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A MÃE DESBUNDADA X LA MAMMA FRICCHETTONA: AS ESCOLHAS DO TRADUTOR SÉRGIO NUNES MELO PARA A TRADUÇÃO DO MONÓLOGO DE DARIO FO E FRANCA RAME

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS ROMÂNICAS

CRISTIANA ALMEIDA DE SOUSA

A MÃE DESBUNDADA X LA MAMMA FRICCHETTONA:

AS ESCOLHAS DO TRADUTOR SÉRGIO NUNES MELO

PARA A TRADUÇÃO DO MONÓLOGO DE DARIO FO E

FRANCA RAME

Salvador 2015

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CRISTIANA ALMEIDA DE SOUSA

A MÃE DESBUNDADA X LA MAMMA FRICCHETTONA:

AS ESCOLHAS DO TRADUTOR SÉRGIO NUNES MELO

PARA A TRADUÇÃO DO MONÓLOGO DE DARIO FO E

FRANCA RAME

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado de Língua Estrangeira, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia – UFBA, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Alessandra Paola Caramori

Salvador 2015

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CRISTIANA ALMEIDA DE SOUSA

A MÃE DESBUNDADA X LA MAMMA FRICCHETTONA:

AS ESCOLHAS DO TRADUTOR SÉRGIO NUNES MELO

PARA A TRADUÇÃO DO MONÓLOGO DE DARIO FO E

FRANCA RAME

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado de Língua Estrangeira, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia – UFBA, como requisito parcial

para obtenção do título de Bacharel em Letras.

____________________________________________________________________ Alessandra Paola Caramori (UFBA)

Orientadora

____________________________________________________________________

Carla Dameane Pereira de Souza (UFBA) Examinadora

_____________________________________________________________________ Tatiana Arze Fantinatti Baptista Cavalcanti (UFBA)

Examinadora

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Il resto del mio tempo lo voglio passare tra la gente, tra le donne... Regalare quello che ho dentro, che sono piena di cose bellissime... prendere quello che la gente ha da darmi... le esperienze... Voglio parlare, ridere, cantare... Voglio stare a guardare il cielo... Lo sai figlio mio che il cielo è azzurro, ed io non lo sapevo più? No, caro, a casa non ci torno, neanche se mi mandate a prendere con i carabinieri.

Dario Fo e Franca Rame – La mamma fricchettona

Traduzir é: Pegar um peixe de rio doar-lhe o sal da saliva

lançá-lo vivo no mar.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por todas as bênçãos concedidas a minha vida e, neste momento, por proporcionar-me a conclusão de um curso acadêmico e de um trabalho. Agradeço, também, a meu Santo Antônio.

À minha tão querida e especial orientadora Professora Dra. Alessandra Caramori que, com a competência, a sabedoria e a generosidade que lhe são peculiares, soube me orientar da melhor forma possível. Meu muito obrigada por tudo, Professora, principalmente, pela paciência e compreensão que teve frente as minhas dificuldades surgidas durante o processo da pesquisa, mas que você, com sabedoria, soube me ajudar.

À minha querida família que sempre me apoiou em todas as minhas escolhas, dando-me a força necessária para alcançar meus objetivos.

À minha amiga Lorena Di Lauro que me ofertou carinho e amor quando eu precisei.

Às Professoras Carla Dameane Pereira de Souza e Tatiana Arze Fantinatti Baptista Cavalcanti por aceitarem o convite de participar da banca examinadora.

Ao tradutor Sérgio Nunes Melo por nos ter cedido seu texto para ser analisado neste trabalho, e respondido prontamente ao nosso questionário, que nos foi muito útil, a quem também estendo meu muito obrigada.

Só posso agradecer, também, a todos os professores do Italiano que contribuíram para minha formação, em especial ao Prof. Mauro Porru, exemplo de vida, amor e profissionalismo.

Meu muito obrigada a Eliel Ferreira, que foi assistente de direção, iluminador, cenotécnico e diretor de cena da Companhia Teatrale Fo-Rame, responsável por apresentar-me Dario Fo e viabilizou meu contato com a escritora Marisa Pizza. Obrigada, também, à generosa e atenciosa Marisa Pizza. Meu muito obrigada ao grande Dario Fo pela gentileza e atenção ao nosso pedido.

A todos os colegas que contribuíram para que o meu curso fosse um grande encontro e um ambiente de aprendizagem, trocas e amizades. Fico feliz de ter encontrado ao longo do meu percurso, nesta universidade, queridos amigos que me ajudaram em vários momentos: deixo meu muito obrigada a Duda (Maria Eduarda) pelo constante incentivo, a Sílvio, sempre pronto a me ajudar, a Susi, que contribuiu para realização deste trabalho, emprestando-me seus livros e sempre me ouvindo, a Cássia, pela sua força, alegria e confiança em mim, a Adriane, sempre me salvando nas horas de sufoco, a Isabela, a Cristiane Landulfo (que foi minha professora e colega de trabalho no NUPEL e sempre me ajudou muito), à Profa. Adriana Sciarretta pelo constante apoio e incentivo, a Pedro, a Cláudia, a Robson.

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RESUMO

Este trabalho consiste em uma breve análise da tradução do texto teatral La mamma

fichettona de Dario Fo e Franca Rame feita por Sérgio Nunes Melo. Primeiramente,

reconhecemos os dois textos como fenômenos culturais distintos e, por meio deste processo de análise, refletimos sobre as escolhas feitas pelo tradutor, tendo como base os conceitos de domesticação e estrangeirização desenvolvidos por Lawrence Venuti (2002), como, também, a ideia de produção de significados que se dá no processo de tradução, proposta por Rosemary Arrojo (2007). Enfocamos, também, aspectos específicos referentes à tradução para o teatro em razão do objeto de análise ser um texto dramático a ser encenado.

Palavras-chave: Tradução. Escolhas do Tradutor. Culturas distintas. Domesticação.

Estrangeirização. Texto dramático.

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RIASSUNTO

Questo lavoro consiste in una breve analisi della traduzione del testo teatrale La mamma

fricchettona di Dario Fo e Franca Rame fatta da Sérgio Nunes Melo. Prima,

riconosciamo i due testi come fenomeni culturali diversi e, per mezzo di questo processo di analisi, abbiamo riflettuto sulle scelte fatte dal traduttore, avendo come base i concetti di addomesticamento e estraniamento svolti da Lawrence Venuti (2002), come, anche, l`idea di produzione di significati che si dà nel processo di traduzione, presentata da Rosemary Arrojo (2007). Trattiamo, anche, aspetti specifici che fanno riferimento alla traduzione per il teatro perché l`oggetto di analisi è un testo drammatico ad essere recitato.

Parole-chiave: Traduzione. Scelte del traduttore. Culture diverse. Addomesticamento.

Estraniamento. Testo drammatico.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 APRESENTAÇÃO

2.1 APRESENTAÇÃO DOS AUTORES DARIO FO E FRANCA RAME E DA OBRA LA MAMMA FRICCHETTONA

2.2 APRESENTAÇÃO DO TRADUTOR SÉRGIO NUNES MELO E DA OBRA A

MÃE DESBUNDADA 12 12 18 3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 21 4 ANÁLISE DA TRADUÇÃO 4.1 DOMESTICAÇÃO DO TEXTO-FONTE 4.1.1 Domesticação de expressões 4.1.2 Domesticação acerca da política 4.1.3 Domesticação acerca da religião

4.2 EXCLUSÃO DE PASSAGENS TEXTUAIS (OMISSÃO)

4.2.1 Omissão pura e simples 4.2.2 Omissão “ideológica” 4.3 ACRÉSCIMOS 26 28 28 33 37 38 38 40 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 46 REFERÊNCIAS 49

ANEXO 1 - Texto La mamma fricchettona de Dario Fo Franca e Rame publicado pela Fabbri Editori em 2005

51

ANEXO 2 - Texto A mãe desbundada de Sérgio Nunes Melo 61

ANEXO 3 – Manuscritos de La mamma fricchettona e em seguida primeiro texto datilografado com correções todos retirados do site oficial de Dario Fo e Franca Rame

68

ANEXO 4 - Entrevista com o tradutor Sérgio Nunes 77

ANEXO 5 – Correspondências e entrevista com a escritora Marisa Pizza 80

ANEXO 6 - Imagens referentes aos textos La mamma fricchettona de Dario Fo e Franca Rame e A mãe desbundada de Sérgio Nunes

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi construído aos poucos, com algumas dificuldades, muita teima e algumas incertezas. No entanto, uma certeza já começava a se formar há mais de um ano, quando do estudo da disciplina Teatro Italiano, ministrada pela Professora Alessandra Caramori: o desejo de trabalhar com um texto de Dario Fo e Franca Rame. No entanto, este desejo somente tornou-se projeto de pesquisa e de estudo depois de uma rápida passagem pela Itália para fazer um curso de italiano, momento em que tive a feliz oportunidade de assistir ao grande Dario Fo no espetáculo Ciulla, il grande

malfattore, no Teatro Duse, em Bolonha, e de conhecê-lo.

Após alguns encontros com a orientadora, a decisão de fazermos uma pesquisa sobre um texto do grande casal - Fo e Rame - foi tomando forma e se concretizando aos poucos. Como não tínhamos tempo hábil para fazermos uma tradução, a Professora/Orientadora sugeriu-me analisar a tradução do texto La mamma fricchettona de Dario Fo e Franca Rame feita por Sérgio Nunes Melo com o título A mãe

desbundada, dando-me, assim, um grande desafio e presente. É importante dizer que a

presente análise foi feita em conjunto: orientanda e orientadora.

Depois da leitura dos respectivos textos, texto-fonte e texto-alvo, decidimos realizar este trabalho, que consiste em fazer uma breve análise do texto A mãe

desbundada, tradução de Sérgio Nunes Melo do monólogo La mamma fricchettona de

Dario Fo e Franca Rame, a partir de pressupostos teóricos pertencentes às tendências contemporâneas de Tradução que têm como importantes representantes: James Holmes, André Lefevere, Susan Bassnett, Jacques Derrida, Lawrence Venuti, Rosemary Arrojo, Paulo Henriques Britto, entre outros. No entanto, para esta análise, utilizaremos o pensamento do teórico norte-americano Lawrence Venuti (2002) com sua teoria da domesticação e estrangeirização do texto; Rosemary Arrojo (2007), com sua visão sobre a produção de significados no processo de tradução; também, contamos com o pensamento de Paulo Henriques Brito (2012) por apresentar um posicionamento mais moderado e defender as ideias de Venuti.

Abordaremos, também, aspectos específicos referentes à tradução para o teatro em razão do objeto de análise ser um texto dramático para ser encenado. Partindo da afirmação de Sérgio Nunes (Anexo 4) de que “[...] uma tradução em que a língua

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estrangeira continue aparecendo é uma tradução inacabada [...]”, verificaremos se o dizer e o fazer do tradutor se coadunam.

Para enriquecer este trabalho, utilizamos duas entrevistas, que se encontram, parcialmente, no corpo deste trabalho, e, integralmente, nos anexos, respondidas respectivamente, pelo tradutor Sérgio Nunes e outro pela escritora Marisa Pizza, autora de alguns livros sobre a obra de Dario Fo e Franca Rame, e que foi autorizada pelo próprio Dario Fo a responder às perguntas que foram direcionadas, inicialmente, a ele.

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2 APRESENTAÇÃO

Il teatro di Dario Fo e Franca Rame si è sempre preoccupato di raccontare il proprio tempo nella volontà operosa di un futuro migliore che solo il teatro sa ancora raccontare. (Marisa Pizza)

2.1 APRESENTAÇÃO DOS AUTORES DARIO FO E FRANCA RAME E DA OBRA

LA MAMMA FRICCHETTONA

Não se pode falar da história recente da Itália sem se referir a Dario Fo e Franca Rame, como bem pontua a escritora Marisa Pizza, estudiosa da poética, dramaturgia e história deste casal: “[...] a história do teatro de Dario Fo e Franca Rame reflete sessenta anos de história da Itália, mas não somente isto, se pensarmos na repercussão internacional do seu teatro em razão da grande sensibilidade mostrada, por tratar temas e problemas amplamente difundidos e atuais.”1(TN) 2

Para abordamos um pouco a trajetória do casal Fo-Rame, utilizamos as informações presentes na obra de Neyde Veneziano, A cena de Dario Fo: o exercício da

imaginação. Este livro é a reprodução da tese de livre-docência, defendida no

Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em novembro de 2011, resultado de nove meses de pesquisas em Milão, junto a Dario e Franca na C.T.F.R. – Compagnia Teatrale Fo e Rame.

Rame nasce em Parabiago, uma província de Milão, em 18 de julho de 1929, filha de Domenico Rame e da professora Emilia Baldini. O avô, Pio, foi um dos últimos e maiores marionetistas italianos. A família Rame possuía um teatro itinerante todo em madeira, que podia ser montado e desmontado em diferentes praças, e, juntamente, com os outros filhos, Enrico, Lina, Pia e o tio Tommaso, alguns primos, alguns atores e atrizes contratados, constituíam a famosa companhia I Rame (Os Rame) . É importante dizer que, até 1940, Os Rame conseguiram manter as tradições teatrais mais antigas. Diante do exposto, conhecemos um pouco o ambiente em que Franca Rame cresceu, no

1 Os trechos em português em que constarem a sigla TN foram traduzidos do italiano para o

português por nós e o texto em italiano encontra-se no rodapé do trabalho.

2

“La storia del teatro di Dario Fo e Frana Rame riflette 60 anni di storia d’Italia e non solo, se pensiamo infatti alla diffusione interrnazionale del loro teatro próprio per la grande sensilbilità mostrata, di trattare tematiche e problematiche ampiamente diffuse e tutt’ora attuali.”

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qual pode aprender os truques da profissão e entendeu o teatro como a sua própria casa, como nos transcreve “Porque eu nasci no teatro: estreei com oito dias, nos braços de minha mãe... Naquela noite, não falei muito”. (VENEZIANO, 2002, p. 72)

Nos anos 50, após a morte do pai, Franca abandona a Companhia I Rame. Não houve rompimento com a família, como bem explica (VENEZIANO, 2OO2, p. 60): “Os motivos que a levaram a trocar o teatro itinerante pelos palcos convencionais foram puramente econômicos.”

No ano de 1926, em San Giano, uma cidadezinha da província de Varese, próximo ao lago Maggiore, nasce Dario Fo, que, diferentemente de Franca, não vem de uma família de atores profissionais. O pai, Felice, era chefe da estação ferroviária local, socialista, e, às vezes, ator amador. Sua mãe, Pina Rota, era muito criativa e talentosa. A sua família era formada por mais dois irmãos, Fulvio e Bianca, e o seu avô, materno, agricultor e vendedor das próprias verduras. Este avô, que morava em Lomellina, também, na região da Lombardia, percorria toda a região vendendo seus produtos e, na intenção de atrair clientes, contava as mais diversas fábulas grotescas nas quais conseguia inserir episódios reais acontecidos na região por onde passava. É com este avô, Bristìn, que o pequeno Dario passava suas férias e foi ele seu primeiro modelo: o do fabulador satírico grotesco.

É interessante evidenciar que a região do lago Maggiore, na qual estava inserido Dario Fo, conservava toda uma cultura e uma tradição popular muito desenvolvida, viva e integrada à realidade do dia-a-dia, como nos diz Veneziano (2002, p. 79). Exibiam-se aí os fabulatori, pessoas que recontavam histórias a partir de modelos seiscentistas, quinhentistas e, até, medievais. No entanto, esses contadores de histórias fantásticas não tinham consciência de que eram filhos da tradição giullaresca. Veneziano (2002, p. 111) explicita-nos:

Mais tarde, Fo estudará e pesquisará, à exaustão, a figura do giullare, seus monólogos, seus textos, suas músicas, sua irreverência, traduzindo-o em sua obra-prima: Mistero Buffo. Dessa figura e dessa tradição, sugou a seiva para os seus procedimentos de cena.

Não é demais evidenciar que Dario Fo foi influenciado pela tradição itinerante e popular, a qual se tornou, assim, um dos elementos de base de sua formação teatral. Também, a atriz Franca Rame exerceu um papel fundamental na formação do marido e, nas palavras de Veneziano (2002, p. 114), “[...] ensinou-lhe a arte do improviso e a fórmula da comédia ottocentesca”.

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É no verão de 1950 que Dario e Franca se conhecem. No ano de 1954, Rame, para contentar a mãe que, era uma católica fervorosa, casou-se com Fo, em Milão, na Igreja de Sant’Ambrogio.

Esta breve apresentação não tem o objetivo de ser uma extensa biografia do casal, mas não se pode separar a vida e a atividade política da carreira teatral do casal, como bem nos assinala Veneziano (2002). E da leitura e do estudo do texto-fonte encontraremos algumas dessas marcas históricas e pessoais do casal no discurso da personagem mamma fricchettona.

Fo e Rame, entre 1954 e 1968, tornaram-se muito famosos em toda a Europa. Fizeram vários espetáculos, cinema e televisão. Todas as suas apresentações eram marcadas pela crítica satírica. Mas, o casal percebeu que era preciso mudar, pois se viam como “jograis da burguesia”, que ajudavam os ricos a rir de suas próprias ganâncias e injustiças, facilitando-os a digerir melhor a realidade na qual estavam inseridos. Eles queriam se tornar “jograis do proletariado”.

O ano de 1968 foi um ano de muitas rupturas. Veneziano (2002) relata que Dario e Franca deixaram a comodidade e o prestígio dos teatros do centro e saíram à procura de um público que talvez nunca tivesse visto teatro, nem entrado numa elegante sala teatral. Neste mesmo período, o casal funda a Associazione Nuova Scena, composta de mais de trinta jovens, entre técnicos e atores. Conforme descreve Neyde Veneziano (2002, p. 60):

Tratava-se de um coletivo teatral independente, articulado em três grupos, que girava pela Itália apresentando-se, sobretudo, para um público popular e operário, em locais alternativos ao circuito teatral oficial, como case del popolo, ginásios de esportes, cinema, fábricas e praças.

Em 1970, por divergências políticas dentro do próprio grupo, Dario e Franca deixaram, decepcionados, a Nuova Scena. Formou-se, então, o famoso Collettivo Teatrale La Comune, que, em 1973, ocupou um palacete abandonado no centro de Milão: a Palazzina Liberty. Com a ajuda de estudantes e operários, o palacete foi restaurado e conseguiu, em um ano, 80 mil sócios, que assistiam aos espetáculos apresentando a carteirinha. Além de abrigar os espetáculos de Dario e Franca, o local servia como uma espécie de centro de assistência social e cultural. No dia 9 de março

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desse mesmo ano, ao sair de casa, Franca foi raptada e estuprada por quatro fascistas e depois abandonada, suja, machucada e ferida, numa rua deserta. (VENEZIANO, 2002).

Em 1977, Franca Rame estreava Tutta casa, letto e chiesa, em Milão, espetáculo sobre a condição da mulher e suas servidões sociais, sexuais, no dizer da própria Franca:

Este texto foi e é a toda hora representado em muitíssimos países. A condição da mulher, seja com avanços ou retrocessos, infelizmente é ainda semelhante em qualquer lugar. Quantas apresentações eu fiz? Mais de três mil. O protagonista absoluto deste espetáculo sobre a mulher é o homem. Melhor dizendo, seu sexo! Não está presente <<em carne e osso>>, mas está sempre aqui, entre nós, grande, enorme, que ameaça... nos esmaga!

Nós mulheres, há anos que lutamos pela nossa libertação, pedimos igualdade de direitos com o homem, igualdades sociais. Imagina! [...] Pedimos igualdade social e igualdade de sexo.” (TN)3 (FO; RAME,

2005, p. 7, prólogo)

No Brasil, Tutta casa, letto e chiesa foi representado 34 (trinta e quatro) vezes, entre os anos de 1990 a 2003.

O espetáculo e texto Tutta casa, letto e chiesa é composto de seis monólogos que falam da condição da mulher de forma grotesca, cômica e dramática: Una donna

sola, Il risveglio, La mamma fricchettona, Abbiamo tutte la stessa storia, Contrasto per una sola voce e Medea. Neste espetáculo, Franca Rame está sozinha, sobre o palco da

Palazzina Liberty, e vence a sua batalha pelo seu reconhecimento pessoal, se encontra e renasce.

Tanto trabalho, tanta adaptação a cada personagem, ao fim, tinha danificado o meu espírito. No sentido que eu me dizia... não serei mais capaz de interpretar, não sei... Quando fiz Tutta casa, letto e chiesa poderia ter encerrado no dia seguinte da primeira apresentação, pela satisfação que experimentei porque disse a mim mesma ‘tudo bem! Eu ainda consigo!’. O espetáculo foi um sucesso estrondoso [...] Por isso criou-se uma grande polêmica nos jornais, na Itália e no exterior. Mas

3“Questo testo è stato ed è tutora rappresentato in moltissimi paesi. La condizione della donna, un po’ più avanti, un po’ più indietro, purtroppo è ancora simile ovunque. Quante repliche ho fatto? Piú di tremila.

Il protagonista assoluto di questo spettacolo sulla donna è l’uomo. Meglio, il suo sesso! Non è presente << in carne ed ossa>>, ma è sempre qui, tra noi, grande, enorme, che incombe... e ci schiaccia!.”

“Noi donne, sono anni che ci battiamo per la nostra liberazione, chiediamo parità di diritti con l’uomo, parità sociali. E quando mai! (...) Chiediamo parità sociale e parità di sesso.”

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naquela noite, na Palazzina Liberty, apesar da neve, do frio e do teatro não lotado disse a mim mesma ‘Ok estamos aqui... o espetáculo... ainda consigo... posso manter um espetáculo sozinha!’ (TN) 4

(D’ARCANGELLI, 2009, p. 200)

É importante evidenciar que, neste espetáculo, Franca aparece pela primeira vez como coautora.

La mamma fricchettona é um dos textos que compõe o Tutta casa, letto e chiesa,

e apresenta a história de uma mulher casada, mãe de um jovem “stremista di sinistra”, que resolve mudar de vida, para isso deixa marido e filho. Ela leva uma vida difícil como toda mulher que precisa conciliar ter um trabalho fora de casa; ser responsável, em grande parte, pela educação dos filhos e, ainda, fazer as atividades domésticas: "Lavoravo anch'io otto ore come lui, con una differenza sostanziale: che quando si tornava a casa io continuavo a lavorare per altre ottanta: lavare, stirare, fare i letti, il mangiare: lui no! Si metteva in poltrona e tch..."5 (La mamma fricchettona, Anexo 1)

Temos uma mulher que se anulou profissional e socialmente, por amor e zelo extremos ao filho, enfim, à família. Ao ponto de deixar de perceber e fazer coisas simples da vida: “Voglio parlare, ridere, cantare... Voglio stare a guardare il cielo... Lo sai figlio mio che il cielo è azzurro, ed io non lo sapevo piú?” 6(La mamma fricchettona, Anexo 1)

A leitura e o estudo do texto La mamma fricchettona nos faz identificar e reconhecer o caráter social do trabalho de Fo-Rame, como um todo, e a análise de Pizza ratifica esta ideia:

O teatro di Dario Fo e Franca Rame, principalmente nos anos da escrita e encenação de Tutta casa, letto e chiesa, da qual o monólogo La mamma fricchettona faz parte, é estritamente ligado a questões sociais, e nascia, também, dos encontros com o público que lhes pedia

4 “Tutto questo lavorare, tutto questo adattarmi ad ogni personaggio mi aveva alla fine proprio

lesionato lo spirito. Nel senso che mi dicevo... non sarò più capace di recitare, non so... Quando ho fato Tutta casa letto e chiesa avrei potuto chiudere il giorno dopo la prima dal piacere, perché mi sono detta “va bene! ce la faccio... ce la faccio ancora!”. Lo spettacolo ebbe un sucesso strepitoso [...] Quindi fece un grosso scalpore sui giornali, sia in Italia che all’estero. Ma quella sera, in Palazzina Liberty, nonostante la neve, il freddo e il teatro non esaurito mi dissi “OK ci siamo... lo spettacolo... vado ancora bene... posso reggere uno spettacolo da sola!” (RAME, 2005 apud D’ARCANGELI, 2009, p. 200)

5

“Eu também trabalhava 8 horas, como ele. Só que tinha uma diferença substancial: quando nós voltávamos pra casa, eu continuava trabalhando outras oitenta horas. O meu marido ia assistir televisão e ficava esperando a janta.” (A mãe desbundada, Anexo 2)

6 “Quero falar, rir, cantar... Quero ficar olhando/ para o céu... Meu filho, você sabe que o céu é

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para representar determinados temas, como por exemplo: a exploração do trabalho; os abusos nas cadeias; a questão da mulher; os conflitos de gerações; o problema da droga.”(TN)7 (Anexo 5).

Podemos traçar um paralelo entre as ideias do casal e Roland Barthes em razão da visão crítica que todos possuem frente às realidades do mundo. Na mesma época que Franca estreava Tutta casa, letto e chiesa (1977), Barthes pronunciava sua Leçon:

inaugurale de la Chaire de sémiologie littéraire du Collège de France, prononcée le 7 janvier 1977, traduzido para o português Aula: aula inaugural da cadeira de semiologia literária do Colégio de França, pronunciada dia 7 de janeiro de 1977, tradução e

posfácio de Leyla Perrone Moisés (2007). Barthes se intitulou como sujeito incerto e, por meio de suas ideias professadas na sua aula inaugural, ratifica o nosso pensamento sobre a força de um texto e sua linguagem, no nosso caso em estudo, os textos de Fo-Rame, La mamma fricchettona e A mãe desbundada de Sérgio Nunes. Barthes diz:

Entendo por literatura não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de escrever. Nela viso, portanto, essencialmente, o texto, isto é, o tecido de significantes que constitui a obra, porque o texto é o próprio aflorar da língua, e porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é o teatro. (2007, p. 16).

Diante de tais afirmações, concluímos que o pensamento de Barthes coaduna com a escrita e a prática teatral do casal italiano, porque reconhecemos um fazer criador e libertário em ambos. Quando Barthes diz que a literatura assume muitos saberes porque todas as ciências estão presentes no monumento literário e ela é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real, e que a literatura faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles; ela lhes dá um lugar indireto e esse indireto é precioso (2007, p. 17-18), reconhecemos mais ainda a grandeza do teatro de Fo-Rame para a cena italiana e mundial.

Por fim, Pizza (2015), por meio de sua entrevista, evidencia-nos que

7 “Il teatro di Dario Fo e Franca Rame, soprattuto negli anni della scrittura e messa in scena di

Tutta casa, letto e chiesa, di cui il monologo la mamma fricchettona fa parte, è strettamente legato alle questioni social, in qual tempo, nascevano anche dagli incontri con il pubblico che chiedeva loro di rappresentare determinate problematiche come ad esempio: lo sfruttamento sul lavoro; gli abusi nelle carceri; la questione femminile; i rapporti generazionali; il problema della droga.” (Entrevista com Marisa Pizza, Anexo 5)

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[...] a riqueza do teatro de Dario Fo e Franca Rame consiste, também, em conseguir tratar as mais diversas problemáticas que refletem sempre um interesse comum e amplamente difundido. O casal teatral, Dario Fo-Franca Rame, foi uma verdadeira máquina cênica, na riqueza dos seus diversos saberes. (TN)8 (Anexo 5).

Em 1997, Dario recebe o Prêmio Nobel de Literatura por I Disabili e o dedica, também, à Franca Rame:

Permiti que eu dedique uma boa parte da medalha que me ofereceis a Franca. Franca Rame, minha companheira de vida e de arte que vós, membros da Academia, recordastes nos motivos do prêmio como atriz e autora que, como eu, escreveu mais de um texto no nosso teatro. Realmente, sem ela, durante uma vida ao meu lado, eu não teria sido capaz de merecer este prêmio. Juntos, montamos e interpretamos milhares de espetáculos em teatros, fábricas ocupadas, universidades em luta... até em igrejas desconsagradas, nas prisões, nas praças, com sol e chuva, sempre juntos. (VENEZIANO, 2002, p. 73)

Em maio de 2013, morre Franca Rame. Marisa Pizza, em um artigo (2014), diz: “[...] mas são tantas as suas histórias e os seus pensamentos que presença da grande atriz continua viva.”(TN) 9

2.2 APRESENTAÇÃO DO TRADUTOR SÉRGIO NUNES MELO E DA OBRA A

MÃE DESBUNDADA

Uma tradução em que a língua estrangeira continue aparecendo é uma tradução inacabada. (Sérgio Nunes Melo)

Sérgio Nunes Melo é professor e coordenador do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Possui Bacharelado em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ (1998) e Mestrado em Literaturas de

8 “La ricchezza del teatro di Dario Fo e Franca Rame consiste anche nel riuscire a trattare le

problematiche più diverse ma che riflettono sempre un interesse comune ampiamente difuso. La coppia teatrale, Dario Fo-Franca Rame, è stata una vera macchina scenica, nella ricchezza dele loro diverse sapienza.” (Entrevista com Marisa Pizza, Anexo 5)

9 “[...] ma sono i tanti suoi racconti e pensieri che rendono viva la presenza della grande attrice.”

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Língua Inglesa pela mesma universidade (2002). É Doutor em Artes da Cena pela University of Toronto (2011), de onde é Connaught Fellow. É formado pela Scuola d' Arte Drammatica Paolo Grassi (célula originária do Piccolo Teatro di Milano). Tem experiência como ator, roteirista (TV Globo), autor teatral, dramaturgo e diretor.

Nunes, também, foi cofundador da companhia Teatro Metábole-RJ. Lecionou Língua Inglesa e respectivas literaturas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, Universidade Federal Fluminense - UFF e University of Toronto - UofT) e Teatro (The British School, RJ, e Escola de Teatro Martins Pena, RJ). Suas áreas de pesquisa fazem convergir disciplinas que articulam uma discussão sobre tradição e ruptura nas relações entre técnica e criação (trans-historicidade). É membro do GERICO, Grupo de Estudos sobre o riso e o cômico. É publicado, entre outras, pela Lambert Academic Publishing, pela Johns Hopkins University e pela Universidade de São Paulo - USP.

É tradutor, entre outros textos, de Assim é (se lhe parece), de Pirandello, publicado pela Editora Alaúde, SP, 2011 (encenado por Marco Antônio Pâmio, em São Paulo, 2014. O espetáculo recebeu o prêmio Shell de Melhor Ator, prêmio Arte Qualidade Brasil de melhor atriz e prêmio da Associação Paulistana de Críticos de Arte - APCA de melhor diretor. Traduziu, também, Esta noite se improvisa e O Homem da

flor na boca, do mesmo autor, em fase de publicação pela mesma casa.10

Melo, no nosso primeiro contato, nos deixa bem claro que, está ciente de que ser tradutor não é atividade nada simples, que requer muito empenho, entrega, leitura, interpretação, criatividade e escolhas. E nos presenteia com tão belos e pertinentes versos: Traduzir é: Pegar um peixe de rio / doar-lhe o sal da saliva / lançá-lo vivo no mar.

À época da tradução de La mamma fricchettona, em 2012, Nunes estava ministrando um curso de comédia no Bacharelado de Teatro – Habilitação em Interpretação na Universidade Federal da Bahia - UFBA e precisava de um texto instigante. E como o próprio tradutor nos diz: “Eu precisava acreditar que o texto suscitasse o riso. Também queria que não fosse um texto conhecido demais. La mamma

fricchettona nunca tinha sido encenado na Bahia. Daí, eu o escolhi, dividindo as falas

por seis atores, um deles homem.”

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No processo de análise do texto traduzido, é que explicitaremos o fazer do tradutor a partir de pressupostos teóricos específicos.

É importante dizer que em A mãe desbundada de Sérgio Nunes, embora apresente as marcas culturais próprias da realidade da sociedade e época em que a obra foi traduzida, a estória se mantém, a “mãe desbundada” vive as mesmas dificuldades e opressões da “mamma fricchettona”, inserida numa realidade social que oprime a mulher, seus desejos e sua identidade.

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3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

A tradução está totalmente implícita na comunicação mais rudimentar. Está explícita na coexistência e no contato mútuo das milhares de línguas faladas no mundo.

(George Steiner – Depois de Babel)

Sabemos que a atividade da tradução é tão antiga quanto a criação da escrita e que, também, não é tão simples como muitos, ainda, pensam ser. Ao longo dos tempos esta atividade sofreu e sofre várias transformações e inferências. A partir da década de 70 do século XX a tradução adquiriu status de disciplina autônoma da Linguística e da Literatura. Vários teóricos são responsáveis pelos avanços dos estudos da tradução, como o influente estudioso norte-americano Lawrence Venuti, com sua teoria da domesticação/ estrangeirização e seu posicionamento sobre a importância dos tradutores se fazerem visíveis nos textos traduzidos, e que tem, no seu livro Escândalos da

tradução por uma ética da diferença, o tema do fenômeno transcultural tratado de

forma corajosa e instigante. De modo que escolhemos a teoria deste teórico para embasar nossa breve análise sobre o texto A mãe desbundada, tradução feita por Sérgio Nunes do monólogo La mamma fricchettona de Dario Fo e Franca Rame.

Primeiramente, para a análise da presente tradução, reconhecemos os textos, La

mamma fricchettona e A Mãe Desbundada, como fenômenos culturais distintos. É

oportuno dizer que estamos, sim, diante de duas realidades históricas e culturais diferentes, sejam por questões linguísticas, de geopolítica, de época, de economia. Enfim, o texto-fonte La mamma fricchettona foi escrito pelo casal italiano Dario Fo e Franca Rame na Itália da década de sessenta do século XX, e retrata uma realidade específica da Itália. Já o texto de chegada A Mãe Desbundada foi escrito por Sérgio Nunes, professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, que, à época da tradução, ano de 2012, morava em Salvador e desenvolvia suas atividades como professor na Faculdade de Teatro da Universidade Federal da Bahia, e apresenta aspectos da realidade brasileira e em algumas passagens do texto podemos encontrar características específicas do local onde o texto foi gerado.

Diante do exposto, faz-se pertinente o que Paulo Henriques Britto nos diz com a “virada cultural” dos estudos de tradução: os tradutólogos passaram a enfatizar que um

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texto só pode ser compreendido, e portanto traduzido, quando visto como um fenômeno cultural, dentro de um contexto rico e complexo, que vai muito além dos aspectos estritamente linguísticos. (BRITTO, 2012, p. 20). Faz-se, destarte, impossível não reconhecer as distintas identidades culturais do texto-fonte e do texto-alvo.

Venuti, em seu livro Escândulos da Tradução: por uma ética a tradução, traz um capítulo intitulado A formação de identidades culturais, no qual expõe:

Meu objetivo é levar em consideração o modo como a tradução forma identidades culturais específicas e as mantém com um relativo grau de coerência e homogeneidade, mas também o modo como ela cria possibilidades para a resistência cultural, a inovação e a mudança em qualquer que seja o momento histórico. (VENUTI, 2002, p.131-132)

Para Venuti, a tradução é obrigada a voltar-se para as diferenças culturais e linguísticas de um texto estrangeiro, podendo, com a mesma eficácia, promover ou reprimir a heterogeneidade na cultura doméstica. De modo que compreendemos quando ele enfatiza a importância e a necessidade de os tradutores manterem as marcas de estrangeirização do texto-fonte no texto-alvo, a fim de aproximar o leitor da cultura estrangeira, evidenciar a diferença intercultural e se tornarem visíveis. A este processo dar-se o nome de estrangeirização.

Diferentemente da estrangeirização, temos a domesticação, que visa a apagar as marcas da cultura-fonte, tornando o texto traduzido fluído e sem estranhamentos, fazendo parecer que se trata do texto original e não de uma tradução. Venuti não concorda com a domesticação total de um texto-alvo, mas reconhece que numa tradução a domesticação, também, é necessária.

Esta preocupação do teórico Venuti acerca das identidades culturais evidencia a importância de considerarmos a cultura em sentido amplo, antropológico, de passarmos de uma reflexão centrada no vínculo cultura-nação para uma abordagem da cultura dos grupos sociais, como bem assinala Armand Mattelar e Érik Neveu no livro Introdução

aos Estudos Culturais (2004).

Sabemos, também, que a identidade cultural de cada texto está além da própria língua, seja esta o italiano ou o português. Para Britto um idioma faz parte de um todo maior, que é o que denominamos de cultura; e as “coisas” reconhecidas por uma cultura não são as mesmas que as outras reconhecem. As diferenças podem se dar das maneiras mais diversas. (BRITTO, 2012, p.14) Ao longo da presente análise, encontramos no texto A Mãe Desbundada alguns exemplos que demonstram essas

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diferenças culturais e que em alguns casos o tradutor opta ora pela adaptação, ora pela omissão ou ora pelos acréscimos, a fim de “solucionar” essas lacunas.

Um trabalho como este nos faz reconhecer quão complexa e difícil é a prática tradutória e nos permite percorrer o caminho das pedras feito pelo tradutor, pois este, diante de um texto a ser traduzido (texto de partida), é jogado num ambiente que lhe exige fazer escolhas, muitas vezes difíceis e até indesejáveis, como bem explicita Britto:

É preciso afirmar o caráter não trivial do trabalho de tradução, elucidar a verdadeira natureza da atividade, enfatizar as dificuldades e o que há de criativo e intelectualmente instigante nessa profissão, e negar os velhos chavões preconceituosos. (BRITTO, 2012, p. 18).

E o próprio tradutor, Sérgio Nunes, ratifica-nos, de forma poética, esta dificuldade, quando nos diz em entrevista que traduzir é “Pegar um peixe de rio/ doar-lhe o sal da saliva/ lançá-lo vivo no mar.”.

Esses versos evidenciam o trabalho do tradutor. Sua atividade é doação, é entrega, é peleja, ratificando ao dizer: “doar-lhe o sal da saliva”. Não esqueçamos que no texto traduzido estão presentes as marcas vitais/culturais do tradutor, ou seja, no texto-alvo tem-se uma parte substancial do tradutor e este o devolve vivo para o mundo, com suas marcas autorais. Vale relembrar que a tradução ocupou um espaço de destaque tardio. Edwin Gentzler, no livro Teorias Contemporâneas da Tradução, apresenta-nos este caminho tortuoso e de descrédito da tradução até o seu reconhecimento:

No início da década de 1960, não havia oficinas de tradução em instituições de aprendizado superior nos Estados Unidos. A tradução era, na melhor das hipóteses, uma atividade marginal, não considerada pelo meio acadêmico uma área devida de estudo no sistema universitário. (GENTZLER, 2009 p. 63)

E ao longo deste percurso nomes importantes como Lawrence Venuti aparecem. Gentzler (2009) nos diz que

Venuti acha que todo ato de tradução é transformativo e criativo, quase nunca transparente, invariavelmente interpretativo. As traduções são textos complexos, repletos de múltiplas conotações intertextuais e alusões, contendo múltiplos discursos e materiais linguísticos, dando aos tradutores várias escolhas para apoiar ou resistir às visões literárias e ideológicas predominantes. (GENTZLER, 2009 p. 63).

Venuti afirma que a ideia de que a tradução é apenas um meio de acesso a um original leva os tradutores a tornarem invisível sua própria atuação profissional; isto, por sua vez, levaria ao aviltamento. Ele propõe que os tradutores se façam visíveis,

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introduzindo nos textos que traduzem algumas passagens que surpreendam o leitor [...] para que o leitor perceba que o que ele está lendo é uma tradução e não um original. (BRITO, 2012, p. 23).

Outro ponto a ser evidenciado neste trabalho é a pertinente distinção entre texto dramático e texto teatral a ser traduzido, a partir do pensamento de Sara Ramos Pinto, da Universidade de Lisboa, registrado em Texto Dramático vs Texto Teatral As

traduções portuguesas de Pygmalion de G. B. Shaw. Ao propor-nos esta distinção, a

autora reflete não apenas sobre diferentes circuitos de distribuição, como também acerca de práticas estéticas e ideológicas distintas, que, para ela, são duas visões de tradução de teatro que geram dois tipos de tradução diferentes: sendo uma mais próxima do texto em si e outra mais próxima do estilo específico da representação de uma dada companhia.

De modo que uma tradução orientada para a representação serão as expectativas do público a ter uma grande influência nas opções de tradução. E durante o processo de análise do texto de Sérgio Nunes percebemos como essas expectativas contribuíram para suas escolhas, buscando sempre maior aceitação por parte do público. Praticamente não se pensa em um leitor para o texto teatral e sim um público que receberá o texto no palco e em ação. Diferentemente de uma tradução orientada para a publicação nas quais as convenções do gênero serão mais consideradas.

O teórico Patrice Pavis trata muito bem dessas especificidades quando diz:

A tradução teatral é um ato hermenêutico como qualquer outro: para saber que o texto-fonte quer dizer, é preciso que eu o bombardeie com questões práticas a partir de uma língua e uma cultura-alvo, que eu me aproprie dele perguntando-lhe: situado lá onde estou, nesta derradeira situação de recepção, e transmitindo nos termos dessa outra língua que é a língua-alvo, o que você quer dizer para mim e para nós? Ato hermenêutico que consiste, para interpretar o texto-fonte, em puxar o texto estrangeiro para si – para a língua e para a cultura-alvo -, para fazer toda a diferença com sua origem e sua fonte. (PAVIS, 2008, p. 124)

A análise deste trabalho busca se ater ao texto dramático numa perspectiva da teoria da tradução. Não deixando de reconhecer os problemas específicos da tradução da cena evidenciados por Pavis,

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o tradutor e o texto de sua tradução situam-se na intersecção de dois conjuntos nos quais pertencem em graus diversos. O texto traduzido faz parte igualmente tanto do texto e da cultura-fonte quanto do texto e da cultura-alvo: eles têm, portanto, necessariamente, uma função de mediação. A transferência concerne da mesma maneira, tanto ao texto-fonte, na sua dimensão semântica, sintática, rítmica, acústica, conotativa etc., quanto ao texto-alvo, nas suas mesmas dimensões necessariamente adaptadas à língua e à cultura alvos. A este fenômeno ‘normal’ para qualquer tradução linguística acresce-se, no teatro, a relação de situações de enunciação: esta é, na maioria das vezes, virtual, ou seja: conteúdo no texto dramático (diálogos e didascálias); com efeito, o tradutor trabalha na maior parte do tempo a partir de um texto escrito. (PAVIS, 2008, p. 124)

As afirmações ora citadas servem para evidenciar as especificidades da tradução de um texto dramático para ser encenado, lembrando que Sérgio Nunes Melo realizou a presente tradução para este fim.

Vale dizer que, para o processo de melhor apreensão dos textos A mãe

desbundada e La mamma fricchetona, realizei exercícios de leitura em voz alta dos

mesmos. Esta prática foi adquirida no curso de extensão da Faculdade de Teatro da Universidade Federal da Bahia, que culminou com a apresentação de um espetáculo teatral, onde desenvolvíamos, com o diretor do espetáculo, Márcio Meirelles, muitos momentos de leitura oral do texto dramático a ser encenado. Logo lembrei-me desta experiência e passei a aplicá-la para o desenvolvimento deste trabalho. Pavis, em A

análise dos espetáculos, fala sobre o estatuto do texto na encenação, no qual, o texto e a

representação são concebidos como dois conjuntos relativamente independentes. A palavra pronunciada pelo ator deve ser analisada enquanto inscrita e enunciada concretamente em cena, sendo colorida pela voz do ator e a interpretação da cena, e não tal como teríamos interpretado se a tivéssemos lido no folheto do texto escrito.

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4 ANÁLISE DA TRADUÇÃO

Traduzir é entrar na dança. Para o tradutor, o texto é uma coreografia [...]. E o novo corpo que vai entrar na dança (com os meneios próprios de uma outra língua) deve encontrar o melhor jeito de acertar o passo. (Leyla Perrone-Moisés – Lição de Casa)

Traduzir um texto é um ato de reescrita e escrita que demanda do tradutor uma postura de muito empenho e criatividade. O texto a ser traduzido exige do tradutor uma interpretação cuidadosa e uma tomada de decisões. Dizemos, primeiro, reescrita porque o tradutor sempre parte de um texto-fonte para realizar a sua prática tradutória, por mais inovadora e revolucionária que seja a sua postura frente ao texto de partida, ele não poderá negá-lo por completo. Uma tradução sempre existirá por causa e a partir deste texto que se coloca no mundo com suas particularidades culturais. Depois, quando dizemos escrita, estamos nos referindo ao ato de criação do tradutor, que realiza o processo de leitura e interpretação e acrescenta ao texto traduzido marcas culturais novas e diferentes do que o texto-fonte traz.

Graciliano Ramos, em um belo texto, compara o trabalho do escritor ao de uma lavadeira; também, é pertinente fazermos esta comparação ao trabalho do tradutor, que deve ser visto como uma difícil labuta.

Deve-se escrever da mesma maneira com que as lavadeiras lá de Alagoas fazem em seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer. (Contracapa do livro Vidas Secas)

O desafio escolhido pelo tradutor Sérgio Nunes foi a tradução do monólogo La

mamma fricchettona de Dario Fo e Franca Rame. Um texto repleto de conotações

intertextuais e alusões a uma realidade italiana das décadas de 60 e 70 do século passado, que faz parte do livro Tutta casa, letto e chiesa. Durante a leitura deste monólogo, temos essas marcas culturais pulsando a olhos vistos. Como resultado da

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atividade tradutória de Nunes, temos o texto traduzido intitulado A mãe desbundada, que também traz suas marcas culturais próprias. Já o nosso desafio é apresentar uma breve análise das escolhas feitas pelo tradutor. Lembrando que a análise de uma tradução exige-nos muito empenho e criatividade, pois precisamos identificar e compreender as escolhas do tradutor que não são nossas e que, em alguns momentos, as aceitamos, como, também, as refutamos.

No entanto, esta análise não tem por escopo basear-se na dicotomia de termos como: boa/ruim, satisfatória/insatisfatória, positiva/negativa. O tradutor, diante do texto-fonte, a todo momento, fará escolhas de acordo com seu escopo tradutório. De modo que a análise do texto-alvo acontece à medida que identificamos e analisamos as escolhas feitas pelo tradutor, seja diante das passagens simples ou das mais complexas do texto. Após esta análise,reconheceremos se o nosso tradutor objetivou a fluidez do texto de partida e assim fez mais uso da domesticação se tornando invisível ou foi um tradutor que optou mais pela estrangeirização, como bem defende Venuti, de modo a tornar visível o seu trabalho.

Durante nosso percurso, tentaremos responder a pergunta importante e necessária para nos nortear: em que medida o tradutor domesticou todas as marcas culturais do fonte, ao ponto de apagá-las e não ser possível reconhecê-las no texto-alvo, ou as estrangeirizou, mantendo algumas marcas culturais do texto-fonte?

Evidenciamos que os textos La mamma fricchettona e A mãe desbundada têm por objetivo primeiro sua encenação. Assim, reconhecemos que muitas vezes as escolhas do tradutor foram feitas pensando num texto para este fim. Vale lembrar que o tradutor Sérgio Nunes também desenvolve atividades na área de encenação/direção/ensino.

Como a presente análise foi feita em conjunto: orientanda e orientadora e as duas são estudiosas dos autores e conhecem o texto original, vale explicitar que as marcas de domesticação e estrangeirização do texto traduzido são percebidas a partir deste conhecimento. Consequentemente, nosso processo de leitura e análise ocorre de forma diferente daquela de um leitor que não conheça a obra de Fo e Rame em italiano. Acreditamos que as marcas de visibilidade do tradutor podem ser melhor identificadas por quem conhece a língua do texto-fonte e tenha acesso aos dois textos.

Optamos, então, por classificar as escolhas do tradutor de acordo com as seguintes questões: Domesticação do texto-fonte, Exclusão de passagens textuais (omissão), e Acréscimos textuais.

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4.1 DOMESTICAÇÃO DO TEXTO-FONTE

A seguir, identificamos e analisamos algumas escolhas do tradutor que exemplificam a domesticação do texto-fonte para o texto-alvo.

4.1.1 Domesticação de expressões

Os trechos seguintes são exemplos do empenho e da criatividade do tradutor em apropriar-se do sentido das expressões do texto-fonte e adaptá-las para a cultura-alvo. O tradutor poderia ter deixado algumas marcas de estrangeirização do texto-fonte para que o leitor percebesse que se trata de uma tradução e poderia explicar essas diferentes marcas culturais com o uso de notas de rodapé. Uma escolha desta poderia interferir na fluidez da leitura do texto; em contrapartida, o leitor teria acesso à cultura-fonte. No entanto, o que temos nos trechos que se seguem é uma busca por parte do tradutor em adaptar as expressões para a cultura-alvo, totalmente de acordo com a sua ideologia (já que, como afirma Sérgio Nunes, uma tradução que deixa transparecer a cultura de origem é uma tradução inacabada) e com o escopo da tradução: a encenação.

Como primeiro exemplo, escolhemos o próprio título dos textos: La mamma

fricchettona e A mãe desbundada. Para caracterizar a personagem, os autores fazem uso

de uma adjetivação que possui sentido e representatividade em suas respectivas culturas. Os termos “fricchettona” e “desbundada” apresentam correspondência entre si.

“Fricchettona” é a pessoa que possui um comportamento/uma atitude inconformista e/ou extravagante diante da realidade do mundo. “Nessuno che mi dicesse niente! Capirai, io ero una mamma! Simbolo della repressione: omertà assoluta! <<Questi non parlano perché sono una mamma? E io li frego... mi travesto!...>> Da cosa? Da fricchettona. Sì, fricchettona, padre... Cosa sono i fricchettoni? Sono quei ragazzi che sfumicchiano... rubacchiano, non lavorano... che stanno bene, insomma!.” (La mamma fricchettona, Anexo 1, p. 58).

“Desbunde” é uma gíria inventada no Brasil na década de 60 do século XX, e se referia àquele que abandonava a luta armada. Esta palavra foi evoluindo e passou a designar não somente as pessoas que tinham abandonado a resistência aos militares que governavam a Nação à época, mas, também, toda pessoa interessada em contracultura a ponto de viver seus ideais. E a personagem “mãe desbundada” apresenta as marcas desta contracultura. O tradutor escolheu um termo que representa bem toda uma

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conjuntura, uma realidade. “[...] O senhor vai entender: eu era uma mãe. Símbolo da repressão! Daí, eu disse pra mim mesma: se não falam pra mim porque sou mãe, eu pego esse pessoal: vou me disfarçar. De quê? De riponga, de despirocada, de desbundada, padre. O que são os desbundados, padre? São pessoas que fumam um unzinho; roubam uma coisinha aqui, outra ali; não trabalham e estão sempre bem, enfim...”. (A mãe dessbundada, Anexo 2, p. 64)

Arrojo (2007) nos diz que a tradução, como a leitura, deixa de ser, portanto, uma atividade que protege os significados “originais” de um autor, e assume sua condição de produtora de significados; mesmo porque protegê-los seria impossível. Reconhecemos em nosso tradutor, mesmo ele não conhecendo muito sobre teoria da tradução, como ele mesmo nos diz na entrevista, no anexo 4, uma maturidade em relação a esta questão, quando identifica e escolhe na cultura-alvo significados para a sua tradução. De modo que, no texto-fonte, temos a expressão “d'insaccato Molteni”, para compreendê-la dentro da sua realidade cultural descobrimos que “insaccato” é um tipo de salame preparado com carne triturada e ensacada e Agostino Molteni Salumi, utilizando antigas técnicas e somente “carne italiana”, é responsável pela produção de ensacados frescos com carnes da espécie suína, há mais de 40 anos na Itália. No entanto, Sérgio Nunes, na sua atividade de produtor de significados, escolhe a palavra “sacolé” para substituir tal significado. Vale dizer que “sacolé” é o picolé vendido dentro de saco de plástico. Também, na gíria, quer dizer saco plástico com pequena quantidade de droga. Diante desta postura do tradutor de apagar as marcas de estrangeirização de forma coerente e pertinente, reconhecemos um tradutor consciente do seu labor.

Em “Pronto... ehhum volevo dire... padre, padre!”, o tradutor apresenta a seguinte tradução: “Painho! Quer dizer… pa-padre!”. Neste caso, temos um outro exemplo de domesticação. O uso de “Painho” por “padre” explicita as influências da cultura-alvo nas escolhas do tradutor. Ele mesmo nos diz em entrevista: “Lembro-me de ter colocado uma ou outra interjeição baiana na minha tradução exatamente porque estava em Salvador, fazendo teatro para a população local. Se fosse aqui em Floripa, eu tiraria, com toda a certeza, as marcas baianas.”

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La mamma fricchettona

Dario Fo e Franca Rame – 1977

A mãe desbundada

Tradução de Sérgio Nunes - 2012

E mi tirava 'sta «FAMIGLIA» come se mi buttasse addosso un sacco di rnerd...

(s'interrompe di colpo e si corregge)

d'in-saccato Molteni. (p. 56 - Anexo 1/ p.

46 do livro)

E jogava essa “família” na cara da gente como se fosse um saco de mer… (Percebe a tempo e se corrige.) um sacolé. (p. 62 - Anexo 2)

(Si inginocchia a destra del confessionale. Sottovoce) Pronto... ehhum volevo dire...

padre, padre! Cazzarola, si è

addor-mentato! (p. 54 - Anexo 1/ p. 43 do livro)

Ajoelha-se à esquerda do confessionário. Com voz baixa.) Painho! Quer dizer… pa-padre! Tá dormindo! (p. 61 - Anexo 2)

No trecho seguinte, novamente, o tradutor apropria-se das expressões do texto-fonte e consegue utilizar outras expressões que na cultura-alvo têm, também, uma carga de significação similar ao texto-fonte. As expressões “porcaccia d’una miseriaccia, ‘sti caramba dell’ostrega...”, pertecem a um linguajar vulgar, funcionam como um queixume da situação na qual a personagem fricchettona se encontra. Por meio do acréscimo do sufixo “ccia”, temos em “porcaccia” e “miseriaccia” um aumento do valor já pejorativo das expressões “porca” e “miseria”. “Ostrega” é uma interjeição com valor vivaz e cômico. A redução de “questi” para “’sti” contruibui para o sentido informal frase. O vocábulo “paquete”, segundo o dicionário da língua portuguesa11, surgiu em 1810, quando os navios (paquetes) chegavam mensalmente, no mesmo dia, depois o

11 Dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Priberam Informática. Disponível em:<http://www

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sentido se expandiu para a menstruação das mulheres. E “pentelho” refere-se aos pêlos pubianos. O tradutor utiliza “pentelho encravado em dia de paquete!” que, também, possui um sentido pouco polido, de lamento.

La mamma fricchettona Dario Fo e Franca Rame - 1977

A mãe desbundada

Tradução de Sérgio Nunes – 2012

DONNA Porcaccia d'una miseriaccia,

'sti caramba dell'ostrega... fin dentro

la chiesa mi vengono a tampinare! Adesso dove mi nascondo?... In sacrestia. Dove sarà la sacrestia? (p. 54 – Anexo 1/ p. 43 do livro)

MULHER Pentelho encravado em

dia de paquete! Até na igreja eles

vêm atrás de mim! E agora onde é que eu me escondo?... Já sei: na sacristia! Mas onde é a sacristia? (p. 61 – Anexo 2)

Os trechos seguintes são outros exemplos de domesticação de expressões. O tradutor substituiu as marcas culturais do texto-fonte: “fabbricata a Monza” (cidade italiana industrial); un foulard greco dell’UPAIM, detto anche UPIM” ("Unico Prezzo Italiano Milano" - grande rede de lojas de departamento), por marcas da cultura-alvo, “made in Paraguay” e “um lenço grego da Riachuelo”, apagando, assim, qualquer estranhamento na leitura e compreensão do texto-alvo. Ver anexo 6.

O mesmo processo se dá em “padre zingaro calabrese” por “pai cigano do Capão”. Em italiano zíngaro significa cigano e a região da Calabria a que o texto faz referência, em sua formação histórica foi constituída por ciganos. O tradutor utilizou “pai cigano do Capão”, fazendo referência ao Capão, uma pequena cidade localizada no município de Palmeiras, a 445 km de Salvador, situada no Vale do Capão, que compõe a Chapada Diamantina. O lugarejo teve o garimpo como sua principal atividade, mas com a chegada dos alternativos, ainda embalados pelo sonho dos anos 70, a vida no Capão mudou completamente. Ao contrário dos garimpeiros, que buscavam a concentração de riquezas, as comunidades alternativas não queriam extrair nada do lugar, e sim somar.

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La mamma fricchettona

Dario Fo e Franca Rame – 1977

A mãe desbundada

Tradução de Sérgio Nunes Melo – 2012

Sono andata in uno di quei mercatini della roba usata, scompagnata, originale-orientale fabbricata a Monza e mi sono fatta tutto il corredo: sandali siriani, un gonnellone del Marocco, una giacca dell'Afghanistan, un foulard greco

dell'UPAIM, detto anche UPIM, le

palpebre viola, un coriandolo di stagnola rosso appiccicato sulla fronte, una capsula d'un dente d'oro di mia sorella che l'aveva perduto per uno starnuto tre anni fa, infilato su un incisivo qua davanti, anelli, collane di vetro, ciafferi alle orecchie.

(p. 58 – Anexo 1/ p. 50 do livro)

Daí, eu fui num brechó de roupas tipo… originais orientais made in

Paraguay e comprei todo o figurino:

sandálias sírias, uma saiona do Marrocos, uma jaqueta do Afeganistão, um lenço grego da

Riachuelo, sombra violeta pros olhos,

uma pedrinha vermelha pro terceiro olho, um piercing no nariz, anéis, colares, argolas nas orelhas. (p. 64 – Anexo 2)

«Sono di madre indiana... padre zingaro

calabrese... vivo facendo le fatture e

leggendo le carte e le stelle...

Mi nutro esclusivamente col sangue delle galline e dei gatti appena sgozzati, perché sono una strega!» (p. 58 – Anexo 1/ p. 51 do livro)

Eu disse que a minha mãe era indiana, pai cigano do Capão. Eu disse que sabia ler a sorte nas cartas e nas estrelas. Eu disse ainda que só me nutria do sangue de gatos e galinhas recém degolados porque eu era uma bruxa. (p. 65 – Anexo 2)

O trecho seguinte domesticado é sobre a realidade laborativa da mulher. Lembrando que o texto de Fo-Rame retrata a realidade da condição da mulher italiana

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“preventivato: piano quinquennale!” e o texto de Nunes apresenta a realidade da mulher brasileira “licença maternidade, nas férias sublimes”.

La mamma fricchettona

Dario Fo e Franca Rame – 1977

A mãe desbundada

Tradução de Sérgio Nunes Melo – 2012

Ma no padre, non l'ho mica presa come una disgrazia, anzi, l'ho voluto io 'sto figlio... preventivato: piano quinquennale! Ero cosí contenta di

essere incinta... Come ero contenta! Nove mesi di vomito! Sempre a letto per il terrore di perderlo! (p. 57 – Anexo 1/ p. 49 do livro)

Não, padre. Eu não achei a gravidez uma desgraça. Eu queria o meu filho. Eu pensava na licença maternidade,

nas férias sublimes que eu teria amamentando o meu bebê… Só que

foram nove meses de enjoo. E eu sempre de cama com medo de perder a gravidez.

(p. 64 – Anexo 2)

4.1.2 Domesticação acerca da política

O texto-fonte retrata a realidade política italiana das décadas de 60 e 70 do século XX. Havia então, dois grandes partidos, o PCI (Partido Comunista Italiano) e o DC (Democracia Cristã).

O PCI nasceu em 21 de janeiro de 1921, de uma cisão da esquerda do PSI (Partido Socialista Italiano), liderada por Amadeo Bordiga e Antonio Gramsci, que abandonaram o Teatro Goldoni, em Livorno, durante o XVII Congresso Socialista, convocando o congresso constitutivo do novo partido, no Teatro San Marco. A DC (Democracia Cristiana) foi um partido italiano de inspiração democrata-cristã e moderada, fundado em 1942 e ativo até o ano de 1994. Este partido teve um papel importante no renascimento da democracia italiana e no processo de integração europeia.

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O PCI foi um dos principais expoentes do eurocomunismo, uma corrente de oposição ao stalinismo, favorável ao pluralismo político, com respeito à democracia ocidental. À medida que o PCI se fortalece, a Itália vai-se tornando um país claramente dividido entre comunistas e democratas cristãos - até então a principal força política do país. Enrico Berlinguer, secretário do PCI, tenta então estabelecer um pacto para unir o país, através do chamado "compromisso histórico" com a Democracia Cristã (DC). Mas o assassinato do líder democrata cristão Aldo Moro, em maio de 1978, pelas Brigadas Vermelhas, traumatiza o país e coloca um fim à experiência de aproximação entre os dois maiores partidos da península, na época.

Ao lermos La mamma fricchettona conseguimos identificar elementos relacionados ao contexto histórico presente no texto. Sabemos que a realidade política brasileira do momento da tradução, e, também, à época em que o texto-fonte foi escrito, é diversa.

No texto-fonte temos o retrato de uma Itália que se mostra polarizada entre dois grandes partidos da época: PCI (Partido Comunista Italiano) e a DC (Democracia Cristã). O tradutor Sérgio Nunes traduz a sigla PCI (Partido Comunista Italiano) por Partido Comunista, já a sigla DC (Democracia Cristã), ele traduz ora com a sigla PC, ora por extenso como Partido Democrata Cristão. Há uma troca de siglas que não retrata nem a Itália presente no texto-fonte, tampouco a realidade político brasileira. Não encontramos correspondência entre os partidos referentes ao período em que foi feita a tradução, ano de 2012, nem a períodos políticos anteriores.

Esta confusão de siglas e partidos não nos parece acidental, e está justificada pelo próprio tradutor em entrevista onde explicita sua visão descrente com a política brasileira quando nos diz: “Pessimista que sou com a política brasileira, mas sem perder a consciência de fenômenos que estão para além do sociológico, ou seja, o drama de lutar contra a opressão, dei ênfase a essa questão – até onde me lembre.” (Ver anexo 4)

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La mamma fricchettona

Dario Fo e Franca Rame – 1977

A mãe desbundada

Tradução de Sérgio Nunes Melo- 2012

E poi in casa 'sto ragazzino, ci contestava tutto a me e a mio marito... sa, noi siamo tutti e due militanti osservanti del Pci. Le parole piú gentili che ci diceva erano: «Revisiohisti, socialdemocratici, opportunisti, sacrestani di sinistra:» (p. 55 – Anexo 1/ p. 45 do livro)

E depois, em casa, esse rapaz nos contestava o tempo todo, a mim e ao meu marido… como dois ativistas filiados ao

Partido Comunista que éramos. E as

palavras mais gentis que o nosso filho nos dizia eram: - Revisionistas, socialdemocratas, vendidos, oportunistas, sacristãos de esquerda! (p. 62 – Anexo 2)

«No, untorelli siete voi che ungete il sedere alla Dc!» A me e mio marito, capisce padre? (Questa battuta sarà

gri-data come uno slogan). «Il Pci non è

qui, untorella la Dc!... il Pci non è qui untorella... >> e via che se ne andava. (p. 56 – Anexo 1/ p. 46 do livro)

- Borra-botas são vocês que limpam os traseiros do PC! Dizia isso pra mim e pro meu marido, padre. (Gritando como palavra de ordem de passeata.) “Abaixo todos vocês, borra-botas do PC! Abaixo todos vocês, borra-botas do PC!” e vazava. (p. 62 – Anexo 2)

ma quando mi toccava, a me del Pci, gridare a squarciagola delle cose contro la Dc, dio, dio... mi sentivo male! E poi, marciare, correre... (p. 56 – Anexo 1/ p. 46 do livro)

Mas quando eu tinha que gritar, a plenos pulmões, palavras de ordem contra o

Partido Comunista, ou contra o Partido Democrata Cristão, meu Deus, como eu

me sentia mal! Sem falar que eu andava tanto que ficava com calos. E quando tinha que correr. (p. 63 – Anexo 2)

(36)

Esta não correspondência das expressões referentes ao tema da política mantém-se e em “contro i fascisti” com a tradução “contra a direita”. Sabemos que historicamente “fascismo” e “direita” não se equiparam.

La mamma fricchettona

Dario Fo e Franca Rame – 1977

A mãe desbundada

Tradução de Sérgio Nunes - 2012

E fin quando si trattava di gridare delle robe contro i fascisti, andava bene... (p. 56 – Anexo 1/ p. 46 do livro)

Quando era pra gritar palavras de ordem contra a direita, tudo bem. (p. 63 – Anexo 2)

A seguir, temos outras passagens, para as várias adjetivações presentes no texto-fonte: “[...] ma sono anche comunista: comunista credente! Non teista, non ateista, non antiteista: sono marxista, lineetta e leninista, tolemaica, apostolica, berlinguista!...” temos “Mas eu também sou comunista. É… uma comunista crente. Não teísta, não ateísta, não anti-ateísta: eu sou comunista apostólica romana”. Temos a supressão quanto às referências a Karl Marx, Lenin, Enrico Berlinguer (membro do PCI), lineetta, tolemaica, desaparecem. Para a adjetivação “apostólica” temos “comunista apostólica romana”.

Também percebemos que na expressão “estremista di sinistra” o tradutor ao invés de traduzir por “extremista de esquerda” escolhe “situacionista extremista”.

O tradutor foi bem explícito ao dizer que não acredita na política brasileira de modo que, diante dos temas da realidade partidária da Itália, que são retratados nos textos de Fo e Rame, na sua tradução, Sérgio Nunes opta por tratar ora fazendo substituições contraditórias, ora suprimindo passagens.

Referências

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