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Liberdade para as mulheres: análise da violência sexual a partir da experiência do Programa de Atendimento a Mulheres Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS)

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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL - DESSO

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

JÉSSICA SILVA DE OLIVEIRA

LIBERDADE PARA AS MULHERES: ANÁLISE DA VIOLÊNCIA SEXUAL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA DE ATENDIMENTO A MULHERES

VÍTIMAS DE AGRESSÃO SEXUAL (PAVAS)

NATAL/RN 2019

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LIBERDADE PARA AS MULHERES: ANÁLISE DA VIOLÊNCIA SEXUAL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA DE ATENDIMENTO A MULHERES VÍTIMAS DE

AGRESSÃO SEXUAL (PAVAS)

Monografia apresentada ao curso de graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Profa. Dra. Ilena Felipe Barros.

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências Sociais Aplicadas - CCSA

Oliveira, Jessica Silva de.

Liberdade para as mulheres: análise da violência sexual a partir da experiência do Programa de Atendimento a Mulheres Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS) / Jessica Silva de Oliveira. - 2019.

72f.: il.

Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social, Natal, RN, 2019. Orientadora: Profa. Dra. Ilena Felipe Barros.

1. Serviço Social - Monografia. 2. Abuso sexual - Monografia. 3. Violência contra a mulher - Monografia. 4. Feminismo -

Monografia. 5. Programas sociais - Monografia. I. Barros, Ilena Felipe. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/CCSA CDU 364.633-055.2

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LIBERDADE PARA AS MULHERES: ANÁLISE DA VIOLÊNCIA SEXUAL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA DE ATENDIMENTO A MULHERES VÍTIMAS DE

AGRESSÃO SEXUAL (PAVAS)

Monografia apresentada ao curso de Graduação em Serviço Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Aprovada em: ______/______/______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Profa. Dra. Ilena Felipe Barros

Orientador(a)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

______________________________________ Profa. Dra. Miriam de Oliveira Inácio

Membro interno

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

______________________________________ Assistente Social Virgínia Maria Peixoto de Souza

Membro externo

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Por ser um trabalho sobre e para mulheres, o dedico as minhas três grandes admirações da vida, minha mãe Fátima, minha avó Maria do Carmo e minha avó do coração Francisca, especialmente à minha mãe que me ensinou a ser forte e batalhadora como ela.

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À priori, agradeço a Deus por ter renovado minhas energias e ter me fornecido boas energias nos períodos mais cansativos e decisivos da graduação, como também, por ter renovado a fé nos momentos de crise, de ansiedade e nervosismo.

Ao meu avô e ao meu irmão pelo apoio e por acompanharem de perto todos os momentos mais importantes da minha vida e agradeço em especial à minha mãe que me proporcionou uma boa educação com muito esforço em criar uma filha sozinha.

A minha turma de Serviço Social 2016.1 por todos os momentos de apoio, união e risadas. As minhas amigas de graduação Miliane e Laísa, que estiveram comigo desde o início, pretendo compartilhar minha amizade com vocês ao longo da vida.

Ao meu núcleo de estágio e de orientação de TCC, Mariana e Pablo, que sem sombra de dúvidas, foram essenciais para me dar forças na batalha desses últimos períodos. Obrigada pela linda amizade que construímos e por partilharmos os desafios que nos foram postos.

A minha orientadora Profa. Dra. Ilena Barros agradeço imensamente pela paciência e compreensão, a sua entrada na minha vida foi uma surpresa maravilhosa, pois, não imaginava que um dia iria tanto me inspirar em sua história de vida e de luta.

A Profa. Dra. Miriam Inácio por ter aceitado o convite de participar da banca examinadora, seus trabalhos acadêmicos me inspiraram muito para escrever o meu. A luta das mulheres agradece sua sublime contribuição.

A assistente social Virgínia, minha eterna “super”, que foi acolhedora desde o nosso primeiro contato, assim como leva o atendimento humanizado aos/as usuários/as do SUS. És minha maior inspiração profissional, obrigada por me ensinar tanto sobre a profissão e sobre a vida, mas também, pelo apoio para a realização desse trabalho. Ambas cuidamos uma da outra e assim continuaremos afinal “ninguém solta a mão de ninguém”.

Enfim, agradeço aos amigos e amigas pelas palavras e compreensão nos momentos em que fui ausente. E em especial aos participantes do amado grupo Trabalho Social com Idosos (TSI) que todos os dias renovam minhas energias com tanto carinho e amor, agradeço também todo o apoio e parceria da minha supervisora Samira Mandu que entende as situações adversas do cotidiano de um/a estudante cheia de particularidades e por acreditar tanto no meu potencial.

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Não sei quantos mistérios possuo, quantos sentidos me invadem, quantos desejos invento, quantos amores revelo. Por isso sou assim: reticências, penumbras, esfinges, dúvidas, certezas, corações, delírios, fantasia. Sou a máscara do drama que enfrenta a comédia sem graça das piadas machistas, do preconceito visível que derrama sobre nós a lama da insensatez, do que é desumano, vil. Sou todas as faces marcadas pela agonia do não-direito, da repressão, opressão, de um tempo marcado pelo autoritarismo, pela violência de gênero, pela barbárie. Sou o rosto enrugado que não é respeitado [...] Sou essa poesia construída tacitamente, feita de revolta, amor, de dores, feridas saradas e cicatrizes ainda abertas. Poesia cheia de sentimentos, de desabafos poéticos com seus voos diários que alcançam sempre o imaginário, sem ter a pretensão de decifrar a magnitude e a sensibilidade de ser Mulher... Decifra-me Andrea Lima

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Com o acirramento da violência contra a mulher, em suas formas mais brutais de concretização, torna-se extremamente urgente o aprofundamento do debate e a discussão de vias estratégicas de enfrentamento a esse fenômeno, como também despertar o olhar dos diversos grupos da sociedade civil para condição de subalternidade que a mulher está submetida na sociedade. Sendo assim, o presente estudo enveredou pela apreensão crítica acerca da problemática violência de gênero, especificamente sobre a violência do tipo sexual. A necessidade de realizar o trabalho com essa temática resultou do objetivo em analisar os aspectos e determinantes sociais que circundam o fenômeno da violência sexual contra meninas e mulheres, mas também, analisar criticamente o termo “Cultura do Estupro”. Para tal feito, foi desenvolvida uma pesquisa de caráter qualitativa por meio de revisão bibliográfica e pesquisa documental dos prontuários de mulheres em situação de violência sexual que foram atendidas pelo Hospital Dr. José Pedro Bezerra durante o ano de 2018, respeitando o sigilo da identidade das vítimas. O método empregado para a condução da pesquisa foi o materialismo dialético em Marx, compreendendo que este explora a realidade concreta dos fenômenos sociais em seu contexto mais complexo e histórico. Através do estudo supracitado foi possível concluir que as mulheres necessitam construir uma identidade política coletiva sobre às condições de vida, opressão, exploração e dominação masculina. É imprescindível que os movimentos de mulheres feministas atinjam um contingente maior de mulheres. Por fim, espera-se que o trabalho contribua de alguma forma na compreensão acerca da desigualdades presente nas relações sociais de gênero, sobre a importância do feminismo na luta pelos direitos das mulheres e que faça repensar o Programa de Atendimento a Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS), em relação ao seu fortalecimento na instituição e dentro da equipe multiprofissional que o compõe.

Palavras-chave: Gênero. Violência Sexual. Cultura do Estupro. Feminismo. Programa de Atendimento a Vítimas de Agressão Sexual.

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With the intensification of violence against women, in its most brutal forms of manifestation, it is extremely urgent to deepen the debate and the discussion of strategic ways to confront this phenomenon, as well as to awaken the eyes of the various groups of civil society for the condition of subordination that women are subjected to in society. Therefore, the present study took on the critical apprehension about the problematic gender violence, specifically about the sexual type violence. The need to work on this theme resulted from the objective of analyzing the aspects and social determinants that surround the phenomenon of sexual violence against girls and women, but also to critically analyze the term "Culture of Rape". For this purpose, a qualitative research was developed through literature review and documentary research of the patient records of women in situations of sexual violence that were attended by Hospital Dr. José Pedro Bezerra during 2018, respecting the confidentiality of the identity of thevictims. The method used to conduct this research was Marx's dialectical materialism, understanding that it explores the concrete reality of social phenomena in their most complex and historical context.Through the above study it was possible to conclude that women need to build a collective political identity about living conditions, oppression, exploitation and male domination. It’s essential that the feminist women's movement reaches a contingent largest of women. Finally, it is hoped that the work will contribute in some way to understanding the inequalities present in social gender relations, the importance of feminism in the fight for women's rights, and that it will rethink the Program for Assistance to Victims of Sexual Aggression (PAVAS), in relation to its strengthening in the institution and within the multi-professional team that composes it.

Keywords: Gender. Sexual Violence. Rape Culture. Feminism. Program for Assistance to Victims of Sexual Aggression.

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Gráfico 1 – Denúncias relatadas em 2016 por tipo de violência contra a mulher……. 26

Gráfico 2 – Vítimas de Feminicídio, por raça/cor no Brasil: 2017-2018... 28

Gráfico 3 – Vítimas de Feminicídio, por vínculo com o autor. Brasil: 2017-2018... 29

Gráfico 4 – Vítimas de Feminicídio, por faixa etária. Brasil: 2017-2018... 30

Gráfico 5 – Feminicídio no Brasil - Números Absolutos……… 30

Gráfico 6 – Idade (PAVAS/RN)... 62

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AMB Articulação Brasileira de Mulheres

CEDAW Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher CNMD Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres

DEAM Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher DRCI Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática DST Doenças Sexualmente Transmissíveis

FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública HIV Vírus da Imunodeficiência Humana HJPB Hospital Dr. José Pedro Bezerra HMAF Hospital Maria Alice Fernandes IST Infecções Sexualmente Transmissíveis ITEP Instituto Técnico-Científico de Perícia LOS Lei Orgânica da Saúde

MMM Marcha Mundial das Mulheres MPC Modo de Produção Capitalista MS Ministério da Saúde

OIT Organização Internacional do Trabalho ONG Organização Não-Governamental OMS Organização das Nações Unidas

PAVAS Programa de Atendimento às Vítimas de Agressão Sexual PAISM Programa de Atenção Integral da Saúde da Mulher

PNH Política Nacional de Humanização PNS Política Nacional de Saúde

RN Rio Grande do Norte RJ Rio de Janeiro

SESAP Secretário de Estado de Saúde Pública SUS Sistema Único de Saúde

UBS Unidade Básica de Saúde

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1 INTRODUÇÃO... 12

2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E AS BASES SOCIAIS QUE A LEGITIMAM... 17

2.1 Relações Sociais de Gênero: o contraste na vida das mulheres... 17

2.2 Violência contra a mulher no Brasil: dados e discussão... 24

2.3 “Cultura do Estupro”: Uma apreensão crítica a respeito do seu uso... 33

3 A RESPOSTA DO ESTADO ÀS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL... 40

3.1 Movimento de Mulheres e Movimento Feminista: a luta por uma vida sem violência para as mulheres... 40

3.2 Políticas Públicas de enfrentamento a desigualdade de gênero... 51

3.3 O atendimento às mulheres vítimas de violência sexual no Hospital Dr. José Pedro Bezerra... 57

3.3.1 Resultados da Pesquisa Documental... 61

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 65

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo central apreender criticamente os fatores que determinam o fenômeno da violência contra a mulher, no contexto do PAVAS, no sentido de analisar especificamente a violência sexual tão crescente na sociedade, pois, se faz mais do que necessário debater esta que é uma das piores formas de violação de direitos humanos das mulheres. Para tanto, é importante recapitular a produção teórica da problemática de gênero, ainda que as literaturas acadêmicas e feministas existentes sobre essa temática possuam divergências de análises, que permita analisar e compreender as categorias teóricas de gênero as quais dissertam e discutem o assunto, à luz da perspectiva da realidade.

Ademais, faz parte dos objetivos específicos deste estudo, analisar o termo amplamente divulgado nas mídias sociais como “Cultura do Estupro” e a violência contra a mulher na sociabilidade capitalista, tendo em vista o contexto histórico e atual; compreender de que maneira as categorias machismo e patriarcado interferem nas relações desiguais de gênero; e estudar os casos atendidos pelo PAVAS no HJPB, a fim de verificar como se efetiva o atendimento dessa demanda e o combate à violência nesse âmbito do setor público.

O despertar para o estudo dessa problemática começou através da afinidade em estudar gênero no curso de graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na disciplina optativa Seminário Temático sobre Gênero, além de palestras e mesas redondas que debateram o tema no meio acadêmico. No concernente a experiência vivida e aproximação com o objeto de pesquisa decorrem por intermédio de três vias: da vida pessoal (afinal esse tipo de violência já aconteceu no âmbito familiar), da realidade no trabalho de estágio no Hospital Dr. José Pedro Bezerra, popularmente conhecido como Hospital Santa Catarina.

Durante o processo de Estágio Supervisionado em Serviço Social, realizado no Hospital Dr. José Pedro Bezerra (HJPB) – unidade de referência estadual, localizada na Zona Norte de Natal -, foi possível realizar a escuta qualificada de casos concretos de estupro que a instituição atende através do Programa de Atendimento a Vítimas de Agressão Sexual (PAVAS), o que desenvolveu ainda mais a aproximação entre o objeto de estudo e o sujeito pesquisador. Então, a socialização e atendimento dos casos, assim como o estudo dos prontuários tornam o material de pesquisa deste trabalho qualitativo, rico em dados e análises concretas.

Atualmente os índices de violência crescem desenfreadamente e de forma banalizada em nosso país, onde a que predomina no ideário de indignação da população é a violência proveniente da criminalidade, restrita à delinquência, esta não é tolerada pela sociedade. A

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utilização do fenômeno complexo que é a violência está enraizada em todo o decorrer histórico das nossas formas de convívio social e nas diferentes esferas de relações sociais, visto que,

[...] em qualquer época histórica do nosso país, a violência esteve e está presente. Deve, portanto, ser objeto de nossa reflexão, seja quanto à aculturação dos indígenas, quanto à escravização dos negros, as ditaduras políticas, ao comportamento patriarcal e machista que perpetua abusos contra as mulheres e crianças, aos processos de discriminação, racismo, opressão e exploração do trabalho (MINAYO, 2006, p. 27).

Esse fenômeno é um componente inerente da vida social, mas também, o modo como se apresenta nas sociedades é resultado das relações sociais, da comunicação e dos confrontos de poder (MINAYO, 2006). As condições de vida de uma população definem se uma região é mais violenta ou não do que a outra, a depender do acesso à educação, saúde, trabalho, segurança, alimentação, tecnologia, isto é, da porta de entrada que a população tem a um aglomerado de aspectos que comportem o bem-estar da coletividade, quanto maior a desigualdade social sofrida por uma população, maior serão os níveis de violência.

Posto isto, adentrando a questão da violência contra a mulher, a manifestação desse fenômeno nos revela uma questão de gênero, visto que evidencia o percurso histórico de dominação, exploração e opressão masculina que a mulher sofre em vários âmbitos da vida social, profissional e pessoal, devido aos papéis socialmente atribuídos a ambos os sexos desde o nascimento, que fazem com que o homem tenha poder e se sinta superior em relação a mulher. A realidade nos mostra cotidianamente que a violência contra a mulher só aumenta e, no que se referem ao estupro, os dados mais recentes apontam o Brasil – vergonhosamente – bateu recorde dos casos dessa violência. De acordo com o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019) do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) 180 pessoas foram violentadas por dia no país em 2018, sendo que 81,8% das vítimas são mulheres.

Essa conjuntura de acirramento da violência contra a mulher torna a exploração do tema ainda mais essencial já que “a pesquisa científica ultrapassa o senso comum (que por si é uma reconstrução da realidade) através do método científico” (MINAYO, 2001. p. 35). Assim, é importante estudar o problema da pesquisa a fim de aprofundar o conhecimento acerca das relações sociais de gênero, das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as vítimas, de modo que as pessoas que tenham acesso ao resultado da pesquisa não fiquem confusas ou leigas quando o assunto é a raiz da violência de gênero. Além do mais, o presente trabalho revela uma reflexão atualizada dessa problemática.

Então, levando em conta que a realização de pesquisa é necessária e relevante para melhorar os serviços de atendimento e qualificar os processos de gestão, monitoramento e

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criação de Políticas Públicas espera-se que esse trabalho contribua de alguma forma nos serviços de atendimento prestados às mulheres vítimas de violência sexual, como o PAVAS, de forma que as vítimas não sejam culpabilizadas e tenham seus direitos garantidos e assegurados pelo Poder Público.

Minayo (2001) ressalta a importância da pesquisa social para a humanidade:

Entendemos por pesquisa a atividade básica da Ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. As questões da investigação estão, portanto, relacionadas a interesses e circunstâncias socialmente condicionadas. São frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos (MINAYO, 2001, p. 17-18).

Ademais, para o debate teórico e acadêmico dessa temática, estima-se que o resultado da pesquisa proporcione o fortalecimento da propagação de conhecimento para a comunidade, especialmente para as mulheres, visto que, é de suma importância que elas percebam como ocorrem as relações de gênero na vida social e privada, já que esse tema provoca uma reflexão devido às desigualdades entre homens e mulheres serem aspectos tão próximos do cotidiano da nossa sociedade. Assim, também se almeja que a pesquisa contribua para o debate de enfrentamento dessa prática.

Muitos/as profissionais do Serviço Social lidam no miúdo do cotidiano com mulheres e meninas em situação de violência sexual, nos diversos espaços sócio ocupacionais, por isso, é essencial que a categoria entenda o contexto histórico e atual da violência, mas também as demandas históricas e imediatas das mulheres. De forma que os/as assistentes sociais compreendam a análise desse tipo de violência e viabilizem o acesso aos direitos pertinentes a essas mulheres, através de uma intervenção que não reproduza uma perspectiva moralizadora, julgadora e conservadora da prática.

Toda pesquisa científica pressupõe um método, um meio para realizá-la e, reiteradamente, pode ser interpretado erroneamente apenas como técnicas e instrumentos, isto é, em seu sentido mais prático possível, descolado da teoria. Contudo, pelo contrário, a metodologia de uma pesquisa engloba “as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador” (MINAYO, 2001, p. 16).

Nesse sentido, a teoria, o conteúdo, o pensamento e criatividade devem estar articulados diretamente ao método, em uma via única inseparável, de forma que método e teoria seja uma

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unidade só, a fim de propiciar uma teoria que dê condições ao/a pesquisador/a de enfrentar os desafios da prática, logo, a metodologia vai além de sua significação de métodos de abordagem e de procedimentos e técnicas.

Ademais, a pesquisa social possui também um fio condutor como aponta Rocha (2009), que é o problema-objeto de investigação da pesquisa, ou seja, a delimitação/recorte do tema da pesquisa, de forma que seja feita uma pergunta a ser respondida no resultado da pesquisa. Desse modo, o objeto de pesquisa “consiste em um enunciado explicitado de forma clara, compreensível e operacional, cujo melhor modo de solução ou é uma pesquisa ou pode ser resolvido por meio de processos científicos” (LAKATOS e MARCONI, 2003, p. 127). À vista disso, objetivando responder ao problema deste trabalho, foi usado o método materialismo dialético em Marx para análise de dados durante todo o processo que conforma a pesquisa.

Nesse método, apreender a aparência imediata dos fenômenos é o ponto de partida, pois, é algo que não deve ser descartado, mas, o objetivo desse método de pesquisa é atingir a essência do objeto pesquisado e entender seu movimento real e concreto, independente do desejo, pensamento ou consciência do/a pesquisador/a. Atingir a essência do objeto significa compreender “sua estrutura e dinâmica, por meio de procedimentos analíticos e operando a sua síntese, o pesquisador a reproduz no plano do pensamento; mediante a pesquisa, viabilizada pelo método, o pesquisador reproduz, no plano ideal, a essência do objeto que investigou”. (NETTO, 2011, p. 22).

Destarte, abordaremos a categoria violência de gênero em suas múltiplas determinações e contradições existentes, analisando-a de forma crítica e historicizada, já que o materialismo dialético considera a história o fator primordial para a interpretação dos fenômenos sociais e seu desenvolvimento, alicerçado em suas características de totalidade e suas partes, da realidade e seu movimento concreto e da transformação da quantidade em qualidade.

A Pesquisa Qualitativa foi o meio técnico utilizado durante as etapas da pesquisa, porque ela permite apreender questões essenciais das relações humanas, dos processos de vida dos sujeitos e fenômenos sociais de forma mais profunda, em um nível que não admite ser quantificado. Ela é a face da pesquisa que não compreende operacionalização e estatística de dados dos resultados obtidos, contudo, dados quantitativos podem complementar a pesquisa qualitativa, com intenção de enriquecer o seu material concreto.

Segundo Richardson (2012) além de ser uma pesquisa que expressa características dialéticas e não se fundamenta em preceitos numéricos para assegurar sua elegibilidade, a pesquisa qualitativa “permite fazer urna análise teórica dos fenômenos sociais baseada no

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cotidiano das pessoas e em uma aproximação crítica das categorias e formas como se configura essa experiência diária” (p. 103).

O estudo das categorias teóricas através da pesquisa bibliográfica contemplou a revisão literária de autores clássicos e contemporâneos da temática estudada, de maneira que facultou o estudo do objeto de pesquisa, como também a consulta de artigos e legislações nos permitiu oferecer uma atualização das análises existentes. O caráter documental é de suma importância para o enriquecimento do conteúdo desse trabalho, em razão da pesquisa documental ser

[...] um procedimento metodológico decisivo em ciências humanas e sociais porque a maior parte das fontes escritas – ou não – são quase sempre a base do trabalho de investigação. Dependendo do objeto de estudo e dos objetivos da pesquisa, pode se caracterizar como principal caminho de concretização da investigação ou se constituir como instrumento metodológico complementar (SÁ-SILVA et al., 2009, p. 13).

A pesquisa documental contemplou a realização de um estudo de prontuários dos casos de violência sexual de gênero atendido pelo HJPB, através do PAVAS, no período de 2018, além de que o atendimento, bem como experiências socializadas durante o processo de Estágio Supervisionado na referida unidade hospitalar, sem dúvidas, agregou qualidade ao conteúdo produzido.

A monografia está dividida em dois capítulos. No primeiro, explanamos a discussão sobre Violência contra a Mulher e as bases sociais que a legitimam, onde é dissertado sobre os impactos desiguais das relações sociais de gênero na vida das mulheres desde a infância, por conseguinte há um debate acerca dos dados concretos da violência de contra a mulher no Brasil, como a ideologia patriarcal-machista se mantém e se reinventa com novas formas de exploração da vida e do corpo das mulheres. E, por último, apresentamos uma apreensão a respeito do termo “Cultura do Estupro”, os avanços e possíveis estagnações para a luta contra a violência sexual.

No segundo capítulo explicitamos um debate inicial sobre A resposta do Estado às mulheres vítimas de violência sexual, no qual, primeiramente, se faz um delineamento histórico e atual da luta do movimento e suas reivindicações por uma vida sem violência e digna para as mulheres. E, como consequência desta mobilização de mulheres, apresentamos algumas das políticas públicas para esse público, como resposta do Estado à contradição que abarca a vida delas. Por último, mostramos os dados obtidos durante a pesquisa documental no HJPB, as constatações e resultados da atual situação de atendimento de mulheres vítimas de violência sexual nessa instituição do Governo Estadual do Rio Grande do Norte.

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2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E AS BASES SOCIAIS QUE A LEGITIMAM

O presente capítulo abarca o contexto de vida das mulheres em meio a sociedade patriarcal-capitalista, aborda as desigualdades entre homens e mulheres nos diferentes contextos e esferas da sociedade, tais como política, trabalho, afazeres domésticos, direitos sexuais, explanando os papéis de gênero que nos são atribuídos. Há também uma revisão dos dados e estatísticas mais recentes acerca da violência contra esse público, relacionado a uma reflexão atualizada da temática.

Por fim, o capítulo apresenta uma apreensão crítica a respeito do termo “Cultura do Estupro”, mostrando o porquê de ser tão utilizado, especialmente no meio virtual, a origem do uso, a banalização e culpabilização da vítima pela violência sexual como características principais que compõem essa cultura e, mostramos a importância dessa utilização, assim como, as preocupações e desafios que isso pode causar ao enfrentamento dessa problemática.

2.1 Relações Sociais de Gênero: o contraste na vida das mulheres.

Desde o nascimento nós, seres humanos, possuímos características físicas e biológicas determinadas pelo sexo, então, nossos corpos nascem com características de macho ou fêmea, são diferenças naturais que só acontecem nos corpos de homens ou mulheres, as quais não são transformadas completamente, apenas se desenvolvem de acordo com as fases da vida.

Quanto às relações sociais de gênero, concebidas e determinadas pela sociedade, implicam uma relação, seja de homens com homens ou mulheres com mulheres e homens com mulheres. Diz respeito aos papéis sociais que nos são atribuídos ao longo da vida de como é o ser feminino e o ser masculino na sociedade, através das representações de gênero.

[...] nas nossas sociedades o feminino e o masculino são considerados opostos e também complementares. Na maioria das vezes o que é masculino tem mais valor. Assim, as relações de gênero produzem uma distribuição desigual de poder, autoridade e prestígio entre as pessoas, de acordo com o seu sexo. É por isso que se diz que as relações de gênero são relações de poder (CAMURÇA e GOUVEIA, 2004, p. 13)

As relações de gênero conseguem variar conforme o período histórico, localidade, o modo de organização religiosa, política e familiar das populações. Como também, “[...] podem mudar, de acordo com a classe social da pessoa, da raça, da idade. É por isso que a situação das mulheres é muito diferente entre si, mesmo que todas elas compartilhem a vivência da discriminação e opressão” (CAMURÇA e GOUVEIA, 2004, p. 14).

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Ademais, até o início da década de 1990 o uso e estudo da categoria gênero eram mais limitados ao meio acadêmico e grupos do movimento feminista, porém, essa temática vem obtendo espaço e legitimidade no âmbito social e político da sociedade contemporânea, visto que, facilita a compreensão dos entraves cotidianos vividos pelas mulheres seja no trabalho, na família, na vida pessoal ou na sexualidade. Além de que, estudar esse tema “advém da necessidade de desnaturalizar e historicizar as desigualdades entre homens e mulheres, analisadas, pois, como construções sociais, determinadas pelas e nas relações sociais” (CISNE, 2004, p. 84).

Logo, ao abordar gênero, nos remetemos necessariamente a relações sociais e é imprescindível compreendê-lo em meio ao antagonismo inerente a nossa sociabilidade, entre Capital e Trabalho e das forças sociais que fundamentalmente movem essa contradição, o conflito entre a classe dominante (que detém os meios de produção) e a classe trabalhadora (que vende sua força de trabalho), em que a classe capitalista monopoliza toda a riqueza produzida via exploração da mão-de-obra da classe trabalhadora.

Desse modo, segundo Cisne (2004), é fundamental analisar gênero através das determinações econômico-sociais as quais regem nossa sociedade, abordando essa categoria de forma que seja relacionada com as demais: classe, raça, etnia e geração, já que a lógica do capital percorre por todas as esferas da vida social, inclusive a opressão sofrida por mulheres.

De acordo com Yazbek (1999), na tradição marxista a reprodução das relações sociais é compreendida por meio da totalidade da vida social. Além da reprodução da vida material e do modo de produção, a autora argumenta que a reprodução das relações sociais.

[...] é a reprodução de um determinado modo de vida, do cotidiano, de valores, de práticas culturais e políticas e do modo como se produzem as ideias nessa sociedade. Ideias que se expressam em […] padrões de comportamentos e que acabam por permear toda a trama de relações da sociedade (YASBEK, 1999, p. 89).

Logo, os pensamentos, comportamentos e ações que os indivíduos exercem ao longo da vida são dotados de valores socialmente determinados através da lógica societária, em que insere os sujeitos em papéis injustos e antagônicos para as mulheres. Isto é, as atribuições e características do ser homem ou ser mulher em nossa sociedade são definidos historicamente através da concepção social de gênero que os sujeitos têm acesso durante sua trajetória de vida.

Nesse viés, entende-se que a forma de agir e se relacionar entre os sujeitos não é determinada natural ou biologicamente, isto é, através do sexo, pelo contrário, é através dos papéis de gênero historicamente construídos em nossa consciência. Destarte, duas categorias

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são essenciais para o entendimento das relações sociais de gênero, as quais perpetuam e legitimam a desigualdade entre homens e mulheres, o patriarcado e o machismo.

O patriarcado perpassa pelo sistema de dominação masculina sobre as mulheres, desde as primeiras formações de família, sobretudo no cenário político, isto quer dizer, há muito tempo os homens possuem majoritariamente o poder de decisão na vida pública, que atinge toda a vida de um povo, principalmente a das mulheres. A categoria compreende a relação de poder e autoridade masculina sobre as mulheres, sem necessariamente possuir ligação biológica.

O patriarcado refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se implantou uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina. Tratar esta realidade em termos exclusivamente do conceito de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido, “neutralizando” a exploração-dominação masculina. Neste sentido, e contrariamente ao que afirma a maioria das(os) teóricas(os), o conceito de gênero carrega uma dose apreciável de ideologia. E qual é esta ideologia? Exatamente a patriarcal, forjada especialmente para dar cobertura a uma estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens em todas as áreas da convivência humana. É a esta estrutura de poder, e não apenas à ideologia que a acoberta, que o conceito de patriarcado diz respeito (SAFFIOTI, 2004, p.136)

Embora atualmente a participação política das mulheres em órgãos legislativos e executivos o protagonismo em partidos políticos e frentes sindicais venha crescendo, esse desenvolvimento ainda pode ser considerado ínfimo, diante de tamanha desigualdade no cenário político, mesmo com algumas conquistas, tal como o mandato de Dilma Rouseff como Presidenta da República do Brasil entre 2011 e 2016. Mas, seu mandato foi encerrado nesse último ano, através de um golpe de governo, o qual intitulam de impeachment1.

Contudo, a subordinação da mulher ao homem não se limita ao âmbito político, está presente em todas as esferas da vida social, com destaque para o econômico-financeiro. Historicamente, a mulheres foram inseridas na relação de trabalho capitalista de maneira precarizada em atividades que possuem menos prestígio e valor para a sociedade do que as exercidas pelos homens.

1O impeachment ocorre quando certas autoridades praticam um crime de responsabilidade. Trata-se de uma situação muito grave, na qual a autoridade que comete a infração perde o cargo e sofre sérias consequências, tais como a inabilitação para o exercício de função pública por certo tempo. No caso do Presidente da República perde o cargo, assim como fica inabilitado para o exercício de função pública por oito anos, sem prejuízo de outras sanções judiciais cabíveis. Disponível em:

https://gabrielmarques.jusbrasil.com.br/artigos/172450520/o-que-e-impeachment. Acesso em: 18/08/2019

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E, na atualidade, a história se repete. Na maioria das vezes, os homens são alocados nos setores mais lucrativos do modo de produção capitalista e as mulheres ocupam a maior parte do mercado informal de trabalho, principalmente os que abrangem tarefas domésticas, como também atividades clandestinas ou o trabalho rural geralmente sem os direitos que regem a legislação trabalhista.

A dominação masculina é exacerbada no meio doméstico/familiar, onde a mulher além de complementar a renda da casa, trabalhando externamente (quando é empregada ou exerce trabalho informal), também assume todo o trabalho doméstico, além de ser designada para cuidar dos/as filhos/as ou de alguém doente da família ou para cuidar de pais idosos, dessa forma, a mulher é explorada em várias jornadas de trabalho e, quando o homem “colabora” com esses afazeres, não é visto como dever pela sociedade e sim como ajuda ou por ser um “bom esposo”.

A naturalização desta divisão do trabalho, que é social, explica a ausência de políticas públicas de estímulo à inserção das mulheres no mercado de trabalho formal, explica a desproteção social sobre o trabalho das mulheres, oferece as condições facilitadoras para a maior exploração da força de trabalho das mulheres, sendo funcional a esta exploração. Como consequência temos maior tempo de jornada total de trabalho para as mulheres, jornadas de trabalho vivenciada em mais precárias condições, com menores rendimentos que os homens e em situação de desproteção social, sem direitos trabalhistas. No Brasil, 70% da população trabalhadora informal são mulheres (CAMURÇA, 2007, p. 21).

À vista disso, é essencial compreendermos a desigualdade presente até na divisão sexual do trabalho, que perpassa a vida da maioria das mulheres nas sociedades, a fim de aprofundarmos uma leitura crítica sobre a situação de exploração e apropriação que reflete sobre o contexto feminino, de forma que seja possível não naturalizar a subalternidade das mulheres nesta sociedade. A exploração da força de trabalho feminina é mais acentuada do que a do homem, característica especifica do MPC.

Além da dominação e opressão do sistema patriarcal, que mantém a desigualdade entre homens e mulheres, a sociabilidade capitalista faz com que a exploração da mulher seja exacerbada, isto é, a mulher trabalhadora tem deveres socialmente atribuídos entre trabalhos dentro e fora de casa, ela é responsável pelas tarefas domésticas, pela procriação e cuidados com os/as filhos/as e pelo trabalho na esfera mercantil. De forma indireta acaba beneficiando duplamente o capital, visto que, ela fornece condições para a reprodução da força de trabalho dela e de toda a prole.

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[...] as análises de gênero não devem descrever classificações/categorizações (ser homem, ser mulher), mas identificar como os significados atribuídos a estas interferem e contribuem na construção do mundo do trabalho. É necessário perceber que a “feminização” do trabalho, explicita numa análise crítica da divisão sexual do trabalho, implica em determinações relevantes para a produção e reprodução do capital, que, para tanto, desenvolve uma “superexploração” sobre o trabalho e as atividades desenvolvidas por mulheres, tanto na esfera pública quanto privada (CISNE, 2004, p. 128).

De acordo com o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o índice mundial de participação das mulheres no mercado de trabalho ficou em 48,5% em 2018, 26,5 pontos percentuais abaixo da proporção dos homens. Mas também, a taxa de desemprego global das mulheres em 2018 ficou em 6%, aproximadamente 0,8 ponto percentual maior do que a taxa dos homens. Apesar de as oportunidades de emprego estarem evoluindo para elas desde a década de 1990, ainda estão expostas a enfrentar as piores condições de emprego e salários, na informalidade e sem proteção de legislação trabalhista em mais de 90% dos países subsaarianos, em 89% dos Estados do sul da Ásia e em quase 75% dos países latino-americanos2

Dessa forma, podem-se compreender as duas facetas do patriarcado, a dominação e exploração da mulher, visto que

[...] não se resume a um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele é também um sistema de exploração. Enquanto a dominação pode, para efeitos de análise, ser situada essencialmente nos campos político e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno econômico (SAFFIOTI, 1987, p.50-51).

Segundo Inácio (2013), com base em Saffioti, apreender o conceito do patriarcado permite compreender a essência da subordinação da mulher na sociedade de classes, a estrutura das relações de gênero e o poder/direito sexual que os homens detêm sobre as mulheres.

O patriarcado não se restringe a uma relação privada, mas civil, que configura um tipo hierárquico de relação em todos os espaços da sociedade. Tem uma base material e representa uma estrutura de poder baseada na ideologia e na violência (INÁCIO, 2013, p. 91).

Inácio (2013) salienta que apesar das polêmicas e debates acerca da teoria do patriarcado, se analisado através do viés histórico e da totalidade da sociedade de classes, o conceito é uma ferramenta de evolução no âmbito teórico-político do feminismo socialista e marxista, já que sinaliza o subsídio da opressão das mulheres no seu caráter sócio histórico,

2 Os dados sobre o relatório “Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo: Tendências para Mulheres 2018” da OIT estão disponíveis no endereço: https://nacoesunidas.org/oit-participacao-das-mulheres-no-mercado-de-trabalho-ainda-e-menor-que-dos-homens/. Acesso em 17 nov. 2019.

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renunciando as perspectivas estruturalistas que projetavam dominação masculina como imutável. Sendo assim, o patriarcado, analisado por meio da perspectiva do materialismo histórico e dialético, abandona sua concepção abstrata e descolada da história.

A supremacia masculina percorre todas as dimensões da sociedade, seja na vida pública e/ou privada, majoritariamente a mulher é subordinada ao homem independente de classe social, idade, cor da pele, etnia, religião ou orientação sexual, porém, são as mulheres negras e periféricas que mais sofrem com essa discriminação.

O machismo é um sistema ideológico presente na cabeça de homens e mulheres só contribui para a perpetuação e legitimação dessa estrutura de poder masculina, que privilegia os homens em todos os níveis da vida social, o que aumenta a iniquidade social vivida por mulheres diariamente.

A ideologia machista, que considera o homem um ser superior a mulher, não entra apenas na cabeça dos homens. Também as mulheres, majoritariamente, acreditam nestas ideias e as transmitem aos filhos. Quando proíbem os filhos de chorar, alegando que "homem não chora", e exigem que as filhas "se sentem como mocinhas", estão passando aos mais jovens este sistema de ideias que privilegia o homem em prejuízo da mulher (SAFFIOTI, 1987, p. 34).

Na maioria das vezes, a responsabilidade da aprendizagem das crianças com relação ao modo de viver e conviver em sociedade estão centrados no seio familiar, isso tem relação direta com o afeto e a autoridade de gerações presente nos lares. Isto quer dizer, desde criança os meninos e meninas adentram em experiências que independem de suas vontades e que formam suas consciências e valores de mundo, quanto ao nosso jeito de ser, as nossas falas e ações.

O sistema da ideologia machista, subsidiado pela lógica patriarcal, implanta padrões de identidade feminina e masculina reproduzidos desde a infância por todos na sociedade. As personificações do machismo estão presentes no nosso cotidiano de forma muito evidente ou até mesmo camuflada, seja na vida pública ou privada.

Pelo simples fato de ser macho, o homem recebe privilégios desde criança, o sentimento de superioridade lhe propagado através das representações de gênero e, contraditoriamente, resta a inferioridade para a menina. Isso remete a uma complexa organização de dominação e subordinação de gênero, em que o homem é o dominador e a mulher é a dominada/submissa aos desejos masculinos.

As tarefas domésticas, o jeito meigo, carinhoso e controlável de ser são papéis designados às meninas. Para os meninos, a orientação educacional e profissional é o grande investimento da família, eles têm a liberdade de sair e se tem que pedir autorização para tal feito, pede ao macho “chefe” da casa. Como também, lhes é ensinado que deve iniciar e

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expressar a vida sexual cedo, ser um “pegador”, já para as meninas a vida sexual é um tabu, algo que deve ser escondido, sob a óptica da ideologia machista.

Desde cedo, crescemos vendo a mulher realizar as tarefas domésticas, a cuidar das crianças e a preparar a comida – mesmo quando trabalha e/ou estuda fora - e, também vê o homem sair de casa para trabalhar fora para prover o sustento da família, é ele que dá a palavra final sobre as decisões da família, na maior parte dos casos. Ou seja, a família nos revela nitidamente a relação desigual de gênero, perpetuada pela hierarquização dos sexos, através de códigos, falas e comportamentos que alimentam o sistema patriarcal-machista de opressão das mulheres.

As representações simbólicas desse sistema revelam a misoginia3 presente na sociedade de classes, ao passo que atribui valores diferenciados para o que é masculino e para o que é feminino, no qual o primeiro tem privilégio e relevância em detrimento do segundo.

Mesmo com todas as mudanças, o casamento e a maternidade ainda são dominantes na vida das mulheres. Hoje em dia as mulheres podem até fazer outras coisas, como trabalhar, participar do sindicato, por exemplo, e estas atividades podem ser até valorizadas, mas o principal é que sejam esposas e mães. Para os homens as escolhas são muitas e variadas. Casamento e paternidade, mesmo sendo importantes, não são necessários na vida deles (CAMURÇA e GOUVEIA, 2004, p. 18)

As relações desiguais de gênero estão presentes também no trabalho exercido pela maioria das mulheres, visto que, geralmente o trabalho é concebido como uma tarefa masculina, contudo, a mobilização de mulheres tem mostrado para a sociedade o contrário. Desde o princípio do modo de produção capitalista (MPC), as mulheres foram “requisitadas pela nova ordem econômica, para se empregar como assalariadas no trabalho considerado produtivo, em segmentos da produção das indústrias e oficinas” (FEITOSA, 2012, p. 15).

E, mesmo antes do MPC, as mulheres já realizavam atividades de pesca, caça, agricultura, pecuária e artesanato, como sujeitos protagonistas no desenvolvimento do trabalho (SAFFIOTI, 1976).

A divisão sexual do trabalho, já que temos atividades consideradas masculinas ou femininas, faz com que a remuneração do trabalho dependa, em grande parte, se é um homem ou mulher que realiza a atividade. As mulheres recebem os salários mais baixos e possuem as

3É o ódio ou aversão a mulheres e meninas. Embora sua manifestação mais evidente seja a violência machista (seja física, psicológica ou simbólica), também a humilhação, a discriminação, a marginalização e a objetificação sexual da mulher são formas de misoginia. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/10/cultura/1499708850_128936.html. Acesso em: 18 ago. 2019.

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atividades menos valorizadas e seu salário é visto como uma “colaboração” para as despesas da casa, mas, o salário e trabalho do homem é o provimento principal da casa. As que trabalham na roça são ainda mais exploradas, dado que muitas não possuem seus direitos trabalhistas regulamentados.

Logo, pode-se concluir que

[...] nenhuma sociedade trata da mesma forma seus homens e suas mulheres, uma vez que se baseia em relações desiguais de gênero, norteadas pela ideologia patriarcal machista, responsável pela subordinação histórica das mulheres, ao mesmo tempo que produz uma desvalorização delas. No seio das sociedades patriarcais se constrói uma identidade ambígua, classificando as mulheres ora como “santas”, ora como “profanas” (FEITOSA, 2012, p. 13) Há muito tempo, as mulheres vêm sendo julgadas, seus corpos são objetificados nos meios de comunicação em massa, seus direitos humanos são violados, são visualizadas a partir da concepção do macho, é vista como objeto de prazer e satisfação masculina. Isto é, toda uma estrutura que deprecia o feminino, banaliza os corpos e atribuem uma conotação pejorativa e de cunho depreciativo às mulheres que “fogem” do padrão do ser feminino imposto pelo machismo e patriarcado (FEITOSA, 2012).

Apesar de diversos avanços no campo de luta das mulheres e do feminismo4, a submissão, dominação e violência são elementos que permanecem na vida das mulheres, frutos do sistema de opressão masculino. É imprescindível desnaturalizar as relações desiguais de gênero existente em nossa sociabilidade capitalista, que impossibilita o desempenho integral da igualdade e liberdade entre homens e mulheres.

2.2 Violência contra a mulher no Brasil: dados e discussão.

A violência de gênero é um fenômeno complexo, abrangente e histórico, que transcende gerações de mulheres. A violação de direitos das mulheres é uma questão de gênero, visto que, demarca um seguimento histórico e contínuo de subordinação e dominação sofrido pelas mulheres, independentemente da cor, idade, orientação sexual, religião/crença, etnia ou classe social.

Inácio (2003) disserta sobre a visão generalista do senso comum acerca da violência, caracterizando-a como algo agressivo inerente ao comportamento masculino, da força física, porém, a autora aponta que:

Como fenômeno histórico, cultural e humano, a violência remete à percepção de um ato que é codificado como tal, sob determinação dos valores e da visão de mundo dos sujeitos construídos socialmente. Comporta uma dimensão 4 A discussão sobre o feminismo será aprofundada no Capítulo 2 deste trabalho.

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simbólica, responsável pelas medidas de repressão e, também, pela tolerância, conivência e impunidade que se observa em relação à criminalidade. Em particular, no que se refere aos crimes praticados contra a mulher na esfera familiar (INÁCIO, 2003, p. 22).

Articular gênero a concepção de violência é fundamental, pois, evidencia a desigualdade histórica, social e econômica entre homens e mulheres, como também, contribui para o processo de desnaturalização da violência contra a mulher, já que é uma problemática que engendra múltiplas opressões do sistema hierárquico da lógica patriarcal.

Ela é perpetuada em todos os âmbitos da vida social, como ferramenta de poder e controle masculino sobre mulheres, mas, é na esfera familiar/doméstica o lócus onde é mais praticada, predominantemente por homens, mesmo que mulheres também sejam agentes agressoras de outras meninas/mulheres, isso representa uma quantidade ínfima diante dos demais casos.

Além disso, podemos destacar que

Violência de gênero abarca todos os atos mediante os quais se discrimina, ignora, submete ou subordina as mulheres nos diferentes aspectos de sua existência. É todo ataque material ou simbólico que afeta sua liberdade, segurança, intimidade e integridade moral e/ou física (VELÁZQUEZ, 2006, p. 29).

A violência executada continuadamente contra mulheres ao longo dos séculos sustenta a ordem da desigualdade de gênero dominante a qual todas elas estão submetidas em qualquer espaço de nossa sociabilidade, assim como, encontram elegibilidade e aceitação social em meio ao patriarcado, “que é uma expressão de um consenso criado em torno de valores e hábitos nos quais se gestam a submissão feminina e supremacia masculina” (INÁCIO, 2003, p. 27).

É por intermédio da violência que o macho impõe da forma mais cruel e desumana a dominação masculina em momentos que as mulheres “ousam” contestar o papel de gênero lhes atribuído ou para subjugá-las, pelo fato de terem conquistado o direito de exercer de forma mais livre sua sexualidade.

Dos tipos de violência contra a mulher, segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua

integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde

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psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Segundo Brasil (2016), dos 1.133.345 atendimentos realizados em 2016 pela Central de Atendimento à Mulher - Ligue 1805, 12,38% (140.350) deles se referiram a denúncias de violência contra a mulher. Pôde-se perceber que houve um aumento de 93,87% nos relatos referentes à violência doméstica e familiar comparando-se com o ano de 2015, num total de 112.524 registros, isso demonstra um maior conhecimento da população a respeito da Lei Maria da Penha e do Canal de Denúncia, ainda que seja insuficiente, dado que o silêncio é o fator que prevalece na maioria das vezes no tocante aos casos dessa violência. O gráfico abaixo revela a quantidade de denúncias recebidas caracterizadas por tipo de violência identificada segundo os

Gráfico 1 - Denúncias relatadas em 2016 por tipo de violência contra a mulher

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

5 O Ligue 180 é um serviço público e gratuito, que mantém o anonimato das ligações. Oferecido pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério dos Direitos Humanos. A Central recebe denúncias de violência, reclamações sobre serviços da rede de atendimento à mulher e orienta as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando as para outros serviços quando necessário. Desde sua criação em 2005, o serviço já registrou 5.965.485 de atendimentos até o ano de 2016 (BRASIL, 2016, p. 3). 50,70% 31,80% 6,01% 1,86%5,05% 4,35% Física Psicológica Moral Patrimonial Sexual Cárcere Privado Tráfico de Pessoas

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É importante frisar que em grande parte dos casos esses tipos de violência não ocorrem de maneira isolada, onde as vítimas são agredidas por mais de uma violência ao mesmo tempo, como a sexual mais a moral, a psicológica mais a patrimonial e assim sucessivamente, não sendo exclusiva do núcleo familiar.

A prática da violência contra os direitos fundamentais da mulher acontece tanto no seio familiar quanto no âmbito público, porém, é no miúdo do ambiente doméstico e familiar que a incidência de opressão masculina acontece sistematicamente. Então, desde a infância somos ensinados/as que nosso lar é o local onde é seguro, aconchegante e acolhedor, entretanto, esse é um sonho que boa parte de meninas e mulheres não compartilham.

Mas também, é correto afirmar que não há lugar seguro para nós, a presença crescente da violência de gênero é evidente em nosso país está seja nos espaços de natureza pública ou privada, seja nas demais entidades ou grupos da sociedade civil, a mulher não está imune a violência de gênero em nenhum âmbito da vida social, pode acontecer no transporte público, na rua, nos espaços de educação e lazer.

O feminicídio expressa uma particularidade da violência contra mulher e é um crime inafiançável e imprescritível, de assassinato de mulheres pela sua condição de gênero e o seu reconhecimento como crime hediondo enquanto alternativa para coibir a violência de gênero que visa assegurar às mulheres os seus direitos e garantias fundamentais, uma vez que sua tipificação, através da Lei nº 13.104/2015 (sancionada pela Presidenta Dilma Rouseff), apresenta o começo de uma mudança jurídica e social na consciência coletiva e um instrumento de reconhecimento das particularidades da violência de gênero.

Os autores desse crime além de assassinarem milhares de brasileiras, também marcam outras vidas indiretamente, filhos (as), pais e amigos/as, pessoas queridas que convivem com a vítima, o que pode gerar uma série de traumas psicológicos, principalmente em crianças que veem suas mães sofrerem uma série de atos de violência doméstica até o desfecho de suas vidas.

Então, a inclusão dessa Lei significou que o Estado admitiu a condição de perigo de vida que milhares de brasileiras podem estar expostas, visto que é de suma importância identificar os homicídios contra as mulheres baseados na condição de gênero para que o Estado brasileiro trace estratégias para enfrentar a problemática. Desde que a Lei entrou em vigor, os casos de feminicídio aumentaram 62,7%4 (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019).

Segundo o FBSP (2019), o perfil de raça/cor nos revela que as mulheres negras são as vítimas mais vulneráveis para esse tipo de violência, isto porque o Estado da Bahia, que

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concentra a maior proporção de população negra do país, não enviou os seus dados para a análise, logo, supõe-se que essa porcentagem de mulheres da cor negra seja ainda maior.

Os gráficos abaixo revelam a vulnerabilidade das vítimas de acordo com as categorias raça/cor, idade e por vínculo com o autor do crime, no período compreendido entre 2017-2018. E por fim, apresentamos os números absolutos de casos de feminicídio no Brasil por ano, desde que a Lei foi promulgada em 2015 até 2018, segundo os dados divulgados nos Anuários Brasileiros de Segurança Pública da FBSP.

Gráfico 2 - Vítimas de Feminicídio, por raça/cor no Brasil: 2017-2018.

Fonte: Elaborado por FBSP (2019).

Desde a colonização a identidade, a cultura e os aspectos físicos de pessoas negras foram marginalizados e estereotipados como produto do que é pejorativo e subjugado, ou seja, o padrão branco, heteronormativo e burguês o qual rege nossa sociabilidade patriarcal-capitalista não aceita tudo aquilo que é negro. Esse racismo atinge os negros e negras do país de forma explícita ou “velada”, disseminando a violência e discriminação contra esse público em qualquer espaço da vida social.

Inúmeras pesquisas retratam que, na saúde, por exemplo, são as mulheres negras que representam os maiores índices de mortalidade materna. São elas também que exercem, majoritariamente, os trabalhos domésticos e recebem os mais baixos salários. Na educação, são os/as negros/as que ingressam mais tardiamente aos espaços escolares e são os/as que saem (“evadem”) mais precocemente. Em relação ao acesso à justiça, a desigualdade se mantém. As penas mais duras são aplicadas aos/às negros/as, mesmo quando cometem os mesmos crimes praticados por brancos/as (CFESS, 2016, p. 7).

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As meninas negras já crescem sendo vistas sob um ângulo objetificador, são as maiores vítimas da exploração sexual e, em virtude de que grande parte se origina de territórios mais vulnerabilizados (fruto racista de nossa sociedade escravocrata), são introduzidas prematuramente na prostituição. Essa formação histórica exprime o processo de exploração e subalternidade a que as mulheres negras são submetidas, onde seus corpos são demasiadamente sexualizados em vários espaços.

A ideologia machista, amparada no MPC, mercantiliza e situa o corpo da mulher como instrumento de super dominação do macho. Ele é demarcado pela objetificação sexual como forma de prazer disponível para ser usufruída conforme desejo masculino, explicando, dessa forma, o porquê de as mulheres negras serem a grande maioria das vítimas de violência sexual, o que caracteriza a importância de analisar as relações de gênero alicerçadas na categoria raça.

Gráfico 3 – Vítimas de Feminicídio, por vínculo com o autor. Brasil: 2017-2018.

Fonte: Elaborado por FBSP (2019).

Essa relação próxima com o autor do crime, na maioria dos casos, identifica o traço marcante da violência de gênero, o que constitui um dos desafios para as autoridades competentes que trabalham com políticas de prevenção e proteção da mulher, já que acontecem no interior de relações das quais esperamos segurança, e que frequentemente estão cobertas de estereótipos por dizer respeito ao âmbito doméstico e familiar, de que o lar é repleto de confiança e respeito.

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Gráfico 4 - Vítimas de Feminicídio, por faixa etária. Brasil: 2017-2018

Fonte: Elaborado por FBSP (2019).

Os dados acima mostram que a presença do feminicídio em todas as faixas etárias, porém, seu ápice se dá por volta dos trinta anos. Sendo mais específico, o FBSP (2019) mostra que a mortalidade de mulheres por sua condição de gênero ocorre de forma maior e significativa entre as que têm idade reprodutiva: 28,2% das vítimas tinham entre 20 e 29 anos, 29,8% tinham entre 30 e 39 anos e 18,5% tinham entre 40 e 49 anos quando foram mortas.

Gráfico 5 - Feminicídio no Brasil - Números Absolutos

Fonte: Elaborado pela autora (2019).

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 2015 2016 2017 2018

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A Lei Federal do Feminicídio ainda tem muitos entraves a serem superados para sua real efetivação até no que condiz a qualificar o assassinato da mulher devido sua condição de gênero, tanto por ser um instrumento legal recente quanto pelo machismo presente nos órgãos de segurança pública. Visando enfrentar tal resistência, é fundamental que os profissionais desse meio tenham acesso a processos de aprendizagem sobre o assunto.

A Lesão Corporal Dolosa - ação de uma pessoa contra outra que prejudique a integridade corporal ou a saúde da vítima – é mais uma forma brutal de violência de gênero, praticada na maioria das vezes por homens próximos. Ela é enquadrada na Lei Maria da Penha e, dados mostram que em 2017 foram registrados 252.895 casos e em 2018 esse número subiu para 263.067, o que significa um aumento de 0,8%. Além disso, a cada 2 minutos uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha (FBSP, 2019).

E, com relação ao estupro, o número desse tipo de violência sexual só cresce no Brasil. Em 2017 o número era de 63.157 e saltou para 66.041, resultando em um aumento de 4,1% dos casos registrados (FBSP, 2019). São números assustadores, mas, que refletem a realidade – notificada – da violência sexual no país, fruto de um sistema que domina e submete a mulher ao poder e superioridade masculina.

Sinteticamente, os números obtidos acerca da situação de violência sexual no Brasil no ano em que bateu recorde (2018) foram: 180 estupros por dia; 81,8% dos casos eram do sexo feminino; 53, 8% das vítimas tinham até 13 anos; 50,9% eram negras e 48,5% brancas e quatro meninas de até 13 anos foram estupradas a cada hora. Isso sem contar que as tentativas de estupro e as notificações que não chegam a 10% das situações em que as vítimas denunciam, então, podemos concretizar que os dados estão bem distantes da realidade, mas, são fundamentais para identificar o perfil dos agressores e das vítimas, como também, para alertar os segmentos da sociedade (FBSP, 2019).

Existem motivações para que meninas e mulheres não notifiquem à polícia a violência sexual, em diversos países, tais como o medo de retaliação do agressor (que na maioria dos casos é conhecido e a vítima já encontra-se intimidada por grave ameaça), medo da culpabilização que pode ser exposta após a denúncia e a descrença de suas palavras por parte das instituições de justiça e segurança pública, mas também, dependência econômica e afetiva.

Por fim,

A violência sexual revela o complexo contexto de poder, que marca as relações sociais entre os sexos com consequências gravíssimas para as mulheres, se observadas pelo lado das estratégias de invisibilização da violência sexual: todos veem, poucos sabem lidar com ela e muitos se omitem. Por violência sexual se compreende o estupro, tentativa de estupro, atentado violento ao pudor, sedução, atos obscenos e assédio, que podem ocorrer de

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forma conjugada, inclusive com outros tipos de violência física (lesão corporal, tentativa de homicídio, maus-tratos e ameaças). Os estupros são atos de crueldade física, psíquica e sexual, através dos quais se impõe uma relação hierárquica de poder entre os sexos, sem que a mulher seja sujeito da ação. Nesse sentido, a violência sexual pode ser interpretada como uma ação violenta manifestada por meio de um desejo de destruição. É porque a mulher violentada reconhece e percebe no sujeito violentador um desejo de destruição de sua intimidade, de poder de morte, de abuso e violação de seu corpo, que esta ganha um sentido de ação violenta. (OLIVEIRA, 2009, p. 36-37).

De acordo com Feitosa (2012), a indústria de entretenimento é um dos principais instrumentos de perpetuação da violência contra as mulheres, principalmente os meios de consumo de massa, como o meio musical. O feminino tornou-se um produto muito lucrativo na veiculação televisiva em propagandas de cerveja, programas de humor, novelas, talk shows e nas músicas, em uma personificação do ser mulher que oscila entre a santa e a vulgar, a partir da concepção do macho.

Isso reproduz uma,

[...] imagem estereotipada das mulheres, forjando identidades femininas com conotação pejorativa e de cunho depreciativo. [...] ao depreciarem o feminino, ao banalizarem os corpos, os atributos e qualidades que lhe são inerentes, colocam-se como limites “invisíveis” à construção de sujeitos sociais autônomos e capazes (FEITOSA, 2012, p. 17)

Essas são novas formas e roupagens que a ideologia patriarcal-machista usufrui para desnaturalizar o conjunto das desigualdades de gênero, já que se apresentando desse jeito corriqueiro no cotidiano, acaba dificultando ou até tornando incapaz a identificação de violação dos direitos das mulheres, ou pior, as próprias mulheres internalizam essa imagem fabricada pela mídia. Isto é, “[...] a adesão das mulheres cuja imagem é atingida diretamente e que, contraditoriamente, se constituem reprodutoras e legitimadoras “inconscientes” de formas de lazer que contribuem para oprimi-las” (FEITOSA, 2012, p. 33).

A despeito da mídia frequentemente veicular notícias de violência contra a mulher que comovem a população, as políticas públicas desenvolvidas pelo Poder Público no enfrentamento dessa questão seguem não dando a prioridade à essas ações urgentes. O Estado falha ao não garantir a vida de milhares de mulheres que sofrem em todos os ambientes a expressão da dominação dos homens, que estão cada vez mais violentos e agressivos. Dessa forma, prossegue o desafio de certificar o acesso à Justiça e aos direitos para mulheres em situação de violência.

Os dados da violência de gênero são crescentes e gritantes, apesar dos avanços conquistados pelo movimento feminista na luta pela diminuição/erradicação dessa violência.

Referências

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