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Os crimes fiscais no ordenamento jurídico de São Tomé e Príncipe

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Academic year: 2020

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“Quando existe um imposto, o homem justo pagará mais, e o desonesto pagará menos, para o mesmo montante de rendimento.”

Platão

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AGRADECIMENTO

Agradeço, primeiramente a Deus pelas maravilhas operadas na minha vida.

Ao Exmo. Senhor Professor Doutor Fernando Eduardo Batista Conde Monteiro, pela orientação, ensinamentos e disponibilidade.

A minha filha Jasmim Lima, que apesar das birras e noites sem dormir, tem sido a minha grande companheira, neste ano e meio longe de casa.

As minhas amigas Tamara e Flávia pela amizade e carinho.

A todos os funcionários do Consulado de África do Sul no Porto, em especial o Digníssimo Cônsul Honorário Dr. António Jorge Schneider da Silva, por toda ajuda prestada.

Ao meu marido Adayl Lima, pessoa no qual dedico a minha última palavra de profundo reconhecimento e gratidão, pelo incondicional e devotado apoio, estímulo, amor, carinho e inspiração com que me honrou, e honra em todos os momentos da nossa vida.

A todos aqueles que contribuíram, de uma forma ou de outra, para a realização deste trabalho, muito obrigada.

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vii RESUMO

O presente trabalho procura analisar como estão tipificados os crimes de fraude fiscal e abuso de confiança fiscal, no contexto do ordenamento jurídico-normativo de São Tomé e Príncipe. Os crimes de fraude e abuso de confiança fiscal são temas que marcam a atualidade, logo, a pertinência da sua abordagem. Face a obrigatoriedade do pagamento do imposto, os contribuintes quer por meio de conduta lícita ou ilícita, buscam formas de diminuir os encargos fiscais. A fuga fiscal é hoje encarada como uma atuação intolerável, neste sentido, surge a necessidade do ordenamento jurídico dotar-se de um direito fiscal punitivo para evitar a fraude e a evasão fiscal. Logo, a correta tipificação dos comportamentos evasivos e fraudulentos, revelam-se de grande relevância, pois poderá funcionar como meio preventivo, além de dissuadir novas práticas, bem como contribuir para uma maior consciência social do cidadão sobre o dever de cumprir as obrigações fiscais. Constatamos que os crimes de fraude fiscal e abuso de confiança fiscal estão previstos no Código Penal como crimes contra a economia. Deste modo, é de extrema importância que haja uma legislação única, clara, concisa, onde os crimes fiscais, bem como as respetivas consequências jurídicas possam ser melhor tipificadas. Isto é, uma legislação que disponha sobre princípios gerais aplicáveis aos crimes tributários e relativa também às contraordenações; que trate do processo penal tributário relativamente aos crimes tributários e o processo de contraordenação tributária; e que discipline as infrações tributárias em especial. Assim, o estudo conclui que se torna necessário a criação do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), conferindo assim maior uniformidade formal ao direito penal fiscal, permitindo deste modo, que os crimes tributários constem de um diploma próprio de aplicação subsidiária relativamente ao Código Penal de forma que possa haver uma autonomia do direito comum das condutas violadoras de disposições fiscais. Numa breve análise sobre os crimes de fraude e abuso de confiança fiscal, numa perspetiva comparada com os países do PALOP, relativamente a tipificação dos mesmos, constatamos que apenas um dos cinco países do PALOP tipifica os crimes de fraude e abuso de confiança fiscal no RGIT, nos restantes dos países os supracitados crimes encontram-se tipificados no Código Penal ou em legislação avulsa.

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ABSTRACT

The present work aims to analyze how crimes of tax fraud and abuse of fiscal trust are typified in the context of the legal and normative legal system of São Tomé and Príncipe. The crimes of fraud and abuse of fiscal trust are topics of current interest, thus the relevance of their approach. Due to the obligation to pay the tax, taxpayers, whether through lawful or illegal conduct, seek ways to reduce tax burdens. Tax evasion is now seen as an intolerable act, in this sense, the need arises for the legal system to provide itself with a punitive tax law to avoid fraud and tax evasion. Therefore, the correct classification of evasive and fraudulent behaviors is of great relevance, since it can act as a preventive means, as well as dissuade new practices, as well as contribute to a greater social awareness of the citizen about the duty to fulfill fiscal obligations. We ascertained that crimes of tax fraud and abuse of fiscal trust are provided in the Penal Code as crimes against the economy. It is therefore of the utmost importance to have a single, clear and concise legislation where tax crimes and their legal consequences can be better typified. namely, an legislation providing general principles applicable to tax crimes and also relating to misconduct; Which deals with tax criminal proceedings regarding tax crimes and the process of tax misconduct; And to discipline the tax offenses in particular. Thus, the study concludes emphasising the need of creating the General Tax Offenses Regime (GTOR), thus giving greater formal uniformity to the tax criminal law, thereby allowing tax offenses to entail of a proper diploma of subsidiary application in relation to the Penal Code law so that there may be an autonomy of the common law of conduct that violates tax provisions. In a brief analysis of the crimes of fraud and abuse of fiscal trust, in a perspective compared to the countries of the PALOP, regarding their classification, we realized that only one of the five countries of the PALOP typifies crimes of fraud and abuse of fiscal trust in the GTOR, In the remaining countries, the above mentioned crimes are classified in the Penal Code or in individual legislation.

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xi ÍNDICE

Resumo ……….… vii

Abstract ………...….. ix

Lista de abreviaturas e siglas ………...… xiii

Introdução ………..………15

CAPÍTULO I – O IMPOSTO 1.1 O Imposto ………19

1.2 Relação jurídica fiscal ………...25

1.3 O Sistema fiscal São-tomense ………....27

2. O Sistema penal São-tomense ………..….31

2.1 Direito penal ………....31

2.2 Direito penal fiscal ………..…34

CAPÍTULO II – OS CRIMES FISCAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO SÃO-TOMENSE 2.1 Disposições gerais ………..….43

2.2 O crime de fraude fiscal ………...44

2.3 O crime de abuso de confiança fiscal ………..49

2.4 Crimes fiscais como ofensa ao sistema económico ……….53

CAPÍTULO III – REAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO SÃO-TOMENSE À PRÁTICA DE CRIMES FISCAIS 3.1 Disposições gerais ………...57

3. 2 Medidas a nível do poder legislativo ………..58

3.3 Medidas a nível do poder administrativo ……….…..….59

3.4 Medidas a nível do poder judicial ………....63

CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS CRIMES DE FRAUDE E ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL NUMA PERSPETIVA COMPARADA COM O PALOP 4.1 Disposições gerais ………...65

4.1.2 Angola ………..65

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xii 4.1.4 Guiné-Bissau ………69 4.1.5 Moçambique ……….….70 CONSIDERAÇÕES FINAIS ……....……….……….73 RECOMENDAÇÕES …………...……….………..77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ……….……….79

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AF – Administração Fiscal Al. – Alínea

AON – Kwanza Angolano Art.º – Artigo

CGT – Código Geral Tributário

CIRC – Código do Imposto sobre Rendimento de Pessoas Coletivas CIRS – Código do Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares CP – Código Penal

CPP – Código Processo Penal

CPPT – Código Processo e Procedimento Tributário

CRDSTP – Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe CVE – Escudo Cabo-Verdiano

DL – Decreto-lei

DR – Diário da República IC – Imposto sobre o Consumo

IRC – Imposto sobre Rendimento de Pessoas Coletivas. IRS – Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares IS – Imposto de Selo

IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado LGT – Lei Geral Tributária

MT – Metical Moçambicano N.º – Número

Nºs – Números

PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa RDSTP – República Democrática de São Tomé e Príncipe STP – São Tomé e Príncipe

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INTRODUÇÃO

I – Apresentação e contextualização do tema

O tema que nos propomos tratar, em sede da presente dissertação, prende-se em analisar a tipificação dos crimes fiscais no ordenamento jurídico de São Tomé e Príncipe, bem como verificar as formas de reação do ordenamento jurídico São-tomense face a prática dos crimes fiscais, como já deixámos dito. Trata-se de um tema pertinente e atual. Por um lado, debruçarmo-nos sobre tal realidade poderá ser uma mais-valia e um importante contributo para uma maior reflexão e discussão crítica sobre a prática de crimes fiscais e, por outro lado, espera-se, que este trabalho de investigação possa servir de fonte para pesquisas futuras sobre o tema. Por se tratar de uma matéria cuja produção doutrinária é inexistente, logo atrevemo-nos a tecer algumas considerações relativamente ao tema objeto da investigação, com o objetivo de, modestamente, contribuir para o seu esclarecimento de forma a colmatar a escassez de estudos nesta matéria.

O Estado na prossecução dos seus objetivos, que visam a satisfação das necessidades da coletividade, sendo esta uma caraterística inerente ao Estado de Direito democrático e social, cria várias espécies de normas de forma a organizar e orientar a sociedade. Ao mesmo tempo que o Estado cria normas para determinar o tipo de comportamento a ser adotado pela sociedade, cria também as formas de sanções para tais comportamentos. Sendo a norma um dever ser, esse dever é cumprido com a conformação do comportamento humano à norma1. A ordem jurídica tem por objetivo levar os destinatários das normas ao efetivo cumprimento das mesmas. No entanto, sendo os destinatários das normas dotados de vontade própria, podem optar pelo incumprimento das mesmas. Em face da violação de determinada norma, isto é, incumprimento de um dever ou de uma obrigação, tem lugar o poder de punir do Estado2. Assim, a necessidade de recurso à sanção para levar os sujeitos a optarem pelo cumprimento das normas em detrimento do seu incumprimento é um dado irrecusável. O Estado no exercício do seu ius puniendi3

1 Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, 3.ª edição, Verbo, 2010, p. 33.

2“O poder punitivo é um dos poderes do Estado, de definir os comportamentos que constituem crimes, determinar as sanções aplicáveis aos agentes e aplica-lo no caso de desobediência aos imperativos dos preceitos criminais e às situações de perigosidade criminal”. Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 35.

3“O ius puniendi traduz-se no conjunto de normas jurídicas que o Estado cria para punir e reprimir a criminalidade, mediante pena (prisão ou multa) e medidas de segurança”. Cf. Paulo Marques, Infracções Tributárias, Contra-ordenações, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Volume II, Lisboa, 2007, p. 21.

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pode aplicar sanção a quem violar os preceitos legais, cujo objetivo é o de prevenir condutas futuras, ou seja, desincentivar a futura desobediência à norma, mas essa atuação do Estado deve estar em conformidade com a forma prescrita na lei, o que significa dizer que o poder punitivo do Estado encontra-se limitado por um conjunto de valores e princípios4. Esta função limitadora do poder punitivo do Estado constitui garantia do cidadão contra o arbítrio do poder, ao impedir a aplicação de sanções penais pela prática de factos que não sejam expressamente qualificados como crimes pelas normas penais5. Deste modo, o fundamento do direito de punir está na necessidade de assegurar as tarefas que ao Estado compete realizar e nessa necessidade encontra o seu limite6. Diríamos em termos sintéticos que uma conduta é merecedora de pena sempre que seja considerada socialmente danosa7. A pena comporta censura jurídica, privação de um bem ou de um direito, sujeição a vários constrangimentos por parte do responsável pelo facto ilícito8.

As relações entre o Estado e a sociedade vão evoluindo, em cada ordenamento jurídico e sofrendo alterações ao longo do tempo. Os crimes fiscais, mais concretamente o crime de fraude fiscal e abuso de confiança são temas que marcam a atualidade nos Estados modernos e em São Tomé e Príncipe. Assim, considerando que o imposto tem revelado como um meio fundamental para a realização das diversas atribuições inerentes ao Estado e face à necessidade do Estado recorrer, veemente aos impostos para se financiar; essa necessidade de financiar os Estados sociais levou a que os Estados se transformassem num Estado fiscal9. Assim, podemos considerar como Estado fiscal, aquele cuja principal forma de financiamento está no imposto. No entanto, “a fuga fiscal passou a ser encarada como uma intolerável atuação que vila os princípios da igualdade e fere, no fundo, a democracia”10. Logo, há toda uma necessidade do Estado implementar políticas de luta

contra as condutas abusivas e ilícitas, consciencializar os contribuintes da necessidade do cumprimento das obrigações fiscais, pois faz-se necessário o esclarecimento e a

4O princípio da legalidade fiscalconstitui um dos elementos essenciais do Estado de direito constitucional, “o princípio da legalidade fiscal, assumido como um princípio basilar de Direito Fiscal, poderá assumir-se como um limite à privatização da relação jurídica fiscal, na medida em que a produção normativa fiscal, nesse sentido, poderá resultar sujeita aos seus ditames” Cf. Hugo Flores da Silva,

Privatização do Sistema de Gestão Fiscal, 1.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 508.

5 Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 34. 6 Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 36. 7 Cf. José de Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal, 2. ª Edição, Coimbra Editora, 2009, p. 182. 8 Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 84.

9 Cf. Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais. Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador. Coimbra Editora, 2009, p. 18.

10 Cf. José Maria da Fonseca Carvalho, Sanções Acessórias no Âmbito do Regime Geral das Infrações Tributárias, in III Congresso de

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demonstração da utilização das receitas fiscais, isto é, o destino dado aos impostos, bem como recorrer ao sistema punitivo para assegurar o cumprimento das normas.

Deste modo, a pertinência deste estudo é no sentido de despertar maiores interesses, tanto por parte das autoridades São-tomense como dos cidadãos, pela importância que a receita arrecadada dos impostos tem na manutenção de um Estado, principalmente um Estado como o Estado São-tomense com grande dependência da economia em relação ao exterior e baixa mobilização de receitas internas, ou seja, com fraca capacidade de arrecadação de receitas face ao aumento das despesas públicas, uma vez que a economia nacional é altamente dependente da importação e faz com que esta seja dependente das receitas proveniente dos impostos indiretos e tendo em conta ser a base de produção e exportação bastante pequena faz com que a base fiscal também seja pequena ou reduzida. Logo, imprescindível se torna a unicidade dos impostos para a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades pública.

Ante tais factos, se aponta os problemas que serão propostos para debate na execução deste estudo. O nosso objetivo consiste na apreciação do ordenamento jurídico-normativo de São Tomé e Príncipe relativamente a matéria de crimes fiscais. No entanto, face à complexidade que o objeto suscita, elegemos, como tema de investigação, questões muito particulares; deixando tantas outras de fora do nosso estudo, como:

Como os crimes fiscais se encontram tipificados no ordenamento jurídico São-tomense? Quais os instrumentos jurídicos utilizados na tipificação desses crimes? Como o ordenamento jurídico São-tomense reage à prática de crimes fiscais? Será que a previsão de um Regime Geral das Infrações Tributárias poderia funcionar como um elemento dissuasor adicional de práticas de crimes fiscais?

A questão central, no qual deriva a importância deste estudo é de entender, por um lado, em termos de legislação existente, como estão tipificados os crimes fiscais, bem como observar como as autoridades tributárias São-tomense lidam com a prática de crimes fiscais, relativamente à questão de penalização dos infratores, considerando o facto de não existir no ordenamento jurídico São-tomense um Regime Geral das Infrações Tributárias e os crimes fiscais, como por exemplo o crime de fraude fiscal e abuso de confiança fiscal estarem estatuídos no Código Penal como crimes contra economia e, por outro lado, compreender como funciona o sistema penal fiscal de São Tomé e Príncipe quando não

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existe no país, no plano fiscal, legislação única, clara, concisa, tão pouco, no plano estrutural, um Tribunal Tributário, com magistrados especialmente preparados, tendo em conta que a estrutura organizacional dos tribunais em matéria do contencioso tributário e transgressões às leis e regulamentos tributários são julgados, nos exatos termos do artigo 16.º do Código Geral Tributário, pelos Tribunais Tributários Regionais que funcionam na dependência da Direção dos Impostos, sendo a função de juiz desempenhada, respetivamente, pelo Diretor dos Impostos e pelo Tribunal Tributário Nacional em que a função de juiz é desempenhada por um Magistrado designado pelo Conselho Superior Judiciário. Deste modo, pretendemos ilustrar a tipificação dos crimes fiscais e a sua penalização em São Tomé e Príncipe. Quanto a este último ponto, resta-nos verificar em que sentido deverá ser os comportamentos ilícitos do contribuinte sancionado.

II. Sequência da exposição do tema

Apresentado o tema da nossa investigação e delimitado o nosso objeto de estudo, passaremos à abordagem do modo como a presente dissertação será desenvolvida, com a indicação da sequência a que obedecerá a nossa exposição. Assim, dividimos o nosso trabalho em quatro capítulos. No Capítulo I - indagaremos sobre os impostos enquanto meio de financiamento fundamental do Estado e a relação jurídica fiscal decorrente da obrigação fiscal, bem como o sistema fiscal, abordaremos ainda sobre a criminalização dos ilícitos fiscais e a estreita relação existente entre o direito penal e o direito penal fiscal. No Capítulo II - debruçaremos a nossa atenção em especial sobre a tipificação dos crimes de fraude e abuso de confiança fiscal no ordenamento jurídico São-tomense. No Capítulo III - procuramos analisar as diversas medidas reativas que o ordenamento jurídico São-tomense poderá adotar no combate à prática dos crimes de fraude e abuso de confiança fiscal. No Capítulo IV - entendemos pertinente fazer uma análise sobre a tipificação dos crimes fraude e abuso de confiança fiscal numa perspetiva comparada nos ordenamentos jurídico-normativo dos países que fazem parte do PALOP, nomeadamente: República de Angola, República de Cabo Verde, República da Guiné-Bissau e República de Moçambique.

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CAPÍTULO I - O IMPOSTO

1.1 O Imposto

Um Estado para que seja efetivamente democrático e de direito necessita de uma Constituição, de uma lei que consagre as suas limitações, tendo em vista coibir o arbítrio. A Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe não faz referência expressamente que o suporte financeiro do Estado seja constituído pela figura do imposto. No entanto, a falta de tal referência não impede a natureza fiscal do Estado São-tomense. O Estado São-tomense assume-se como um Estado de direito social e humanista11, por um lado, com incumbências prioritárias no âmbito económico e social, visando a promoção da justiça social e repartição justa dos rendimentos, por outro lado, reconhecendo que só com a arrecadação de receitas é possível alcançar a justiça social e a promoção de igualdade dos cidadãos. Neste sentido, apresenta-se como um Estado fiscal quando afirma constitucionalmente que “todos os cidadãos têm o dever de contribuir para as despesas públicas, nos termos da lei”12.

José Casalta Nabais afirma que o atual estado é, na generalidade dos países contemporâneos um estado fiscal, o que consequentemente o traduz num “estado financeiro - um estado cujas necessidades materiais são cobertas através de meios de pagamento, ou seja, de dinheiro que ele obtém, administra e aplica”. Entretanto, há tarefas do estado que “embora satisfaçam necessidades individuais (…) não podem, no todo ou em parte, ser financiadas senão por impostos”13.

Saldanha Sanches refere-se ao conceito de “imposto como uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas e que surge quando a lei liga a uma determinada factispécie

11 Observa-se que nos exatos termos do artigo 1.º da CRDSTP que a nossa constituição é de natureza fundamentalmente humanista ao impor que a “República Democrática de São Tomé e Príncipe é um Estado soberano e independente, empenhado na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na defesa dos Direitos do Homem e na solidariedade activa entre todos os homens e todos os povos”. Cf. Lei n.º 7/90, DR n.º 13, de 20 de Setembro, revisão Lei n.º 1/03, de 29 de Janeiro, DR n.º 2.

12 Cf. Art. º 65. º, n. º 1 da CRDSTP.

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um dever de prestar, constitui a forma normal de financiamento do Estado contemporâneo”14.

A maioria da doutrina fiscal define o imposto enquanto meio de financiamento fundamental do Estado como uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva, coativa e sem caráter de sanção, ou seja, o imposto é considerado uma prestação de dar (concretizada em dinheiro), unilateral (não lhe correspondendo assim qualquer contraprestação específica a favor do contribuinte), definitiva (que não dá lugar a qualquer reembolso, restituição ou indemnização), coativa (uma prestação que tem por fonte a lei, que é estabelecida por lei), exigida (ou devida por) detentores (individuais ou coletivos) de capacidade contributiva a favor de entidades que exercem funções ou tarefas públicas, conquanto que não tenham caráter sancionatório15.

O poder de criar impostos e, naturalmente, de os cobrar constitui uma das funções atribuídas aos Estados modernos e esse poder se exterioriza através da norma tributária. A norma tributária, tal como qualquer norma jurídica é constituída por dois elementos: a previsão e a estatuição. O primeiro elemento é constituído por um conjunto de facto de cuja verificação depende o nascimento da obrigação fiscal, já o segundo elemento traduz-se na criação da obrigação fiscal, a qual impede sobre o sujeito a quem diz respeito o facto previsto na norma16. Ou seja, a previsão prevê a situação e a estatuição estatui a consequência jurídica pela verificação da situação descrita na previsão.

Podemos afirmar que em matéria de impostos existe uma fragmentação das normas jurídicas. O mesmo sucede com a criminalização das condutas contrárias às normas fiscais. Entretanto, no âmbito interpretativo, “a determinação do sentido das normas fiscais não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, segundo os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”17.

No ordenamento jurídico São-tomense os impostos são arrecadados por meio de cobrança virtual ou eventual18. Na cobrança virtual, a cobrança do imposto dá-se com a receção

14 Cf. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Lisboa, Lex, 1998, p. 13. 15 Cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 11.

16 Cf. João Sérgio Ribeiro, Teoria Geral do Imposto e da Norma Tributária, 2014, 3.ª edição, AEDUM, p. 124. 17 Cf. Art. º 2. º do CGT.

18 A cobrança é o conjunto de atos que visa a entrega efetiva do imposto aos cofres do Estado. A cobrança de imposto de forma virtual ou eventual vigorou no sistema fiscal português por meio do Decreto-lei n.º 45005, de 27 de Abril de 1963 (artigo 19.º). Hoje, vigoram

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prévia dos títulos pelo órgão tributário competente, que constitui o ato fixador da obrigação de cobrança, sendo que unicamente se extingue, pelo pagamento voluntário ou coercivo, pelo encontro com o título de anulação ou pela anulação da própria dívida19. Na cobrança eventual, a cobrança do imposto dá-se com a apresentação do título pelo interessado no serviço recetor no ato do pagamento, no dia da liquidação, salvo prazo especial20. Não sendo efetuado o pagamento no prazo da cobrança eventual, esta converte-se em cobrança virtual21. Nos termos do art.º 42.º do CGT são emitidos títulos de cobrança, denominados como “conhecimentos ou guias”, processadas em dois ou mais exemplares, sendo um, em que se anota o recibo, para o contribuinte. Os conhecimentos de cobrança são constituídos por um conhecimento principal e por tantos conhecimentos parciais quantas as prestações em que a coleta seja dividida, mencionando-se no primeiro a totalidade do imposto liquidado22. Os conhecimentos ou guias serão de modelo único e autenticados com o selo branco do serviço23. De acordo com o disposto no art.º 43.º do CGT pode ser antecipado o pagamento total do imposto, sendo a moratória expressamente proibida24. Segundo o art.º 45.º são publicados editais para a abertura do cofre independentemente da expedição dos avisos de cobrança. A liquidação ou pagamento fora dos prazos o contribuinte fica sujeito à cobrança virtual com juros de mora, à taxa mensal de 1/6 da taxa de referência do Banco Central25, depois da sua notificação para pagamento dentro dos quinze dias seguintes, procedendo-se à cobrança virtual durante o mês seguinte ao do débito à entidade encarregada da cobrança26.

São permitidos os pagamentos por cheque bancário visado e vale de correio27.

Ao falarmos dos impostos uma palavra deve ser dada a Administração Fiscal (AF). Em São Tomé e Príncipe a Administração Fiscal do Estado é exercida pela Direção dos Impostos que tem a incumbência de proceder à execução da política fiscal do Estado. Esta direção é fruto da reforma efetuada em 2001 no âmbito da reforma global da estrutura interna do Ministério do Planeamento e Finanças. Com efeito, a referida reforma operou à

as modalidades de pagamento voluntário (com ou sem juros de mora) ou coercivo (através do processo de execução fiscal). Cf. Suzana Tavares da Silva, Direito Fiscal, Teoria Geral, 2.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p, 162.

19 Cf. Art. º 41. º, n. º 2 do CGT. 20 Cf. Art. º 41. º, n. º 3 do CGT. 21 Cf. Art. º 41. º, n. º 4 do CGT. 22 Cf. Art. º 42. º, n. º 3 do CGT. 23 Cf. Art. º 42. º, n. º 4 do CGT. 24 Cf. Art. º 44. º do CGT. 25 Cf. Art. º 53. º do CGT. 26 Cf. Art. º 46. º do CGT. 27 Cf. Art. º 47. º do CGT.

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extinção da Direção de Finanças e criou três novas direções, a saber: Direção do Tesouro e Património, Direção do Orçamento e a Direção dos Impostos. Sendo que a criação de facto desta última direção não se fez acompanhar da adoção de um estatuto orgânico definidor, entre outros, das suas principais atribuições, constituindo tal facto impedimento ao seu pleno e regular funcionamento. Entretanto, a partir de 2005 a Direção dos Impostos passou a dispor de um Estatuto Orgânico próprio, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2005, DR, n.º 35, de 05 Dezembro. Assim, a Direção dos Impostos veio substituir nas suas missões às Repartições de Finanças, as quais cabia proceder à Administração Tributária do Estado. Deste modo, foram criadas as condições legais da sua operacionalidade e a fixação dos objetivos, competências e atribuições, bem como a definição da sua estrutura organizacional, funcional, de pessoal e do respetivo estatuto remuneratório.

A elaboração do Estatuto Orgânico da Direção dos Impostos assenta numa ideia fundamental que é a garantia da eficácia dos serviços, tendo em vista uma melhor prestação de serviços aos contribuintes. Para o efeito foram criados, como serviços de execução dois departamentos, a saber: o de Gestão Fiscal e Cobrança e o de Fiscalização e Ação Fiscal. Como serviços de apoio cria um departamento Técnico-Administrativo.

Constata-se porém que o referido estatuto orgânico, em matéria do contencioso tributário, assume claro atentado ao princípio que consagra o dever de neutralidade28 e desinteresse do juiz pela causa29, ao consagrar no seu artigo 19.º que os Tribunais Tributários Regionais

28 Segundo Caio Henrique Lopes Ramiro, a neutralidade do julgador é, muitas vezes, entendida como imparcialidade, mas não se pode mais admitir a confusão entre os conceitos. “A imparcialidade do julgador pode ser entendida como uma atitude omissiva do juiz para com o objeto do processo e as partes, com o intuito de garantir o contraditório e ampla defesa, sendo que ambas as partes devem ter a possibilidade de por à baila razões, que lhes fundamentam a pretensão de direito”. Isto é, enquanto, “a imparcialidade do juiz está ligada ao princípio do juiz natural, podendo, dessa forma, ser entendida como uma garantia dada ao jurisdicionado, sendo entendida como uma conduta omissiva para com estes; a neutralidade leva o julgador a um comportamento comprometido, ou seja, parcial, comportamento de compromisso com o ideal maior do Direito, que é a busca incessante da justiça”. Cf. Caio Henrique Lopes Ramiro, Imparcialidade e

Neutralidade: Identidade?, p. 6. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/25405-25407-1-PB.pdf. Consultado em 07 de Janeiro de 2017.

29 O dever do desinteresse do juiz pela causa está igualmente subordinada a um dever de imparcialidade, que é o mesmo que falar em princípio da imparcialidade. Segundo Rui Duarte Morais, o princípio da imparcialidade possui duas dimensões: relativamente às “garantias de imparcialidade no procedimento – o que é logrado através da previsão legal de incompatibilidades, impedimentos, e suspeições – e garantias de imparcialidade na própria decisão, ou seja, a obrigação de ponderação de todos os interesses envolvidos e da utilização de critérios objetivamente válidos, expressos na fundamentação das decisões”. Cf. Rui Duarte Morais, Manual de

Procedimento e Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 16 (itálico no original). Nesta mesma ordem de ideia, Joaquim Freita da Rocha afirma que em termos procedimentais, o órgão da Administração Tributária “deve levar ao procedimento todos os elementos probatórios que se lhe afiguram necessários e úteis à descoberta da verdade material, mesmo que, do ponto de vista estrito dos interesses patrimoniais da Administração, tal seja desfavorável”. Cf. Joaquim Freita da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª. edição, Coimbra Editora, 2014, p. 131. Deste modo, podemos concluir que segundo o princípio da imparcialidade o juiz deve colocar-se entre as partes e acima delas e não colocar-se ao mesmo tempo como uma das partes, como acontece no ordenamento jurídico São-tomense. O que significa dizer que há a necessidade de existir uma terceira pessoa, investida de jurisdição para o efeito, que possa preocupar-se unicamente com a obtenção da justiça para o caso posto em litígio. Considerando que o juiz tem o dever de decidir, e agindo assim terá de escolher uma ou outra parte, ou seja, entre as partes quem tem a razão. Logo, parece-nos óbvio que sendo o juiz também parte, desinteressada no processo, a sua decisão não será parcial. Uma vez que falar em juiz imparcial é o mesmo que dizer que o mesmo não deve ter qualquer interesse em relação às partes no processo.

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de São Tomé e do Príncipe funcionam na dependência da Direção dos Impostos e que a função de juiz é desempenhada, respetivamente, pelo Diretor dos Impostos e pelo Chefe da Delegação dos Impostos do Príncipe, no caso da Região Autónoma do Príncipe. Significa dizer que o referido DL confere ao diretor dos impostos além das competências gerais, também a competência de julgar certos processos contenciosos, uma vez que recai sobre o mesmo a função de juiz em processo de execução fiscal. Isto é, o diretor dos impostos chega a assumir simultaneamente o papel de juiz e parte. Questão essa passível de gerar inconstitucionalidade30. O mesmo estatuto no seu art.º 21.º dispõe que o “recrutamento do Director dos Impostos é feito por escolha, em regra, de entre os licenciados ou pós-graduados, preferentemente em Economia, Finanças, Direito, Gestão de Empresas ou Contabilidade, com experiência profissional de pelo menos quatro anos, dois dos quais em cargos de chefia”. Nesse caso, a função de juiz poderá vir a ser exercida por um indivíduo sem conhecimento jurídico para o efeito. O que gera, no nosso entender, uma certa confusão de funções entre a administração e os tribunais (diretor, diretor-juiz e juiz em sentido próprio), uma vez que ainda não foi criado o Tribunal Tributário Nacional para que a função do juiz possa ser efetivamente desempenhada por um Magistrado como determina a CGT. Observa-se, no entanto, que na letra da lei parece tudo muito bonito, mas a realidade é bem diferente.

“Os Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”31. “Na administração da justiça incumbe aos Tribunais assegurar a defesa

dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, dirimir os conflitos de interesse públicos e privados e reprimir a violação das leis”32. Logo, questionamos se

podemos falar em “justiça” e em “defesa dos direitos” dos cidadãos, quando deparamos com a total inobservância dos direitos e garantias dos contribuintes33. Considerando não haver o devido cumprimento do princípio da neutralidade e do desinteresse do juiz pela causa, tendo em conta que um Estado de Direito Democrático, em termos constitucionais, deve zelar pelo respeito da justiça, igualdade, certeza e legalidade.

30“São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. Cf. Art. º 144. º da CRDSTP.

31 Cf. Art. º 20. º, n. º 1 da CRDSTP. 32 Cf. Art. º 20. º, n. º 2 da CRDSTP.

33 Segundo o art.º 8.º, n.º 1 do CGT, constituem garantias gerais dos contribuintes: o direito à informação; o direito a não pagar impostos que não tenham sido estabelecidos em harmonia com a Constituição; o direito de não ser tributado mais de uma vez, com base na mesma matéria coletável em relação ao mesmo período de tempo e pelo mesmo imposto; a fundamentação e notificação de todos os atos praticados em matéria fiscal que afetem os seus direitos e interesses; os direitos de reclamação, impugnação, audição e oposição; o direito a juros indemnizatórios.

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No ordenamento jurídico São-tomense existem inúmeras situações de flagrante atentado aos direitos e garantias dos contribuintes. Um exemplo disto é o disposto no art.º 60.º, n.º 1 do CGT que afirma: “Salvas as prescrições especiais, é de quinze anos sem distinção de boa ou má-fé, o prazo de prescrição das dívidas fiscais, começando tal prazo a contar-se a partir da data de autuação do processo executivo”. Ora vejamos, o prazo de prescrição da dívida é de 15 anos e começa a contar a partir da autuação do processo executivo, o que acontece, muitas vezes, é que os processos são manipulados, pois o processo executivo se arrasta por muitos anos, e como demoram muito tempo, por vezes são incorporados outros títulos no processo e quando isso acontece, o prazo de prescrição interrompe, o processo fica parado durante anos outra vez, assim a prescrição dilata-se no tempo. Por outro lado, “se o devedor empregar no processo executivo qualquer meio que o juiz declare, por despacho, dilatório”34, a prescrição interrompe-se também. Isso significa que o cidadão

contribuinte encontra-se totalmente desprotegido, pois para além disso a garantia do juiz natural, imparcial e independente não existe como anteriormente fizemos referência. O que quer dizer, por outras palavras, que é a própria AF quem determina o imposto, pela sua liquidação, é a própria AF que o cobra pela execução fiscal e que é a própria AF quem que o pode vir a julgar.

Dispõe o art.º 60.º, n.º 3 do CGT que “correndo o processo à revelia, até terminar o prazo de prescrição pode esta ser julgada oficiosamente a favor do devedor”. Isso na prática não funciona porque sendo o juiz o próprio órgão da AF, este não terá nenhum interesse em conhecer oficiosamente da prescrição para não o impossibilitar de fazer a cobrança daquilo que quer cobrar.

Nos exatos termos do art.º 60.º, n.º 4 do CGT, mesmo sem haver processos instaurados, o juiz fiscal deverá conhecer oficiosamente da prescrição de todas as dívidas fiscais com mais de 30 anos. Logo, considera-se necessário a restruturação das normas para uma melhor proteção do cidadão contribuinte. Isto é, criação de normas que assentam numa ideia fundamental que é a garantia da eficácia dos serviços, uma vez que o que os contribuintes esperam no seu relacionamento com a AF é, antes de tudo, informação sobre a melhor forma de dar cumprimento as suas obrigações, garantia de celeridade no tratamento das suas situações, clareza e verdade na determinação dos factos.

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25 1.2 Relação Jurídica Tributária

A relação jurídica tributária segundo Joaquim Freita da Rocha “é um vínculo de natureza jurídica que se estabelece entre o credor de um tributo, grande parte das vezes o Estado, e um devedor, genericamente designado por contribuinte”35.

Nesse vínculo jurídico vamos encontrar de um lado, o sujeito ativo ou credor que “é a entidade de direito público, titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações fiscais, quer directamente, quer através de representante”36, e por outro lado, o sujeito

passivo que “é quem, nos termos da legislação fiscal, está obrigado ao cumprimento de uma prestação fiscal37, de natureza material ou formal, seja uma pessoa singular ou colectiva, uma entidade constituída observando ou não os requisitos legais, um património, uma organização de facto ou de direito ou qualquer outro agrupamento de pessoas”38. Não

adquire a qualidade de sujeito passivo quem: suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso hierárquico ou recurso contencioso nos termos das leis fiscais; ou quem deva prestar informações sobre assuntos fiscais de terceiros, exibir documentos, emitir opinião em processo administrativo ou judicial ou permitir o acesso a imóveis no local de trabalho39.

A relação jurídica tributária divide-se em relação jurídica obrigacional e relação jurídica complexa. Sendo que a primeira é vista como uma relação jurídica obrigacional, que consiste num vínculo jurídico, em virtude do qual determinada pessoa ou entidade fica adstrita para com a outra a realizar determinado comportamento ou prestação40. Por sua vez, a relação jurídica é complexa porque, por um lado, a sua estrutura nem sempre se reconduz ao esquema básico e binário; sujeito ativo – sujeito passivo, pode ocorrer, por vezes, a convocação de intervenção de terceiros41. Por outro lado, trata-se de uma obrigação complexa que se reflete no vínculo obrigacional em geral traduzido numa obrigação principal, que se materializa na obrigação de pagamento do tributo e no

35 Cf. Joaquim Freita da Rocha, Apontamentos de Direito Tributário, A Relação Jurídica Tributária, AEDUM, 2009, p. 6, (itálico no original).

36 Cf. Art. º 17. º do CGT.

37“Entende-se por prestação fiscal qualquer obrigação de um sujeito, estabelecida em legislação fiscal, quer se trate da obrigação de pagar impostos, de reter e entregar impostos por conta de outrem, de responder por uma obrigação de outrem, de apresentar declarações dentro dos prazos legais, de prestar um esclarecimento sobre a sua situação fiscal e de proporcionar à administração fiscal os dados e informações relacionados com o facto tributário, de prestar uma caução, de organizar a contabilidade e a escrita, ou de qualquer outra obrigação”. Cf. Art. º 18. º, n. º 1 do CGT.

38 Cf. Art. º 18. º do CGT. 39 Cf. Art. º 18. º, n. º 3 do CGT.

40 Cf. Joaquim Freita da Rocha, Apontamentos de Direito Tributário, A Relação Jurídica Tributária, ob. cit., p. 7. 41 Cf. Joaquim Freita da Rocha, Apontamentos de Direito Tributário, A Relação Jurídica Tributária, ob. cit., p. 7.

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correspondente direito de o exigir e uma série de obrigações acessórias, que traduzem-se em deveres acessórios de condutas que giram muitas das vezes em torno da obrigação principal de prestação42. Assim sendo, a relação jurídica fiscal desdobra-se em dois lados. “De um lado, na relação jurídica de imposto e, de outro lado, em diversas relações jurídicas acessórias, ou seja, na relação fiscal material e em múltiplas relações fiscais formais com os mais diversos conteúdos e diferentes intervenientes, muito deles sem qualquer ligação com a relação jurídica do imposto”43.

O Código Processo Tributário São-Tomense, no capítulo das relações tributárias afirma que “a personalidade tributária resulta da legislação fiscal e consiste na susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias”44. Afirma ainda que a “personalidade judiciária

resulta da personalidade tributária”45. Assim, “a capacidade tributária de exercício é

determinada nos termos da lei civil”46. A lei civil, por sua vez, determina que a

personalidade adquire-se no momento do nascimento com vida. O que significaria dizer que para se adquirir a personalidade tributária seria necessário ter a personalidade jurídica civil. Portanto, tal facto já não se sucede, pois, o legislador tributário veio prescrever no novo diploma (art.º 2.º, n.º 1, al. b) do CIRC) que são sujeitos passivos do IRC as entidades desprovidas de personalidade jurídica. Logo, os direitos e deveres tributários dos incapazes e das entidades sem personalidade jurídica são exercidos, respetivamente, nos exatos termos do art.º 25.º, n.º 2 da LGT, pelos seus representantes, designados de acordo com a lei civil, e pelas pessoas que administrem, legalmente ou de facto, os seus interesses, os quais devem pagar os tributos devidos pelos bens que administram e cumprir todas as obrigações tributárias com elas relacionadas.

A relação jurídica fiscal adquire alcance e significado jurídico distinto consoante o seu objeto, que pode ser imediato ou mediato. O primeiro é constituído pelo conjunto de direitos e vinculações que integram a relação jurídica, pois tratam-se de prestações (pagar, reembolsar, entregar declarações, manter contabilidade, informar, etc.) a que os diversos sujeitos estão adstritos. Enquanto o segundo, é a coisa ou o quid (quantia em dinheiro que

42 Cf. Joaquim Freita da Rocha, Apontamentos de Direito Tributário, A Relação Jurídica Tributária, ob. cit., p. 8. 43 Cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, ob. cit., p. 244.

44 Cf. Art. º 4. º, n. º 1 do CPT. 45 Cf. Art.º 4.º, n.º 2 do CPT. 46 Cf. Art.º 5.º, n.º 1 do CPT.

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se deve pagar, o documento que se deve entregar, etc.) sobre o qual incidem esses direitos e vinculações47.

São objetos da relação jurídica fiscal no ordenamento jurídico São-tomense, os créditos e a dívida fiscal, o direito de prestação acessória, o direito à dedução ou reembolso, o direito a juros compensatórios e o direito a juros indemnizatórios.

A obrigação fiscal constitui-se com a verificação dos factos previstos nas normas que definem a incidência do respetivo imposto.

Os factos podem ser eles constitutivos (art.º 16.º da CGT) e extintivos (art.º 92.º da CGT). Em caso do incumprimento por parte do contribuinte, a Administração Fiscal, através do processo de execução fiscal, goza de privilégio creditório, nos termos do art.º 61.º, n.º 1 do CGT, constituindo tal facto de garantia da obrigação, na qual responde o património do sujeito passivo. Face ao exposto, verifica-se que a relação jurídica tributária São-tomense é constituída por quatro elementos, a saber: sujeito, objeto, facto e garantia.

1.3 O Sistema Fiscal São-tomense

O sistema fiscal é entendido como “o conjunto de impostos e a forma como entre si eles se relacionam globalmente, na sua articulação lógica e na coerência social”48. Isto é, de uma

forma simples, o sistema fiscal pode ser entendido como “o conjunto de impostos vigentes num determinado país ou espaço geográfico, assume quer de ponto de vista estritamente financeiro, quer na sua influência sobre a atividade económica e social, leva a que existam preocupações sobre as caraterísticas que o mesmo deve revestir”49.

A estrutura fiscal é entendida como “a importância que os principais tipos ou grupos de impostos assumem no total das receitas fiscais, podendo este indicador ser calculado ao nível do sector público administrativo no seu conjunto (Administrações Públicas) ou dos seus vários subsectores (Estado, Região Autónomas, Autarquias Locais, Segurança Social,

47 Cf. Joaquim Freita da Rocha, Apontamentos de Direito Tributário, A Relação Jurídica Tributária, ob. cit., p. 7.

48 Cf. António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume II, 4.ª edição – 9.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2002, p. 168.

49 Cf. Paulo Trigo Pereira / António Afonso / Manuela Arcanjo / José Carlos Gomes Santos, Economia e Finanças Públicas, 5.ª Edição Revista e Actualizada, Escolar Editora, 2016, p. 216.

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etc.) ”50. Logo, a organização dos impostos varia de acordo com a preferência fiscal de

cada país.

A estrutura do sistema fiscal de STP é composta pelos impostos diretos e impostos indiretos51. Os impostos diretos dividem-se em: o imposto sobre o rendimento (Contribuição Predial Urbana, Impostos de Rendimentos e Imposto Sobre Salário) e outros (Contribuição Industrial Fixa, Imposto de Compensação, Imposto Sobre as Sucessões e Doações, Imposto de Sisa Sobre a Transmissão Imobiliária por Titulo Oneroso, Imposto Especial, Imposto Sobre Juros, Imposto Sobre Veículos Automóveis). Já os impostos indiretos dividem-me em: Aduaneiro - Direitos de Exportação (Imposto Sobrevalorizações, Imposto de 6% Sobre Valores Fiscais dos Produtos Agrícolas e Florestais Exportados, Contribuição Predial Rústica), Aduaneiro - Direitos de Importação (Contribuição Industrial Variável, Imposto de Tonelagem) e outros (Imposto de Selo, Selo de Assistência, Imposto de Consumo: a) Sobre a Importação, b) Sobre a Produção Local, Imposto de Justiça, Imposto de Farolagem, e outros.

O fenómeno da reforma fiscal hoje constitui uma preocupação permanente e generalizada dos Estados. A evolução da conjuntura económica São-tomense foi determinante para algumas alterações quantitativas ao sistema fiscal, tendentes a assegurar receitas necessárias à satisfação das despesas públicas. São exemplo disso os Decretos-lei nºs 9/93 á 17/93, de 05 de Março e os Decretos-lei nºs 42/93 á 46/93, de 10 de Agosto, respetivamente, que introduziram modificações substanciais no regime de tributação dos vários setores da economia nacional. Mas, a primeira grande reforma fiscal implementada no país, ocorreu em 2007 e a segunda em 2008. A Lei n.º 6/2007, DR, n.º 18, de 15 de Maio, aprovou o Código Geral Tributário (CGT) e a Lei n.º 7/2007, DR, n.º 20, de 21 de Maio, aprovou o Código de Processo e de Procedimento Tributário (CPPT), alterado por meio DL n.º 22/2016, DR n.º 179, de 28 de Novembro. Já a reforma de 2008 tinha como propósito separar, antes em vigor, o Código de Imposto sobre o Rendimento, aprovado pela Lei n.º 9/93, de 26 de Fevereiro, em dois diplomas legais distintos, mas complementares. Neste sentido, foram instituídos dois novos códigos, sendo: o Código do

50Cf. Paulo Trigo Pereira / António Afonso / Manuela Arcanjo / José Carlos Gomes Santos, Economia e Finanças Públicas, ob. cit., p. 301.

51São impostos “diretos, atendendo ao critério económico, os impostos que tributam manifestações permanentes de capacidade contributiva que tendem a protrair-se no tempo”. Por outro lado, “são indiretos os impostos que tributam manifestações ocasionais e/ou indiretas de capacidade contributiva”. Cf. João Ricardo Catarino, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 2.ª edição revista, atualizada e aumentada, Almedina, 2014, p. 436.

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Imposto sobre Rendimento de Pessoas Coletivas (CIRC), aprovado pela Lei n.º 16/2008, de 31 de Dezembro, e o Código do Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pela Lei n.º 17/2008, de 31 de Dezembro, os quais entraram em vigor a partir de 2 de Janeiro de 2009, com consequente revogação das leis até então vigentes. Pouco tempo depois, neste mesmo ano, ambos os códigos foram objeto de reforma, na qual foram introduzidas significantes modificações. Assim, primeira alteração do CIRC deu-se por meio da Lei n.º 10/2009, DR, n.º 67, de 08 de Outubro, enquanto o CIRS pela Lei n.º 11/2009, DR, n.º 68, de 08 de Outubro.

Esta reforma teve assumidamente como principais objetivos, introduzir um Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e um Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares que conciliasse os aspetos da Justiça Fiscal, a realização da justiça social e a simplificação no cumprimento dos deveres tributários. Com a reforma, a estrutura sistema fiscal São-tomense passou a contemplar os seguintes normativos: Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, o Imposto sobre o Consumo (IC), e o Imposto de Selo (IS) e outros pequenos impostos.

No entanto, podemos afirmar que o sistema fiscal da RDSTP ainda deixa muito a desejar. As alterações político-sociais recentemente verificadas na RDSTP não foram ainda acompanhadas pelo consequente ajustamento legislativo, mormente no que respeita ao sistema fiscal vigente. Sistema este, assentando basicamente numa produção legislativa que data do período em que São Tomé e Príncipe ainda era uma colónia de Portugal, posteriormente ajustado face a necessidades pontuais de caráter imediato. Por outras palavras, podemos afirmar e sem margem de erro que as legislações de STP de uma forma geral são autênticas cópias decalcadas do ordenamento jurídico português, com ligeiros “remendos”52. Entretanto, a triste realidade é que estamos no pleno século XXI e o

ordenamento jurídico do país é regido por uma quantidade excessiva de normas, que remontam a 20, 40 anos atrás e que revelam-se verdadeiramente obsoletas, sendo que alguns impostos constituem entrave aos contribuintes, pois apesar de reduzida expressão no quadro das receitas fiscais, apresentam-se como verdadeiros monumentos da burocracia, pelo seu elevado formalismo e pesada tramitação. Logo, necessitam de

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profundas reformas, por meio de instrumentos legais que promova a modernização e racionalização do sistema fiscal, em face as novas realidades.

Um bom sistema fiscal deve apresentar como requisitos fundamentais a equidade, a eficiência, a flexibilidade, a transparência, o baixo custo de funcionamento e uma eficácia financeira53. Logo, o sistema fiscal São-tomense ainda está longe de ser considerado como um bom sistema fiscal, pois verifica-se na prática várias situações de injustiça fiscal54. A título de exemplo, podemos citar um problema na qual se depara a realidade do sistema fiscal São-tomense, a saber, a existência de uma grande preocupação do Estado com a fiscalização de garantia de receita mais do que com o combate às atividades informais. Neste plano, são feitas fiscalizações às empresas que cumprem as suas obrigações fiscais, enquanto o comércio informal55 permanece sem regulamentação (não existem medidas de combate à economia informal, tão pouco a previsão de emissão obrigatórias de faturas que obedeçam a um modelo legal), o que gera o sentimento de injustiça em face a um tratamento desigual entre os operadores do setor formal com violação do princípio da igualdade,56 que constitui o mais importante princípio constitucional. Tal facto tem contribuído para gerar um incumprimento das obrigações fiscais, bem como para o incitamento de determinados operadores a privilegiar as operações informais. Logo, estaremos perante um país dominado pelo comércio informal, sendo esta uma realidade que propícia à fuga aos impostos.

53 (i) Equidade – a distribuição da carga fiscal entre os indivíduos deve ser equitativa e não arbitrária, devendo cada um suportar uma parcela considerada justa dos encargos com a atividade pública; (ii) Eficiência – os impostos devem ser escolhidos de molde a minimizarem as interferências como decisões eficientes dos agentes económicos tomadas em mercados competitivos; (iii) Flexibilidade – a estrutura dos impostos deve ser concebida de modo a constituir um instrumento eficaz de estabilização automática da conjuntura; (iv) Transparência – as regras tributárias devem ser, tanto quanto possível, estáveis e de fácil compreensão para os contribuintes, e permitir a responsabilização política dos governos pelas medidas fiscais tomadas; (v) Baixo custo de funcionamento – os custos associados à administração e cumprimento do sistema de impostos e regras fiscais devem ser tão baixos quanto o permitam os restantes objetivos da política fiscal; e (vi) Eficácia financeira – as receitas geradas por um sistema fiscal devem ser adequadas e suficientes para fazer face às necessidades financeiras e objetivos da política orçamental. Cf. Paulo Trigo Pereira / António Afonso / Manuela Arcanjo / José Carlos Gomes Santos, Economia e Finanças Públicas, ob. cit., p. 216 a 219.

54 O sistema fiscal deve ser justo. Segundo António L. de Sousa Franco o primeiro requisito de um sistema fiscal ideal é o da justiça. Afirma ainda o autor que a ideia da justiça fiscal, como conceito central e inspirador resulta, como concepção-base que deve presidir a qualquer sistema fiscal moderno, a noção de igualdade entre os cidadãos. Cf. António L. de Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito

Financeiro, ob. cit., p. 176.

55 O comércio informal é praticado por agentes que não pagam impostos e que escapam ao controlo administrativo.

56 O princípio de igualdade é aquele segundo a fórmula de “tratar de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente”. Segundo José Casalta Nabias o princípio de igualdade teve sempre ínsita sobretudo a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos do qual todos os cidadãos se encontram adstrito ao cumprimento de dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério, o de “capacidade contributiva”. Cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, ob. cit., p. 149. A capacidade contributiva pode ser evidenciada através do rendimento, do património e do consumo, e constitui um critério legítimo de diferenciação de tratamento dos contribuintes. Assim, quem revelar maior capacidade económica para pagar impostos deve pagar mais e quem manifestar menor capacidade económica deverá pagar menos”. Cf. Jónatas E. M. Machado / Paulo Nogueira da Costa, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2016, p. 62. Sobre o conceito de capacidade contributiva Cf. Joaquim Freita da Rocha,

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Ante o exposto, e face à ausência de medidas legislativas em matéria fiscal, faz-se necessário o Estado São-tomense continuar a promover a melhoria gradual do sistema fiscal existente, tendo em conta que os primeiros passos já foram dados nesse sentido com a criação do IRC e do IRS, embora ainda não sejam suficientes para o pleno alargamento da base tributária e a consequente arrecadação de receitas fiscais. Sabe-se porém que o Estado São-tomense pretende instituir em 2017/2018 o Imposto de Valor Acrescentado (IVA) na ordem jurídica do país, de forma a substituir o modelo atual que se caracteriza por uma multiplicidade de impostos indiretos. Trata-se de uma decisão importante para o efetivo alargamento da base tributária nacional e consequentemente permitirá um maior controlo à evasão e à fraude fiscal. Não obstante a tais medidas legislativas, faz-se necessário para o pleno alargamento da base tributária que sejam adotadas outros conjuntos de medidas que permitam a modernização do sistema de recolha de impostos e taxas de forma a permitir o fortalecimento da arrecadação de receitas. Entretanto, sendo o requisito primordial de um sistema fiscal ideal a justiça e a eficiência imprescindível se torna, e de forma oportuna, a existência e o bom funcionamento de tribunal fiscal independente. Algo que constitui um grande desafio ao Estado São-tomense, mas indispensável para a melhoria do sistema fiscal existente.

2. O SISTEMA PENAL SÃO-TOMENSE 2.1 Direito penal

O Direito Penal apresenta um conteúdo, que se apresenta fundamentalmente como um conjunto de normas, cuja intencionalidade geral é de procurar fazer com que os seus destinatários (os cidadãos em geral) não realizem determinados atos ou realizem determinados comportamentos57. Neste contexto, Fernando Conde Monteiro considera que o direito penal apresenta duas caraterísticas; por um lado, o direito penal define um conteúdo de ilicitude estabelecendo tipos incriminadores onde se descrevem condutas que se proíbem ou em certos casos se exigem e, por outro lado, faz adscrever à discrição destas condutas consequências jurídicas58. O referido autor, nas suas reflexões, atenta ainda ao

57 Cf. Fernando Conde Monteiro, Direito Penal I, Elsa Uminho, Braga, 2015, p. 13. 58 Cf. Fernando Conde Monteiro, Direito Penal I, ob. cit., p. 23

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facto de que as consequências jurídicas (penas e medidas de segurança59) são um meio ou processo técnico que visa assegurar o respeito pelas normas imanentes aos tipos legais do crime60.

O Direito Penal também chamado de “Lei penal” é também definido como “o ramo do Direito Público que define as infracções criminais e fixa as respectivas censuras”61. Nesse

sentido, o direito penal tem a função específica de, mediante a aplicação de penas, garantir, contra os atentados mais graves, o bem comum da sociedade62.

Por outro lado, M. Simas Santos e M. Leal Henriques consideram que o direito penal gira em volta do crime e da pena que lhe cabe. Sendo que, na conceção desses autores o crime se carateriza pelo facto humano, em regra voluntário, declarado punível pela norma jurídica e por sua vez, a pena será a sanção prevista em texto de lei para ser aplicada a quem tenha praticado um crime, tendo por finalidade a proteção do bem jurídico e a reintegração do infrator na sociedade63. Bem jurídico segundo Jorge Figueiredo Dias “é a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso”64. “A determinação do bem jurídico,

pré-positivo, constitui um critério legitimador da intervenção punitiva, com função crítica e vinculante da actuação do legislador ordinário, convocando princípios de dignidade penal e necessidade da pena, bem como o sentido e função do direito punitivo”65.

Face a tais conceitos, leva-nos à indagação sobre os fins das penas. Afirma Figueiredo Dias que as penas só podem ter natureza preventiva, prevenindo a prática de futuros crimes66. Nesta mesma ordem de ideias, Germano Marques da Silva nas suas considerações é de entendimento de que para se tentar alcançar que os comportamentos humanos sejam

59 A pena e a medida de segurança são “ambas consequência da prática de um facto objectivamente ilícito, distinguem-se na medida em que a pena traduz a reacção jurídica à culpabilidade do delinquente pelo mal do crime enquanto a medida de segurança traduz a reação jurídica à sua perigosidade”. Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 85.

60 Cf. Fernando Conde Monteiro, Direito Penal I, ob. cit., p. 24.

61 Cf. M. Simas Santos / M. Leal Henriques, Noções Elementares do Direito Penal, 2.ª ed., Editora Reis dos Livros, 2003, p. 11. 62 Cf. Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral I – A Lei Penal e a Teoria do Crime, II – Penas e Medidas de

Segurança, Almedina, 2010, p. 13.

63 Cf. M. Simas Santos / M. Leal Henriques, Noções Elementares do Direito Penal, ob. cit., p. 12.

64 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 43 (itálico no original).

65 Cf. Marisa Almeida Araújo, o Percurso do Discurso Legitimador do Direito Penal Tributário, O Crime de Fraude Fiscal – Reflexões, CIJE, 2010, p. 22.

Disponível em: file:///C:/Users/Utilizador/Downloads/Marisa%20Araujo.pdf. Consultado em 03 de Outubro de 2016.

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conformes à lei, o sistema jurídico-penal deverá prever consequências desfavoráveis para os violadores das normas, procurando reforçar a sua imperatividade. Prevendo, deste modo, as consequências do seu incumprimento, tendo as sanções penais um efeito preventivo, na medida em que as pessoas seriam estimuladas a cumprir as normas para não sofrerem o mal em que a sanção se traduz. Afirma ainda o autor que o direito penal deve procurar influir positivamente sobre a comunidade para lhes reforçar a consciência jurídica e a sua disposição para cumprir as normas67. Deste modo, podemos concluir que as sanções penais (penas e medidas de segurança) são meios que se serve o direito penal para realizar os seus fins de prevenção68. Por outro lado, “as sanções penais são meios de tutela repressiva, porque aplicáveis em consequência da violação de uma norma jurídica”69.

O direito penal como todo o direito visa a realização da justiça. O direito penal de justiça serve a tutela subsidiária de bens jurídicos como tais; pois, o direito penal de justiça está erigido numa função unicamente protetora de bens jurídicos70.

O ordenamento jurídico São-tomense, relativamente a matéria penal é constituído por dois diplomas fundamentais, sendo o Código Processo Penal (CPP), aprovado pela Lei n.º 5/2010, DR, n.º 54, de 10/08/ 2010 e o Código Penal (CP), aprovado pela Lei n.º 6/2012, DR, n.º 95, de 06/08/ 2012. Antes da aprovação desses dois diplomas, vigorava em STP as leis herdadas do tempo colonial.

Por vicissitudes várias só foi possível, depois de trinta anos de independência, proceder à revisão do CPP, mantendo-se em vigor o Código do Processo Penal português de 1929, publicado pelo Decreto n.º 16489, de 15 de Fevereiro, com ligeiras alterações. Este código manteve-se também em vigor em Portugal e foi substituído pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, com várias alterações, como é sabido.

67 Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 63.

68“O Direito Penal tem por função a prevenção da criminalidade e a garantia das pessoas contra os eventuais abusos do poder e estas funções hão-de fazer-se com respeito dos princípios democráticos: respeito da pessoa, legalidade das incriminações e das penas, aplicação jurisdicional das penas, tutela dos bens jurídicos, exigência de culpabilidade como pressuposto da punição, subsidiária das incriminações, proporcionalidades das sanções, humanização das penas e da sua execução”. Cf. Germano Marques da Silva, Direito

Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 81.

69 Cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, Introdução e Teoria da Lei Penal, ob. cit., p. 83.

70 Cf. Marisa Almeida Araújo, A Sociedade do Risco e a Criminologia, in III Congresso de Direito Fiscal, Coordenado por Glória Teixeira, VidaEconómica, 2013, p. 365.

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