. É preciso repensar as políticas públicas para os jovens e a arte, a fim de que possam desconcentrar os investimentos e, se criem assim, condições para que novos atores surjam no contexto artístico.

Garcia, Costa e Maia-Rodrigues investigam a vulnerabilidade social das culturas minori-tárias no Brasil contemporâneo, enfocando o caso dos índios tuxás. Com base em dados demo-gráficos de 1991 e 2000 e em pesquisas de campo, os autores procuram identificar elementos que permitam perceber a inserção da lógica capitalista no discurso e na prática cotidiana destes grupos indígenas. A simples análise dos dados do censo já permite mostrar, segundo os autores, que a cultura da lógica capitalista está arraigada na sociedade tuxá: as características sociodemográficas deste grupo pouco diferem das dos demais residentes na região. A partir das evidências encontradas neste caso, os autores discutem conceitos como desterritorialização e modernização para explicar os processos que colocam as comunidades minoritárias em situação de vulnerabilidade, motivo pelo qual tendem a perder suas raízes e a deixar de lado heranças culturais de extrema importância.

Vale e De Souza analisam as redes sociais formadas por nordestinos no município de Boa Vista (RR). Tratam de identificar a territorialidade do migrante que reproduz espaços e cria novas paisagens. Com base na abordagem das redes sociais formadas pelos fluxos migratórios, realizaram entrevistas para identificar as especificidades dos migrantes nordestinos na reprodução dos espaços sociais no tecido urbano. Os resultados mostram que as redes sociais são importantes nódulos da produção e reprodução social. Isto fica evidente quando se observa, nos depoimentos, que a identi-dade roraimense está influenciada fortemente pela cultura nordestina, mas que se mescla e se torna uma cultura híbrida. A territorialização constante a que as pessoas estão submetidas no cotidiano coloca-as frente a um desafio permanente de significar e ressignificar os processos que nos trazem sentido. A modernidade torna a vida tão veloz que ela escapa a nossa capacidade de reflexão; as redes sociais podem ser entendidas como o contraponto a esse anestesiamento que a sociedade moderna impõe.

Referências

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