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Ator, diretor, performer, dramaturgo, poeta, músico e apresentador de televisão . Na164 - tural do Rio de Janeiro/RJ. Possui vários trabalhos em que se autodirige. Atualmente, ele apresenta o programa de entrevistas Bipolar Show, pelo Canal Brasil. A entrevista foi realiza- da via Skype, no dia 19 de dezembro de 2018.

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MICHEL – Peraí... Achar o melhor momento, achar o melhor momento e... GEORGE – É verdade! É verdade!

MICHEL – O melhor momento é agora!

GEORGE – Concordo contigo! Bem... Bem, eu tô fazendo um mestrado, né, aqui em Natal

em Artes Cênicas, em Teatro, e a minha pesquisa é sobre autodireção. Eu sei que você tem uma vasta experiência já no assunto, né. Você já fez várias autodireções no caso, num foi?!

MICHEL – É... Cara, eu não compartilharia dessa mesma premissa sua.

MICHEL Melamed. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú

164

Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa383523/michel-mela- med> Acesso em: 28 de Jan. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

GEORGE – Não?

MICHEL – Não, por que qual seria a diferença entre direção e autodireção?

GEORGE – Alguém te dirigir ou você estar somente na posição de diretor ou de ator, e no

caso da autodireção você tá ocupando as duas opções ao mesmo tempo.

MICHEL – Sim, mas isso me soa levar... Eu tô falando isso não só relacionado ao que você

apontou, mas obviamente nesses anos todos esse assunto já surgiu diversas vezes. As pesso- as, cada vez menos, mas principalmente quando eu comecei, se surpreendiam muito com essa coisa já: “Mas quem se dirigiu? Você se dirigiu?”. E sempre me surpreendeu... Com o passar dos anos, eu fui compreendendo com mais clareza o porquê... Se há uma distinção entre direção e autodireção, isso deveria ser verificável, quer dizer, toda vez que alguém diri- ja sem estar em cena, teria alguma característica nessa direção que seria detectável e que não estaria presente nisso que você está chamando de autodireção. Faz sentido? O que eu tô querendo dizer é: não existe, principalmente em arte, e agora fazendo um outro parêntese, né, que hoje eu li um texto super bonito por ocasião dessa, de… desse absurdo que foi essa desembargadora acelerada...

GEORGE – Sim, sim...

MICHEL – Você viu essa mulher? GEORGE – Eu vi, sim!

MICHEL – Que não só falou da Marielle, como falou de uma professora com síndrome de

down, não sei se você viu isso...

GEORGE – Essa eu não vi... MICHEL – Perdão!

GEORGE – Não... Essa da garota com síndrome de down, da professora, eu não vi...

MICHEL – Então, isso foi até matéria do Fantástico, uma matéria aliás muito tocante, e aí

hoje eu li um texto que, se não me engano, é da Associação Brasileira de Síndrome de Down, de portadores ou de parentes, e em algum momento a discussão era sobre educação. E fala justamente isso, que todos somos diferentes, então toda diferença tem uma contribui- ção a dar. E isso me chamou atenção porque é a maneira como eu vejo o mundo e, por con- seguinte, é a maneira como eu vejo a produção artística. Então voltando ao nosso assunto... Todo mundo tem um olhar único, singular, para exercitar e para criar.

GEORGE – Sim!

MICHEL – De maneira que não é através de autodireção ou direção que você configura

maior distanciamento, ou maior presença, ou uma posição mais privilegiada ou menos privi- legiada pra que aconteça direção. Então isso foi só retificando, já trazendo uma problemáti- ca pra você como estudioso, que na minha perspectiva não existe autodireção.

GEORGE – Olha... Alô?! Falhou... Alô?! MICHEL – Oi?

GEORGE – Desculpa, falhou aqui, eu parei de escutar quando você disse que não existe au-

MICHEL – Então... Eu nunca me autoproclamei autodiretor. Eu não sou um autodiretor, eu

sou um diretor.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Com as mesmas responsabilidades e os mesmos pecados de qualquer diretor. GEORGE – Hum hum!

MICHEL – Não menos...

GEORGE – Nossa, tá falhando aqui...

MICHEL – Enfim, em nenhum momento em posição diferente de qualquer outro diretor que

porventura não esteja no palco.

GEORGE – Hum hum! Entendi...

MICHEL – Cara, eu jamais poderia acreditar que o fato de tá no palco me impede de perce-

ber o todo.

GEORGE – Hum hum!

MICHEL – Porque poderia de outra maneira falar assim: “Como é que alguém pode querer

dirigir sem estar no palco?”. É uma visão parcial do que tá acontecendo?

GEORGE – É verdade!

MICHEL – Porque eu posso filmar... Se essa é uma questão assim arquitetônica, uma questão

assim, de fato, de olhar de frente, eu posso filmar e assistir, ao passo que alguém que tá de fora dirigindo... Nunca vi alguém botar um ator dentro filmando pra de fora assistir, ter a ex- perenciação de como é estar naquela cena...

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Então, é isso... Eu não... Nunca trabalhei com essa ideia de autodireção. Pra mim

o que existe é direção. E a direção, é... É isso, envolve todas as questões, estando você den- tro do palco ou fora dele.

GEORGE – Nossa, isso derruba muitas questões que eu ia colocar pra você, porque é uma

outra visão, e uma visão muito interessante ao colocar-se como próprio[…] Na verdade, me remete um pouco à ideia de uma criação, né. Parece que não é tanto a posição, mas a posi- ção de criador do próprio trabalho.

MICHEL – Mas é! É isso! Acho que no âmago da questão, acho que é isso. Mas sem ser no

âmago, eu desempenho a função de direção nos meus projetos, entre aspas “pessoais”, ou que eu sou o – faz tanto edital que eu fico com essa palavra proponente na cabeça... – mas, que eu sou o propositor!

GEORGE – Falhou!

MICHEL – O meu lugar como diretor desses projetos... Eu dirijo o “Bipolar Show”, que é um

programa de televisão[…] Eu sou o diretor do programa, independentemente do fato d’eu ser o apresentador do programa.

MICHEL – É... Eu não sou um apresentador que estou criando... Isso é verdade. Lógico que,

nesse caso, existe uma criação que é contígua. Se eu escrevo, o que eu digo... Quando eu escrevo, eu já tô pensando na cena e eu já tô pensando na imagem, existe um tráfico e um tráfego entre essas coisas. Mas o fato de haver essa troca por você ser o criador, como você colocou, não me destitui a posição de diretor do trabalho.

GEORGE – Não, não!

MICHEL – Da mesma maneira que um diretor que não estivesse em cena... Eu estou preocu-

pado com as mesmas coisas, eu me organizo da mesma maneira, eu preciso conceituar o trabalho, preciso ter uma ideia do todo... Enfim... Tudo que concerne...

GEORGE – Ai, falhou... Alô, alô?! MICHEL – Oi?

GEORGE – É, não, desculpa... Falhou rapidamente. Mas me fala uma coisa, então... Já que

você é o diretor, você é diretor, é o criador? E me parece que essa visão tua te aproxima, faz muito sentido em trabalhos que você tá falando muito de si. Num sei se... Como você... Pa- rece que você se coloca ainda mais, por estar dentro, por estar fora, por estar na cena e por estar na cena como diretor, né... Colocando da forma que você disse mais... Você acha que isso te coloca numa posição de mais proximidade com todo o discurso, com mais apropria- ção?

MICHEL – Não, se não eu taria me contradizendo, não que a contradição não seja algo mui-

to bem-vinda, como diria Oscar Wilde, a contradição é um direito da beleza e da inteligên- cia, né. Não que eu seja belo, e nem que eu seja de todo não burro, ou de todo burro. Mas o fato é que não, porque eu não acho que exista uma posição de privilégio na construção de um projeto artístico.

GEORGE – Hum...

MICHEL – O que existe é uma posição sempre singular. Por isso que eu discuto sobre essa

denominação de direção e autodireção como se houvesse diferenças. Diferenças existem entre todos os diretores, se não você colocaria 100 diretores fora de cena, e os 100 dirigiri- am igualmente... Não! Se você colocar 100 diretores pra dirigir um trabalho, teremos 100 trabalhos artísticos. Se tivermos 100 dentro e 100 fora, teremos 200 visões de 200 diretores.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – O fato de você tá dentro e tá fora não muda a questão central, que é a questão da

criação, do desafio da criação, de como você se aproxima, como você olha... E o olhar não está, muito pelo contrário, diretamente ligado a uma questão física.

GEORGE – Sim...

MICHEL – O olhar é um olhar subjetivo... O olhar é um olhar intuitivo... O olhar é duvidar

do seu olhar... Olhar é olhar e olhar de novo a mesma coisa e encontrar uma nova coisa.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Quê que adianta ter um cara do lado de fora da cena que não veja nada? Não é

por estar fora da cena que você vê mais, ou menos...

MICHEL – Então eu não vejo diferenciação, o que existe é direção de um trabalho. Tanto que

eu já dirigi trabalhos em que eu estava em cena e trabalhos em que eu não estava em cena.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Então, dirigir pra mim não está diretamente relacionado ao estar em cena. GEORGE – Hum hum! Entendo...

MICHEL – É isso... Eu trabalho como diretor. Ocasionalmente, ou mesmo mormente, por

uma questão de interesse, eu trabalho em muitos trabalhos em que eu estou em cena sendo diretor. Mas já trabalhei em alguns sendo diretor sem estar em cena.

GEORGE – Você poderia falar um pouco de como se dá esse modo de trabalho quando você

está em cena e também é diretor? Eita, falhou um pouquinho aqui...

MICHEL – Comecei a usar óculos há um tempo...

GEORGE – Como é? Eu também tô usando óculos faz três meses, eu não usava...

MICHEL – Exato, devemos ter idade próxima aí... Tá muito louco porque... É meio óbvio,

mas experienciando isso que é...

GEORGE – E tem algo de visão, né, tem algo sobre a visão do trabalho, sobre como se en-

xergar, tem um simbolismo...

MICHEL – E há uma diferença entre ter visto, quem usa óculos durante anos de fora e ter ou-

vido falar que quando você coloca o óculos você não tira mais etc. etc... E a diferença que é passar a usar óculos e entender: “Caramba, quando você passa a usar, você não tira mais.”, que é o que tá acontecendo comigo agora...

GEORGE – É, eu também...

MICHEL – Então conversar contigo sem a imagem piora muito. GEORGE – Eu também! (Risos)

MICHEL – Então entra nesse caso do óculos... Como é me dirigir com óculos, eu estando

dentro do óculos, dentro da cena, me faz mais rico do que eu ter dirigido com os óculos de fora...

GEORGE – Isso!

MICHEL – Então... Então, o que eu tava dizendo é que eu posso te comentar é que trabalho é

trabalho, que acho que justamente um dos trabalhos, uma das questões centrais de um traba- lho artístico é a questão, e talvez seja até mais específico da direção... A questão da direção é justamente estabelecer métodos, né...

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – A direção é metodologia. GEORGE – Hum hum!

MICHEL – Então... Como a ideia é sempre... O desejo, ao menos, é se envolver com um tra-

balho criativo, eu não poderia, e não experenciei a reprodução de um método. A cada traba- lho houve o hercúleo trabalho de inventar o método.

GEORGE – Entendi...

MICHEL – Não há um método único que eu aplico a todos os trabalhos... Eu posso comen-

tar... Trabalho é trabalho...

GEORGE – Entendi, entendi... E, devem variar bastante, então... MICHEL – Como é que é?

GEORGE – Eles devem variar bastante, então...

MICHEL – Ah, bastante! Exatamente! Por exemplo... Monólogos pra teatro... Eu já fiz espetá-

culos em que eu me filmei pra ver...

GEORGE – Sei...

MICHEL – Já fiz espetáculos em que eu não me filmei, não me vi no espelho, nada, zero, só

de dentro pra fora.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Televisão... O “Bipolar”, por exemplo, que é o último projeto... O “Bipolar”,

como envolve uma série de questões técnicas, como posicionamento de câmera, ilumina- ção, o tempo de uma série de movimentações do set, eu ensaio no mínimo uma semana an- tes o programa inteiro.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Pra ensaiar o programa inteiro, eu chamo um dublê, então... Eu tenho dublê em

cena durante sete dias e eu fico por trás das câmeras, pra entender quem sou eu lá dentro e o que que tem que tá acontecendo fora quando eu estiver lá dentro...

GEORGE – Sim... Alô?! Alô?! Alô?! Desculpa, falhou! Você vê quando você está lá dentro,

porque é televisão... Televisão ajudaria ter esse dublê, no caso.

MICHEL – Porque como tem muitas coisas que acontecem fora de cena, eu preciso está es-

ses sete dias antes fora de cena pra repassar todos os acontecimentos, ser surpreendido pelas coisas imprevistas e poder deixar tudo organizado de maneira que no dia que começa a gra- vação e eu vou pra frente da cena, todo mundo que tá por trás já sabe qual é a direção que tem que fazer...

GEORGE – Entendi!

MICHEL – E mesmo assim, muitas vezes, praticamente o tempo inteiro, eu estou dentro de

cena também dirigindo.

GEORGE – Nossa...!

MICHEL – Isso acontece muito. E não é uma coisa... É uma coisa que é natural... Como eu tô

envolvido, como eu participei da construção, da pré-produção, fiz uma semana de ensaio, eu muitas vezes tô conversando com o convidado percebendo que tem questões ali, eu paro a gravação, comento uma coisa que tá fora, a gente refaz... Então...

GEORGE – Você dirige de dentro... MICHEL – Hum?

GEORGE – Você dirige de dentro mesmo! MICHEL – De dentro mesmo!

GEORGE – Que incrível isso!

MICHEL – É... É isso aí... Acho que... É, é isso aí... É que parte do trabalho do apresentador é,

em algum sentido, dirigir, né?

GEORGE – Sim!

MICHEL – O apresentador está direcionando o acontecimento ali, portanto, pressupõe-se

que tem uma interpretação do que está acontecendo, e interpretação do apresentador, ela é hegemônica.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Porque é ele que tá conduzindo aquele encontro... Se eu sinto de dentro que o

programa não está acontecendo, não está andando, há alguma falta, e eu sou o apresentador e o personagem que tem que denunciar isso e buscar novas estratégias pra resolver aquela questão, porque é quem tem um poder pra isso. Claro que em muitos programas o apresen- tador tá dentro e o diretor comenta fora, ele faz um comentário no microfone etc., alertando pra isso. Agora, me surpreenderia que um diretor alertasse pra algo está acontecendo dentro que o apresentador não está vendo.

GEORGE – Ah! Mas pode acontecer!?

MICHEL – Pode acontecer! Mas acho que seria surpreendente, porque como é que o cara tá

dentro ali e não tá percebendo que a conversa tá andando, que ele não explorou um ponto, ou que...

GEORGE – Falhou, falhou um pouco.

MICHEL – Enfim... Esse é o trabalho do apresentador.

GEORGE – Entendi! E, me fale uma coisa... Como é que, já que você tá dentro, tá fora, pra

você é muito claro colocar o ponto-final no trabalho, numa montagem? Você acha que é muito tranquilo isso, já que também não há crise quanto à posição do diretor dentro ou fora?

MICHEL – Não, não tem crise nenhuma!

GEORGE – Nossa... Nossa, falhou aqui. Alô?! Oi, desculpa, deu uma falhadinha aqui no seu

áudio.

MICHEL – A crise que existe não é quanto a estar dentro ou fora, quanto à direção. A crise

que existe é quanto a criar, sobre criar.

GEORGE – Hum hum... Sim!

MICHEL – Criar é se colocar numa situação de crise. GEORGE – Sim, sim...!

MICHEL – De um círculo de forças. Isso pra qualquer criador, independentemente do papel,

na minha visão. Então eu, nos meus trabalhos, não é pelo fato de que haveria um diretor fora que num momento de crise dá o ponto-final, seria a voz que... Isso não existe.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – O que existe... Se está em crise permanente, com todas as oscilações que a crise

permite, que é a extrema confiança na direção de um trabalho que tá tomando, e no dia se- guinte a completa derrota, né, do fracasso iminente... E, no entanto, há uma curiosidade mesmo que me deixa feliz, porque se não eu morreria de úlcera... Mas nos meus trabalhos todos, eu sinto a sensação de morte em todos […], a cada vez que se aproxima estreia ou primeiro dia de gravação, eu cada vez vou sentindo assim um desespero maior...

GEORGE – Nossa...

MICHEL – E, no momento em que começa, eu me sinto... Eu tenho certeza absoluta, e dá

tranquilidade, de que era exatamente aquele o trabalho que eu queria realizar e daquela forma. Eu não tenho experiência e me sinto muito grato a isso. Espero que eu não tenha ex- periência adversa dessa porque essa é muito feliz... De estrear, começar a gravar um projeto, ou estrear um espetáculo e concluir que não era aquilo, que estava errado, que eu estou ar- rependido daquela... Isso nunca aconteceu. Não quer dizer que eu não tenha mudado coisas durante, ao contrário. Eu levo a mudança até o último segundo. Numa temporada eu posso mudar no último dia de espetáculo... Eu considero que o trabalho tá vivo.

GEORGE – Sim, sim...

MICHEL – Né... Eu estou vivo... Portanto, não há razão pra não continuar respirando com

ele. Mas nenhuma situação de, relacionado ao que você falou, que a crise ou a dificuldade em relação ao ponto-final, que alguma coisa ficou pelo caminho, de que... Não. Eu batalho até o último momento, brigo, me mato, acho que eu vou morrer e quando acontece, pelo menos até hoje, eu... Isso é muito formalizado pra mim porque, já tem alguns anos, eu tinha um outro programa que chamava “Decote”, da TV… atual TV Brasil, e eu lembro que che- gou um escritor uma vez lá, que eu não lembro quem é, mas ele me falou assim: “Pô, esse é meu 11º livro! Finalmente, eu sinto que eu estou representado, esse é o meu trabalho!”.

GEORGE – Nossa, falhou... Alô?! Desculpa, desculpa... Deu uma falhada aqui... E quando

ele diz que “Esse realmente é o meu trabalho...”...

MICHEL – Aí ele me transferiu a pergunta. E por isso, isso foi uma coisa que ficou na minha

cabeça esses anos todos, porque na mesma hora que ele me perguntou: “E você? Como é?”, eu parei pra pensar e vi que eu quase morro, mas assim que o trabalho tem um ponto-final, eu vou pra praça bater bumbo porque eu tenho certeza que é aquilo e eu quero comparti- lhar com as pessoas.

GEORGE – Que massa!

MICHEL – Então eu vi que havia um tipo de experiência que era muito diversa da minha,

mas através da dele eu pude ver que a minha não é essa.

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Eu realmente tenho um ponto-final.

GEORGE – Entendi... E é muito claro pra você, então... É muito, muito... Nossa... É muito

interessante porque é uma direção que vem muito fluida, né... Lógico, apesar da crise da cri- ação, que é inevitável, eu tô vivendo isso também, mas flui, né; você parece aceitar muito bem, esse fluxo que vem de você, apesar de, lógico, como diretor se questionar, pensar as opções, né, prever, tentar prever se funciona ou não, como qualquer diretor...

MICHEL – Sabe uma coisa que eu gosto muito nos trabalhos... E que isso, apesar de recursar

a metodologia, não acho que seja um método, talvez seja, mas é que eu experimentei tam- bém tantas vezes, que chegou um ponto que eu vi que é algo que acontece sempre também. Pra todo trabalho eu faço um dever de casa amplo, até por essa questão de grande parte das vezes tá em várias posições, eu tenho que preparar muito...

GEORGE – Sim...

MICHEL – Então... Por exemplo... Agora mesmo eu tô fazendo um projeto pra televisão etc.

Eu vou assim... Eu vou buscando todos os detalhes, todas as referências ligadas a cenografia, figurino, tudo ligado a câmeras, enquadramentos, lentes... Então eu faço um trabalho imenso de casa...

GEORGE – Hum hum...

MICHEL – Aí quando o trabalho começa a ser produzido, as coisas começam a ter uma ve-

locidade, uma demanda que é num ritmo avassalador, e que não é esse mais dessa reflexão pausada. E aí eu entro num outro modo, que é um modo que poderia se chamar intuitivo, e que eu adoro a frase, não me canso de repetir, do Bourdieu, que se eu não me engano é dele, que fala que a intuição é o paroxismo da razão, que ela não seria algo ligado ao misti- cismo; ao contrário, seria um raciocínio tão veloz que você não refaz o trajeto. E eu experi- enciei isso muitas vezes... Então... Depois que o trabalho começa a entrar em ritmo de pro- dução e aí você começa a saltar as noites e os dias e entra num turbilhão e você tem que