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A autodireção como experiência criativa do ator

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Academic year: 2021

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DO NORTE

CÊNICAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES

GEORGE ROCHA HOLANDA

A AUTODIREÇÃO

COMO EXPERIÊNCIA CRIATIVA

DO ATOR

NATAL/RN

2019

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GEORGE ROCHA HOLANDA

A AUTODIREÇÃO COMO EXPERIÊNCIA CRIATIVA DO ATOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas.

Área de Concentração: Artes Cênicas

Linha de Pesquisa: Pedagogias da Cena – Corpo e Processos de Criação

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Caldas Lewinsohn

NATAL/RN

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
 Sistema de Bibliotecas - SISBI


Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART Holanda, George Rocha. 


A autodireção como experiência criativa do ator / George Rocha Holanda. - 2019. 


143 f.: il. 


Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Le-tras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cê-nicas, Natal, 2019. 


Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Caldas Lewinsohn. 


1. Autodireção. 2. Processo criativo. 3. Diretor. I. Lewinsohn, Ana Caldas. II. Título. 


RN/UF/BS-DEART CDU 792
 


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GEORGE ROCHA HOLANDA

A AUTODIREÇÃO COMO EXPERIÊNCIA CRIATIVA DO ATOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas

Aprovado em 1º de março de 2019. Banca Examinadora

___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Caldas Lewinsohn

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Orientadora

___________________________________________ Prof. Dr. Adriano Moraes de Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Membro Interno/PPGArC

___________________________________________ Prof.ª Dr.ª Verônica Fabrini Machado de Almeida

Universidade de Campinas – UNICAMP Membro Externo ao Programa

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Agradecimentos

A autodireção num solo é um tema solitário. Busquei este momento de estar só para criar. Mas até para ficar só, é preciso o outro. Alguns sempre levamos conosco, outros nos aparecem de vez em quando. Fa-zer este mestrado foi um passo decorrente de anos. Um ajuste de con-tas com o passado. Uma ampliação de meus limites. A escrita mais de-safiadora até aqui.

Encontrar uma orientadora como Ana Caldas Lewinsohn fez muita di-ferença. As palavras de estímulo e a generosidade, os tantos livros em-prestados, a ajuda para experimentar e aceitar o risco. Ter uma Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGArC, do DEART/UFRN, na minha cidade, tornou tudo isso possível. Conheço o desafio que é para essa manter-se. Torço pelo seu crescimento. Esse tempo por lá me fez co-nhecer pessoas, professores, funcionários, amigos e colegas, que estu-daram comigo, compartilharam tantos momentos, angústias e alegrias.

Distanciar-me da minha família para fazer este trabalho foi um desafio. Não tenho palavras para agradecer aos meus pais, Pedro e Ana, por tudo que me deram, pelo amor e por estarem sempre comigo. Meus avós, Pedro, Edward, Lilia e Lourdes, pela história de afeto, pelo pas-sado, pelas raízes. Minhas irmãs, Silvinha e Lilia, pela segurança, calor e companhia nessa relação única. Meus cunhados, Sérgio e Thiago, essa nova família que tive sorte de ter. Sobrinhos, Bento, Bernardo,

Caetano e Enrico, essas alegrias em minha vida.

Foi estudando sobre estar só que encontrei alguém que não me faz querer estar só. Sem Melissa Lopes ao meu lado toda essa experiência não teria o mesmo sentido. As conversas, a inspiração, a ajuda, a paci-ência, o amor, o futuro.

Tantas pessoas ainda me ajudaram. Henrique, Andréa, Aurel e Cris, que me lembram constantemente como é bom ter amigos. As conver-sas sobre tudo e tudo caber neste sentimento que nos reúne. André

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Carrico, pelo contato sincero e fraterno, pelos livros e ensinamentos.

Leila Bezerra, pelo troca constante e transcrição das entrevistas. O Duas Estúdio, onde dei os primeiros passos na experimentação do que

é este trabalho. Elisa Elsie, Lara Ovídeo e Mariana do Vale, pela ami-zade, provocações e dissertações. Ana Zanandréia, pelo material bibli-ográfico e por me apresentar a única obra de que tive notícia a tratar da autodireção. Jefferson, pelas conversas, textos, referências, por tirar minhas dúvidas sobre filme-ensaio e cinema. Suellen, pelo material bibliográfico valioso. Daniel Minchoni, por intermediar meu contato com Michel Melamed, quem eu dificilmente conseguiria entrevistar sem sua ajuda. Cássia Damasceno, pelas tentativas de falar com Grace Passô. Antônio, pelos textos de filosofia. Todas as pessoas que me in-centivaram, me deram ideias, me indicaram textos…

Agradeço imensamente a Nena Inoue, Georgette Fadel, Michel

Mela-med e Matteo Bonfitto, por terem se aberto comigo de maneira tão

generosa e carinhosa. Sem seus relatos, a autodireção seria um tema ainda mais solitário. Vocês se mostraram grandes como imaginei que fossem.

O estímulo para ousar mais neste trabalho, a atenção e o cuidado nas sugestões e correções, eu devo à Prof.ª Verônica Fabrini e ao Prof.

Adriano Moraes de Oliveira, que participaram da minha banca de

qua-lificação e defesa.

Sou grato a todos os mestres que tive no teatro. Adelvane Néia, por ter sido um destes e por me apresentar o palhaço. Os companheiros de

grupos, os diretores, as diretoras, os atores e atrizes com quem

convi-vi e por terem deixado algo comigo.

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Resumo

Esta pesquisa tem como objeto a autodireção num trabalho solo. O estudo parte de processos criativos para investigar modos de se dirigir, o papel do ator e do diretor, bem como a dinâmica de quem cria ocupando ao mesmo tempo a direção e a atuação. O trabalho também analisa a posição do performer quanto à sua autonomia criativa, a relação do teatro de grupo e a criação do palhaço. Foram realizadas entrevistas com quatro atores-diretores que passaram pela recente experiência da autodireção: Georgette Fadel (SP), Nena Inoue (PR), Matteo Bonfitto (SP) e Michel Melamed (RJ). As entrevistas foram utilizadas para a análise dos modos de autodireção e delas foram extraídos pontos de discussão sobre o tema. Serviram de base teórica para o trabalho as obras de autores como Anne Bogart (2011), Peter Brook (2002), Antônio Araújo (2011) e David Mamet (2014), Matteo Bonfitto (2002, 2013), Cassiano Sidow Quilici (2015), Sophie Proust (2006), Fayga Ostrower (2014), entre outros. Destaque-se ainda a utilização do método cartográfico – em face da intervenção do pesquisador no processo e de aquele investigar a autodireção durante uma experiência de criação –, bem como a escrita por meio de ensaios.

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Abstract

This research refers to performing actors directing themselves in solo performance. It has arisen from creative processes intended to investigate different manners of directing, the role of both the actor and director, as well as the dynamics of creators that work as actor-directors. This present study also analyzes the perspective of a performer with regard to their autonomy to create, the existing relationship of theater groups with the creation of a clown. Four actor-directors who have recently directed themselves have been interviewed for this study, namely Georgette Fadel (SP), Nena Inoue (PR), Matteo Bonfitto (SP), and Michel Melamed (RJ). The purpose of the interviews was to survey the different approaches of these actors who have directed themselves. Interview data brought about discussing topics on the subject of this study. This present research has been grounded on the works of Anne Bogart (2011), Peter Brook (2002), Antônio Araújo (2011) and David Mamet (2014), Matteo Bonfitto (2002, 2013), Cassiano Sidow Quilici (2015), Sophie Proust (2006), and Fayga Ostrower (2014), among other. It is important to mention that this work is a cartographic type of research, firstly because the researcher intervenes in the process and investigates the act of directing himself throughout the experience of creation, and secondly, it includes essays on the development of its writing.

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Lista de Imagens

Duas imagens do meu diário de montagem 23 Duas imagens do meu diário de montagem 26 Obras de Tehching Hsieh, Chema Madoz e Richard Serra 27 Quatro imagens do meu diário de montagem 66

Tilted Arc, de Richard Serra 95

Nena Inoue 105 Michel Melamed 116 Georgette Fadel 127 Matteo Bonfitto 136

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Sumário

Apresentação 13 Do coletivo ao início 16 A forma ensaiada 29 O ator além da cena 37 Em busca de direções 46 Se embrenhando na autodireção 58 A autodireção em experimentações 77 Nota-imagem 95 Referências 99 Anexo – Entrevistas Nena Inoue 105 Michel Melamed 116 Georgette Fadel 127 Matteo Bonfitto 136

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Apresentação

Este trabalho foi escrito na forma de ensaios. Diferentes aspectos da autodireção ser-vem de tema para cada um deles. A leitura pode ser feita de modo independente, sem exi-gência de uma ordem preestabelecida. Tal opção, contudo, não afasta uma ideia de com-plementariedade entre eles. Apesar da autosuficiência dos ensaios, é necessário o contato com todos eles para a compreensão integral da pesquisa.

Ainda que sejam complementares, o leitor poderá identificar, nos textos, a repetição de algumas informações. Isso se dá pela necessidade de reapresentá-las, ainda que brevemente, a fim de não remeter quem o leitor a um outro ensaio, o que contrariaria a proposta de auto-nomia dos mesmos. Por outro lado, possíveis ausências ou abordagens rápidas de alguns pontos podem ser sentidas em alguns textos, o que se deve à escolha de (melhor) tratá-las em outros . 1

A independência de cada ensaio impossibilitou a existência de um texto introdutório e conclusivo num formato mais convencional, sob o risco de mais uma vez se atentar contra o estilo adotado e aproximar aqueles da ideia de capítulos. Esta Apresentação faz as vezes de uma incompleta introdução, já que outros dados sobre a pesquisa se encontram diluídos nos demais textos. Já o ensaio Nota-imagem pode ser entendido como mais próximo de uma conclusão, já que de algum modo sintetiza ideias sobre a autodireção, por meio dos comen-tários à obra Tilted Arc, do escultor norte-americano Richard Serra. Cada ensaio também possui seus interesses e estilos próprios, por exemplo, alguns possuem um tom mais pessoal, outros, mais objetivo, outros ainda, mais reflexivo…

A dificuldade de encontrar trabalhos sobre a autodireção fez com que eu buscasse dia-logar com muitos autores que entendi se aproximarem do tema. Alguns deles foram mais re-correntes que outros, mas nenhum percorreu todo o trabalho. O mais frequente foi a

Numa exceção à ideia da independência dos ensaios, utilizo as notas de rodapé numa contagem

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ção das entrevistas realizadas com artistas que experimentaram a autodireção – Nena 2 Inoue, Georgette Fadel, Michel Melamed e Matteo Bonfitto –, além do meu ponto de vista pessoal sobre o tema, a partir do meu histórico e prática para esta pesquisa.

O ensaio que se chama Do coletivo ao início reflete sobre os motivos que me levaram à autodireção, as opções por trabalhar sozinho e como se deu esta prática. Discuto aqui os formatos de autodireção, em especial a do solo.

Em A forma ensaiada, discorro sobre a escrita deste trabalho em ensaios. Também rela-ciono essa com o tema da pesquisa e ainda com o método cartográfico e a performance. Uti-lizo como base teórica as obras de Paul Corrigan (2015) e Jorge Larrosa (2003, 2004), além de Escóssia, Kastrup e Passos (2009).

Considero o ator e o diretor como os agentes ou posições componentes da autodire-ção. Dedico, portanto, um ensaio a cada um deles. No caso do ator, não busco falar da fun-ção em toda a sua amplitude, me interessa aqui o ator que se conecta com toda a criafun-ção, em diálogo com outros campos do fazer teatral, numa visão que não o liga somente ao seu papel na cena, mas o enxerga como uma das raízes da autodireção. Daí o título O ator além

da cena. Alguns dos autores utilizados aqui foram Antônio Araújo (2011), Adélia Nicolette

(2002), Miriam Rinaldi (2002), Matteo Bonfitto (2002) e Cassiano Sydow Quilici (2015).

Em busca de direções trata da atividade do diretor e intenta compreender suas

respon-sabilidades e modos de criação. O relato de diretores sobre sua função se mostrou essencial para a construção desse ensaio, daí ser esse o referencial teórico principal: Peter Brook (2002), Anne Bogart (2011), Arianne Mnouchkine (Féral, 2010), Eugenio Barba (2010), Rob-son Haderchpek (2016) e David Mamet (2014). Também dialogo com minha própria experi-ência e com as entrevistas realizadas.

Discuto sobre o tema principal desta pesquisa em Se embrenhando na autodireção. Nele, penso sobre o modo como a autodireção pode se dar, seus recursos, significados e ideias que se assemelham a essa forma de trabalhar. Tento levantar alguns autores que tratam do tema e outros que não falam diretamente mas que vejo proximidade. Utilizo os escritos

As entrevistas foram submetidas e aprovadas pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio

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Grande do Norte, conforme comprova o número 83235517.5.0000.5537, do Certificado de Apresen-tação para Apreciação Ética (CAAE); o número 3.078.606, do parecer que aprovou a pesquisa; e o número 3.300.767, do parecer que aprovou o relatório final, os quais identificam os protocolos e confirmam a veracidade dos mesmos na aba “Público”, na Plataforma Brasil ( http://plataformabrasil.-saude.gov.br/login.jsf).

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de Sophie Proust (2006), Grace Passô (2015), Jean-Jacques Roubine (1998, 2002), David Mamet (2014), Matteo Bonfitto (2013), Eleonora Fabião (2008) e Josette Féral (2008).

Em A autodireção em experimentações, analiso mais especificamente o conteúdo das entrevistas realizadas com Nena Inoue, Michel Melamed, Georgette Fadel e Matteo Bonfitto. Identifico nelas pontos em comum e diferenças a partir da prática e reflexão de cada um dos entrevistados. Também incluo minha própria experiência na discussão proposta.

Ressalto ainda alguns outros pontos deste trabalho. Faço a escolha de não realizar cita-ções diretas. Entendo que tal recurso faria me distanciar da prática ensaística – por meio da qual toda a experiência passaria por uma visão mais pessoal. Faço exceção apenas às falas dos entrevistados, cuja contribuição se tornou tão valiosa que não teria sentido não transcre-ver suas próprias palavras, e aos poemas utilizados, em face das suas construções únicas que impedem qualquer modificação na sua forma.

Também opto por algumas desobediências formais quanto às regras determinadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), as quais poderão ser notadas ao longo do texto. A intenção é uma maior expressão criativa, ainda mais pela pesquisa se dar no campo das Artes, em que se entende caber transgressões ao rigor formal.

Por fim, chamo a atenção para o título do trabalho, ele resume minha trajetória com relação ao tema. Um ator que experimenta criar a partir do formato da autodireção.

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Do coletivo ao início

A ideia de desenvolver uma pesquisa sobre autodireção num trabalho solo surgiu para mim como resultado da minha trajetória. Por muitos anos, me vi um ator de teatro de grupo . 3 Foi em coletivos que comecei a fazer teatro e tive minha formação artística . Foi lá que eu 4 descobri formas de trabalhar, aprendi técnicas e sua ética, conheci mestres e parceiros. Mas também foi onde enfrentei as dificuldades da prática cotidiana e da convivência com o ou-tro.

Pensava que em cada grupo que estivesse nele permaneceria por toda a vida. Aconte-ceu que por diversos motivos não me fixei em um único e acabei por passar por vários . 5 Comecei a experimentar o movimento de entrar em um grupo e depois de um tempo não prosseguir nele. De início, o intervalo entre um coletivo e outro era apenas um período de espera até que a oportunidade por um novo grupo surgisse. Só com o tempo descobri que esses momentos sozinho também podiam ser proveitosos.

Fui entendendo que podia atuar fora de um grupo. Nos intervalos entre os coletivos, passei a participar de montagens mais curtas e com um número de apresentações definidas . 6

O teatro de grupo, no Brasil, tem suas raízes na década de 60, fruto de um contexto político especí

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-fico, em que o fazer teatral e sua investigação tem íntima relação com uma expressão de indignação e luta por direitos civis, obstruídos por um regime militar que durou de 1964 a 1985. Mesmo com a redemocratização e a implantação de políticas culturais pelos governos federais posteriores, a preo-cupação política e a pesquisa estética permaneceram como pauta dos coletivos (CARREIRA apud YAMAMOTO, 2012).

Minha formação acadêmica foi em Direito, pela UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do

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Norte (1996-2000).

Integrei, na cidade de Natal/RN, os grupos: Teatro do Puro Enquanto (2003), Pporppeta Clowns

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(2003-2006), Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare (2004-2007), Grupo Beira de Teatro (2008-2009) e Arkhétypos Grupo de Teatro (2011-2015). Desenvolvo ainda um trabalho ligado ao cinema no Destino Coletivo (desde 2015), grupo de produção audiovisual, e faço parte de um coleti-vo de crítica teatral, o Farofa Crítica (desde 2016).

Destaco os trabalhos: O Auto do Menino Deus (auto natalino dirigido por João Júnior, em 2007),

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Até que a vida nos separe (espetáculo participante do Festival Agosto de Teatro, em 2009, e dirigido

por Eduardo Galvão), o projeto Cravo do Canavial (grupo de estudo sobre Maracatu dirigido por Car-la Martins, em 2011) e a leitura dramática do texto Um bonde chamado desejo, de Tennessee Willi-ams, dirigido por João Marcelino. Todos esses trabalhos envolveram vários participantes e tiveram uma duração determinada.

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Esses trabalhos me deram a oportunidade de aplicar o que aprendia nos grupos, além de vi-venciar novas experiências e aproximações com outras pessoas.

Também construí um percurso para além dos coletivos e do teatro, experimentando ou-tras linguagens. O audiovisual sempre foi uma área com que tive proximidade, posterior7 -mente conheci e/ou pratiquei a performance , a fotografia e artes plásticas . Atuar não mais 8 9 10 se restringia ao palco e criar não mais se limitava ao teatro, apesar de esse sempre ser minha mola-mestre e toda a bagagem adquirida ser pensada para ser aplicada de alguma forma na cena.

A vivência não somente no teatro de grupo me fez construir uma autonomia como ator que não mais enxergava o coletivo como única forma de desenvolver uma prática artística. Estar só me fez entender a potência dessa situação e foi o primeiro passo que me levou à au-todireção e ao solo.

Um outro impulso a me aproximar do tema foi minha experiência com o palhaço. Pa-ralelamente às minhas passagens por grupos de teatro, sempre mantive o exercício da

Atuei em curtas-metragem, sendo alguns deles: O Protocolo (2000, dirigido por Paulo Henrique

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Borges), Olhos D´Água (2011, dirigido por Márcia Lohss), Ília (2014, dirigido por Dhara Ferraz e Mo-niky Rodrigues), Três vezes Maria (2014, dirigido por Márcia Lohss) e Mar de Zila (2016, dirigido por Ariane Mondo). Também trabalhei com VTs comerciais e teledramaturgia. E fiz uma Especialização de Cinema pela UFRN (2016-2017).

Na performance destaco a participação em oficinas com o Cambar Coletivo (AL, RJ e Inglaterra),

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em 2014, e com o coletivo ES3 (RN), também em 2014. Desta última vivência resultou a participa-ção na I Mostra de Performance, Corpo, Processo e Criaparticipa-ção (2014), realizada pelos próprios minis-trantes da oficina, na Pinacoteca do Estado do Rio Grande do Norte (em Natal).

A fotografia se deu sob uma ótica artística e performativa e ocorreu por meio de diversas oficinas no

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Duas Estúdio, espaço cultural em Natal/RN, ministradas pelas fotógrafas Lara Ovídeo, Elisa Elsie e Mariana do Vale. Entre os quais estão: Residência Artística em Fotografia (2015), Fotografia como

Ex-pressão Artística (2015), Fotografia Básica (2016), O Cotidiano Fotografado (2016) e Processos Criati-vos (2016). Algumas das imagens produzidos nessas oficinas foram expostos no mesmo espaço e

ser-viram ainda como pesquisa para o processo criativo objeto de estudo neste Mestrado.

Entre os anos de 2011 e 2014, fiz, por três vezes, o Curso de História da Arte, ministrado pelo Prof.

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Dr. Everardo Ramos, que também é responsável pela cadeira de História da Arte no Departamento de Artes da UFRN.

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çaria . Inicialmente vivenciado em oficinas e em apresentações (saídas ) com outros palha11 12 -ços, cheguei a trabalhar no formato de duplas e a formar um coletivo na tentativa de pesqui-sar a linguagem. Praticamente toda a minha formação na área esteve ligada à figura de Adel-vane Néia . Palhaça, atriz e diretora, natural de Jacarezinho/PR, há muito tempo vivendo e 13 trabalhando em Campinas/SP, ela construiu também uma história em Natal/RN, o que possi-bilitou nosso encontro.

Depois de mais de uma década de várias oficinas com Adelvane e apresentações nes14 -ta linguagem, tive a ideia de mon-tar um número de palhaço para me inscrever no Festival de Cenas Curtas da Casa da Ribeira e a convidei para dirigir, numa das suas vindas a Natal. Da experiência surgiu Canudo vai ao palco (2013), que foi selecionado para a mostra. A partir 15 daí, sem a presença constante de Adelvane na cidade e com o desejo de continuar criando com o palhaço, resolvi me dirigir. Para isso me utilizei do que aprendi no trabalho com ela, além do meu próprio conhecimento do palhaço e da intenção de construir um modo de tra-balhar sozinho.

Criei Sujinho (2014), a partir da ideia do meu palhaço se atrapalhar com uma sujeiri16

-nha, e Canudo se apaixona (2016), da ideia do que aconteceria se meu palhaço se apaixo17 -nasse por alguém da plateia. O ponto de partida era a descoberta de um mote para o

Segundo Burnier (2001), o termo palhaço possui o mesmo sentido que clown, mas eles apresentam

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diferenças quanto à linha de trabalho. O palhaço estaria ligado à ideia das gags e números. O clown também trabalha com números, mas obedeceriam principalmente à sua lógica pessoal do clown. Aqui, para fins deste trabalho, não vou diferenciar os termos, até por observar que na prática o uso tem sido indistinto.

A saída é uma intervenção de clown em espaços (públicos ou privados) e que tem por base, geral

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-mente, a improvisação, mas também pode abarcar pequenas cenas (números) preparadas anterior-mente (Burnier, 2001).

Adelvane tem sua formação na linha do trabalho energético e da antropologia teatral pesquisada

13

por Luís Otávio Burnier, fundador do Lume Teatro (Campinas/SP), continuada hoje pelos atores-pes-quisadores do Lume Teatro.

A oficina de Adelvane de introdução à palhaçaria, O Clowns e sua Poética (2002) foi minha pri

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-meira oficina de teatro na vida. Depois desta, fiz várias outras ao longos dos anos, dentre as quais destaco a de Números e Duplas e as de Assessoria Técnica.

Canudo é o nome do meu palhaço.

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Sujinho também foi selecionado para participar do Festival de Cenas Curtas da Casa da Ribeira na

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edição de 2014.

Canudo se apaixona também foi selecionado para participar do Festival de Cenas Curtas da Casa

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da Ribeira, na edição de 2016. Este número vem sendo trabalhado para tornar-se um espetáculo, o que ocorre desde 2018 e passou a acontecer concomitantemente com o processo para o qual me submeti como pesquisa para este mestrado.

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ro, do qual desdobravam-se ideias, que eu ia testando até desenvolver a estrutura do traba-lho. Tinha uma ideia e a testava, da tentativa vinha mais uma ideia, e testava a nova ideia. Descartava algumas, ampliava outras. Ao mesmo tempo, ia pensando a sonoplastia e ele-mentos de cena.

Apesar do amadurecimento do trabalho com o palhaço e da experiência em estar só, dirigir tornou-se um desejo que não se limitava somente a essa linguagem. Após ter passado por vários processos criativos e ter tido contato com vários diretores, percebi que, ao longo do tempo, comecei a nutrir discordâncias quanto às opções e visões dos encenadores. Acha-va que alguns sentidos do texto poderiam ser diferentes, algumas escolhas conceituais pode-riam ser outras, algumas cenas podepode-riam se dar de outra forma. Lembro, por exemplo, que durante a montagem do espetáculo Aboiá (2013), pelo Grupo Arkhétypos de Teatro, um 18

processo colaborativo em que estava no elenco, tive o desejo de a pesquisa sobre o corpo fosse continuada, mas as circunstâncias do processo o fizeram levar para uma próxima etapa de encaminhamento dramatúrgico.

Dessas discordâncias, percebi que minhas ideias cada vez mais abarcavam questões da encenação, daí notei o desejo de dirigir. Assim como o meu processo com o palhaço, a ideia de dirigir foi crescendo ao longo de vários anos, com poucas e tímidas experiências e al19 -gumas negativas minhas por não me me entender capaz. Somente durante este mestrado é que, coincidentemente, passei a dirigir alguns projetos de forma mais continuada. 20

Dirigir significava para mim pensar a obra como um todo, seus conceitos e muitos de-talhes. A preparação para essa prática decorreu da observação dos diretores com quem tra-balhei e dos espetáculos e filmes que assisti, os quais despertaram em mim um senso analí21 -tico.

O espetáculo foi dirigido por Robson Haderchpek, professor do DEART/UFRN.

18

Destaco a direção do show musical Histórias e canções de ninar, do músico Alexandre Gurgel (DJ

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Macacco), selecionado para o Festival COSERN Musical no ano de 2005, evento viabilizado pela COSERN – Companhia Energética do Rio Grande do Norte.

Dirigi a leitura dramática do texto Conselho de Classe, do dramaturgo carioca Jô Bilac, com um

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elenco na sua maioria formada de professores do Curso de Teatro do DEART/UFRN, para o II Palavrar – Ciclo de Leituras Dramáticas, realizado no mesmo Departamento e de iniciativa do Prof. Dr. André Carrico. E estou dirigindo atualmente um processo criativo com o Grupo Avante, formado por alunos do Curso de Teatro do DEART/UFRN, desde agosto de 2018 e com previsão de estreia no primeiro semestre de 2019.

O Cinema sempre foi um campo de estudo para a direção, no sentido de como esta pode se dar a

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A prática do palhaço, a vontade de me dirigir e de estar só me levaram a ideia de reali-zar um trabalho diferente, no qual pudesse utilireali-zar outras referências. Assim, me comprometi a me dirigir sozinho. Um solo não é o campo exclusivo da autodireção. Essa também pode ocorrer em trabalhos coletivos, em que dentre os vários atores do elenco, um ou mais de um seja o(s) diretor(es). Nesse caso, ele tem de lidar com a encenação em si e também com os demais atores com quem contracena. Esta situação foi vivenciada por uma das entrevistadas, a atriz e diretora Georgette Fadel, em seus espetáculos Gota D’Água (2006) e Bartolomeu,

que será que nele deu? (2000).

Uma outra variação que envolve a autodireção é o caso de um ator, atuando sozinho ou não, codirigir um trabalho, sendo que o outro diretor ou diretores não se encontrem no elenco. Essa situação consiste numa divisão da direção, sendo que um dos diretores se en-contra na cena e o outro não. Uma possibilidade do desenrolar de um trabalho assim é o di-retor que não se encontra na cena ser considerado como o que teria “a visão mais distancia-da” do trabalho, o que pode desequilibrar a autoridade entre eles, em desfavor do que está em cena, reforçando o argumento apontado por Sophie Proust (2006) da dificuldade de se autodirigir sem um olhar externo.

A chamada criação coletiva experimentada por alguns coletivos teatrais também pode ser entendida como uma forma de autodireção. Stella Fischer (2003) explica que há uma descentralização da criação por contar com a livre interferência dos atores (e dos demais participantes). A autora destaca que isso não elimina o aparecimento de líderes, que podem tomar a frente do processo.

No processo colaborativo, pode-se também perceber uma participação dos atores na direção, uma vez em que eles possuem liberdade para participar, mas numa medida menor que na criação coletiva. Enquanto nessa, os atores propõem quanto a toda encenação e a decisão final vem desse confronto de ideias, na outra, os atores interferem, mas a decisão final fica por conta do diretor, que responde com a última palavra quando da diversidade de opiniões.

Dentre essas possibilidades, opto por investigar a autodireção sob uma perspectiva de um solo, em que as posições de ator e diretor são ocupadas exclusivamente por mim. Pereira (2014) entende que solo é um gênero teatral, o qual tem ganho maior destaque no Brasil re-centemente. O autor lembra para uma maior frequência de solos nos países de língua ingle-sa, em que se utiliza o termo One-Man Show ou One-Woman Show, ou ainda Solo Show.

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Há também uma proximidade daqueles com a espécie Stand-Up Comedy , solo cômico de 22 origem inglesa.

Betancour (2015) aponta que o solo ainda pode ser chamado de monólogo. Este termo possui relação mais próxima do texto dramatúrgico , podendo inclusive ser entendido como 23 sinônimo de solilóquio ou como um gênero deste último . Opto por não utilizar o termo 24 monólogo em razão da sua associação à dramaturgia, a qual não foi o foco da minha quisa. Meu trabalho acaba se assemelhando com a proposta de Betancour (2015), que pes-quisa um espetáculo (ou obra) unipessoal, em que a ideia da autoria estaria em primeiro plano em função da cumulação do papel de ator, de diretor e de dramaturgo. No meu caso, ainda que se discuta a autoria, o processo criativo e a relação ator/diretor se mostram até mais importantes que a obra em si.

Assim, opto por utilizar o termo autodireção, por ser mais específico em relação ao que pretendo pesquisar e o termo solo por ser mais amplo quanto à prática solitária.

Definida a ideia de atuar e dirigir ao mesmo tempo, quanto ao tema do trabalho, pen-sei que ele deveria tratar de minha própria vida. Sem ter clareza sobre que partes escolher, 25 realizei um trabalho de mapeamento de mim mesmo, que entendi como uma cartografia ar-tístico-afetiva. Comecei a fazer um levantamento de livros, filmes, imagens, músicas,

Pereira (2014) explica que o Stand-Up Comedy é caracterizado pela presença em pé do comedian

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-te, a utilização de microfone e a quebra da “quarta parede”. No Brasil, Jô Soares, Chico Anysio e Ary Toledo se enquadrariam nesta categoria.

Betancour (2015) ainda ressalta para o termo monodrama. Nesse, haveria apenas um ator, mas

23

uma multiplicidade de personagens e discursos. A expressão também me parece excessivamente li-gado à dramaturgia.

Pavis, 2008.

24

O processo criativo em questão foi iniciado no dia 24 de dezembro de de 2016 e teve diversos in

25

-tervalos na sua realização, alguns de meses, por circunstâncias pessoais. Interrompi a pesquisa para fins da presente análise, em 18 de novembro de 2018. Essas informações foram extraídas do relatos no meu diário.

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branças, objetos, desejos, histórias… Tudo isso me rendeu uma longa lista de itens . A ideia 26 seria revisitar todas essas obras e tentar identificar nelas o que de mim entendia haver ali.

Essa proposta encontra eco no pensamento da atriz e diretora paulista Georgette Fadel (2018). Ela explica que num trabalho solitário, como o que ela se autodirigiu, quem cria re-corre a tudo o que tem, toda sua história e experiência, a fim de dar conta do projeto. Ela chama esse processo de “trabalho-funil”, em que toda a sua bagagem artística e pessoal seria utilizada no processo de criação, que seria o funil mencionado, a fim de auxiliar a realiza-ção do trabalho. Transcrevo sua fala (2018):

Então... Agora, quando esse trabalho é solitário, onde você dirige, eu acho que são os momentos onde você pega... Olha, eu tô falando você, mas sou eu, tá... É o que tem acontecido até agora na minha vida. Eu acho que são os momentos onde eu peguei o que eu tinha na mão. Eu peguei o que eu era até aquele momento. Eu peguei... Eu peguei o que eu podia, o que eu tinha construído sozinha, o que eu sou, e coloquei na roda o que eu sou, entende? O que eu tenho, o que eu sou, o que eu aprendi, o que eu treinei, o que eu desenvolvi. E quase num funil... Eu chamo até de trabalho-funil… Trabalho-funil... Você pega a tua vida inteira e em pouco tempo você constrói um fu-nil. Você constrói uma peça de teatro, uma forma, onde você vai se empres-tar, onde o teu ser vai se emprestar como humano, como alguém que cons-truiu alguma coisa até aquele momento na vida e pensa tal coisa. Então, pra mim, esses trabalhos solitários estão sempre associados a esse trabalho-funil, sabe, esse trabalho onde eu pego o meu repertório, onde eu pego o repertó-rio da minha troca com todo mundo que eu trabalhei até esse momento, o que eu penso da vida, o que tá acontecendo no mundo, as coisas que estão pungindo o meu coração, atingindo o meu coração... Eu pego esse arcabou-ço todo da vida e coloco num trabalho, coloco numa fala, e escolho esse tex-to, e vou pro fronte com as armas que eu tenho, sabe…

Coloquei, portanto, todo o material que colhi neste funil. Meu objetivo era, por meio desse encontro com tantas obras e objetos, identificar neles algo de pessoal, uma percepção própria pelo reflexo, pela projeção, pelo que neles me tocava. Visitei e revisitei grande parte

O inventário consistiu em obras literárias como: O Apanhador nos Campos de Centeio (John Salin

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-ger), William Wallace (Edgar Allan Poe), O Velho e o Mar (Ernest Hemingway), Hamlet (William Sha-kespeare), O homem duplo (Dostoiévski), A paixão segundo G. H. (Clarice Linspector), entre outros. Imagens de obras do escultor norte-americano Richard Serra (em especial o Tilted Arc) e as fotografias do espanhol Chema Madoz. As performances do americano-taiuanês Tehching Hsieh. Além disso, muitas músicas, em especial posso citar, A canção que chegou (Cartola). Também vários filmes (como

O Turista Acidental e Império do Sol), ideias para o trabalho e inúmeros objetos que mantinha uma

relação afetiva. Finalmente, ainda constava desse apanhado, uma série de fotos que tirei de mim mesmo, numa pesquisa fotográfica-perfomática para oficinas de fotografia das quais participei no Duas Estúdio.

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dessa lista. Não consegui reler todos os livros, os quais na maioria já havia lido em outros momentos da vida, e confiei na minha memória.

A dificuldade em encontrar, num primeiro momento, a reverberação que esperava ob-ter a partir dessas obras, me fez considerar e experimentar a utilização liob-teral de trechos e imagens na cena, num trabalho de colagem de várias delas. Entretanto, desisti dessa ideia, por sentir não ser isto o que queria. Também cheguei a cogitar a ideia de misturar esse mate-rial com partes da minha vida ou da história da minha família, o que poderia aproximar o trabalho de uma autoficção . Mas também desisti disso. 27

Imagens do meu diário de montagem

A partir da lista, realizei práticas de criação: improvisações corporais, escrita de textos e diários, gravação de fluxos de pensamento como experimentações dramatúrgicas e realiza-ção de desenhos como forma de produzir imagens que pudessem ser referência para a cena. Esses experimentos serviram para me aproximar desse universo pessoal e foram essenciais para compreender a importância deste trabalho.

A autobiografia possui um compromisso com a realidade dos fatos e tem no escritor francês Philip

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-pe Lejeune (1938) um estudioso sobre o assunto. O tema foi alvo de confronto com a criação do ter-mo autoficção, pelo também francês Serge Doubrovsky (1928-2017), que envolve o trânsito entre a autobiografia, a ficção e o discurso referencial (Steltzer, 2016).

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Independentemente dessa listagem, havia ideias que desde o início queria trabalhar e que não diziam respeito às obras listadas. Queria operar a luz e o som da própria cena, as quais também eu iria criar a partir da concepção total do trabalho, queria trabalhar uma cena que tivesse uma proximidade com códigos da vida cotidiana e, sempre pensei, em tra-balhar uma cena com a utilização do aparelho celular. Também tinha uma ideia do que não queria. Com o tempo descobri que não queria uma bricolagem de referências, não queria uma autoficção ou autobiografia, e não queria uma teatralidade “exagerada”, mas um traba-lho não representacional, se posso chamar assim. Essas últimas ideias convergiram com a entrevista de Georgette Fadel sobre seu processo, no qual vi similaridades com o que queria trabalhar, quando ela diz que não queria “maneirismos” na encenação e na interpretação.

Algumas dessas opções do que queria e não queria fazer também eram próximas à fala de Nena Inoue, ao perceber que o processo foi clareando desejos e descartando opções que não me interessavam.

GEORGE – Eu fico com a impressão que você sabia muito bem o que queria e na parte que você não sabia ainda com clareza, você sabia o que não que-ria e aí teve a grande sorte ou sei lá, fortuna, de ter encontrado pessoas que tinham uma sensibilidade de estarem exatamente nesse lugar e de entender o que você não queria e o que você queria.

NENA – Sim, é! Eu sabia o que eu não queria... Eu falo que a gente saber e assumir o que a gente não quer mais é meio caminho andado, né. Assim, eu falo isso pra vida assim!

(…)

GEORGE – Mas todas essas decisões vinham de você, na verdade, né. Você tinha muita certeza de que queria essas coisas...

NENA – Sim, a única coisa que eu não tinha certeza era a sonoplastia. GEORGE – Que no final você teve a certeza...

NENA – Que no final eu tirei de vez.

GEORGE – Mas você também tirou, então...

NENA – Tirei, é... E a Babaya ainda falou: “Nena, a gente devia ter feito isso desde o início, você tá certíssima.”... Falei: “Pois é...”.

Um outro interesse nesse processo era utilizar-me de elementos da performance. Pen-sava num trabalho que ficasse entre o limite da representação e da não representação, e que lidasse com questões cotidianas. Um dos primeiros passos que realizei no processo foi a

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ela-boração e a realização de programas performativos . O objetivo era me desafiar a progra28 -mas simples e curtos, com ações bem definidas, de cunho íntimo, as quais planejei pouco antes de realizar. Passei a observar meu dia a dia e ao identificar situações em que sentia medo e me sentia desafiado , passei a encará-las como ações a serem realizadas. Essas di29 -ziam respeito a questões triviais, como ver um filme de uma determinada forma, usar uma determinada peça de roupa em determinada circunstância… mais do que elas em si, era uma sensação de alerta que sentia que me chamava a atenção e me fazia decidir pela sua realização.

Ao longo do processo, percebi que fui abandonando um modo de proceder que me remetia a processos passados. Um exemplo disso foi o abandono gradativo de um trabalho corporal baseado num trabalho energético, o qual pratiquei em diversos processos criativos e oficinas, como a do Lume Teatro. Comecei a pensar que a criação poderia se dar por toda uma variedade de experiências e não somente nesses momentos de prática corpórea. Essa mudança de parâmetros para um trabalho mais pessoal encontra relação com a fala de Mat-teo Bonfitto (2018) sobre seu processo criativo e a necessidade desse se dar em um modo diferente do que já havia praticado:

MATTEO – Então, teve uma lógica muito particular aqui que não foi essa ló-gica, digamos, que é mais convencional assim, do treinamento, materiais e dramaturgia, mas a lógica foi bem entrelaçada, né.

[…]

MATTEO – […] Na verdade as coisas se conectam, né... O que, se a gente pensar nessa relação entre a preparação, material e dramaturgia, na verdade as próprias práticas... É que normalmente nos processos criativos a gente vê assim uma lógica que é: você treina, você tem práticas de preparação, aí você utiliza isso nos materiais que você tá construindo, e se cria uma drama-turgia. Na verdade nesse caso a ordem não foi essa assim, foi o próprio mate-rial, a exploração do material foi gerando a necessidade de explorar práticas de preparação que depois desembocaram numa dramaturgia e como já exis-tia também uma parte dramatúrgica que tava definida, a própria dramaturgia também já definia materiais que definiam práticas de preparação....

Eleonora Fabião (2013) define programa performativo como um conjunto de ações determinadas,

28

expressas de forma clara e com exatidão, realizado pelo artista, público ou ambos, sem ensaio.

Alguns exemplos cotidianos: um convite para lerem o tarô para mim, o enfrentar algumas situações

29

sozinho… Pensei em diversos desafios, acabei não realizando todos eles, mas a prática foi proveitosa quanto aos que aconteceram.

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Essa busca por modos de criar sozinho me fez encontrar diversos momentos de caos e angústia, em que não sabia como proceder. A ideia de desistir do processo ficou recorrente, mas ao mesmo tempo não conseguia decidir pelo fim do trabalho. Comecei a ter a sensação de que levava minha busca e as tentativas de criação para todo o lugar, que vivia o processo a todo momento. Levava sempre comigo meu diário e me percebia atento a querer captar alguma informação em mim que pudesse utilizar para a cena. Virei uma cobaia de mim mesmo, um experimento ambulante.

Imagens do meu diário de montagem

Fayga Ostrower (2013) diz que a descoberta do nosso potencial é uma necessidade in-terna e profunda. Talvez por isso não tenha desistido, mas ao contrário, ampliado e desloca-do a criação da sala de ensaio para o dia a dia. Foi nesse momento que comecei a me certi-ficar de algumas opções que tinha desde o início: a não representação e o lidar com ques-tões cotidianas, tendo como ponto de partida a utilização do celular. Notei que o celular pa-recia um mote interessante para desenvolver questões próprias e retomar algumas que identi-fiquei no meu mapeamento inicial.

Assim comecei a trabalhar com a ideia de uma cena que lidasse com o aviso de desli-gar o celular para o espetáculo. As demais cenas que foram se desenrolando a partir desta não diziam respeito tanto ao celular em si, mas eram desdobramentos dessa. Ensaiava ima-ginando um público, num trabalho que dialogasse com ele. Reencontrei desenhos meus, do

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início do processo, em que pensava a disposição do público e sempre me via em contato direto com ele. Um processo de aceitação de ideias que tive há muito tempo e que perma-necia em mim.

Imagens de três dos trabalhos que mais me inspirou no processo. Da esquerda para a direita: A per-formance realizada por Tehching Hsieh, que passou um ano em Nova Iorque (EUA) sem entrar em lugares fechados (com teto), uma fotografia de Chema Madoz e o Tilted Arc, de Richard Serra

(crédi-to: David Aschkenas)

Da minha lista inicial, algumas poucas obras resistiram ao longo do tempo: algumas fotos que havia tirado há alguns anos para minha pesquisa inicial durante as oficinas no Duas Estúdio, a performance de longa duração do americano-taiuanês Tehching Hsieh, que perambulou por uma ano pelas ruas de Nova Iorque sem entrar em lugares cobertos, as obras de Chema Madoz que sempre me marcaram pelo humor e poesia visual e a escultura

Tilted Arc, de Richard Serra, um trabalho que sempre foi muito marcante para mim. Além

dessas, a música de Cartola, A canção que chegou, sempre voltava a minha mente em diver-sos momentos e que sempre a cantei, inclusive em aulas de canto que fiz durante esses últi-mos anos.

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Todas essas referências serviram talvez de baliza, por representarem questões que me eram caras. O humor das fotos de Chema Madoz , o mergulho interno e cotidiano da per30 -formance de Tehching Hsieh , a ruptura proposta pelo Tilted Arc, de Richard Serra , e o afe31 32 -to da música de Car-tola. E minhas fo-tos, por me retratarem por uma visão mui-to pessoal. Tudo isso me percorrendo internamente, num movimento de construção e desconstrução, numa mistura de angústia, lembranças e uma persistência que nem eu saberia como expli-car. Um processo cuja pessoalidade na criação não poderia compartilhar com ninguém. Num processo que em parte era clara e em parte foi surgindo das sombras.

O poeta Augusto dos Anjos , em sua obra Eu e outras poesias, a qual sempre acreditei 33 ter relação com meu processo mas que nunca soube como me aproximar, fala justamente da criação e do seu desenvolvimento, bem como da luta pela sua existência:

A idéia


De onde ela vem?! De que matéria bruta 
 Vem essa luz que sobre as nebulosas 
 Cai de incógnitas criptas misteriosas 
 Como as estalactites duma gruta?! 


Vem da psicogenética e alta luta 
 Do feixe de moléculas nervosas, 
 Que, em desintegrações maravilhosas, 
 Delibera, e depois, quer e executa! 


Vem do encéfalo absconso que a constringe, 
 Chega em seguida às cordas do laringe, 
 Tísica, tênue, mínima, raquítica... 


Quebra a força centrípeta que a amarra, 
 Mas, de repente, e quase morta, esbarra 
 No mulambo da língua paralítica.

Nome artístico de José Maria Rodríguez Madoz (1958), um dos principais fotógrafos espanhóis da

30

atualidade. Disponível em: http://www.chemamadoz.com/

Performer americano-taiunês, nascido em 1950, mas naturalizado norte-americano, conhecido por

31

performances que duraram um ano. Disponível em: https://www.tehchinghsieh.com

Escultor e vídeoartista norte-americano, nascido em 1938, ele possui trabalhos expostos em diver

32

-sos museus pelo mundo, como o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – MoMA (EUA) e o Museu Guggenheim de Bilbao (Espanha). Disponível em: https://www.moma.org/calendar/exhibitions/14

Poeta paraibano (1884-1914), cuja obra é ligada a movimentos como o parnasianismo e o simbo

33

(29)

A forma ensaiada

Lembro do dia em que expressei para minha orientadora a vontade de escrever minha 34 dissertação de mestrado na forma de textos curtos. Eu vinha contaminado pela experiência da escrita de críticas teatrais e vinha amadurecendo há um tempo a ideia de não fazer uma 35 dissertação organizada em capítulos. Eu havia tido contato recentemente com a escrita aca-dêmica em um trabalho de conclusão de especialização e queria experimentar uma outra 36 forma de escrever sobre uma pesquisa. Ela me chamou a atenção para a escrita de ensaios.

Ainda que o ensaio não fosse um estilo estranho a mim, nunca tive maior familiaridade com ele até o ano de 2016, quando descobri uma das suas variações, o filme-ensaio, na mesma especialização. Esse último ficou caracterizado por questionar a forma cinematográ-fica e não se submeter às convenções, tendo sua força na visão pessoal do seu criador . O 37 assunto tem rendido recentes publicações sobre o tema, como O filme-ensaio: desde

Mon-taigne e depois de Marker (2015), do norte-americano Timothy Corrigan, uma das primeiras

a ganhar destaque ao discuti-lo.

Muitos diretores já produziram filme-ensaio, o que não mais o torna uma novidade, ainda que apenas recentemente ele tenha passado a ser mais conhecido . Chris Marke , 38 39

O encontro aconteceu no final de 2017.

34

A atividade crítica vinha sendo exercida desde do final do ano de 2016, quando fundei, juntamen

35

-te com outros artistas de Natal/RN, o coletivo Farofa Crítica (www.farofacritica.com.br), em que pu-blicamos críticas de teatro, dança e performance.

Refiro-me à Especialização em Cinema realizada pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

36

da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de fevereiro de 2016 a junho de 2017, por iniciati-va do Prof. Alex Beigui e da Prof.ª Maria Helena Braga e Vaz da Costa. Meu trabalho de conclusão teve o título Uma luz sobre ‘O Pátio’ de Glauber Rocha, no qual realizei um estudo sobre o curta-metragem O Pátio (1959), de Glauber Rocha, e tive a orientação da Prof.ª Maria Helena Braga e Vaz da Costa.

Corrigan, 2015.

37

Corrigan (2015) entende que o filme-ensaio tem suas primeiras versões nas obras do norte-ameri

38

-cano Davida Wark Griffith, com A corner in wheat (1909), e do russo Sergei Eisenstein, com O

capi-tal (1920). A forma ganhou novo impulso a partir dos anos 1940, com o aparecimento de novos

rea-lizadores, que juntamente com teóricos e críticos, celebraram aquela forma cinematográfica.

Cineasta, fotógrafo, escritor e artista multimídia francês (1921-2012), um dos primeiros a trabalhar

39

(30)

Orson Welles , Agnès Varda e Jean-Luc Godard são alguns dos muitos realizadores do 40 41 42 gênero. Curiosamente, alguns deles se autodirigiram em algum momento da sua carreira, como Orson Welles, em seu filme-ensaio F for Fake – Verdades e Mentiras (1974), e Agnès Varda, no documentário Os catadores e Eu (Les Glaneurs et la Glaneuse, 2000), em que faz a narração.

Entretanto, o filme-ensaio vem sendo objeto de maior atenção pela crescente produção de uma outra variante, o ensaio. Utilizando a internet como habitat natural, o vídeo-ensaio tem sido produzido intensamente e conquistado um grande número de espectado-res . Os vídeos-ensaios que acompanhei tinham o cinema como temática principal. De 43 forma muito pessoal, eles analisavam obras, diretores, gêneros, além de diversos elementos da linguagem cinematográfica . 44

Foi percorrendo esse caminho que me aproximei do ensaístico e do trabalho de Corri-gan (2015), que, para se aprofundar no filme-ensaio, parte do ensaio como gênero literário. O autor aponta que, historicamente, o ensaio é identificado pela primeira vez no trabalho Ensaios, de 1575, do francês Michel de Montaigne . Nesta obra, há reflexões sobre 45 uma ampla variedade de assuntos, entre eles, a educação, a moral, a obra do poeta romano Virgílio, a embriaguez, o medo, coxos e até canibais! Se os temas são tão distintos, o ponto de vista pessoal é o liame a conectar todos os ensaios. É pelos olhos de Montaigne que ob-servamos o mundo e o que dele é apreendido pelo autor. E são estes os elementos que resta-ram por identificar o gênero: uma visão pessoal amadurecida por meio da reflexão a partir de uma experiência.

Diretor, ator, roteirista e produtor norte-americano (1915-1985). Realizador de obras que entraram

40

para a história do cinema mundial.

Cineasta e fotógrafa belga, nascida em 1928, com produções de destaque na história do cinema.

41

Diretor e roteirista franco-suíço, nascido em 1930, um dos maios importantes da história do cine

42

-ma mundial. Foi um dos principais nomes da Nouvelle Vague, movimento do cine-ma francês da dé-cada de 60 que contestava as regras estéticas da época.

Existem canais no youtube que possuem mais de 700 mil pessoas inscritas a acompanhar a produ

43

-ção dos seus vídeos-ensaios. Os canais com que tive contato são na sua maioria norte-americanos, mas já existem alguns brasileiros.

Existem muitos canais norte-americanos no youtube de vídeos-ensaios sobre cinema, alguns dos

44

mais famosos são: o do vídeo-ensaista Kevin B. Lee, o do vídeo-ensaista Kogonada, o canal “Lessons from a screeplay”, o canal “Every frame a painting” de Tony Zhou e o canal “The Nerdwriter” de Evan Puschak. No Brasil, destaco dois canais: “Entre Planos”, de Max Valarezo, e o “Quadro em Branco”. Os canais são identificados aqui conforme encontrados na plataforma de vídeos youtube, alguns pelo nome dos seu realizador, outros pelo nome do canal.

Montaigne, 2010.

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Ainda em seu livro, Corrigan (2015) ressalta três parâmetros estabelecidos pelo escritor e ensaísta Aldous Huxley ao apontar o foco do ensaio: o pessoal-autobiográfico, o objeti46 -vo-factual e o abstrato-universal. Sob essa ótica, respectivamente, há ensaístas que falam do seu ponto de vista pessoal, misturando questões autobiográficas com a experiência descrita. Outros optam por não se colocarem de forma tão evidente, mas voltarem-se especialmente para o objeto de estudo. E ainda há os que possuem como principal preocupação o próprio processo de reflexão. Pode o ensaísta se aproximar de qualquer uma dessas vertentes, mas o trânsito pelas três em uma única obra resulta em um ensaio que, ainda segundo Huxley, seria mais completo. Corrigan (2015), por sua vez, entende que tais dimensões não devem ser se-paradas, ainda que varie a interatividade entre essas.

Com as particularidades de cada um que opta por ele, o ensaístico fez muitos admira-dores entre grandes escritores e pensaadmira-dores, como Roland Barthes, Jorge Luís Borges, Susan Sontag, Umberto Eco, Michel Foucault, Theodor Adorno, apenas para citar alguns. Além de ter ficado conhecido por ser uma forma híbrida, impura , pelo seu entrelaçamento da litera47 -tura com a filosofia, algumas práticas artísticas também fizeram uso do ensaio, como o cinema e a fotografia. Diante de tantos casos de sua utilização, não seria de se estranhar que o ensaio também pudesse servir para fins acadêmicos, mesmo que isso significasse flexibili-zar suas regras. A utilização do ensaio nesse ambiente vem se associar a propostas que tem objetivado inovar nesse tipo de escrita, especialmente no campo das Artes.

O uso do ensaístico no ambiente acadêmico foi objeto de reflexão por Jorge Larrosa (2004). O autor problematiza as formas já estabelecidas e usualmente utilizadas, entendendo que escrever sob a forma de ensaio já é pensar de um modo muito particular sobre um tema. E esse modo de pensar/escrever confronta e não segue um saber sistematizado. O ensaio não busca atingir uma verdade, um conceito, mas refletir sobre um processo (experiência), de forma fragmentada, descontínua, num recorte que pode ser bastante pessoal, como ainda explica Larrosa (2004), a partir do pensamento de Theodor Adorno, que também escreveu sobre o ensaio.

Não se mostra necessário, portanto, reforçar uma defesa do uso do ensaio na escrita acadêmica. Sua utilização nesse ambiente não é novidade e encontra na obra de Larrosa

A reflexão de Aldous Huxley citada por Thimoty Corrigan é extraída da obra “Preface to The Col

46

-lected Essays of Aldous Huxley” (2002), de Aldous Huxley, in Aldous Huxley Complete Essays,

orga-nizada por Baker, R. e Sexton, J., v. 6, 1956-1963, Chicago: Dee, p; 329-332. Larrosa, 2004.

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ficiente e rica argumentação. Interessa aqui refletir sobre o uso do ensaio no presente traba-lho.

Relacionar o ensaístico com a autodireção exige que se reconheça, primeiramente, a diferença de linguagens artísticas a que os dois se referem, o primeiro diz respeito a um esti-lo literário, enquanto o outro está relacionado a uma forma de criação no teatro. Essa distân-cia, ainda que deva ser considerada, não impede uma análise de ambas. Não se objetiva, contudo, encontrar pontos em comum entre elas, o que se torna difícil pela natureza distinta de cada uma, mas localizar ideias que permitam o diálogo entre a autodireção e o ensaísti-co, como por exemplo, o rigor formal, o conceito de experiência, seus limites, entre outros. Posteriormente, também serão incluídos em tal discussão o método cartográfico e a perfor-mance.

Penso, inicialmente, que o meu maior contato com o ensaístico se deu por meio do filme-ensaio/vídeo-ensaio, ou seja, por um caminho a partir do visual em direção à escrita, acho curioso que a escrita ensaística seja produzida para falar de algo também visual: a cena a partir de um processo criativo no teatro.

Ademais, foi animado pela escrita da crítica teatral que surgiu a vontade de me aventu-rar no que eu descobriria ser o ensaio. Ainda segundo Larrosa (2004), a crítica nasce com o ensaio, sendo esse o gênero do qual a crítica é espécie. O ensaio é o exercício da autocrítica por excelência. Tanto pela reflexão recair sobre si mesmo, como pela necessidade de uma liberdade interna para se dispor dessa forma.

O ensaio é um estilo de escrita que permite uma expressão sem tanto rigor e com mai-or pessoalidade. Da mesma fmai-orma, pode-se supmai-or uma liberdade criativa do atmai-or-diretmai-or que experimenta a autodireção, pois aquele decide sozinho sobre a montagem e sobre o modo como essa se desenvolve. As condições para a criação podem ser limitadas, nem por isso deixa o ator-diretor de fazer as escolhas que desejar a partir da realidade que enfrenta. Meu interesse na autodireção passa pela possibilidade de guiar o processo, sem ter que conciliar seus rumos com outra pessoa.

Ainda sobre o rigor, no teatro não há formas precisas para se criar. Além disso, se pen-sarmos especificamente quanto à autodireção, essa problematiza a forma de criação, na me-dida em que confronta a posição do ator e do diretor em face de ambas serem ocupadas pela mesma pessoa.

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Corrigan (2015) explica que mais do que a expressão de uma subjetividade, o ensaio discute a própria subjetividade e como se dá a experiência. Isso se dá em razão da visão pessoal do ensaísta ser continuamente testada pela experiência, tensionando os limites desse espaço interior diante desse mundo exterior, num processo de construção e desconstrução da própria subjetividade.

Um processo pautado pela autodireção também lida com uma criação em que a subje-tividade está em evidência, no caso, pelo fato de o ator e de o diretor serem a mesma pes-soa, o que implica enfrentar os objetivos e competências de cada uma dessas funções, suas proximidades e distâncias.

O ensaísta exercita pela escrita um processo de reflexão sobre sua experiência. Tal prá-tica exige uma profunda percepção de si. Fazendo um paralelo com esta pesquisa, a autodi-reção também representa um voltar-se para si mesmo, já que exige a análise do próprio per-curso na construção de um modo de trabalho e na criação cênica como ator-diretor.

A ideia do ensaio como um campo de exercício, de trânsito, possui profunda relação com o processo criativo na autodireção, em que o papel de ator e o de diretor se retroali-mentam continuamente. Não poucas vezes não saberia separar quando fui diretor ou ator durante os ensaios. As duas atividades se encontraram muitas vezes misturadas, sendo exer-citadas conjuntamente, uma estimulando a outra.

Relacionar o ensaio com a metodologia de pesquisa pela cartografia também se apre-senta possível, ainda que também caiba reconhecer para a natureza distinta deles. Assim como na escrita ensaística, no método cartográfico se trabalha a partir da experiência, da intervenção do pesquisador. A análise do que se obtém não se faz com distanciamento. Na cartografia, o que se pesquisa e quem pesquisa não estão em campos opostos, mas se encon-tram em lugares cujos limites são turvos, um interferindo no outro, de modo que analista e analisando são transformados um pelo outro por meio de uma vivência concreta . 48

Esse método não segue regras estabelecidas previamente, o que não quer dizer que a pesquisa prescinda de uma orientação. No lugar de metas fixadas em um momento anterior, opta-se por metas que se revelam no decorrer da pesquisa. As orientações iniciais passam a considerar o que é obtido na própria trajetória da pesquisa, seja quanto ao objeto, seja

quan-Passos; Barros apud Escóssia; Kastrup; Passos, 2009

(34)

to ao pesquisador . Esse alternativa a uma forma pré-estabelecida é reconhecível na escrita 49 ensaística.

Não se busca a representação de um objeto pelo método cartográfico, mas se volta para o acompanhamento de um processo. Assim, um objeto não é isolado das suas conexões externas, mas são exatamente essas que interessam à cartografia, que procura encontrar as forças que o envolvem . 50

Na autodireção, assim como na cartografia, há bastante espaço para uma percepção mais particular do processo, especialmente por envolver um percurso muito pessoal e o ob-jeto estar intimamente ligado ao próprio criador – já que muito da trajetória se faz pela per-cepção interna dessa relação ator-diretor. A presente pesquisa sobre autodireção tem como objetivo uma investigação sobre o modo de criar, sem um caminho previamente definido, mas cuja descoberta se dá ao longo do próprio trajeto, o que acontece com a cartografia.

Larrosa (2003) explica que o ensaio questiona o método, esse mesmo uma forma de controle do discurso científico. A partir disso, penso que a cartografia conversa com a escrita ensaística também nesse ponto, pois aquele não se apresenta com rigidez, a impor uma for-ma à pesquisa, for-mas como um questionamento às regras e como ufor-ma proposta de organiza-ção que se dá durante o próprio processo de investigaorganiza-ção . O diálogo entre o ensaio e a 51 cartografia permite buscar uma forma com maior liberdade e criatividade, especialmente por tratar de uma escrita sobre processo de criação nas artes cênicas, que não obedece a pa-drões estritos de produção.

Também se pode pensar numa discussão quanto aos limites que envolvem o ensaio, a autodireção e a cartografia. A falta de delimitação precisa do que corresponde ao ensaio se emparelha com a dificuldade de se definir o campo do ator e do diretor num processo de autodireção. Há uma constante mutabilidade de posições na autodireção, em que as frontei-ras do que cabe ao ator e ao diretor são muitas vezes apagadas, modificadas ou reconstruí-das. Paralelamente a isso, o ensaio habita uma área difícil de definir, transitando entre o fic-cional e o não ficfic-cional, entre o autobiográfico confessional e o jornalístico . Na cartografia 52

Passos; Barros apud Escóssia; Kastrup; Passos, 2009

49

Passos; Barros apud Escóssia; Kastrup; Passos, 2009

50

Passos; Barros apud Escóssia; Kastrup; Passos, 2009

51

Corrigan, 2015.

(35)

também se percebe uma falta de clareza entre os limites do que se pesquisa e do pesquisa-dor. 

Uma outra base da presente pesquisa foi a de pensar a autodireção pela perspectiva da performance, como forma de compreensão da autonomia criativa deste ator-diretor. Eleonora Fabião (2008) ressalta para uma certa indefinição terminológica da performance. A lingua-gem performática desafia tentativas de classificação, não por um desejo pelo indecifrável, mas por se constituir como um terreno fértil para se proliferar espécimes transitórias e híbri-das. Em termos mais práticos, percebe-se que a performance possui uma variedade bastante distinta quanto ao uso de materiais e mídias, à utilização de espaços e ao tempo de duração, o que torna difícil a tarefa de estabelecer parâmetros gerais para sua caracterização.

No ensaio também cabe uma grande variedade de discussões, como demonstrou Mon-taigne , bem como de perspectivas de quem o escreve, como entendido por Aldous Hux53 -ley . Assim, a questão de não se poder formatar a performance pelas suas práticas acaba por 54 se aproximar da ideia proposta pelo ensaio, em que persiste um campo mais livre de regras e, por conseguinte, de maior autonomia do ensaísta.

Ainda não se pode fugir de reconhecer que o termo ensaio é de comum utilização no teatro. É no ensaio que se cria, se experimenta. O diretor Antônio Araújo (2011) lembra que esse é o espaço para o erro, para se viver a crise e a frustração, para se adentrar em lugares internos que desconhecemos e que podem nos deslumbrar. Neste sentido, Larrosa (2003) nos diz que escrever ensaio já é uma forma própria de pensar.

No que se refere à experiência, também se pode identificar similitudes entre o ensaio e a performance. Ainda como entendido por Fabião (2008), a performance busca na vida e na vivência sua matéria de trabalho, daí o performer não buscar representar, mas fazer, ligando sua prática a elementos não-ficcionais, mas a uma experiência em si . 55

Em paralelo, se a experiência é o cerne do que se procura falar no ensaio, esse passa a ser uma forma de escrita compromissada com a fidelidade do que se experimentou. O en-saio é produzido tendo como base uma vivência pessoal, e mais, em um processo de pro-blematização da subjetividade de quem o escreve a partir da experiência pela qual passou.

Montaigne, 2010.

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A reflexão de Aldous Huxley citada por Thimoty Corrigan é extraída da obra “Preface to The Col

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-lected Essays of Aldous Huxley” (2002), de Aldous Huxley, in Aldous Huxley Complete Essays,

orga-nizada por Baker, R. e Sexton, J., v. 6, 1956-1963, Chicago: Dee, p; 329-332. Fabião, 2008.

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Larrosa (2004) também ressalta para a experiência do leitor do ensaio, o qual é estimulado por um texto que pode o levar a um ambiente de sentimentos e não de apatia.

Diante de todas essas questões, traçar essas relações entre as escolhas deste trabalho – quanto ao modo de escrevê-lo, a metodologia utilizada, o tema em si e conceitos utilizados – funciona como um exercício de reflexão sobre a relação entre a forma e o conteúdo, bem como sobre o modo como se deu a pesquisa.

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O ator além da cena

A posição de ator é meu ponto de partida para a direção e para a autodireção. A moti-vação por essas nasce da vivência e da criação no teatro de grupo e da experiência com o 56 palhaço. A primeira permitiu me aproximar da função do diretor e a segunda me fez exerci-tar sozinho, pela primeira vez, a autodireção.

Minha iniciação e formação com o clown se deu em oficinas de Adelvane Néia, na ci-dade do Natal/RN. Ela, por sua vez, tem seu aprendizado a partir da pesquisa do clown pra-ticada por Luís Otávio Burnier, que se utiliza de um treinamento energético e técnico , além 57 de exercícios específicos para a linguagem. Está-se falando de um palhaço que possui sua tradição no teatro e não no circo, ainda que as semelhanças entre ambos sejam muitas.

O clown ou palhaço tem raízes na baixa comédia grega e romana e na commedia 58

dell’arte, além dos bufões da Idade Média. Ele trabalha com a ideia de revelar a estupidez do

humano e questionar a ordem social . 59

O palhaço utiliza-se do improviso para criar. Mesmo em apresentações em que há um roteiro a ser seguido não se dispensa o acaso na execução do trabalho. Entretanto, antes de improvisar, o palhaço cria sua própria identidade, a partir de características e potencialida-des próprias (Pantano, 2007). Se na tradição circense a formação da identidade do palhaço

O teatro de grupo, no Brasil, tem suas raízes na década de 60, fruto de um contexto político espe

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-cífico, em que o fazer teatral e sua investigação tem íntima relação com uma expressão de indigna-ção e luta por direitos civis, obstruídos por um regime militar que durou de 1964 a 1985. Com o tempo, a redemocratização e a implantação de políticas culturais ensejaram uma mudança quanto às suas motivações. Ainda que o tom de provocação política permaneça, assim como a pesquisa estéti-ca, uma preocupação com a manutenção financeira do grupo também se estabelece, o que exige a construção de um diálogo entre as práticas teatrais e o mercado cultural (CARREIRA em prefácio de YAMAMOTO, 2012).

Em sua obra A arte do ator, da técnica à representação (2001), identifica-se que o treinamento téc

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-nico tem origem nos estudos de Grotowski, Barba e Decroux. O trabalho se concentra numa prepa-ração do ator, a partir de exercícios, que objetivam a construção de uma energia a ser levada à cena (Ferracini, 2001).

Aprendi na minha prática que o clown seria a expressão para os que teriam sua origem no teatro,

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já palhaço estaria ligada ao circo. Na prática, os dois termos tem se mostrado indistintos. Adoto esta não diferenciação neste trabalho.

Burnier, 2001.

Referências

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